Sábado, Maio 4, 2024

Refutação às objeções contra o Concílio Vaticano II

O propósito dessa “Súmula” é responder as principais objeções que comumente são realizadas pelos lefebvristas e sedevacantistas em oposição ao Concílio Vaticano II. As objeções são mais ou menos importantes, algumas são verdadeiramente ridículas… Praticamente todas as respostas estão amparadas por citações de teólogos tradicionais, escritas antes da promulgação dos documentos do Concílio Vaticano II. Tudo isso é fruto de um trabalho de pesquisa de anos. Para auxiliar a busca no texto estou inserindo âncoras nos itens abaixo para que o leitor seja remetido automaticamente à respectiva resposta.

1. A Revelação foi completada na Crucifixão

2. O Espírito Santo atua nas seitas heréticas e cismáticas, de forma que não estão despojadas de sentido e de importância no mistério da salvação

3. Oração em conjunto com hereges e cismáticos

4. O direito natural dos acatólicos à liberdade religiosa

5. O direito à liberdade religiosa em países confessionais

6. Os fins do matrimônio

7. Os judeus atuais não são culpados pela paixão e morte de Cristo

8. Os judeus não são apresentados na Escritura como rejeitados ou amaldiçoados

9. Dissensões passadas com os muçulmanos devem ser esquecidas

10. As ações litúrgicas dos protestantes engendram a vida da graça e aptamente dão acesso à comunhão da salvação

11. Há coisas santas e verdadeiras nas falsas religiões

12. A Igreja Católica olha com sincero respeito o modo de agir e viver, preceitos e doutrinas, que não são verdadeiros nas falsas religiões

13. A Igreja tende à plenitude da verdade

14. A Igreja é chamada à reforma

15. Distinção das verdades do depósito de fé e o modo como elas são pronunciadas

16. A verdade só se impõe pela força da própria verdade

17. Igreja como mistério trinitário, eclesiologia trinitária (Lumen Gentium 2-4)

18. O Papa sozinho e o colégio dos bispos como dois sujeitos de suprema e plena autoridade na Igreja

19. Igreja como povo de Deus. (Lumen gentium, cap. II)

20. A Igreja necessita de purificação

21. O pecado diminui o homem

22. Igreja como sacramento

23. A Igreja é o instrumento da unidade de todo o gênero humano

24. Nossa Senhora progride no caminho da fé  

25. A redenção se realizou no mistério pascal da paixão, da ressurreição e da ascensão

26. No batismo somos enxertados no mistério pascal

27. Os Padres, como cooperadores dos bispos, têm por primeira função anunciar o Evangelho

28. Os católicos participam da função profética de Cristo

29. Pela encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem, razão pela qual em Cristo a natureza humana foi elevada a sublime dignidade

30. Homem única criatura querida por si mesma por Deus

31. A semelhança divina foi alterada pelo pecado de Adão

32. Os que nascem nas seitas heréticas não podem ser acusados de pecado de divisão

33. Os heréticos e cismáticos podem crer ou ter fé em Cristo

34. Os heréticos e cismáticos, validamente batizados, se acham em uma comunhão, imperfeita, com a Igreja

35. Os heréticos e cismáticos, validamente batizados, estão incorporados ao Cristo

36. Elementos de verdade e santificação nas comunidades separadas

37. Efusão de sangue ou martírio por heréticos e cismáticos

38. O modo e o método de formular a doutrina católica não devem transformar-se em obstáculo para o diálogo com os irmãos separados

39. Hierarquia das verdades da doutrina católica

40. Sementes do verbo nas falsas religiões

41. Muçulmanos adoram o Deus único

42. Sacerdócio comum dos fiéis

43. Autonomia e independência da comunidade política e a Igreja, no domínio próprio de cada um

44. Conferir sacramentos aos cristãos ortodoxos

45. Participação em ritos sagrados acatólicos e recepção de sacramentos de acatólicos

46. Oração para que todos sejam um

47. “Irmãos separados”

48. Hereges e cismáticos chamados de cristãos

49. Na separação há culpa dos homens dum lado e do outro.

50. Devemos eliminar palavras, juízos e ações que não correspondem à condição dos irmãos separados

51. O diálogo entre os cristãos sobre suas próprias doutrinas

52. Cooperação entre os cristãos no campo social

53. A celebração eucarística nas igrejas orientais, faz a Igreja de Deus ser edificada e crescer

54. Fraternidade universal entre os homens

55. Uma só fonte de revelação

56. A Tradição transmite integralmente a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos

57.  A Escritura ensina sem erro a verdade que Deus quis que fosse consignada para nossa salvação

58. A jurisdição dos bispos

59. A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor

60. Tradição viva

61. Ativa participação nas celebrações litúrgicas (Const. Sacrosanctum Concilium)

62. A economia da revelação se dá por ações e palavras

63. As comunidades separadas usadas como de meios de salvação

64. Subsistit in

65. A Tradição apostólica progride na Igreja

66. O Movimento Ecumênico é reconhecido dentro da Igreja Católica

 

1. A Revelação foi completada na Crucifixão

“Finalmente, Ele completou a Sua Revelação quando realizou na Cruz a obra da Redenção, pela qual alcançou a salvação e verdadeira liberdade para os homens.” (Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis Humanae, parágrafo 11)

Essa objeção supõe que o Concílio estaria defendendo que a revelação não terminou com a morte do último apóstolo, mas antes.

Mas ela ignora que se pode considerar a revelação divina “[1] ativamente ou na ação de Deus, que revela passivamente, ou seja, na percepção da coisa revelada, ou [2] no sinal criado pelo que Deus manifesta diretamente sua mensagem a outro objetivamente, ou seja, nas verdade ou objetos que se revelam”. (Padre Miguel Nicolau, Suma de la sagrada teología escolástica, 1962: https://is.gd/AOgdqm). Os Padres conciliares disseram expressamente que falavam no primeiro sentido (revelação como ‘ação de Deus’), e não no segundo (revelação como ‘a mensagem revelada’), na doutrina da Dei Verbum (cf. Modi, c.1, n.4, p.4).

O Papa Pio XI já dizia que “Em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, brilhou a plenitude da revelação divina”. (Mit brennender Sorge)

São João da Cruz também fala no mesmo sentido: “Ao nos dar seu Filho, sua única Palavra (pois ele não possui outra), ele falou tudo de uma só vez nesta única Palavra – e ele não tem mais nada a dizer … porque o que ele falou antes aos profetas em partes, ele agora falou de uma só vez, dando-nos o Tudo que é Seu Filho. Qualquer pessoa que questione Deus ou deseje alguma visão ou revelação seria culpado não apenas de comportamento tolo, mas também de ofendê-lo, não fixando totalmente os olhos em Cristo e vivendo com o desejo de outra novidade ”. (A Ascensão do Monte Carmelo, 2,22,3-5).

2. O Espírito Santo atua nas seitas heréticas e cismáticas, de forma que não estão despojadas de sentido e de importância no mistério da salvação

“As igrejas e comunidades separadas, embora creiamos que padeçam dos defeitos já mencionados, não estão de forma alguma despojadas de sentido e de importância no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não se recusou a usá-las como de meios de salvação, os quais derivam sua eficácia da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja Católica.” (Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 3).

 Expressões idênticas foram utilizadas pelos teólogos tradicionais anteriormente.

