Domingo, Maio 5, 2024

O que e o Gnosticismo? Enciclopédia Católica.

A doutrina da salvação pelo conhecimento. Essa definição, baseada na etimologia da palavra (gnosis “conhecimento”, gnostikos “bom em conhecer”), está correta bem como funciona, mas dá somente uma, embora talvez a predominante, característica dos sistemas gnósticos de pensamento. Enquanto o Judaísmo e o Cristianismo, e quase todos os sistemas pagãos, sustentam que a alma atinge seu devido fim pela obediência da mente e vontade ao Poder Supremo, isto é, pela fé e obras, é marcadamente peculiar ao Gnosticismo que ele coloque a salvação da alma meramente na posse de um conhecimento quase intuitivo dos mistérios do universo e das fórmulas mágicas indicativas desse conhecimento. Os gnósticos foram “pessoas que conheceram” e o seu conhecimento os constituiu de uma só vez numa classe superior de seres, cujo estado presente e futuro foi essencialmente diferente do estado daqueles que, por qualquer que seja a razão, não conheciam. Uma definição mais completa e histórica de Gnosticismo seria:

Um nome coletivo para um grande número de seitas enormemente variáveis e panteístas-idealistas que floresceram a partir de algum tempo antes da Era Cristã até o século V e que, enquanto emprestava a fraseologia e alguns dos princípios das religiões principais da época, particularmente do Cristianismo, sustentavam que a matéria fosse uma deterioração do espírito e o universo inteiro, uma depravação da Divindade. E ensinavam que o fim último de todo ser era a superação da ruindade da matéria e o retorno ao Espírito-Pai, cujo retorno eles sustentam que seja inaugurado e facilitado pela aparição de algum Salvador enviado por Deus.

Ainda que essa definição possa ser insatisfatória, a obscuridade, a multiplicidade e a confusão selvagem dos sistemas gnósticos dificilmente permitirão uma outra. Além do mais, muitos especialistas afirmariam que toda tentativa de dar uma descrição genérica de seitas gnósticas é trabalho perdido.

 

ORIGEM

Há muito tempo os primórdios do Gnosticismo foram um assunto de controvérsia e ainda são amplamente um objeto de pesquisa. Quanto mais essas origens são estudadas, mais longe parecem retroceder no passado.

Enquanto em princípio o Gnosticismo era considerado na maioria das vezes uma corrupção do Cristianismo, agora parece claro que os primeiros traços dos sistemas gnósticos podem ser discernidos alguns séculos antes da Era Cristã. Sua origem oriental já foi sustentada por Gieseler e Neander. F. Ch. Bauer (1831) e Lassen (1858) procuraram provar sua relação com as religiões da Índia. Lipsius (1860) apontou a Síria e a Fenícia como seu lar. E Hilgenfeld (1884) pensou que ele estava conectado com o Masdeísmo posterior. Joel (1880), Weingarten (1881), Koffmane (1881), Anrich (1894) e Wobbermin (1896) procuraram levar em conta o crescimento do Gnosticismo pela influência da filosofia platônica grega e mistérios gregos, enquanto Harnack o descreveu como “helenização apurada do Cristianismo”.

No entanto, pelos últimos vinte e cinco anos, a tendência dos estudos se moveu constantemente em direção a provar as origens orientais pré-cristãs do Gnosticismo. No Quinto Congresso de Orientalistas (Berlin, 1882), Kessler trouxe a conexão entre Gnose e a religião babilônica. Com esse último nome, no entanto, ele não quis dizer a religião original da Babilônia, mas a religião sincretista que surgiu depois da conquista de Ciro. A mesma ideia é trazida em seu “Mani” sete anos depois. No mesmo ano, F. W. Brandt publicou seu “Mandiäische Religion”. Essa religião mandeísta é tão inequivocamente uma forma de Gnosticismo que parece sem sombra de dúvida que o Gnosticismo existiu independente e anteriormente ao Cristianismo.

Em anos mais recentes (1897), Wilhelm Anz apontou a semelhança próxima entre a astrologia babilônica e as teorias gnósticas da Hebdômada e Ogdóade. Ainda que em muitas instâncias especulações sobre a Astral Lehre babilônica tenham ido além de todo estudo moderado, nessa instância particular as inferências feitas por Anz parecem boas e confiáveis. Pesquisas na mesma direção foram continuadas e instituídas numa escala maior por W. Bousset, em 1907, e conduziram cuidadosamente a resultados apurados. Em 1898 a tentativa foi feita por M. Friedländer para delinear o Gnosticismo no Judaísmo pré-cristão. Sua opinião de que o termo rabínico Minnim designava não cristãos, como comumente se acreditava, mas gnósticos antinomianos, não encontrou aceitação universal. De fato, E. Schürer trouxe prova suficiente para mostrar que Minnim é o equivalente dialetal arameu para ethne. No entanto, o ensaio de Friedländer guarda seu valor por delinear fortes tendências antinomianas com o disfarce gnóstico sobre solo judeu.

Não poucos especialistas trabalharam para encontrar a fonte de teorias gnósticas sobre solo helênico e especificamente alexandrino. Em 1880, Joel procurou provar que o germe de todas as teorias gnósticas devia ser encontrado em Platão. Ainda que isso possa ser repudiado como um exagero, alguma influência grega sobre o nascimento, mas particularmente sobre o crescimento, do Gnosticismo não pode ser negada. Na literatura trismegista, conforme apontado por Reitzenstein (Poimandres, 1904), encontramos muito do que é estranhamente aparentado do Gnosticismo. Sua origem egípcia foi defendida por E. Amélineau, em 1887, e ilustrada por A. Dietrich, em 1891 (Abraxas Studien) e 1903 (Mithrasliturgie). A relação da filosofia de Plotino com o Gnosticismo foi trazida por C. Schmidt em 1901. Que o pensamento alexandrino tenha tido alguma ação pelo menos no desenvolvimento do Gnosticismo cristão é claro pelo fato de que a massa da literatura gnóstica que possuímos nos vem de fontes egípcias (cópticas). No entanto, que essa ação não foi uma predominante é reconhecido por O. Gruppe em seu “Griechische Mythologie und Religionsgeschichte” (1902). É verdade que os mistérios gregos, conforme G. Anrich apontou em 1894, tiveram muito em comum com o Gnosticismo esotérico, mas ainda permanece a questão de quão longe esses mistérios gregos, conforme os conhecemos, foram o produto genuíno do pensamento grego e não muito devido à influência avassaladora do orientalismo.

Mesmo que as origens do Gnosticismo ainda sejam amplamente obscuras, tanta luz foi lançada sobre o problema pelos trabalhos combinados de muitos especialistas que é possível dar a seguinte solução preliminar: ainda que à primeira vista o Gnosticismo possa parecer um mero sincretismo irrefletido de quase todos os sistemas religiosos na Antiguidade, na realidade ele tem um princípio de raiz profundo, que assimilou em todo solo o que é necessário para sua vida e crescimento. Esse princípio é o pessimismo filosófico e religioso.

Os gnósticos, é verdade, emprestaram sua terminologia quase inteiramente de religiões existentes, mas eles somente a usaram para ilustrar sua grande ideia do mal essencial desta existência presente e o dever de escapar dela pela ajuda de palavras mágicas e um Salvador super-humano. O que quer que seja que tenham emprestado, esse pessimismo eles não emprestaram: nem do pensamento grego, que foi um reconhecimento alegre e um respeito ao belo e ao nobre neste mundo, com um desprezo intencional do elemento de angústia; nem do pensamento egípcio, que não permitiu que suas especulações elaboradas sobre a retribuição e julgamento no submundo lançassem uma escuridão sobre esta existência presente, mas considerava o universo criado ou evoluído sob a sabedoria dirigente de Tot; nem do pensamento iraniano, que sustentava a supremacia absoluta de Aúra-Masda e somente permitiu a Arimã uma ação subordinada na criação, ou melhor na contracriação do mundo; nem do pensamento brâmane indiano, que foi Panteísmo puro e simples, ou Deus habitando, ou melhor, identificado com o universo, em vez de o universo existente como o contraditório de Deus; nem, finalmente, do pensamento semítico, pois as religiões semíticas foram estranhamente reticentes quanto ao destino da alma após a morte, e viram toda a sabedoria prática na adoração de Baal ou Marduk ou Assur ou Hadad para que pudessem viver mais tempo nesta terra.

Esse pessimismo total, lamentando a existência do universo inteiro como uma corrupção e uma calamidade, com um desejo febril de, a partir do corpo, ser libertado desta morte e uma esperança louca de que, se nós somente conhecêssemos, poderíamos desfazer o feitiço maldito dessa existência por meio de algumas palavras místicas – este é fundamento de todo o pensamento gnóstico. Ele tem o mesmo terreno paterno que o Budismo, mas o Budismo é ético. Ele se esforça para obter seu fim pela extinção de todo desejo. O Gnosticismo é pseudointelectual e confia exclusivamente no conhecimento mágico. Além do mais, o Gnosticismo, colocado em outros meios históricos, desde o início desenvolveu-se sobre outras linhas que não o Budismo.

Quando Ciro entrou na Babilônia em 539 a.C., dois grandes mundos de pensamento se encontraram, e o sincretismo, até onde o conhecemos, começou na religião. O pensamento iraniano começou a se misturar com a antiga civilização da Babilônia. A ideia da grande luta entre o mal e o bem, sempre contínua neste universo, é a ideia-mãe do Masdeísmo, ou dualismo iraniano. Isso e a existência imaginada de inúmeros espíritos, anjos e devas intermediários, são a convicção que superou o contentamento do Semitismo.

Por outro lado, a confiança inabalável na Astrologia, a persuasão de que o sistema planetário tinha uma influência fatalista sobre as coisas neste mundo, permaneceram firmes sobre o solo da Caldeia. A grandeza do Sete (a Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, o Sol, Júpiter e Saturno – a sagrada Hebdômada), simbolizada durante milênios pelas torres organizadas da Babilônia, permaneceu intacta. De fato, eles deixaram de ser adorados como deuses, mas permaneceram archontes e dynameis, regras e poderes cuja força quase irresistível foi temida pelo homem. Praticamente, eles foram mudados de deuses a devas, ou espíritos maus. A religião dos invasores e dos invadidos efetuaram um compromisso: a fé astral da Babilônia era verdadeira, mas além da Hebdômada estava a luz infinita na Ogdóade, e cada alma humana tinha que passar pela influência adversária do deus ou deuses da Hebdômada antes que pudesse ascender ao único Deus bom acolá. Essa subida da alma através das esferas planetárias ao céu acolá (uma ideia não desconhecida mesmo para as especulações babilônicas antigas) começou a ser concebida como uma luta com poderes adversos, e se tornou a ideia primeira e predominante no Gnosticismo.