Nesse sentido temos o que diz Charles Journet: “A transmissão ininterrupta do exercício, válido, do poder de ordem, no interior das Igrejas dissidentes, é um testemunho comovedor da profundidade da vontade salvífica de Deus, que, enquanto continua desta forma a dispensar as graças convenientes do seu sacrifício e dos seus sacramentos… nos revela o desígnio maravilhoso de começar, em certo modo, a formar a sua Igreja, fora da sua Igreja” (CH JOURNET, L’ Eglise Du Verbe Incarné, I, La Hiérarchie Apostolique, 2ª edit. 1955, p. 652)

E mais: “Pelas riquezas da Igreja de Cristo que encerra em seu seio, devido igualmente aos livres convites do Espírito Santo que “rodeia todas as coisas” e quer que se salvem todos os homens, vemos que semelhante Igreja tende a modificar-se”. (Teologia de la Iglesia, 1962, p. 377).

Ainda: “Ao Espírito Santo é preciso atribuir, no interior deste patrimônio, o mantimento do elemento cristão, as recrudescências de seu dinamismo, o êxito de seus avanços”. (p. 378)

Ainda o que disse o conservador Dom Geraldo de Proença Sigaud:  “Não se pode negar a atuação do Espírito Santo nas comunidades separadas, mas urge rejeitar a opinião de que o Espírito Santo age por meio dessas igrejas, enquanto separadas” (Dom Geraldo de Proença Sigaud, Citado pelo Pe. Dr. Frei Guilherme Baraúna, Perito do Concílio: Reflexões sobre o Mistério da Unidade da |Igreja, p. 59, REB, 1964)

Acrescenta-se ainda que o esquema De Ecclesia do Cardeal Ottaviani diz claramente sobre o assunto: “Pois nestas comunidades existem certos elementos da Igreja, especialmente as Sagradas Escrituras e os sacramentos, que, como meios e sinais eficazes de unidade, podem produzir a mútua união em Cristo e, por sua própria natureza, como realidades próprias da Igreja de Cristo, impulsionam para a unidade. … Embora não se negue que os elementos retidos por essas comunidades podem ser salvíficos também e podem produzir os frutos de uma vida espiritual cristã, este Sagrado Sínodo, no entanto, ensina firmemente que a plenitude da revelação foi confiada por Cristo exclusivamente à Igreja Católica, que não pode ser dividida 7 e que, portanto, é aí que deve ser reconhecido por todos os cristãos.”. (Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122).
 

3. Oração em conjunto com hereges e cismáticos

“Em algumas circunstâncias peculiares, como por ocasião das orações prescritas ‘pela unidade’ e em reuniões ecumênicas, é lícito e até desejável que os católicos se associem aos irmãos separados na oração. Tais preces comuns são certamente um meio muito eficaz para impetrar a graça da unidade. São uma genuína manifestação dos vínculos pelos quais ainda estão unidos os católicos com os irmãos separados” (Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 8).

A objeção é que seria proibida absolutamente a oração com hereges e cismáticos pela lei divina. No entanto, essa proposição é falsa, como vemos nas seguintes citações abaixo.

Com efeito, uma instrução do Santo Ofício diz: “Apesar de em todas estas reuniões e conferências qualquer tipo de comunicação no culto deve ser evitada, mas a recitação conjunta da Oração do Senhor ou de alguma oração aprovada pela Igreja Católica, não está proibida para abrir ou fechar as referidas reuniões”. (Instrução do Santo Ofício sobre o Movimento Ecumênico, 1949).

Ainda, explica Francis, J Connell: “Esta é meramente uma aplicação do princípio, admitida por teólogos, que Católicos podem participar em orações privadas com não-Católicos, enquanto as orações forem ortodoxas. Então, não há objeção contra a recitação de Nosso Pai por uma criança Católica e uma Protestante numa escola pública, sob a direção de um professor Católico” (Francis J. Connell. An important Roman Instruction. The American Ecclesiastical Review. 1950).

 

4. O direito natural dos acatólicos à liberdade religiosa

“O Concílio declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana… Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa deve ser reconhecido no ordenamento jurídico da sociedade, de modo que se torne um direito civil.” (Declaração sobre a Liberdade Religiosa Dignitatis Humanae, parágrafo 2)

 A objeção contra essa doutrina do Concílio é que o direito à liberdade para acatólicos foi condenado por Leão XIII, Pio IX, etc. No entanto, há um sentido católico de entender o direito à liberdade religiosa que foi defendido por autores consagrados, e que não foi passível de condenação.

Tertuliano ensina: “Cuidado para que não seja já um crime de impiedade tirar aos seres humanos a liberdade da religião e impedir-lhes escolher a divindade, isto é, não me permitir que eu venere quem eu quero venerar. Ninguém deseja homenagem forçadas, ninguém.” (Apologético 24,6). Ainda: “É de direito humano e de direito natural que cada um possa adorar quem ele quer […] Não é da natureza da religião forçar a religião; esta deve ser adotada espontaneamente não pela força, dado que os sacrifícios só são pedidos de bom grado.” (Ad Scapulam c. 2: PL 1,699).

Outro testemunho sobre o tema é de Wilhelm Emmanuel Von Ketteler, Bispo de Mainz (1811-1877), “pioneiro” da doutrina social católica moderna. O Papa Leão XIII refere-se a Von Ketteler como: “o nosso grande predecessor, de quem eu aprendi” (Association Catholique, 15 de outubro de 1893, 428). Von Ketteler diz:A Igreja dá valor tão alto sobre a liberdade de consciência e a liberdade de religião que ela rejeita como imoral e ilegítima qualquer uso de força externa contra aqueles que não são seus membros… Portanto, a liberdade religiosa também deve ter seus limites, não apenas onde é uma ameaça para o Estado, mas também se ela ameaça os direitos dos outros aos benefícios morais mais elevados da sociedade”.

Ainda: “A unidade da fé foi perdida para a cristandade por causa da culpa dos homens, algo que Deus legitimamente autorizou que  acontecesse. Como esta foi originalmente ganha não pela força, mas simplesmente pelo poder da palavra de Deus e pela graça de Deus, e pelas virtudes de cristãos, e o sangue dos mártires, por isso, sem dúvida, vai ser restaurada novamente. Até que esse dia feliz chegue, teremos de suportar uns aos outros da melhor maneira possível, e o Estado terá a obrigação, acima de tudo, de preservar a liberdade religiosa de todos”.

Ademais: “O Cristianismo concede ao homem seu pleno direito de autodeterminação e reconhece nesse direito sua máxima dignidade e nobreza. De fato, o Cristianismo pela sua doutrina da condenação eterna reconhece a consequência última desse direito, porque este ensinamento implica que Deus até mesmo permite que os homens o contradigam eternamente ao invés de violar o direito sagrado do homem à autodeterminação.”

Ainda: “Em geral, a Igreja respeita à aceitação da religião como uma questão de autodeterminação interior, e iria contestar o direito de usar força externa tanto pelo Estado quanto pela autoridade eclesiástica”. (Liberdade religiosa e a Igreja católica).

O padre Miguel Nicolau fala de direito à liberdade religiosa no âmbito privado aos acatólicos: “Daqui que o direito de um indivíduo a praticar a religião que lhe dite sua própria consciência, ainda a consciência invencivelmente errônea, é um direito real e que se deve respeitar”. (Problemas del Concilio Vaticano II: visión teológica, 1963, p. 241). E mesmo no âmbito público: “Embora a manifestação ou projeção pública do sentir privado é corolário do direito a este sentir privado, contudo, haverá de examinar se o exercício deste direito a praticar publicamente a religião, que por hipótese é falsa, entra em colisão com o exercício de outros direitos, não menos certos, da maioria, a quem possa ofender a publicidade de um culto contraditório com o próprio, que tem pelo único legítimo e verdadeiro”. (p. 242).

O Pe. Eric D’Arcy (consagrado bispo em 1981), mestre em filosofia, foi outro autor que defendeu o direito à liberdade religiosa mesmo para acatólicos, numa obra com Nihil obstat e Imprimatur. Vejamos ao menos um trecho de seu livro sobre o tema: “A base na qual se sugere aqui que se baseia a reivindicação à liberdade de consciência é o dever absoluto de nunca agir contra a consciência. É evidente que temos de lidar aqui com um direito que tem uma origem muito diferente dos direitos que mencionávamos anteriormente. O cliente do advogado e a pessoa casada derivam os seus direitos de um contrato. Mas os direitos humanos essenciais derivam da própria ordem natural e pertencem ao que São Tomás chama de “justiça natural”; quanto mais intimamente um determinado “objeto” (no sentido amplo) estiver conectado com a integridade da personalidade humana, mais rigorosamente ele será protegido pela justiça natural”. (Conscience and its Right to Freedom, 1961, p. 206).

O Padre Francis J. Connell escreveu em 1963 que a questão de saber se acatólicos poderiam ter o direito real à liberdade religiosa permanecia uma questão em aberto. Refere ainda que São João XXIII em sua encíclica Pacem in terris não quis dirimir a questão:

“Esta questão gira em torno do problema controverso se alguém que sinceramente acredita em uma religião que é objetivamente falsa tem o real direito de professá-la e praticá-la. Em tempos recentes, alguns têm defendido o afirmativo e gostariam de ver esta opinião aprovada pelo Segundo Concílio do Vaticano. No entanto, a visão tradicional é que uma consciência errônea (mesmo quando inculpavelmente errônea) não dá direito real de professar ou praticar uma religião que é objetivamente falsa. Tal consciência só pode conferir um direito subjetivo (ou um jus existimatum). Como nosso correspondente aponta, a tradução para o inglês de Pacem in terris parece apoiar a primeira visão, pois diz que uma pessoa pode seguir os ditames de uma consciência reta em sua escolha de religião, e pode-se dizer que segue uma consciência reta mesmo quando, por ignorância inculpável, professa uma religião objetivamente falsa. No entanto, uma investigação mais aprofundada da Encíclica indica claramente que a tradução para o inglês não reproduz corretamente a fraseologia latina. Na versão em latim, lemos que uma pessoa tem o direito de praticar religião de acordo com a norma correta de sua consciência (ad rectam suae conscientiae normam). Isso é muito diferente de dizer que ele é livre para escolher sua religião de acordo com sua consciência reta. A palavra “direito”, aplicada à consciência, pode significar verdadeira ou em conformidade com a própria consciência honesta (mesmo que inculpavelmente errônea). Em outras palavras, a Encíclica usa uma palavra que pode ser interpretada de acordo com uma das visões descritas acima. Evidentemente, o Papa João XXIII pretendia deixar sem resposta a questão se uma pessoa tem o real direito de abraçar de boa fé uma religião falsa, ou tem o real direito de aceitar apenas a religião que é objetivamente verdadeira”. (“Freedom of Worship”, American Ecclesiastical Review CXLIX, n. 3 [Sep. 1963], pp. 201-202).

O cardeal Michael Browne (1887- 1971) foi um religioso irlandês e mestre geral da Ordem dos Pregadores. Foi feito cardeal pelo Papa São João XXIII. Durante o Concílio Vaticano II fez parte do grupo Coetus Internationalis Patrum. Este era um grupo tradicional que reagia às pretensões progressistas de Padres e peritos conciliares. Monsenhor Marcel Lefebvre fez parte deste grupo, inclusive. Ele propôs correções ao esquema conciliar, mas sem negar a existência de um direito à liberdade religiosa para os acatólicos. Ele resume assim à doutrina da liberdade religiosa do esquema “A liberdade religiosa aqui se põe como direito natural, tanto dos indivíduos como das comunidades, para se ter um direito civil na sociedade, isto é, de professar a religião, não só enquanto se entende esta religião como simples culto do verdadeiro Deus, mas, sobretudo, enquanto se entende como qualquer forma de culto divino, admitindo-se que venha de uma consciência sincera própria e aprovada e mesmo para que ela seja ensinada verbalmente e por escrito dentro de certos limites…”. E não apresenta qualquer objeção sobre isso.

Admite a existência de direito à liberdade religiosa para os acatólicos, mas observa que os direitos da fé são superiores por serem sobrenaturais: “Sim, nada se faça que os que professam essas religiões sejam diminuídos, mas com toda[7] a caridade e benignidade sejam verdadeiramente tratados, e as suas opiniões segundo o ditame de toda[8] caridade devem ser sustentados, contudo, não há igualdade entre aqueles direitos e os direitos da fé. Não é aceitável, portanto, parece, que se conceda iguais direitos aquelas opiniões de divulgar com pregação pública[9] no Estado católico ou pela difusão de seus livros”. (Intervenção do Cardeal Michael Browne sobre o esquema da Liberdade Religiosa no Concílio Vaticano II)

Embora o Papa Pio XII não tenha defendido explicitamente o direito à liberdade religiosa em seu magistério, exalta sobremaneira a Constituição da Irlanda de 1937: “Vossa Constituição (Bunreact nah Eireann) quer ser um instrumento de “prudência, justiça e caridade” ao serviço de uma comunidade, que nunca sentiu dúvidas através de sua larga história cristã em relação aos deveres eternos e temporais deste bem comum que trata de encontrar: conjuntamente com a oração, com o trabalho e, muitas vezes, com o heróico sacrifício de seus filhos. Baseando-se na lei natural, estas prerrogativas humanas fundamentais que vossa Constituição garante e assegura a todo cidadão da Irlanda, dentro dos limites da ordem e da moralidade, não poderiam encontrar garantia mais ampla e mais segura contra as forças atéias da subversão e o espírito de facção e violênca senão na recíproca confiança entre as autoridades da Igreja e do Estado, cada uma delas independentemente em sua esfera, mas aliadas enquanto ao bem estar comum, sobre a dos princípios da fé e da doutrina católicas” (Discurso ao Primeiro Ministro da Irlanda Éamon de Valera, 04 de outubro de 1957). E a referida Constituição chama as liberdades de consciência e religiosa de direitos fundamentais (cf. https://is.gd/PysMnB).

Outra objeção é que o pecador decai da sua dignidade humana, como afirma Santo Tomás, e, portanto, não pode ter direito à liberdade religiosa fundado nessa mesma dignidade. Responde-se que a dignidade ontológica não é destruída, mas debilitada e diminuída pelo pecado. Nas palavras de Santo Tomás de Aquino, todo homem, mesmo pecador, é a imagem de Deus e, pelo menos, potencial membro do Corpo de Cristo (I, q. 3, a. 4 e III, q. 8, a.3). Santo Tomás também diz que o pecado não pode destruir o bem da natureza humana (I-II, q. 85, art. 2). Diz ainda que há alta dignidade em todo homem pelo mero fato de subsistir em uma natureza racional, donde advém o nome pessoa (I, q. 29, art. 5, resp. ad 2).
 