O segundo grande componente do pensamento gnóstico é a magia, assim chamada propriamente, isto é, o poder ex opere operato de nomes, sons, gestos e ações estranhos, bem como a mistura de elementos para produzir efeitos totalmente desproporcionais à causa. Essas fórmulas mágicas, que causavam riso e desgosto a estranhos, não são uma corrupção posterior e acidental, mas uma parte essencial do Gnosticismo, pois elas são encontradas em todas as formas de Gnosticismo cristão e semelhantemente no Mandeísmo. Nenhuma Gnose era essencialmente completa sem o conhecimento das fórmulas, que, uma vez pronunciadas, eram a anulação dos poderes hostis mais altos. A mágica é o pecado original do Gnosticismo, nem é difícil adivinhar donde é herdada. Até certo ponto ela formou parte de toda religião pagã, particularmente os mistérios antigos, entretanto os milhares de tabletes mágicos desenterrados na Assíria e Babilônia nos mostram onde o crescimento exuberante da magia devia ser encontrado. Além disso, os termos e nomes do Gnosticismo antigo carregam uma semelhança inequívoca aos sons e palavras semíticos.

Primeiramente o Gnosticismo entrou em contato com o Judaísmo, e revela um conhecimento do Antigo Testamento, quisera rejeitá-lo ou emprestar alguns nomes dele. Considerando as colônias judias fortes, bem organizadas e altamente cultas no vale de Eufrates, esse primeiro contato com o Judaísmo é perfeitamente natural. Talvez a ideia gnóstica de um Redentor não esteja desconectada das esperanças messiânicas judias. Mas desde o início a concepção gnóstica de um Salvador é mais super-humana do que aquela do Judaísmo popular. Sua Manda d’Haye, ou Soter, é alguma manifestação imediata da Divindade, uma Luz-Rei, um Éon (Aion) e uma emanação do Deus bom.

Quando o Gnosticismo entrou em contato com o Cristianismo, que deve ter acontecido quase imediatamente junto à sua aparição, o Gnosticismo se arremessou com rapidez surpreendente nas formas cristãs de pensamento, emprestou sua nomenclatura, reconheceu Jesus como Salvador do mundo, simulou seus sacramentos, fingiu ser uma revelação esotérica de Cristo e seus apóstolos, inundou o mundo com Evangelhos apócrifos, e Atos, e Apocalipses, para fundamentar sua pretensão. Conforme o Cristianismo cresceu dentro e fora do Império Romano, o Gnosticismo se espalhou como um fungo em sua raiz, e alegou ser a única forma verdadeira de Cristianismo, impróprio, de fato, para a multidão vulgar, mas posto à parte para os dotados e eleitos. Tão rançoso foi seu crescimento venenoso que parecia haver perigo de seu Cristianismo todo repressor, e os padres antigos devotaram suas energias para extirpá-lo. Embora na realidade o espírito do Gnosticismo seja totalmente estranho àquele do Cristianismo, ele parecia então aos incautos meramente uma modificação ou refinamento seu. Quando domiciliado em solo grego, o Gnosticismo, mudando levemente sua terminologia bárbara e semítica e dando nomes gregos às suas “emanações” e “sizígias”, soava algo como Neoplatonismo, embora fosse fortemente repudiado por Plotino. No Egito a adoração nacional deixou sua marca mais sobre a prática gnóstica do que sobre suas teorias.

Ao lidar com as origens do Gnosticismo, pode-se estar tentado a mencionar o Maniqueísmo, visto que um número de ideias gnósticas parece ser emprestado do Maniqueísmo, onde obviamente elas estão em casa. No entanto, isso dificilmente estaria correto. O Maniqueísmo, conforme conectado historicamente com Mani, seu fundador, não pode ter surgido muito antes de 250 d. C., quando o Gnosticismo já estava em rápido declínio. No entanto, o Maniqueísmo, em muitos de seus elementos, data muito além de seu fundador comumente aceito. Mas então é um desenvolvimento paralelo à Gnose em vez de uma de suas fontes. Às vezes o Maniqueísmo é mesmo classificado como uma forma de Gnosticismo e Gnose estilizada de parses, assim como distinto da Gnose síria e egípcia. No entanto, essa classificação ignora o fato de que os dois sistemas, embora eles tenham em comum a doutrina do mal da matéria, começam de princípios diferentes: o Maniqueísmo do dualismo, enquanto o Gnosticismo, como um Panteísmo idealista, procede da concepção da matéria como uma deterioração gradual da Divindade.

 

DOUTRINAS

Devido à multiplicidade e divergência de teorias gnósticas, uma exposição detalhada neste artigo seria insatisfatória e confusa, e mesmo ilusória numa certa medida, visto que o Gnosticismo nunca possuiu um núcleo de doutrina estável ou qualquer espécie de depositum fidei em torno do qual um número de desenvolvimentos variados e heresias ou seitas podem ser agrupados. Ele teve no máximo algumas ideias condutoras, que são mais ou menos claramente rastreáveis em diferentes escolas. Além do mais, uma ideia justa de doutrinas gnósticas pode ser obtida em artigos sobre líderes e fases do pensamento gnóstico (por exemplo, BASÍLIDES; VALENTIM; MARCIÃO; DOCETISTAS; DEMIURGO). Aqui indicaremos somente algumas fases principais do pensamento, que podem ser consideradas como chaves e que, ainda que não se adequando a todos os sistemas, abrirão a maioria dos mistérios da Gnose.

 

COSMOGONIA

O Gnosticismo é o Panteísmo finamente disfarçado. No princípio era a Profundeza; a Completude do Ser; o Deus Não Ser; o Primeiro Pai, a Mônada, o Homem; a Primeira Fonte, o Deus desconhecido (Bythos pleroma, ouk on theos, propator, monas, anthropos, proarche, hagnostos theos), ou qualquer outro nome por que possa ser chamado. Esse Algo infinito indefinido, embora possa ser indicado pelo título do Deus Bom, não foi um Ser pessoal, mas, como o Tad de Brama dos hindus, o “Grande Desconhecido” do pensamento moderno. No entanto, o Deus Desconhecido foi pura espiritualidade no início. Ainda não havia a matéria como tal.

Essa fonte de todo ser faz com que emane (proballei) de si mesma diversas forças de espírito puro. Nos diferentes sistemas, essas emanações são diferentemente nomeadas, classificadas e descritas, mas a própria teoria da emanação também é comum a todas as formas de Gnosticismo. Na Gnose basilidiana, elas são chamadas de filiações (uiotetes); no Valentianismo, elas formam pares antitéticos ou “sizígias” (syzygoi); a Profundidade e o Silêncio produzem a Mente e a Verdade; essas produzem a Razão e a Vida, essas por sua vez o Homem e o Estado (ekklesia). De acordo com Marcos, elas são números e sons. Essas são as raízes primárias dos éons. Com fertilidade desconcertante, hierarquias de éons são assim produzidas, algumas vezes no número de trinta. Esses éons pertencem ao mundo puramente ideal, numenal, inteligível ou suprassensível. Eles são imateriais. Eles são ideias hipostáticas. Junto à fonte da qual eles emanam eles formam o pleroma.

A transição do imaterial ao material, do numenal ao sensível, é causada por uma falha, ou uma paixão, ou um pecado, num dos éons. De acordo com Basílides, é uma falha na última filiação. De acordo com outros, é a paixão do éon feminino, Sofia. De acordo com outros ainda, é o pecado do Grande Arconte, ou Éon-Criador, do Universo.

O último fim de toda a Gnose é a metanoia, ou arrependimento, a anulação do pecado da existência material e o retorno ao pleroma.

 

O MITO DE SOFIA

No grande número de sistemas gnósticos, um importante papel é exercido pelo éon Sabedoria – Sofia ou Acamot. Em algum sentido, ela parece representar o princípio feminino supremo, como por exemplo: no sistema ptolomaico, no qual a mãe dos sete céus é chamada Acamot; no sistema valentiniano, no qual he ano Sophia, a Sabedoria acima, é distinta de he kato Sophia, ou Acamot, o primeiro ser, o princípio feminino no mundo numenal; e no sistema arcontiano, onde encontramos uma “Mãe Luminosa” (he meter he photeine), e no qual além dos céus dos arcontes é he meter ton panton; e semelhantemente na gnose de Barbelo, onde a Barbelo feminina é apenas a contraparte do Pai Desconhecido, que também ocorre entre os ofitas descritos por Irineu (Contras as Heresias, III.7.4).

Além disso, a oração eucarística nos Atos de Tomé (capítulo 1) parece endereçada a esse princípio feminino supremo. A sugestão de W. Bousset – a de que a Sofia gnóstica não é senão um disfarce para a Dea Syria, a grande deusa Istar, ou Astarte – parece digna de consideração. Por outro lado, o éon Sofia geralmente exerce um outro papel: ela é he Prouneikos ou “A Concupiscente”, uma vez que a deusa virginal, que por ela cai da pureza original, é a causa deste mundo material pecaminoso.

Uma das primeiras formas desse mito é encontrada na gnose simoniana, na qual Simão, o Grande Poder, encontra Helena, que durante dez anos fora uma prostituta em Tiro, mas que é a ennoia, ou entendimento, de Simão, e a quem seus seguidores adoravam sob a forma de Atena, a deusa da sabedoria.

De acordo com o sistema de Valentim, conforme descrito por Hipólito (Livro VI, 25-26), Sofia é a mais jovem dos vinte e oito éons. Observando a multidão de éons e o poder de gerá-los, ela se apressa para voltar à profundeza do Pai, e procura emulá-lo produzindo descendência sem relações conjugais, mas projeta somente um aborto, uma substância sem forma. Logo após isso, ela é expulsa do pleroma. De acordo com o sistema valentiniano, conforme descrito por Irineu (Contra as Heresias I) e Tertuliano (Contra os Valentinianos 9), Sofia concebe uma paixão pelo Primeiro Pai mesmo, ou ainda, sob pretexto de amor ela procura conhecê-lo, o Incognoscível, e compreender sua grandeza. Ela deveria ter sofrido a consequência de sua audácia pela dissolução ultimata na imensidão do Pai, mas pelo Espírito Fronteira. De acordo com Pistis Sophia (cap. XXIX), Sofia, filha de Barbelos, originalmente habitava no altíssimo, ou décimo terceiro céu, mas ela é seduzida pelo demônio Audácia por meio de um raio de luz, que ela confundiu com uma emanação do Primeiro Pai. Assim, Audácia a atraiu ao Caos abaixo dos doze éons, onde ela foi presa por poderes do mal.

Segundo essas ideias, a matéria é fruto do pecado de Sofia. No entanto, isso foi apenas um desenvolvimento valentiniano. Nas especulações mais antigas, a existência da matéria é tacitamente pressuposta como eterna com o pleroma, e, através de seu pecado, Sofia cai do reino da luz ao Caos ou reino da escuridão.

No entanto, esse dualismo original foi superado pelo espírito predominante do Gnosticismo, Emanacionismo panteísta. O mito de Sofia está completamente ausente dos sistemas basilidiano e aparentados. Sugere-se, com grande verossimilhança, que o mito egípcio de Ísis foi a fonte original da “sabedoria menor” gnóstica. Em muitos sistemas, essa Kato Sophia é nitidamente distinta da Sabedoria Maior mencionada acima, como, por exemplo, na fórmula mágica para os mortos mencionada por Irineu (I.21.5), na qual o que partiu tem que dirigir-se aos arcontes hostis assim: “Eu sou um hospedeiro mais precioso do que a fêmea que te fez. Se tua mãe ignora a fonte donde ela é, eu conheço a mim mesmo, e sei donde sou e invoco a Sofia incorruptível, que está no Pai, a mãe da tua mãe, que não tem nem pai nem marido. Um homem-mulher, nascido de uma mulher, te fez, sem conhecer sua mãe, mas considerando-a sozinha. Mas eu invoco sua mãe.” Isso concorda com o sistema minuciosamente descrito por Irineu (I.4-5), onde Sofia Acamot, ou Sabedoria Menor, a filha da Sabedoria Maior, se torna a mãe do Demiurgo. Sendo ela a Ogdóade e seu filho a Hebdômada, eles formam uma contraparte da Ogdóade celestial nos pleromas. Evidentemente, essa é uma tentativa desajeitada de fundir em um dois sistemas radicalmente diferentes, o basilidiano e o valentiniano. A ignorância do Grande Arconte, que é a ideia central de Basílides, é transferida aqui para Sofia, e o sistema híbrido termina na confusão desconcertante.

 

SOTERIOLOGIA

A salvação gnóstica não é meramente a redenção individual de cada alma humana. É um processo cósmico. É o retorno de todas as coisas ao que elas foram antes que a falha na esfera dos éons trouxesse a matéria à existência e aprisionasse alguma parte da Luz Divina na hylé (Hyle) má. Essa libertação das faíscas de luz é o processo de salvação. Quando toda a luz tiver deixado a hylé, ela será queimada, destruída ou uma espécie de inferno eterno para os “hylicoi”.

No Basilidianismo, é a Terceira Filiação que está cativa na matéria, e está gradualmente sendo salva, agora que o conhecimento de sua existência foi trazido ao primeiro Arconte e então ao segundo Arconte, a cada um por seu respectivo Filho. E a notícia foi difundida através da Hebdômada por Jesus, o filho de Maria, que morreu para redimir a Terceira Filiação.

No Valentianismo, o processo é extraordinariamente elaborado. Quando esse mundo nasceu de Sofia em decorrência de seu pecado, Nous e Aleteia, dois éons, por ordem do Pai, produzem dois novos éons, Cristo e o Espírito Santo. Estes restauram a ordem no pleroma, consequentemente todos os éons juntos produzem um novo éon, Jesus, Logos, Soter ou Cristo, aquele que eles oferecem ao Pai. Cristo, o Filho de Nous e Aleteia, tem pena da substância abortiva nascida de Sofia e lhe dá essência e forma. Logo após isso, Sofia tenta de novo subir ao Pai, mas em vão. Agora, o éon Jesus-Soter é enviado como segundo Salvador, ele se une ao homem Jesus, o filho de Maria, em seu batismo, e se torna o Salvador dos homens. O homem é uma criatura do Demiurgo, um composto de alma, corpo e espírito. Sua salvação consiste no retorno de seu pneuma ou espírito ao pleroma, ou se ele for somente um psíquico, não um pleno gnóstico, sua alma (psyche) retornará a Acamot. Não há ressurreição do corpo. (Para mais detalhes e diferenças, ver VALENTIM).

No Marcionismo, a fase mais dualista do Gnosticismo, a salvação consistia na posse do conhecimento do Deus Bom e a rejeição do Demiurgo. O Deus Bom se revelou em Jesus e apareceu como homem na Judeia. Conhecê-lo, e se tornar inteiramente livre do jugo do Mundo-Criador ou do Deus do Antigo Testamento, é a finalidade de toda a salvação.

O Salvador-Gnóstico, portanto, é inteiramente diferente do cristão, pois o Salvador Gnóstico não salva. O Gnosticismo carece da ideia de expiação. Não há pecado a ser expiado, salvo se a ignorância for esse pecado. Nem o Salvador, em qualquer sentido, beneficia a raça humana por sofrimentos vicários. Enfim, ele tampouco afeta imediata e ativamente qualquer alma humana individual pelo poder da graça ou a atrai a Deus. Ele foi um professor: uma vez ele trouxe a verdade ao mundo, que sozinho pode se salvar. Como uma chama põe nafta no fogo, a luz do Salvador inflama almas predispostas movendo a corrente do tempo. O Gnosticismo não sabe nada de um Salvador real que com amor humano e Divino procura pecadores para salvá-los.

O Salvador gnóstico não tem natureza humana. Ele é um éon, não um homem. Ele somente parecia um homem, como os três anjos que visitaram Abraão pareciam ser homens. (Para uma exposição detalhada, ver DOCETISTAS). O éon Soter é levado a Sofia na relação mais curiosa: em alguns sistemas ele é sua mãe, em outros seu filho, em outro ainda sua esposa. Às vezes ele é identificado com Cristo, às vezes com Jesus. Às vezes Cristo e Jesus são o mesmo éon, às vezes eles são diferentes. Às vezes Cristo e o Espírito Santo são identificados. O Gnosticismo fez o melhor possível para utilizar o conceito cristão do Espírito Santo, mas quase nunca teve êxito. Fê-lo o Horos ou Methorion Pneuma (Horos, Metherion Pneuma), o Espírito-Fronteira, o Doce Odor da Segunda Filiação, um éon companheiro com Christos etc. Em alguns sistemas, ele é inteiramente deixado de lado.

 

ESCATOLOGIA

É mérito de estudo recente ter provado que a escatologia gnóstica, consistindo na luta da alma com arcontes hostis na sua tentativa de alcançar o pleroma, é simplesmente a ascensão da alma, na astrologia babilônica, através dos reinos dos sete planetas a Anu.

Orígenes (Contra Celso VI.31), referindo-se ao sistema ofita, nos dá os nomes dos sete arcontes como Jaldabaot, Jao, Sabaot, Adonaios, Astafaios, Ailoaios e Oraios, e nos diz que Jaldabaot é o planeta Saturno. Astafaios é sem sombra de dúvida o planeta Vênus, visto que há joias gnósticas com uma figura feminina e a legenda ASTAPHE, nome que é usado também em palavras mágicas como o nome de uma deusa. No sistema mandeísta, Adonaios representa o Sol. Além do mais, Santo Irineu nos diz: “Sanctam Hebdomadem VII stellas, quas dictunt planetas, esse volunt.” É seguro, portanto, tomar os sete nomes gnósticos acima como designando as sete estrelas, então consideradas planetas:

  • Jaldabaot (Filho do Caos? – Saturno, chamado “a Face de Leão”, leontoeides) é o extremo, portanto o governador chefe, e depois sobre o Demiurgo por excelência.
  • Jao (Iao, talvez de Jahu, Javé, mas possivelmente também do grito mágico iao nos mistérios) é Júpiter.
  • Sabaot (o título do Antigo Testamento – Deus dos Exércitos) foi mal compreendido. “dos Exércitos” foi pensado como um nome próprio, logo Júpiter Sabbas (Jahve Sabaoth) foi Marte.
  • Astafaios (tomado dos tabletes mágicos) foi Vênus.
  • Adonaios (do termo hebraico para “o Senhor”, usado por Deus; Adônis dos sírios representando o sol do Inverno na tragédia cósmica de Tamuz) foi o Sol.
  • Ailoaios, ou às vezes Ailoein (Eloim, Deus), Mercúrio.
  • Oraios (Jaroah? Ou luz?), a Lua.

Na forma helenizada do Gnosticismo, todos ou alguns desses nomes são substituídos por vícios personificados. Autádia (Authades), ou Audácia, é a descrição óbvia de Jaldabaot, o Demiurgo presunçoso, que tem face de leão como o arconte Autádia. Dos arcontes Kakia, Zelos, Phthonos, Errinnys, Epithymia, o último obviamente representa Vênus. O número sete é obtido colocando um proarconte ou arconte chefe no comando. Que esses nomes sejam somente um disfarce para a Santa Hebdômada é claro, pois Sofia, a mãe deles, retém o nome de Ogdoas, Octonatio. Ocasionalmente, alguém se encontra com o arconte Esaldaios, que, evidentemente, é o El Shadai da Bíblia, e ele é descrito como o arconte “número quatro” (harithmo tetartos) e deve representar o Sol.

No sistema dos gnósticos mencionado por Epifânio, nós encontramos, como os sete arcontes, Iao, Saclas, Set, Davi, Eloiein, Elilaios e Jaldabaot (ou nº 6 Jaldabaot, nº 7 Sabaot). Desses, Saclas é o demônio chefe do Maniqueísmo. Elilaios provavelmente está conectado com En-lil, o Bel de Nipur, o antigo deus da Babilônia. Neste, como em diversos outros sistemas, os traços do sete planetário foram obscurecidos, mas dificilmente em qualquer um eles se tornaram totalmente apagados. O que mais tendia a obliterar a distinção em sete foi a identificação do Deus dos judeus, o Legislador, com Jaldabaot e sua designação como Criador do Mundo, enquanto primeiramente os sete planetas juntos governavam o mundo. No entanto, essa confusão foi sugerida pelo próprio fato de que pelo menos cinco dos sete arcontes geraram nomes para Deus no Antigo Testamento: El Shadai, Adonai, Eloim, Jeová, Sabaot.

 

DOUTRINA DO HOMEM PRIMITIVO

As especulações sobre o Homem Primitivo (Protanthropos, Adão) ocupam um lugar proeminente em diversos sistemas gnósticos.