5. O direito à liberdade religiosa em países confessionais

“Se, em razão das circunstâncias particulares dos diferentes povos, se atribui a determinado grupo religioso um reconhecimento civil especial na ordem jurídica, é necessário que, ao mesmo tempo, se reconheça e assegure a todos os cidadãos e comunidades religiosas o direito à liberdade em matéria religiosa”. (Dignitatis Humanae)

A objeção é que esse trecho admite o direito à liberdade religiosa para acatólicos mesmo em países confessionais católicos, mas a doutrina tradicional fala em tolerância e não direito para esses casos.

No entanto, o Pe. Victorino Rodriguez, ao interpretar esse número da DH, diz que tal não impede a proibição dos falsos cultos nos países majoritariamente católicos: “Mas na hipótese da confessionalidade estatal católica, não somente por razões sociológicas comuns, não especificamente religiosas, mas em virtude do dever natural e divino-positivo de professar a religião Católica, tal como está ratificado no n. 1 da Declaração, tem o Estado Católico o dever de reconhecer plena liberdade privada e pública às comunidades não católicas? No meu entender não se dá tal dever, correlativo a um estrito direito de tais comunidades à não coação pública (dando sempre por ilegítima e antinatural a coação religiosa propriamente dita). E é porque o direito à liberdade que se proclama no n. 6 é um direito fundado em razões sociológicas comuns, prescindindo das razões próprias que possam assistir a uma religião para ser, em princípio, por exigências religiosas intrínsecas, a única religião pública, como é o caso da religião Católica. Esta ressalva[3] não está expressamente formulada no n. 6, mas está virtualmente na afirmação preliminar sobre a permanência íntegra da doutrina tradicional sobre a obrigação do Estado para com a Igreja Católica. Ora, segundo a doutrina tradicional católica, a não permissão de culto público acatólico dentro de um Estado Católico não pode ser mais que uma transação, uma permissão ou tolerância, ou, se se prefere um respeito às demais religiões, em razão do bem comum nacional ou internacional. Basta-nos recordar a doutrina inequívoca de Pio XII: “Antes de tudo é preciso afirmar claramente que nenhuma autoridade humana, nenhum Estado, nenhuma Comunidade de Estados, seja o que for seu caráter religioso, podem dar um mandato positivo ou uma positiva autorização de ensinar ou de fazer o que seria contrário à verdade religiosa ou ao bem moral… O que não corresponde à verdade e à norma moral não tem objetivamente direito algum nem de existência, nem de propaganda e nem de ação. Segundo: o não impedi-lo por meio de leis estatais e de disposições coercitivas pode, contudo, fazer-se justificado pelo interesse de um bem superior e mais universal”. (Estudo histórico-doutrinal da declaração sobre a liberdade religiosa do Concílio Vaticano II, La Ciencia Tomista, abril-jun, 1966, n. 295, pp. 135-138).

Nesse caso, São Paulo VI ao reconhecer à liberdade religiosa para acatólicos na Espanha e outros países similares cometeu como pessoa uma pusilanimidade e não como pastor um erro doutrinal.

Outra solução é dizer que mesmo nos países católicos o direito à censura das falsas religiões já não existia. Com efeito, esse direito está inserido no ius gentium, tendo lugar ou não em dado o contexto social. Santo Tomás explica que a lei natural é imutável em seus princípios mais universais e mais gerais (preceitos primários), enquanto que as conclusões racionais dedutíveis de seus princípios (preceitos secundários) são sujeitas a variações. Os preceitos secundários dependem das condições particulares e de certas circunstâncias. Isso explica porque novas prescrições podem ser adicionadas à lei natural quando surgem novas situações, à medida que as sociedades evoluem. Assim, há certos direitos naturais que são perfeitamente universais e outros direitos naturais que são variáveis em sua aplicação. Define o padre Labourdette (cf. Cours de théologie morale, t.2:Morale spéciale, Paris, Parole et Silence,2012, p.457) estes últimos como direitos que derivam da natureza humana, mas que pressupõem certo estado, um conjunto de circunstâncias históricas, fora das quais tais não existiriam. Alguns teólogos expressam essa distinção como “direitos naturais originários” e “direitos naturais subsequentes”. Para ficar num exemplo, a escola de Salamanca defendia que a escravidão foi por muito tempo lícita, vide que o prórpio III Concílio de Latrão a ordenou positivamente, mas com as mudanças sociais e políticas já se mostrava contrária à lei natural no século XVI (Vitoria, De iure belli, q. 3, aa. 3 and 5; Vitoria, Comentarios, II-II, q. 57, a. 3, no. 5 (3:16–17); Domingo de Soto, De dominio, no. 25; Báñez, Decisiones de iure et iustitia, q. 57, a. 3 (13b); Molina, De iustitia et iure,I, d. 5; Suárez, De legibus, II, ch. 20, no. 8, and VII, ch. 4, no. 6).

O Padre Julio Meinvielle já dizia em 1932 (!) que seria desastroso perseguir os falsos cultos no mundo contemporâneo, uma vez que toda a sociedade era liberal, e a unidade de crença substancial desaparecera: “Na sociedade liberal, onde a unidade de crença foi quebrada, seria desastroso perseguir os cultos falsos. Os erros não têm direitos, mas as consciências que erram os têm. Se em tese o Estado deve ser exclusivamente católico, na hipótese da diversidade de crenças deverá ser tolerante. A Igreja – ensina Leão XIII -, em seu apreço maternal leva em conta a impiedade humana: não ignora os movimentos que em nossa época arrastam os espíritos e as coisas. Por este motivo, embora não reconheça direitos a não ser aos verdadeiro e bom, não se opõe, contudo, à tolerância, da qual crê poder e dever usar o poder público… O próprio Deus, embora infinitamente bom e poderoso, permite a existência do mal no mundo, seja para impedir maiores males no mundo, seja para não impedir bens mais excelentes. Convém, no governo dos Estados, imitar a sabedoria que governa o Universo. A proteção que o Estado deve a Igreja importará, em tese, uma ajuda econômica, porque a Igreja deve ser a ajudada pelos fiéis para os enormes gastos que demanda sua ação cultural e caritativa; e, como dizia antes, o Estado é o primeiro fiel. Nas sociedades contemporâneas a ajuda oficial não se faz por este conceito, mas na restituição dos bens defraudados em momentos em que o sectariamos se intensificou. Talvez tenha chegado uma época em que conviria auspiciar uma independência econômica absoluta da Igreja em relação ao Estado. Não parece espiritualmente vantajoso que a Imaculada Igreja de Jesus Cristo esteja ligada por alguns centavos – embora lhe seja devido por justiça – com governos ímpios e insolentes, no melhor dos casos incompreensivos dos direitos espirituais. Além disso, essa ridícula ajuda dispensada serve de pretexto para os que pretendem impedir a ação espiritual dos pastores (como se fossem funcionários públicos) e para difundir nas envenenadas massas não sei quantos embustes sobre a riqueza da Igreja”. (La Concepción Católica de la Política, 1932)

Acrescenta que tal seria diferente num Estado Católico como se conheceu na Idade Média: “Por último, a profissão de fé católica em um Estado Cristão, como os conheceu a Idade Média, exige deste sua colaboração com a Igreja para reprimir as heresias costumazes e públicas que pudessem perturbar a unidade e corromper a fé do povo cristão. Braço sercular posto ao serviço da Igreja para reprimir a difusão dos erros, e jamais para propagar a verdade”.