De acordo com Irineu (I.29.3), o éon Autógenes emite o Anthrôpos verdadeiro e perfeito, também chamado Adamas. Ele tem um ajudante, “Conhecimento Perfeito”, e recebe uma força irresistível, de maneira que todas as coisas descansem nele. Outros dizem (Irineu, I.30) que há uma luz abençoada, incorruptível e sem fim no poder de Bythos. Esse é o Pai de todas as coisas que é invocado como o Primeiro Homem, que, com sua Ennœa, emite “o Filho do Homem”, ou Euteranthrôpos.

De acordo com Valentim, Adão foi criado no nome de Anthrôpos e intimida os demônios pelo medo do homem pré-existente (tou proontos anthropou). Nas sizígias valentinianas e no sistema marcosiano, nós encontramos no quarto lugar (originalmente o terceiro) Anthrôpos e Ecclesia. Na Pistis Sophia, o éon Jeu é chamado de Primeiro Homem. Ele é o feitor da Luz, mensageiro do Primeiro Preceito, e constitui as forças do Heimarmene. Nos Livros de Jeu esse “grande Homem” é o Rei do Tesouro de Luz. Ele é entronado acima de todas as coisas e é a meta de todas as almas. Segundo os naassenos, o Protanthropos é o primeiro elemento, o ser fundamental antes de sua diferenciação em indivíduos. “O Filho do Homem” é o mesmo ser depois que foi individualizado em coisas existentes e assim afundou na matéria.

Portanto, o Anthrôpos gnóstico, ou Adamas, como é chamado às vezes, é um elemento cosmogônico, mente pura já que distinto da matéria, mente concebida hipostaticamente como emanação de Deus e não ainda escurecida pelo contato com a matéria. Essa mente é considerada como a razão da humanidade, ou a própria humanidade, como uma ideia personificada, uma categoria sem corporeidade, a razão humana concebida como a Alma do Mundo.

Essa especulação sobre o Anthrôpos é completamente desenvolvida no Maniqueísmo, onde, de fato, ele é a base do sistema inteiro. Deus, em perigo do poder da escuridão, cria com a ajuda do Espírito, os cinco mundos, os doze elementos e o Homem Eterno, e o faz combater a escuridão. Mas esse Homem é de alguma forma superado pelo mal e engolido pela escuridão. O universo presente está em agonia para entregar o Homem cativo dos poderes da escuridão. Nas Homilias Clementinas, o Anthrôpos cosmogônico está estranhamente misturado com a figura histórica do primeiro homem, Adão. Adão “foi o profeta verdadeiro, atravessando todas as épocas e se precipitando para descansar”; “o Cristo, que foi desde o início e é sempre, que esteve sempre presente em cada geração de uma maneira oculta na verdade, entretanto sempre presente”. De fato, Adão foi, para usar linguagem modernista, a Divindade imanente no mundo e sempre se manifestando à consciência interior dos eleitos.

A mesma ideia, um pouco modificada, ocorre na literatura hermética, particularmente o “Poimandres”. Ele é elaborado por Filo, faz uma distinção engenhosa entre o ser humano criado primeiro “à imagem e semelhança de Deus” e as figuras históricas de Adão e Eva criadas depois. Adão é kat eikona: “Ideia, Gênero, Caráter, pertencente ao mundo, de Entendimento, sem corpo, nem masculino nem feminino. Ele é o Início, o Nome de Deus, o Logos, imortal, incorruptível” (De opif. mund., 134-148; De conf. ling., 146). Essas ideias no Talmudismo, Filonismo, Gnosticismo e literatura trismegista, todas vêm de uma fonte, o desenvolvimento masdeísta tardio dos gayomartianos, ou adoradores do Super-Homem.

 

A BARBELO

Essa figura gnóstica, aparecendo em diversos sistemas, os nicolaítas, os “gnósticos” de Epifânio, os setianistas, o sistema do “Evangelium Mariae” e aquele em Irineu, I.29.2 sq., permanece um enigma em certa medida. O nome barbelo, barbeloth, barthenos não foi explicado com certeza. Em todo caso, ela representa o princípio feminino supremo, de fato é a Divindade mais alta no seu aspecto feminino. Barbelo tem a maioria das funções da ano Sophia conforme descrito acima. Seu lugar entre alguns gnósticos era tão proeminente que algumas escolas foram designadas como Barbeliotae, adoradores de Barbelo ou barbelognósticos. Provavelmente ela não é senão a Luz-Donzela da Pistis Sophia, a thygater tou photos ou simplesmente a Donzela, parthenos. Em Epifânio (Haer., XXVI, 1) e Filástrio (Haer., XXXIII), Parthenos (Barbelos) parece idêntica a Nória, que exerce um grande papel como esposa ou de Noé ou de Set. A sugestão de que Nória seja “Donzela”, parthenos, Istar, Atena, Sabedoria, Sofia ou Acamot, parece digna de consideração.

 

RITOS

Não somos tão bem informados acerca do lado prático e ritual do Gnosticismo como somos acerca de seu lado doutrinário e teórico. No entanto, o relato de Santo Irineu sobre os marcosianos, de Hipólito sobre os elcesaites, as partes litúrgicas dos “Acta Thomae”, algumas passagens nos Pseudoclementinos, e acima de tudo a literatura cóptica gnóstica e mandeísta nos dá pelo menos alguma compreensão sobre suas práticas litúrgicas.

 

BATISMO

Todas as seitas gnósticas possuíam esse rito de alguma forma. No Mandeísmo, o batismo diário é uma das grandes práticas do sistema. As fórmulas usadas pelos gnósticos cristãos parecem ter variado grandemente daquela apreciada por Cristo. Os marcosianos diziam: “No [eis] nome do Pai desconhecido de todos, na [eis] Verdade, a Mãe de todos, nele, que desceu em Jesus [eis ton katelthonta eis Iesoun].” Os elcesaites diziam: “No [en] nome do grande e mais alto Deus e no nome do seu Filho, o grande Rei.” Em Irineu (I.21.3) encontramos a fórmula: “No nome que foi escondido de toda divindade e senhorio e verdade, cujo [nome] Jesus o Nazareno pôs sobre as regiões de luz” e muitas outras fórmulas, que às vezes foram pronunciadas em hebraico ou aramaico. Os mandeístas diziam: “O nome da Vida e o nome da Manda d’Haye está nomeado sobre ti.” Em conexão com o Batismo, o Sphragis foi de grande importância. Não é fácil dizer em que consistia o selo ou sinal com o qual foram marcados. Havia também a tradição de um nome por declaração ou por entregar um tablete com alguma palavra mística nele.

 

CONFIRMAÇÃO

A unção do candidato com crisma, ou pomada odorífera, é um rito gnóstico que ofusca a importância do batismo. Nos “Actae Thomae”, assim mantêm alguns especialistas, ela substituiu completamente o batismo e foi o único sacramento de iniciação. No entanto, isso ainda não está provado. Os marcosianos foram tão longe a ponto de rejeitar o batismo cristão e de substituir uma mistura de óleo e água que eles punham sobre a cabeça do candidato.

Pela confirmação, os gnósticos pretendiam não tanto dar o Espírito Santo para selar os candidatos contra os ataques dos arcontes ou afastá-los pelo doce odor que está acima de todas as coisas (tes uter ta hola euodias). De alguma forma, o bálsamo devia ter fluído da Árvore da Vida, e essa árvore ainda estava misticamente conectada com a Cruz. Pois a crisma nos “Acta Thomae” é chamada de “o mistério escondido no qual a Cruz é mostrada para nós.”

 

EUCARISTIA

É notável que tão pouco seja conhecido sobre substituto gnóstico da Eucaristia. Em diversas passagens lemos sobre a quebra do pão, mas não é fácil determinar em que isso consistia. O uso de sal nesse rito parece ter sido importante (Clemente, Hom. XIX), pois lemos manifestamente como São Pedro quebrou o pão da Eucaristia e “pondo sal nele, ele deu primeiro à mãe e então a nós.” Há, além disso, uma grande semelhança, embora sem certeza, de que a Eucaristia referida nos “Acta Thomae” fosse meramente uma quebra de pão sem o uso da taça. Esse ponto é fortemente controvertido, mas o contrário dificilmente pode ser provado. Não há dúvida de que os gnósticos frequentemente substituíam água por vinho (Acta Thomae, Batismo de Migdônia, cap. CXXI). Nós não sabemos qual fórmula de consagração era usada, mas o pão certamente era marcado com a Cruz. Deve-se notar que os gnósticos chamavam a Eucaristia pelos termos sacrificiais cristãos – prosphora, “oblação”, Thysia (II livro de Jeû, 45). Nos Livros Cópticos (Pistis Sophia, 142; II Jeû, 45-47), encontramos uma longa descrição de algumas cerimônias aparentemente eucarísticas realizadas pelo próprio Jesus. Nessas, são usados fogo e incenso, dois frascos, e também duas taças, uma com água e a outra com vinho, e ramos do vinho. Cristo coroa os apóstolos com oliveiras, implora que Melquisedeque venha e transforme o vinho em água para o batismo, ponha ervas nas bocas e mãos dos apóstolos. Não se pode saber se de alguma forma essas ações refletem o ritual do Gnosticismo ou se são somente imaginações do autor. Os gnósticos também parecem ter usado óleo sacramentalmente para a cura do doente, e mesmo os mortos foram ungidos por eles para que estivessem seguros e invisíveis em seu trânsito através dos reinos dos arcontes.

 

O Nymphôn

Eles possuíam um sacramento gnóstico especial da câmara nupcial (nymphon) na qual, através de algumas ações simbólicas, suas almas eram casadas com seus anjos no pleroma. Detalhes de seus ritos ainda não são conhecidos. Tertuliano sem dúvida aludiu a eles nas palavras “Eleusinia fecerunt lenocinia”.

 

As vogais mágicas

Uma proeminência extraordinária é dada à declaração das vogais: alpha, epsilon, eta, iota, omicron, upsilon, omega. O Salvador e Seus discípulos devem, no meio de suas frases, ter iniciado sons inarticulados intermináveis de apenas vogais; feitiços mágicos devem ter vindo a nós consistindo em vogais pelos oitenta; nos amuletos, as sete vogais, repetidas conforme todos os tipos de artifícios, formam uma inscrição muito comum. Nos últimos anos, essas vogais gnósticas, por tanto tempo um mistério, foram o objeto de estudo cuidadoso por Ruelle, Poirée e Leclercq, e pode ser considerado provado que: cada vogal representa um dos sete planetas ou arcontes; que as sete juntas representam o Universo, mas sem consoantes elas representam o Ideal e o Infinito ainda não aprisionado e limitado pela matéria; que elas representam uma escala musical, provavelmente como o tom gregoriano ré-ré ou d, e, f, g, a, b, c, e muitas folhas de vogais são de fato uma folha de música. Mas a pesquisa sobre esse assunto apenas começou. Entre os gnósticos, os ofitas foram particularmente orgulhosos por representar suas especulações cosmogônicas através de diagramas, círculos dentro de círculos, quadrados e linhas paralelas, e outras figuras matemáticas combinadas, com nomes escritos dentro delas. Não sabemos quão longe esses diagramas sagrados foram usados como símbolos em sua liturgia.

 

Escolas de Gnosticismo

O Gnosticismo não possuía uma autoridade central para a doutrina ou disciplina. Considerado como um todo, ele não tinha organização semelhante à vasta organização da Igreja Católica. Era apenas uma grande conglomeração de seitas, das quais o Marcionismo sozinho tentou de alguma forma rivalizar com a constituição da Igreja, e mesmo o Marcionismo não tinha unidade. Nenhuma outra classificação dessas seitas é possível além daquela conforme sua corrente principal de pensamento. Portanto, podemos distinguir: (a) síria ou semítica; (b) helênica ou alexandrina; (c) dualista; (d) gnósticos antinomianos.

 

A escola síria

Essa escola representa a fase mais antiga do Gnosticismo, já que a Ásia Ocidental foi o lugar de nascimento do movimento. Pode-se dizer que pertencem a essa escola: Dositeu, Simão Mago, Menandro, Cerinto, Cerdão, Saturnino, Justino, os bardesanes, severianos, ebionitas, encratitas, ofitas, naassenos, os gnósticos dos “Atos de Tomé”, os setianistas, os peratas, os cainitas.

Os elementos mais fantásticos e genealogias elaboradas e sizígias de éons da Gnose posterior ainda estão ausentes nesses sistemas. A terminologia é alguma forma bárbara de semítico. Egito é o nome simbólico para a terra da escravidão da alma.

A oposição entre o Deus bom e o Criador do Mundo não é eterna ou cosmogônica, ainda que exista forte oposição ética a Jeová, o Deus dos judeus. Ele é o último dos sete anjos que formou este mundo fora da matéria eternamente pré-existente. Os anjos demiúrgicos, tentando criar o homem, criaram apenas um verme miserável, ao qual o Deus Bom, no entanto, deu a centelha de vida divina. A regra do deus dos judeus deve morrer, pois o Deus bom nos chama ao seu próprio culto imediato através de Cristo seu Filho. Nós obedecemos à Divindade Suprema pela abstenção de carne e casamento, e pela condução de uma vida ascética.

Tal era o sistema de Saturnino de Antioquia, que ensinava durante o reino de Adriano (c. 120 d.C.). Os naassenos (de Nahas, o hebraico para serpente) foram adoradores da serpente como símbolo da sabedoria, que o Deus dos judeus tentou esconder dos homens. Os ofitas (ophianoi, de ophis, serpente), que, quando transplantavam em solo alexandrino, forneciam as ideias principais do Valentianismo, se tornaram uma das seitas mais amplamente difundidas do Gnosticismo. Embora não estritamente adoradores de serpente, eles reconheciam a serpente como símbolo da emanação suprema, Acamot ou Sabedoria Divina. Eles foram denominados gnósticos por excelência. Os setianistas viram em Set o pai de todos os homens espirituais (pneumatikoi); em Caim e Abel, o pai dos homens psíquicos (psychikoi) e terrenos (hylikoi). De acordo com os peratas, existe uma trindade de Pai, Filho e Hylé (Matéria). O Filho é a Serpente Cósmica, que libertou Eva do poder do governo de Hylé.

Eles simbolizavam o universo por um triângulo fechado num círculo. O número três é a chave para todos os mistérios. Há três princípios supremos: o não gerado, o autogerado, o gerado. Há três logoi, de deuses; o Salvador tem uma natureza tripla, corpo triplo, poder triplo etc. Eles são chamados peratas (peran) porque eles “cruzaram” o Egito através do Mar Vermelho de geração. Eles são os verdadeiros hebreus – de fato, a palavra vem do hebraico que quer dizer “atravessar”. Os peratas foram fundados por Eufrates e Celbes (Acembes?) e Ademes. Diz-se que esse Eufrates, cujo nome talvez esteja conectado com o próprio nome “peratas”, é o fundador dos ofitas mencionado por Celso cerca de 175 d.C. Os cainitas foram assim chamados, porque eles veneravam Caim, e Esaú, e os sodomitas, e Coré, e Judas, porque todos eles resistiram ao deus dos judeus.

A escola helenística ou alexandrina

Esses sistemas foram mais abstratos e filosóficos e autoconsistentes do que os sírios. A nomenclatura semítica foi quase inteiramente substituída pelos nomes gregos. Esse problema cosmogônico superou todas as proporções, o lado ético foi menos proeminente, o asceticismo menos estritamente forçado.

Os dois grandes pensadores dessa escola foram Basílides e Valentim.

Embora nascido em Antioquia, na Síria, Basílides fundou sua escola em Alexandria (c. 130 d.C.) e foi seguido por seu filho Isidoro. Seu sistema foi o emanacionismo mais consistente e sóbrio que o Gnosticismo já produziu. Sua escola nunca se espalhou tão largamente quanto a próxima a ser mencionada, mas na Espanha sobreviveu por muitos séculos.

Valentim, que ensinou primeiro em Alexandria e então em Roma (c. 160 d.C.), elaborou um sistema de dualidade sexual no processo de emanação: uma longa série de pares masculino e feminino de ideias personificadas é empregada para diminuir a distância do Deus desconhecido a este mundo presente. Seu sistema é mais confuso do que o Basilidianismo, especialmente por ser perturbado pela intrusão da figura ou figuras de Sofia no processo cosmogônico. Estando o Ofitismo sírio em disfarce egípcio, ele pode alegar ser o representante verdadeiro do espírito gnóstico.

A reductio ad absurdum dessas especulações desenfreadas podem ser vistas na Pistis Sophia, que é donzelas da Luz, paralemptores, esferas, Heimarmene, treze éons, tesouros da luz, reinos do meio, reinos da direita e da esquerda, Jaldabaot, Adamas, Miguel, Gabriel, Cristo, o Salvador e mistérios sem número rodopiam e retornam como bruxas numa dança. A impressão criada sobre o mesmo leitor somente pode ser adequadamente descrita nas palavras de “Jaguadarte”: gire e faça um buraco na grama.

Aprendemos de Hipólito (Contra as Heresias IV.35), Tertuliano (Contra os Valentinianos 4) e Clemente de Alexandria (Exc. ex Theod., título) que havia duas escolas principais de Valentianismo, a italiana e a anatoliana ou asiática. Na escola italiana, foram professores de importância: Secundus, que dividiu a Ogdóade dentro do Pleroma em duas tétrades, Direita e Esquerda; Epifânio, que descreveu essa Tetras como Monotes, Henotes, Monas e To Hen; e possivelmente Colorbaso, a menos que seu nome seja uma má leitura de Kol Arba, “Todos os Quatro”. Mas os mais importantes foram Ptolomeu e Heracleion.

Ptolomeu é particularmente famoso por sua carta a Flora, uma nobre senhora que lhe escrevera como Presbítero da Esplanada (Texte u. Unters., N.S., XIII, Anal. z. alt. Gesch. d. Chr.) para explicar o significado do Antigo Testamento. Esse Ptolomeu dividiu os nomes e números dos éons em substâncias personificadas fora da divindade, conforme relata Tertuliano. Ele era dado a estudos bíblicos e foi um homem de imaginação sem limites.

Clemente de Alexandria (Stromata IV.9.73) chama Heracleion de o professor mais eminente da escola valentiniana. Orígenes dedica uma grande parte de seu comentário sobre São João para combater o comentário de Heracleion sobre o mesmo evangelista. Heracleion chamava a fonte de todos os seres de Anthropos em vez de Bythos, e rejeitava a imortalidade da alma – significando, provavelmente, o elemento meramente psíquico. Aparentemente ele permaneceu mais perto da Igreja Católica do que Ptolomeu e foi um homem de melhor juízo.

Tertuliano menciona dois outros nomes (Contra os Valentinianos 4), Teótimo e (Sobre a Carne de Cristo 17) Alexandre.

A escola anatoliana teve como um professor de destaque Axiônico (Tertuliano, Contra os Valentinianos 4; Hipólito, Contra as Heresias VI.30), que teve seu collegium em Antioquia em cerca de 220 d.C., “o discípulo mais fiel do mestre”. Teódoto somente nos é conhecido a partir do fragmento de seus escritos preservado por Clemente de Alexandria. O sistema de mágica de Marcos, uma especulação elaborada com cifras e números, é dada por Irineu (I.11-12) e também por Hipólito (VI.42). A consideração de Irineu sobre Marcos foi repudiada pelos marcosianos, mas Hipólito afirma que eles fizeram assim sem razão. Marcos provavelmente foi um egípcio e um contemporâneo de Irineu.

Um sistema não distinto desse dos marcosianos foi organizado por Monoimos, o árabe, a quem Hipólito dedica os capítulos de 5 a 8 do Livro VIII, e que é mencionado somente por Teodoreto além dele. Hipólito está certo por chamar esses dois gnósticos de imitações de Pitágoras em vez de cristãos. De acordo com as Epístolas de Juliano, o Apóstata, os collegia valentinianos existiam na Ásia Menor até sua própria época (morto em 363).

 

A escola dualista

Algum dualismo foi de fato congênito com o Gnosticismo, entretanto raramente superava a principal tendência do Gnosticismo, isto é, o Panteísmo. No entanto, esse certamente foi o caso de Marcião, que distinguiu entre o Deus do Novo Testamento e o Deus do Antigo Testamento, como entre dois princípios eternos, o primeiro sendo o BEM, agathos; o segundo meramente dikaios. Entretanto, mesmo Marcião não levou esse sistema às suas últimas consequências. Ele pode ser considerado preferivelmente como um precursor de Mani em vez de um puro gnóstico. Três de seus discípulos, Potito, Basílico e Lucano, são mencionados por Eusébio como sendo verdadeiros ao dualismo de seu mestre (História da Igreja V.13), mas Apeles, seu principal discípulo, embora tenha ido mais longe que seu mestre por rejeitar as Escrituras do Antigo Testamento, retornou ao monoteísmo por considerar que o Inspirador das profecias do Antigo Testamento fosse não um deus, mas um anjo mau. Por outro lado, Syneros e Prepon, também seus discípulos, postularam três princípios diferentes. Um dualismo um pouco diferente foi ensinado por Hermógenes no início do segundo século em Cartago. O oponente do Deus bom não era o Deus dos judeus, mas a Matéria Eterna, a fonte de todo o mal. Esse gnóstico foi combatido por Teófilo de Antioquia e Tertuliano.