Para que o autor, a partir disso, falasse em direito à liberdade religiosa mesmo nos países católicos faltaria já pouco em 1966: La Declaración conciliar sobre la Libertad Religiosa y la doctrina tradicional https://is.gd/cvNg3S.

Por fim, é falsa a dicotomia entre tolerância e direito, pois quando o Estado é obrigado a tolerar, por obrigação decorrente da justiça e não por prudência política, estaremos falando já de “direito” para os cidadãos acatólicos.

 

6. Os fins do matrimônio

“Porém, o matrimônio não foi instituído só para a procriação da prole; mas a própria natureza da aliança indissolúvel entre pessoas e o bem da prole exigem que o amor mútuo dos esposos se exprima convenientemente, cresça e amadureça. Por isso, mesmo que os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, faltem, o matrimônio continua sendo toda uma forma e comunhão de vida, conservando o seu valor e indissolubilidade.” (Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mundo Moderno Gaudium et Spes, parágrafo 50).

A objeção é que supostamente o Concílio iguala os bens do matrimônio, deixando, portanto, de reconhecer que a procriação e educação da prole é o fim primário do matrimônio.

Mas a Comissão doutrinal, sobre esse trecho, disse que não considerou a questão técnica de hierarquia, mas preferiu se manifestar dessa forma por conta da direção pastoral do Concílio. (cf. Acta Synodalia, IV, PARS VII, pp 476-488). A comissão menciona a Casti Connubii de Pio XI para mostrar que a hierarquia dos bens do matrimônio pode ser considerada em vários aspectos.

Com efeito, Pio XI diz: “Esta mútua formação interior dos cônjuges, com a assídua aplicação em se aperfeiçoarem reciprocamente, pode dizer-se com toda a verdade, como ensina o Catecismo Romano (p. II, cap. VIII, q. 13), causa e razão primária do matrimônio, não se considerando já por matrimônio, no sentido mais restrito, a instituição destinada à legítima procriação e educação dos filhos, mas, no sentido mais lato, a comunidade, a intimidade e a sociedade de uma vida inteira”. (Casti Connubii)

A Suma Teológica diz: “O fim intencionado é o primeiro existente; mas enquanto consentido vem em último lugar. O mesmo se dá com a prole entre os bens do matrimônio. Por isso é, de certo modo necessário, e de certo outro, não”. (Summa Theol., Suppl. Quaest. 49, art. 3 ad 1).
 

7. Os judeus atuais não são culpados pela paixão e morte de Cristo

Ainda que as autoridades dos judeus e os seus sequazes urgiram a condenação de Cristo à morte não se pode, todavia, imputar indistintamente a todos os judeus que então viviam, nem aos judeus do nosso tempo, o que na Sua paixão se perpetrou”.

A objeção é que os judeus atuais devem ser considerados culpados ainda pela condenação de Cristo, ocorrida no passado, de maneira especial, pela maldição do sangue, e não somente em razão teológica pelos pecados, eis que nesse sentido toda a humanidade é culpada.

Mons. Fulton Sheen no mesmo sentido do texto conciliar: “Os crentes têm o dever de caridade para com os judeus. Quando Pilatos se declarou inocente do sangue de Cristo, o povo judeu respondeu: “que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos”. Mas o Salvador nunca ratificou nem selou esta reclamação. O sangue que foi derramado no Antigo Testamento como uma promessa longínqua da remissão do pecado, o sangue propiciatório; a água tinta de sangue que foi bebida imposta por Moisés ao seu povo quando adorou o bezerro de ouro; o sangue que Abrãao que estava prestes a derramar em preito da fé, e obediência a Deus e o sangue do cordeiro prefigurado milhares de vezes na celebração da Páscoa não pesa sobre os judeus como uma maldição, mas constitui um lavacro de regeneração. O crente não deverá nunca dizer que foram mãos judias que crucificaram Cristo porque Nosso Senhor havia dito que seria entregue “aos gentios” para ser crucificado. Nenhum homem no mundo, ainda que budista ou comunista, pode afirmar que está inocente do Sangue daquele Homem”. (O Dever que incumbe aos crentes…, Vozes, ano 1960, p. 168)

8. Os judeus não são apresentados na Escritura como rejeitados ou amaldiçoados

“E embora a Igreja seja o novo Povo de Deus, nem por isso os judeus devem ser apresentados como reprovados por Deus e malditos, como se tal coisa se concluísse da Sagrada Escritura.” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 4).

A objeção se assemelha à anterior, pois os judeus atuais deveriam ser considerados reprovados ou amaldiçoados pelo derramamento de sangue de Cristo. Mas outra é a visão de Mons. Fulton Sheen, como apontamos: “Quando Pilatos se declarou inocente do sangue de Cristo, o povo judeu respondeu: “que o seu sangue caia sobre nós e sobre os nossos filhos”. Mas o Salvador nunca ratificou nem selou esta reclamação. O sangue que foi derramado no Antigo Testamento como uma promessa longínqua da remissão do pecado, o sangue propiciatório; a água tinta de sangue que foi bebida imposta por Moisés ao seu povo quando adorou o bezerro de ouro; o sangue que Abrãao que estava prestes a derramar em preito da fé, e obediência a Deus e o sangue do cordeiro prefigurado milhares de vezes na celebração da Páscoa não pesa sobre os judeus como uma maldição, mas constitui um lavacro de regeneração”. (O Dever que incumbe aos crentes…, Vozes, ano 1960, p. 168).

São João Crisóstomo também diz: “Mira aquí la gran perfidia de los judíos, su impiedad y su funesto apasionamiento no les permite ver lo que les conviene prever. Y se maldicen a sí mismos, diciendo: su sangre sea sobre nosotros, y atraen también la maldición divina sobre sus hijos, diciendo: y sobre nuestros hijos. Pero nuestro Dios misericordioso, no aceptó esta imprecación, y se dignó recibir a muchos de sus hijos, que hicieron penitencia: porque San Pablo era de ellos, y muchos miles de fieles, que creyeron, cuando se predicó en Jerusalén. (homiliae in Matthaeum, hom. 87,1)

Destaca-se que o teólogo Gregory Baum, um dos principais artífices da Nostra aetate, durante uma reunião do Secretariado para a União dos cristãos em 1965, diz que “a reprovação da Sinagoga não é por causa da crucificação, mas por causa da recusa do Evangelium Christi” (J.CONNELLY, From Enemy to Brother, 267). Objetou-se ao Secretariado que o povo judeu deveria ser considerado reprovado em razão da crucificação, e eis a resposta sobre a matéria:  “Além disso, os argumentos pelos quais se tenta provar a falta de deicídio e reprovação do povo judeu não são válidos. É verdade que a sinagoga se excluiu das bênçãos messiânicas trazidas por Cristo, mas isso não acontece diretamente por causa dos líderes dos judeus que entregaram Jesus à morte, mas porque se recusaram a acreditar em Jesus pregado pelos apóstolos”. (n. 80. Acta Synodalia IV.4, 698). Portanto, não se quer negar que o povo judeu é reprovado, como outros infiéis e cristãos separados, em razão da recusa da fé católica, como refere o Concílio de Florença, na Bula Cantate Domino.
 