 

A escola antinomiana

Uma vez que uma lei moral foi dada pelo Deus dos judeus e que a oposição ao Deus dos judeus era um dever, a quebra da lei moral para contrariar seu criador era considerada uma obrigação solene. Tal seita, chamada nicolaítas, existiu nos tempos apostólicos. Seu princípio, de acordo com Orígenes, era parachresthai te sarki. Carpócrates, a quem Tertuliano (Sobre a Alma 35) chama de um mágico e um fornicador, foi um contemporâneo de Basílides. Somente se pode escapar de poderes cósmicos através do descarregamento das obrigações a eles por conduta infame. Desconsiderar toda a lei e afundar-se na Mônada por lembrar-se da própria pré-existência na Unidade Cósmica – tal foi a Gnose de Carpócrates. Seu filho Epifânio seguiu a doutrina de seu pai tão rigorosamente que ele morreu em consequência de seus pecados aos setenta anos. Além disso, pontos de vista antinomianos foram mantidos pelos prodicianos e antitactos. Mais nenhuma instância horrível de imoralidade insana pode ser encontrada além daquela mencionada na própria Pistis Sophia como praticada por alguns gnósticos. São Justino (Primeira Apologia 26), Irineu (I.25.3) e Eusébio (História da Igreja IV.7) esclarecem que “a reputação desses homens trouxe infâmia sobre a raça inteira dos cristãos.”

Literatura

Os gnósticos desenvolveram uma atividade literária espantosa, que produziu uma quantidade de escritos muito superior à produção literária católica contemporânea. Eles foram mais prolíficos na esfera da ficção, visto que é seguro dizer que três quartos das primeiras histórias cristãs sobre Cristo e seus discípulos emanaram de círculos gnósticos. Além dessas histórias (geralmente brutas e toscas), eles possuíam o que podem ser chamados tratados “teosóficos” e revelações de um caráter altamente místico. Esses são melhor descritos como rugidos estupefacientes de estilo bombástico ocasionalmente interrompidos por poucas palavras de sublimidade real. Traine nota com justiça: “Qualquer pessoa que leia os ensinamentos dos gnósticos respira numa atmosfera de febre e se imagina num hospital, entre pacientes delirantes, que estão perdidos por olhar seu próprio pensamento completo e que fixam seus olhos brilhantes sobre espaço vazio.” (Essais de crit. et d’histoire, Paris, 1904). Portanto, a literatura gnóstica possui pouco ou nenhum valor intrínseco, no entanto é grande seu valor para a História e a Psicologia. É de importância sem paralelo no estudo do ambiente no qual o Cristianismo surgiu primeiramente. Infelizmente, a maior parte dela já não existe. Com exceção de algumas traduções cópticas e algumas versões expurgadas ou sírias catolicizadas, nós possuímos somente um número de fragmentos do que uma vez deve ter formado uma grande biblioteca. A maior parte dessa literatura será encontrada catalogada sob os nomes de autores gnósticos nos artigos BASÍLIDES; BARDESANES; CERINTO; MARCIÃO; SIMÃO MAGO; PTOLOMEU; VALENTIM. Enumeraremos nos parágrafos seguintes somente obras gnósticas anônimas e tais escritos conforme não sejam atribuídos a qualquer um dos autores acima.

Os nicolaítas possuíam “alguns livros sob o nome de Jaldabaot”, um livro chamado “Nôria” (a esposa mítica de Noé), profecia de Barrabás, que foi um adivinho entre os basilidianos, um “Evangelho da Consumação” e um tipo de apocalipse chamado “O Evangelho de Eva” (Epifânio, Adv. Haer., XXV, XXVI; Filástrio, 33). Os ofitas possuíam “milhares” de apócrifos, conforme Epifânio nos conta. Entre esses ele menciona particularmente: “Questões de Maria, grandes e pequenas” (algumas dessas questões talvez sobrevivam na Pistis Sophia). Também muitos livros sob o nome de “Set”, “Revelações de Adão”, evangelhos apócrifos atribuídos aos apóstolos; um Apocalipse de Elias e um livro chamado “Genna Marias”. Desses escritos, algumas revelações de Adão e Set, oito em número, provavelmente sobrevivem numa tradução armênia, publicada na coleção mequitarista dos apócrifos do Antigo Testamento (Veneza, 1896). Ver Preuschen “Die Apocryph. Gnost. Adamschr.” (Giessen, 1900). Os cainitas possuíam um “Evangelho de Judas”, uma “Ascensão de Paulo” (anabatikon Paulou) e algum outro livro, do qual não sabemos o título, mas que, de acordo com Epifânio, era cheio de maldade. Os prodicianos, de acordo com Clemente de Alexandria, possuíam apócrifos sob o nome de Zoroastro (Stromata I.15.69). Os antinomianos tinham um apócrifo “cheio de audácia e maldade” (Stromata III.4.29; Orígenes, “In Matth.”, XXVIII). Os naassenos tinham um livro que Hipólito cita amplamente, mas do qual não sabemos o título. Continha um comentário sobre textos bíblicos, hinos e salmos. Os peratas possuíam um livro semelhante. Os setianistas possuíam uma “Paráfrase Set”, consistindo em sete livros, explicativo de seu sistema: um livro chamado Allogeneis, ou “Forasteiros”, um “Apocalipse de Adão”, um livro atribuído a Moisés e outros. Os arcontianos possuíam um livro grande e pequeno intitulado “Symphonia”, este possivelmente sobrevivente na “Analecta Sacra” de Pitra (Paris, 1888). Os gnósticos atacados por Plotino possuíam apócrifos atribuídos a Zoroastro, Zostriano, Nicoteu, Alógenes (o livro setianistas “Allogeneis”?) e outros.

Além desses escritos, os seguintes apócrifos são evidentemente de autoria gnóstica:

  • “O Evangelho dos Doze” – Este é primeiramente referido por Orígenes (Hom. I, in Luc.), é idêntico ao Evangelho dos Ebionitas, e também é chamado de “Evangelho segundo Mateus”, porque nele Cristo se refere a São Mateus em segunda pessoa, e o autor fala de outros apóstolos e dele mesmo como “nós”. Esse Evangelho foi escrito antes de 200 d.C. e não tem conexão com o assim chamado São Mateus hebraico ou o Evangelho segundo os hebreus.
  • “O Evangelho segundo os Egípcios”, isto é, camponeses cristãos do Egito, não alexandrinos. Foi escrito em torno de 150 d.C. e foi referido por Clemente de Alexandria (Stromata 9.63 e III.13.93) e Orígenes (Hom. I, in Luc.), e foi amplamente usado em círculos não católicos. Somente fragmentos pequenos sobrevivem em Clemente de Alexandria (Stromata e Excertos de Teódoto). Algumas pessoas remeteram o “Logia” de Oxirrinco e os papiros cópticos de Estrasburgo a esse Evangelho, mas isso é meramente uma suposição.
  • “O Evangelho de Pedro”, escrito em torno de 140 d.C. em Antioquia (ver DOCETISTAS). Um outro Evangelho petrino: ver descrição do Códice de Ahmin.
  • Um “Evangelho de Matias” escrito em torno de 125 d.C., usado nos círculos basilidianos.
  • Um “Evangelho de Felipe” e um “Evangelho de Tomé”. De acordo com Pistis Sophia, os três apóstolos, Mateus (leia-se Matias), Tomé e Felipe, receberam uma missão divina de relatar todas as revelações cristãs depois de Sua ressurreição. O Evangelho de Tomé deve ter sido de considerável comprimento (1300 linhas); parte dele, numa recensão expurgada, possivelmente sobrevive no “Histórias da Infância de Nosso Senhor por Tomé, um filósofo israelita” uma vez popular, mas vulgar e tolo, do qual duas versões gregas, como latina, uma síria e uma eslava existem.
  • “Atos de Pedro” (Praxis Petrou), escrito em torno de 165 d.C. Grandes fragmentos dessa produção gnóstica nos foram preservados no grego original e também numa tradução latina sob o título de “Martírio do Santo Apóstolo Pedro”, ao qual o latim adiciona “a Lino episcopo conscriptum”. Grandes partes desse apócrifo são traduzidas no assim chamado “Actus Petri cum Simone”, e de forma semelhante nas versões saídica e eslava, arábica e etíope. Esses fragmentos foram reunidos por Lipsius e Bonnet em “Acta apostolorum apocr.” (Leipzig, 1891, I). Embora essas recensões dos “Atos de Pedro” tivessem sido de alguma forma catolicizadas, seu caráter gnóstico é inequívoco, e são de valor para o simbolismo gnóstico.
  • Proximamente conectados com os “Atos de Pedro” estão os “Atos de André” e os “Atos de João”, do quais três talvez tenham um e mesmo autor, um certo Léucio Carino, e foram escritos antes de 200 d.C. Chegaram a nós em diversas recensões católicas e em diferentes versões. Para os “Atos de André”, ver Bonnet, “Acta”, conforme acima (1898), II, 1, p. 1-127; para “Atos de João”, , p. 151-216. Encontrar a forma gnóstica primitiva na variedade desconcertante e na multiplicidade de fragmentos e modificações ainda é uma tarefa para especialistas.
  • De suma importância para o entendimento do Gnosticismo, são os “Atos de Tomé”, dado que foram preservados em sua inteireza e contêm os mais antigos rituais, poesias e especulações gnósticos. Existem em duas recensões, a grega e a síria. Parece mais provável, embora não certo, que o original tenha sido sírio. Sugere-se que foram escritos em torno de 232 d.C., quando as relíquias de São Tomé foram levadas para Edessa. Do maior valor são as duas orações da Consagração, a “Ode à Sabedoria” e o “Hino da Alma”, que estão inseridas na narrativa síria, e que estão ausentes nos Atos Gregos, ainda que textos gregos independentes dessas passagens sobrevivam (sírio com tradução inglesa por W. Wright, “Apocr. Acts of the Apost.”, Londres, 1871). O “Hino da Alma” foi traduzido muitas vezes em inglês, particularmente por A. Bevan, “Texts and Studies”, Cambridge, 1897; cf. F. Burkitt em “Journal of Theological Studies” (Oxford, 1900). A edição mais completa dos Atos Gregos é de M. Bonnet em “Acta”, conforme acima, II, 2 (Leipzig, 1903; ver BARDESANES). Os Atos, ainda que escritos a serviço do Gnosticismo, e cheios das aventuras mais esquisitas, não são inteiramente sem fundo histórico.