9. Dissensões passadas com os muçulmanos devem ser esquecidas

“No decurso dos séculos, surgiram entre cristãos e muçulmanos não poucas discórdias e inimizades. Este sagrado Concílio exorta todos a que, esquecendo o passado, sinceramente se exercitem na compreensão mútua…” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 3)

A objeção é que não se deve esquecer as discórdias e inimizades do passado no trato com os acatólicos.

Mas Bento XV fala em esquecimento de discórdias do passado ao tratar com protestantes: “Isso é testemunhado também pela tristíssima história das antigas discórdias e o confirma a experiência de todo o mal que provem dessa fonte. De nada vale recordar essas desgraças hoje que somos oprimidos por outros desastres e massacres sangrentos, melhor seria apagá-las com as nossas lágrimas, e, se possível eliminá-las num perpétuo esquecimento” (In hac tanta)

 

10. As ações litúrgicas dos protestantes engendram a vida da graça e aptamente dão acesso à comunhão da salvação

 “Também não poucas ações sagradas da religião cristã são celebradas entre os irmãos separados de nós. De maneiras que variam conforme a condição de cada Igreja ou Comunidade, estas ações podem, sem dúvida, produzir realmente a vida da graça. Devem mesmo ser tidas como aptas para abrir a porta à comunhão da salvação.” (Decreto sobre o Ecumenismo Unitatis Redintegratio, parágrafo 3).

Parte disso foi comprovada nas citações em resposta ao item “3. O Espírito Santo atua nas seitas heréticas e cismáticas, de forma que não estão despojadas de sentido e de importância no mistério da salvação”.

Acrescentamos outras citações.

O teólogo Michael Schmaus diz: “La Iglesia greco-ortodoxa puede incluso celebrar validamente la eucaristía y consagrar sacerdotes y obispos. Los sacramentos, según la doctrina católica, desarrollan su eficacia en los grupos heréticos, si son administrados correctamente. Y este es el caso.” (Michael Schmaus, Teologia Dogmática, IV. La Iglesia, Ed. 1960, p. 406).

Papa Anastásio falando sobre o batismo de cismáticos, diz: “De fato, o batismo, … mesmo se administrado por um adúltero ou por um ladrão, chega ao destinatário como dom intacto, pois aquela voz que se fez ouvir através da pomba exclui toda mancha de poluição humana, já que por ela é declarado e dito: “Este é aquele que batiza …” [Lc 3,16]. De fato, se os raios deste sol visível, passando através dos lugares mais fétidos, não são contaminados pelo contato com sujeira alguma, muito menos o poder daquele sol, que fez este <sol> visível, fica restringido por alguma indignidade do ministro. (…) De fato, o sacramento inviolável por ele administrado manteve para os outros a perfeição de sua força” (Exordium pontificatus mei)

 

11. Há coisas santas e verdadeiras nas falsas religiões

“A Igreja Católica nada rejeita do que nessas religiões [não cristãs] existe de verdadeiro e santo”(Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 2)

A objeção é que não pode existir nenhum bem e verdade nas falsas religiões e que Deus não pode ser a causa e iluminação de certos costumes e verdades que existem nas falsas religiões.

No entanto, o Papa Pio XII ensinou: “Seja testemunha de Jesus Cristo. Deixe claro, que tudo o que pode ser verdadeiro e bom nas outras religiões, encontra o seu significado mais profundo e perfeito complemento em Cristo; enquanto a fé católica revela um conhecimento da verdade divina e um poder de salvar, santificar e para unir o homem com Deus, o que torna infinitamente superior”. http://w2.vatican.va/content/pius-xii/it/speeches/1952/documents/hf_p-xii_spe_19521231_apostoli-india.html

Ainda: “Aquilo que outras confissões, mesmo não-cristãs, apresentam de verdadeiro e de bom é por ela [a Igreja] acolhido e acha nela o seu sentido sentido profundo e o seu cumprimento”. (Papa Pio XII, Radiomensagem ao LXXVII Katholikentag Alemão, 2 de setembro de 1956)

O Padre Garrigou-Lagrange diz que os hebreus e maometanos conservam fragmentos da revelação primitiva e da revelação mosaica: “Los hebreos y los mahometanos no sólo admiten el monoteísmo, sino que conservan fragmentos de la revelación primitiva y de la revelación mosaica. De modo que pueden creer en un Dios remunerador, supremo y sobrenatural, y con la ayuda de la gracia hacer un acto de contrición. Y entre los mismos paganos, aquellos que están en la ignorancia no culpable de su religión, y se esfuerzan por observar la ley natural, Dios no deja de ofrecerles sus medios sobrenaturales de El solo conocidos, para que puedan alcanzar la eterna salvación.” (LA VIDA ETERNA Y LA PROFUNDIDAD DEL ALMA , 330).

O padre Tanquerey também diz: “Podemos, portanto, concluir com bom fundamento, que o Mahometismo, assim como o Budismo, não contém em si senão fragmentos da verdade, que foi pedir de empréstimo, quer à razão quer à revelação primitiva; porém um e outro sistema abundam em erros perniciosos, em virtude dos quais se tornou inábil para remir verdadeiramente o gênero humano do seu mísero estado; porém a verdade plena, isenta de todo o erro, somente se encontra na religião de Cristo, a qual só contém em si a virtude de curar quer os homens particulares quer as sociedades. (Compendio de Theologia Dogmatica, T. I, V. II, 1901, p. 433)

Padre Tanquerey sobre os muçulmanos: “Pela fé em Deus uno, pelos prêmios e penas da vida eterna, pela oração e religiosa contemplação, muitas vezes ardentíssima e exaltadíssima, satisfez a esta aspiração da nossa natureza, pela qual tendemos para o nosso autor, como fonte da vida superior” (Tomo I, Vol. II, p. 429, Nota 1.)

Ainda: “Conhecendo-se bem a árvore pelos frutos, examinaremos brevemente os efeitos desta religião. Não negamos na verdade que possam atribuir-lhe alguns frutos bons, principalmente a propagação do monoteísmo entre os povos mais ou menos bárbaros, e por isso um certo progresso não só nas ciências e artes, mas também na filosofia, principalmente na versão arábica e na interpretação das obras de Aristóteles: nem isso é para admirar, sendo a fé em Deus uno destinada a produzir ótimos frutos. Porém a civilização maometana não durou muito tempo, contendo em si muitos germes de corrupção” (p. 431)

O especialista em religiões Louis Capéran diz: “as religiões pré-históricas e históricas são instituições positivas que, apesar de suas superstições supõem e fomentam as ânsias com que o gênero humano tende até aquele poder que o domina e para comunicar-se com a realidade que está por cima de todos nós. O gênero humano, embora dividido em numerosos cultos, é no mais fundo de suas aspirações idêntico a si mesmo. Por meio de liturgias, brilhantes ou primitivas, o homem se quer chegar à presença e à intimidade divinas, e por seus instintos e por uma pressão social tão antiga como a história, trata de promover uma aliança e comunhão com Deus” (L’appel des non-chrétiens au salut, 1962, p. 50)

Lacombe Olivier fala sobre a atuação de Deus nos ritos das falsas religiões: “Enquanto às religiões que não nasceram da vocação de Abraão, religiões as quais pertencem e pertenceram sempre uma tão grande parte da humanidade, vemos que proliferam nelas mitos e ritos, especulações e regras de vida. O esforço humano tratou de expressar o que não os disse a Revelação divina. As vezes estas construções “ficarão abertas às visita do Deus vivo e se deixarão banhar de sua graça, e as vezes se recolherão sobre si mesmas e se erigirão deliberadamente em experiências de salvação, tratarão de suplantar à Redenção por Cristo. Somente Deus pode aqui reconhecer aos seus, já que se trata aqui do segredo dos corações mais misteriosos que a mais íntima experiência espiritual”. (Lacombe Olivier, Chemins de l’Inde et Philosophie chrétienne, Paris, Alsatia, 1956, pp. 29 e 34).

Padre Sertillanges ensina: “Mas há um a fortiori em outro sentido, porque as religiões dissidentes no que têm de bom, refletem e representam a nossa; e porque elas podem, consequentemente, na medida em que a representam e sempre acidentalmente substituí-la em seu ofício, e isto na ordem propriamente religiosa, coisa que não pode fazer por si mesmo o trabalho civilizador. Se teve, pois, a Igreja a visão bastante compreensiva para reconhecer a verdade e o bem nas religiões que foram anteriores a elas, não vai negá-lo as que lhe estão próximas e são, em sua maior parte, a continuação histórica daquelas”. (La Iglesia, Libro terceiro, cap. II, pp. 102-108, ano 1946).

Ainda é claro sobre a atuação de Deus nas falsas religiões: “Dizíamos que as religiões dissidentes eram diabólicas, mas isso não é obstáculo para que acessoriamente e como per accidens sejam providenciais. Elas não dão a graça, mas podem ocasioná-la, guardá-la ou ajudá-la a crescer, com auxílios exteriores que Deus, hóspede de todo coração que não lhe rechaça, saberá fazer eficazes. Seu nome próprio é o de abrigos de ocasião, da mesma maneira que temos denominado à Sinagoga domicílio autêntico provisório”.

Ricardo Lombardi diz: “os teólogos que sustentam suficiente para a fé a certeza meramente relativa dos preâmbulos, poderão pensar que a Providência se sirva amplamente das religiões históricas para defender a notícia da revelação…” (La salvación del que no tiene fe, herder, 1953, p. 305)

Ainda: “Efetivamente, é claro que as religiões históricas, mesmo as falsas, poderiam oferecer a alma uma esplêndida ocasião para conversar com Deus, saindo desse colóquio iluminadas segundo os desígnios misericordiosos da Providência. Pensemos, por exemplo, na religião amidista da qual temos nos ocupado antes, e se verá em seguida que essas simples almas crentes podem sentir facilmente na intimidade uma palavrinha certa de Deus, mesmo quando seu culto coletivo estivesse historicamente separado por completo de toda revelação pública”. (p. 308).

Cardeal Newman diz:  “As velhas máximas das nações, os preceitos majestáticos da filosofia, as normas luminosas do direito, os oráculos da presciência individual, as regras tradicionais da verdade, justiça e religião, mesmo corrompidas e contaminadas pelo orgulho do mundo, denunciam a atuação de Deus e Sua eterna presença. Até onde há rebelião habitual contra Ele, ou contagiosa depravação social, os arroubos secretos e heroicos da virtude, bem como os anseios do coração e os pressentimentos do remédio verdadeiro têm de ser atribuídos ao autor de todo bem. Antecipações ou reminiscências de Sua glória assoberbam o espírito do sábio auto-suficiente e do pagão fanático. Suas palavras estão na parede, tanto do pagode indiano quanto do pórtico da Grécia. Ele próprio Se apresenta, a Seu bel-prazer, na hora certa, nas crises de dúvida, superstição e falso culto, para mudar o caráter das ações com Sua interferência poderosa. Acata, mas não sanciona, os altares e santuários da impostura e com Seu ‘fiat’ substitui-lhes as feitiçarias. Fala em meio aos encantamentos de Balãao, ampara o espírito de Samuel no antro da bruxa, profetiza o Messias pela boca da Sibila, força a Pítia a reconhecer Seus ministros e batiza pela mão do descrente. Está com o dramaturgo pagão quando este brada contra a injustiça e a tirania, e augura para o crime a vingança divina. Até nas lendas inverossímeis da mitologia popular lança Sua sombra e está nebulosamente presente na ode ou na epopeia, como em turvas águas e fantásticos sonhos. Tudo o que é bom, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é belo, tudo o que é benéfico, seja grande ou pequeno, completo ou fragmentário, natural ou sobrenatural, espiritual ou material, vem Dele.” (John Henry Newman, Discurso 3, 7. A ideia de uma universidade)
 

12. A Igreja Católica olha com sincero respeito o modo de agir e viver, preceitos e doutrinas, que não são verdadeiros nas falsas religiões

“Olha com sincero respeito esses modos de agir e viver, esses preceitos e doutrinas que, embora se afastem em muitos pontos daqueles que ela própria segue e propõe, entretanto refletem não raramente um raio da verdade que ilumina todos os homens.” (Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não-Cristãs Nostra Aetate, parágrafo 2)

A objeção refere que os mitos falsos e as doutrinas errôneas não podem ser respeitados. No entanto, parecem que é possível, sim, se podem possuir alguma algum parenteco remoto com a religião primitiva, sendo essa a sua excelência, objeto de respeito. Com efeito, o Capéran diz: “Se o conteúdo dogmático da religião primitiva foi evaporado por completo entre os pagãos, as doutrinas subsequentes conservam, contudo, a forma das primeiras. Seladas todas com o mesmo selo, as religiões históricas se enlaçam originalmente com uma comunicação divina da qual se jactam, e se propõem pôr ao homem em relação com Deus e com o sobrenatural”. (Le problème du salut…, Essai théologiaque, p. 123). Para mais sobre o assunto ver a resposta ao item 40. Sementes do verbo nas falsas religiões.

Além disso, o Papa Pio XII fala em respeito por posições e tradições particulares, especialmente no campo religioso, num discurso aos delegados da comissão suprema árabe da Palestina: “Sem dúvida, a paz só pode ser alcançada em verdade e justiça. Isso pressupõe respeito pelos direitos dos outros, por posições e tradições particulares, especialmente no campo religioso, e pelo cumprimento preciso dos deveres e obrigações aos quais toda família de habitantes está vinculada”. (Discurso, 3 de agosto de 1946).

13. A Igreja tende à plenitude da verdade

“a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus”. (Dei Verbum)

A objeção é que a Igreja não tende à plenitude da verdade divina, como se a verdade revelada não estivesse completa. No entanto, uma coisa é a revelação divina já estar completa, outra é estar plenamente explicitada. Pio XII diz que o Espírito da verdade dirige a Igreja para o conhecimento das verdades reveladas: “Considerando que a Igreja universal ― que é assistida pelo Espírito de verdade, que a dirige infalivelmente para o conhecimento das verdades reveladas ― no decurso dos séculos manifestou de tantas formas a sua fé” (Munificentissimus Deus) O Papa Leão XIII disse que o julgamento da Igreja pode amadurecer: “Porque naquelas passagens da Sagrada Escritura que, todavia esperam uma explicação certa e bem definida, pode acontecer, por benévolo designo da providência de Deus, que com este estudo preparatório chegue a amadurecer o julgamento da Igreja.” (Fieri potest… ut quase praeparato Studio judicium Ecclesiae maturetur”)

 

14. A Igreja é chamada à reforma

 “A Igreja peregrina é chamada por Cristo a essa reforma perene”. (Unitatis redintegratio)

Falar em reforma da Igreja supostamente iria contra a santidade e perfeição da Igreja. No entanto, essa expressão foi utilizada no Magistério. Com efeito, Papa Inocêncio III disse:  “pro universali Ecclesia reformanda” (Sermão VI, In Concilio Generali Lateranensi Habitus).