Há diversos outros apócrifos nos quais especialistas alegaram encontrar traços de autoria gnóstica, mas esses traços são muito vagos e insatisfatórios. Em conexão com esses apócrifos sem dúvida gnósticos, deve-se mencionar as Homilias pseudoclementinas. É verdade que essas são mais frequentemente classificadas sob literatura judaica do que estritamente gnóstica, mas sua afinidade às especulações gnósticas é pelo menos um primeiro sinal tão próximo e sua conexão com o Livro de Elcasai (cf. ELCASAITAS) tão geralmente reconhecida de modo que elas não podem ser omitidas numa lista de escritos gnósticos. Se está correta a teoria sustentada por Dom Chapman em “The Date of the Clementines” (Zeitschrift f. N. Test. Wiss., 1908) e no artigo CLEMENTINOS na Catholic Encyclopaedia, e consequentemente Pseudoclemente seja um criptoariano que escreveu em 330 d.C., as “Homilias” ainda podem ter pelo menos algum valor no estudo do Gnosticismo. Mas a teoria de Dom Chapman, embora engenhosa, é ousada demais e ainda sem suporte para justificar a omissão das “Homilias” nesse lugar.

Uma grande, se não a maior, parte da literatura gnóstica, que foi salva da destruição geral dos escritos gnósticos, nos está preservada em três códices cópticos, comumente chamados de Códice de Askew, de Bruce e de Akhmin. O Códice de Askew, da quinta parte do século VI, contém o longo tratado Pistis Sophia, isto é, Fé-Sabedoria. Essa é uma obra em quatro livros, escrita entre 250 e 300 d.C. No entanto, o quarto livro é uma adaptação de uma obra anterior. Os primeiros dois livros descrevem a queda do éon Sofia e sua salvação pelo éon Soter. Os últimos dois livros descrevem a origem do pecado e do mal e a necessidade do arrependimento gnóstico. De fato, o todo é um tratado sobre o arrependimento, já que os dois últimos livros somente aplicam na prática o exemplo de penitência definido por Sofia. A obra consiste em diversas perguntas e respostas entre Cristo e Seus discípulos e discípulas nas quais cinco “Odes de Salomão”, seguidas por adaptações místicas dos mesmos, são inseridas. Dado que o questionamento é feito principalmente por Maria, a Pistis Sophia provavelmente é idêntica às “Questões de Maria” mencionada acima. O códice também contém extratos do “Livro do Salvador”. A monotonia entediante desses escritos somente pode ser percebida por aqueles que os leram. Uma tradução inglesa da tradução latina da língua cóptica, que em si mesma é uma tradução do grego, foi feita por G. R. S. Mead (Londres, 1896). O papiro de Bruce é de cerca da mesma data que o vellum codex de Askew e contém dois tratados:

  • Os dois livros de Jeû: o primeiro, especulativo e cosmogônico; o segundo, prático, a saber, a superação dos poderes do mundo hostil e a asseguração da salvação pela prática de certos ritos. Esse último livro tem o estilo de “Do Grande Logos de acordo com o mistério”.
  • Um tratado com título desconhecido, visto que a primeira e última páginas estão perdidas. Essa obra é de um caráter puramente especulativo e de grande antiguidade, escrita entre 150 e 200 d.C. nos círculos setianistas ou arcontianos, e contendo uma referência aos profetas Marsanes, Nicoteus e Fosilampes.

Não existem traduções inglesas completas desses tratados. No entanto, algumas passagens são traduzidas no “Fragments of a Faith Forgotten” supracitado de G. R. S. Mead. Tanto os códices de Bruce quanto de Askew foram traduzidos ao alemão por C. Schmidt (1892) em “Texte u. Unters” e nos “Padres Gregos” de Berlin (1901). Existe uma tradução latina da Pistis Sophia por Schwartze e Petermann (Berlin, 1851) e uma francesa do códice de Bruce por Amélineau (Paris, 1890). O Códice de Akhmin do século V, encontrado em 1896, e agora no Museu Egípcio em Berlin, contém:

  • Um “Evangelho de Maria”, chamado nas inscrições de “Um Apócrifo de João”. Esse evangelho deve ser da mais alta antiguidade, já que Santo Irineu, em torno de 170 d.C., fez uso dele na sua descrição dos barbelo-gnósticos;
  • Um “Sophia Iesu Christi”, contendo revelações de Cristo após Sua Ressurreição;
  • Uma “Praxis Petri”, contendo uma relação fantástica do milagre operado na filha de Pedro;

O estudo do Gnosticismo está seriamente atrasado pela demora inteiramente inexplicável da publicação desses tratados. Para esses treze anos passados, possuímos apenas um breve relato desse codex publicado no “Sitzungsber. d. k. preus. Acad.” (Berlin, 1896), p. 839-847.

Essa consideração da literatura gnóstica estaria incompleta sem referência a um tratado comumente publicado entre as obras de Clemente de Alexandria e chamada “Excerpta ex Theodoto”. Consiste em diversos extratos gnósticos feitos por Clemente para seu próprio uso com a ideia de refutação futura. E, com as notas e marcações de Clemente sobre a mesma, formam uma antologia muito confusa. Ver O. Bibelius, “Studien zur Gesch. der Valent.” em “Zeitschr. f. N. Nest. Wiss.” (Gessen, 1908).

O Gnosticismo não cristão oriental nos deixou os livros sagrados dos mandeístas, a saber:

  • O “Ginza Rba” ou “Grande Tesouro”, uma grande coleção de tratados variados de diferentes datas, alguns provavelmente tão tardios quanto o século IX, alguns talvez tão antigos quanto o século III. O Ginza foi traduzido em latim por Norberg (Copenhague, 1817) e os tratados mais importantes em alemão por W. Brandt (Leipzig, 1892).
  • Colasta, hinos e instruções sobre o batismo e a jornada da alma, publicados em mandeu por J. Euting (Stuttgart, 1867).
  • Drâshê d’Jahya, uma biografia de João Batista não publicada “ab utero useque ad tumulum”, conforme Abraão Echellensis coloca.

O Gnosticismo não cristão alexandrino é perceptível na literatura trismegista, publicada na tradução inglesa de G. R. S. Mead (Londres e Benares, 1902, três volumes). Especificamente, o Gnosticismo judeu não deixou literatura, mas as especulações gnósticas têm um eco em diversas obras judias, como o Livro de Enoque, o Zohar, o tratado talmúdico Chagiga XV. Ver Gförer, Philo, Vol. I, e Karppe, “Etudes sur. ore. nat. d. Zohar” (Paris, 1901).

Refutação do Gnosticismo

Desde o início, o Gnosticismo se encontrou com a oposição mais determinada da Igreja Católica.

As últimas palavras do envelhecido São Paulo em sua Primeira Epístola a Timóteo geralmente são tomadas como referentes ao Gnosticismo, que é descrito como “Novidades profanas de palavras e conhecimento falsamente assim chamados [antithesis tes pseudonomou gnoseos – a antítese da assim chamada Gnose] que alguns professando erraram com respeito à fé.” Muito provavelmente o uso de São Paulo dos termos pleroma, o éon desse mundo, o arconte do poder do ar, em Efésios e Colossenses, foi sugerido pelo abuso desses termos pelos gnósticos. Outras alusões ao Gnosticismo no Novo Testamento são possíveis, mas não podem ser provadas, tais como Tito 3:9, I Timóteo 4:3, I João 4:1-3.

O primeiro escritor antignóstico foi São Justino Mártir (165 d.C.). Seu “Syntagma” (Syntagma kata pason ton gegenemenon aireseon), considerado perdido por muito tempo, está substancialmente contido no “Libellus adv. omn. haeres.”, geralmente anexado ao “De Praescriptione” de Tertuliano. Pelo menos tal é a tese de J. Kunze (1894) que é amplamente aceita. Do tratado antignóstico de São Justino sobre a Ressurreição (Peri anastaseos), fragmentos consideráveis sobrevivem no “Diálogo sobre a Ressurreição” de Metódio e no “Sacra Parellela” de São João Damasceno. O “Compêndio contra Marcião” de São Justino, citado por Santo Irineu (IV.6.2 e V.26.2), possivelmente é idêntico ao seu “Syntagma”. Logo após São Justino, Miltíades, um filósofo cristão da Ásia Menor, é mencionado por Tertuliano e Hipólito (Contra os Valentinianos 5, e Eusébio, História da Igreja V.28) como tendo combatido os gnósticos e particularmente os valentinianos. Seus escritos estão perdidos. Teófilo de Antioquia (morto em c. 185) escreveu contra a heresia de Hermógenes e também um excelente tratado contra Marcião (kata Markionos Logos). O livro contra Marcião provavelmente sobrevive no “Dialogus de recta in Deum fide” de Pseudo-Orígenes. Para Agripa Castor, ver BASÍLIDES.

Hegésipo, um palestino, viajou pelo caminho de Corinto a Roma, aonde ele chegou sob Aniceto (155-166) para averiguar o som e a fé ortodoxa da tradição apostólica. Ele encontrou muitos bispos em seu caminho, que ensinaram todos a mesma fé e em Roma ele fez uma lista dos papas de Pedro a Aniceto. Consequentemente, ele escreveu cinco livros de Memórias (Upomnemata) “num estilo mais simples, dando a verdadeira tradição da doutrina apostólica”, se tornando “um defensor da verdade contra as heresias ateias” (Eusébio, História da Igreja, V.7 sqq e IV.21 sqq). Dessa obra, somente alguns fragmentos permanecem, e esses são históricos em vez de teológicos.

Ródon, um discípulo de Taciano, Felipe, Bispo de Gortina em Creta, e um certo Modesto escreveram contra Marcião, mas seus escritos estão perdidos. Irineu (Contras as Heresias I.15.6) e Epifânio (XXXIV, 11) citam um poema curto contra os valentinianos orientais e o prestidigitador Marcos por um autor “envelhecido” mas desconhecido. E diz-se que Zaqueu, Bispo de Cesareia, escreveu contra os valentinianos e particularmente Ptolomeu.

Acima de toda comparação, a mais importante é a grande obra antignóstica de Santo Irineu, Elegchos kai anatrope tes psudonymou gnoseos, geralmente chamada de “Adversus Haereses”. Ela consiste em cinco livros, evidentemente não escritos de uma vez: os primeiros três livros em cerca de 180 d.C.; os últimos dois em cerca de uma dúzia de anos depois. A maior parte do primeiro livro nos veio no original grego, o restante numa tradução latina muito antiga e ansiosamente próxima, e alguns fragmentos em siríaco.

Santo Irineu conheceu os gnósticos a partir de relações pessoais e a partir de seus próprios escritos, e dá descrições minuciosas de seus sistemas, particularmente dos valentinianos e barbelo-gnósticos. Um bom teste de como Santo Irineu empregou suas fontes gnósticas pode ser feito comparando o recém encontrado “Evangelium Mariae” com Contra as Heresias I.24. Numerosas tentativas para desacreditar Irineu como uma testemunha se provaram falhas (ver SANTO IRINEU). Além de sua grande obra, Irineu escreveu uma carta aberta ao padre romano Florino, que pensou em se juntar aos valentinianos. E quando o padre infeliz apostatou, e se tornou um gnóstico, Irineu escreveu por sua conta um tratado Sobre a Ogdóade, e também uma carta ao papa Vítor, solicitando-lhe usar sua autoridade contra ele. Somente algumas passagens desses escritos sobrevivem.

Eusébio (História da Igreja IV.23.4) menciona uma carta de Dionísio de Corinto (c. 170) aos nicomedianos, na qual ele ataca a heresia de Marcião. A carta não sobrevive. Clemente de Alexandria (morto em c. 215) combateu o Gnosticismo somente indiretamente defendendo a verdadeira Gnose cristã, particularmente em O Pedagogo I, Stromata II, III, V, e no assim chamado oitavo livro ou “Excerpta ex Theodoto”. Orígenes não devotou nenhuma obra exclusivamente à refutação do Gnosticismo, mas seus quatro livros “Sobre os Primeiros Princípios” (Peri archon), escritos em torno do ano 230 e preservados a nós somente em alguns fragmentos gregos e numa tradução latina livre de Rufino, são praticamente uma refutação do dualismo, do docetismo e do emanacionismo gnósticos.

Em torno do ano 300, um autor sírio desconhecido, às vezes identificado erroneamente com Orígenes e frequentemente chamado pelo pseudônimo literário Adamâncio, ou “O Homem de Ferro”, escreveu um longo diálogo do qual o título está perdido, mas que geralmente é designado pelas palavras “De Recta in Deum Fide”. Esse diálogo, geralmente dividido em cinco livros, contém discussões com representantes de duas seitas do Marcionismo, do Valentianismo e do Bardesanismo. O escritor plagia extensivamente a partir de Teófilo de Antioquia e Metódio de Olimpos, particularmente o diálogo antignóstico do último “Sobre o Livre-Arbítrio” (Peri tou autexousiou).

O maior polemista antignóstico da Igreja cristã primitiva é Tertuliano (nascido em 169), que praticamente devotou sua vida para combater essa terrível soma de todas as heresias. Precisamos apenas mencionar os títulos de suas obras antignósticas: “De Praescriptione haereticorum”; “Adversus Marcionem”; um livro “Adversus Valentinianos”; “Scorpiace”; “De Carne Christi”; “De Resurrectione Carnis”; e finalmente “Adversus Praxeam”.

Um depósito de informações em vez de uma refutação é a grande obra de Hipólito, escrita algum tempo após 234 d.C., uma vez chamada de “Philosophoumena” e atribuída a Orígenes, mas desde a descoberta dos Livros IV-X, em 1842, conhecida pelo nome de seu verdadeiro autor e seu verdadeiro título “Refutação de Todas as Heresias” (katapason aireseon elegchos).

A publicação do Athos Codex por E. Miller (Oxford, 1851) revolucionou o estudo do Gnosticismo e tornou obras publicadas antes daquela data antiquadas e quase sem valor. Para estudantes de Gnosticismo, essa obra é tão indispensável quanto a de Santo Irineu. Há uma tradução inglesa de J. MacMahon em “The Ante-Nicene Library” (Edimburgo, 1868). Hipólito tentou provar que todo o Gnosticismo era derivado da filosofia pagã. Suas especulações podem ser desconsideradas, mas, dado que ele estava em posse de um grande número de escritos gnósticos que ele cita, sua informação é inestimável. Como ele escreveu aproximadamente cinquenta anos após Santo Irineu, de quem foi discípulo, ele descreve um desenvolvimento posterior da Gnose além do Bispo de Lyons. Além de sua maior obra, Hipólito escreveu, muitos anos anteriormente (antes de 217), um pequeno compêndio contra todas as heresias, dando uma lista das mesmas, trinta e duas em número, desde Dositeu até Noeto, e também um tratado contra Marcião.

Desde o início do século IV, uma vez que o Gnosticismo estava em rápido declínio, havia menos necessidade de defensores da ortodoxia, logo há um longo intervalo entre o diálogo de Adamâncio e o “Panarion” de Santo Epifânio, iniciado no ano de 374. Santo Epifânio – que em sua juventude foi levado a um contato mais próximo com seitas gnósticas no Egito, e particularmente os fibionitas, e talvez até, conforme alguns sustentam, ele mesmo tenha pertencido a essa seita – ainda é uma autoridade de primeira classe. Com trabalho contínuo maravilhoso, ele reuniu informações de todos os lados, mas sua aceitação imprudente e crédula demais de muitos detalhes dificilmente pode ser desculpada.

Filástrio de Bréscia, alguns anos depois (383), deu à Igreja latina o que Santo Epifânio dera aos gregos. Ele contou e descreveu não menos que cento e vinte e oito heresias, mas tomou a palavra num sentido meio amplo e vago. Embora dependente do “Syntagma” de Hipólito, sua consideração é inteiramente independente da de Epifânio.

Um outro escritor latino, que provavelmente viveu no meio do século V no sul da Gália e que provavelmente é idêntico a Arnóbio, o Jovem, deixou uma obra, comumente chamada de “Praedestinatus”, consistindo em três livros, no primeiro do qual ele descreve noventa heresias de Simão Mago aos praedestinacionistas. Essa obra infelizmente contém muitas declarações duvidosas e fabulosas. Algum tempo após o Concílio de Calcedônia (451), Teodoreto escreveu um “Compêndio de Fábulas Heréticas”, que é de considerável valor para a história do Gnosticismo, porque ele dá, de uma forma muito concisa e objetiva, a história das heresias desde o tempo de Simão Mago. O livro de Santo Agostinho “De Haeresibus” (escrito por volta de 428) também é muito dependente de Filástrio e Epifânio para ser de muito valor. Entre os escritores antignósticos, finalmente devemos mencionar o Plotino neoplatônico (morto em 270 d.C.), que escreveu um tratado, “Contra os Gnósticos”. Esses foram evidentemente estudiosos que frequentaram seu collegia, mas cujo pessimismo oriental e fantástico era irreconciliável com os pontos de vista de Plotino.

 

CONCLUSÃO


 

A tentativa de retratar o Gnosticismo como um movimento poderoso da mente humana em direção à verdade mais nobre e mais alta, um movimento de alguma forma paralelo àquele do Cristianismo, faliu completamente. Foi abandonada por estudiosos imparciais recentes como W. Bousset e O. Gruppe, e deve-se lamentar que tenha sido renovado por um escritor inglês, G. R. S. Mead, em “Fragments of a Faith Forgotten”, uma obra não especializada e enganadora, que em países de língua inglesa pode retardar a apreciação sóbria e verdadeira do Gnosticismo como era num fato histórico.

O Gnosticismo não foi um avanço, foi um retrocesso. Ele nasceu entre as últimas agonias de cultos e civilizações expirantes na Ásia Ocidental e Egito. Ainda que helenizados, esses países permaneceram orientais e semíticos no núcleo. Esse espírito oriental – Átis da Ásia Menor, Istar da Babilônia, Ísis do Egito, com o conhecimento astrológico e cosmogônico do mundo asiático – primeira ferida envolvida por Aúra-Masda no Oriente, e então esmagado pela grandeza divina de Jesus Cristo no Ocidente, causou uma pausa pela fusão tanto do Parseeismo quanto do próprio Cristianismo. Ele tentou fazer para o Oriente o que o Neoplatonismo tentou fazer para o Ocidente. Durante pelo menos dois séculos, foi um perigo real para o Cristianismo, embora não tão grande quanto alguns escritores modernos nos fariam acreditar, como se o mais mero hálito pudesse ter mudado os destinos do Cristianismo gnóstico contra o ortodoxo.

Semelhantes coisas são ditas do Mitraísmo e Neoplatonismo como contra a religião de Jesus Cristo. Mas esses dizeres têm mais gosto picante do que verdade objetiva. O Cristianismo sobreviveu, e não o Gnosticismo, porque o primeiro era o melhor – imensamente, ou melhor, infinitamente melhor. O Gnosticismo não morreu por acaso, mas porque carecia de poder vital dentro de si. E nenhuma quantidade de literatura teosófica, inundando os mercados ingleses e alemães, pode dar vida àquilo que pereceu de defeitos intrínsecos e essenciais.

É impressionante que os dois defensores mais antigos do Cristianismo contra o Gnosticismo – Hegésipo e Irineu – apresentaram sozinhos tão claramente o método de guerra que foi possível, mas que também sozinhos foi suficiente para assegurar a vitória no conflito, um método que Tertuliano, alguns anos depois, explicou cientificamente em seu “De Praescriptione”. Tanto Hegésipo quanto Irineu provaram que as doutrinas gnósticas não pertenciam àquele depósito de fé que foi ensinado pela verdadeira sucessão de bispos nas primeiras sés da Cristandade. Em conclusão triunfante, ambos elaboraram uma lista dos bispos de Roma, desde Pedro até o bispo romano de sua época. Como o Gnosticismo não foi ensinado por aquela Igreja com a qual os cristãos devem concordar em todo lugar, ele ficou autocondenado.

Um veredito justo sobre os gnósticos é o de O. Gruppe (Ausführungen, p. 162). As circunstâncias do período lhe deram uma certa importância. Mas eles nunca foram uma força viva, quer na história geral quer na história da Cristandade. O Gnosticismo merece atenção na qualidade de mostrar quais disposições de referência o Cristianismo encontrou na existência, quais obstáculos teve que superar para manter sua própria vida, mas “nunca foi meio de progresso mental”.

 

PARA CITAR


 

Enciclopédia Católica. Gnosticismo. Disponível em: <>. Desde: 11/07/2017. Tradutor: Marcos Zamith

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