 

15. Distinção das verdades do depósito de fé e o modo como elas são pronunciadas

“Além disso, os teólogos são convidados a buscar constantemente, de acordo com os métodos e exigências próprias do conhecimento teológico, a forma mais adequada de comunicar a doutrina aos homens do seu tempo; porque uma coisa é o depósito da fé ou as suas verdades, outra o modo como elas se enunciam, sempre, porém, com o mesmo sentido e significado (12)”. (Gaudium et Spes)

A objeção é que essa distinção seria imprópria. No entanto, eis os termos que o Papa Pio XII manifestou a este respeito na audiência que concedeu ao Exmo. Bispo de Nancy:

“O Santo Padre – escreveu este – exorta-nos a ficar agarrados à verdade cristã, a única que pode salvar os valores humanos. Essa verdade, urge adaptá-la às necessidades das almas do nosso tempo. Nisto, porém, não há “nova teologia” – disse o Papa – já o declaramos duas vezes e cremos tê-lo feito com clareza. Quando falamos de adaptação às ideias modernas – continua o Santo Padre – entendemos a conveniência de proceder a explicações para colocar as verdades dogmáticas, as certezas teológicas ao alcance dos espíritos que não mais as compreendem. Mas os princípios não se modificam. A verdade é imutável. (Texto publicado na Semaine Religieuse de Nancy, e reproduzido na France Catholique de 11 de Julho de 1947) Fonte: Revista Eclesiástica Brasileira 1948, v. 8, p. 301-302, A propósito da ‘Nova Teologia’ reflexões sobre uma Controvérsia Recente – Pe. J-M. Simon, O. M. I).

Também ensinou claramente em seu magistério esse ponto:

“Foi a pregação da Igreja, fundada sobre a verdade de que o Senhor nos deu a missão de ensinar, e sustentada pelo Espírito de Deus, em todas as épocas, e posteriormente, adaptada ao homem moderno e ao seu tempo? Para responder a essa pergunta, é necessário dirigir o olhar para o passado. Aquilo que o salmista diz a respeito do Espírito Criador e que a Igreja aplica em sua oração ao Espírito Santo, vemos realizado por sua pregação ao longo dos séculos: «Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terrae» (Enviai o Vosso Espírito e tudo será criado, e renovareis a face da terra). A Igreja, que difundiu por todo o mundo a verdade de Cristo pela força do Espírito Santo, renovou a face da terra, não somente uma vez, mas sempre e de repetidas maneiras. Em sua obra magisterial (de ensino), por quase dois milênios, superou as provas da realidade e da vida. Demonstram isto os primeiros tempos do cristianismo no meio do mundo pagão e do culto dos falsos deuses; Os tempos da queda do Império Romano e de sua civilização; as épocas da invasão de novos povos e novas raças; a Idade Média, com seu florescer cristão; os tempos de um novo paganismo; os tempos infelizes da divisão da fé no Ocidente; o tempo do Iuminismo, e assim por diante. Em todos os lugares e sempre o objetivo e o êxito da pregação da Igreja foram: tornar o homem um cristão, incutir no homem a verdade, a vida e a riqueza da graça do Senhor. Neste sentido, a pregação da Igreja se mostrou adaptável e adequada a todos os homens, tempos e civilizações. Agora, a Nós importa tornar mais consciente e de fortalecer a convicção pessoal da necessidade de tomar e manter este contato com o Magistério da Igreja, para torná-lo assim mais adequado ao tempo e ao homem contemporâneo. “(Discurso do Papa Pio XII, sobre a «Atualização pastoral», 14 de setembro de 1956, tradução do Padre Adryano Stevanelli)

Leão XIII também explica: “As coisas humanas mudam, mas a virtude benfeitora do Magistério supremo da Igreja vem do alto e permanece sempre a mesma. Acrescente a isso que, estabelecido para durar tanto quanto o mundo, ele segue, com uma vigilância cheia de amor, o caminhar da humanidade e não recusa, como o pretendem falsamente seus detratores, acomodar-se, na medida do possível, às necessidades razoáveis dos tempos” (Papa Leão XIII, Lettre de S. S. Léon XIII au cardinal Rompolla)

 

16. A verdade só se impõe pela força da própria verdade

“a verdade só se impõe pela força da própria verdade (nisi vi ipsius veritatis) que penetra o espírito com tanta doçura quanto poder” (Dignitatis Humanae 1)

Supostamente isso contrastaria o fato de que o homem adere à verdade sobrenatural pela graça. No entanto, o que o Concílio contrasta é que o homem não deve ser obrigado a crer pela força física, mas somente é obrigado a crer pela força da própria verdade que penetra em sua inteligência e vontade. Como observa Santo Agostinho: “o homem não pode crer senão querendo” (tract. XXVI in Ioan., n. 2). Também Pio XII diz: “Mas se desejamos que sem interrupção subam até Deus as orações de todo o corpo místico implorando que os errantes entrem quanto antes no único redil de Jesus Cristo, declaramos contudo ser absolutamente necessário que eles o façam espontânea e livremente, pois que ninguém crê, senão por vontade (cf. Santo Agostinho, In Ioannis Evangelium, 26, 2). (Mystici Corporis)  Nada impede que a força da verdade penetre no espírito através do auxílio da graça. Lemos mais adiante no próprio documento dizendo: é um capítulo dentre os mais importantes da doutrina católica, contido na palavra de Deus e  constantemente pregado pelos Padres, que o homem deve responder a Deus crendo por livre vontade. Por conseguinte, que ninguém deve ser forçado contra a sua vontade a abraçar a fé. Pois o ato de fé é por sua natureza voluntário, uma vez que o homem, redimido pelo Cristo Salvador e chamado para a adoção de filho em Jesus Cristo, não pode aderir a Deus que se revela, a não ser que o Pai o atraia e assim preste a Deus o obséquio racional e livre da fé” (n. 10)

 

17. Igreja como mistério trinitário, eclesiologia trinitária (Lumen Gentium 2-4)

A objeção é que considerar a Igreja como mistério trinitário é a repetição da heresia de Joaquim de Fiore. Não há quem leia honestamente o número 2 a 4 da Lumen Gentium e possa confundir os períodos da História da Salvação, plenamente tradicionais, com sucessões de Igrejas.  Dizer que primeiramente há a vontade salvífica do Pai, enviando seu Amado Filho, que N’ele nos elegeu antes de criar o mundo e predestinou para sermos seus filhos de adoção, e que consumado a obra confiada ao Filho, foi enviado o Espírito Santo em Pentecostes para santificar e nos levar a toda a verdade (Jo 16,13), não tem nada de absurdo, aliás, é essência do Cristianismo esta ideia delineada.

O teólogo Michael Schmaus sobre o tema: “O caráter cristológico da missão do Espírito implica que Cristo permanece sempre presente na Igreja por meio do Espírito Santo. Sua relação com a Igreja não pode ser explicada no sentido de que o dia de Pentecostes enviou o Espírito Santo e se retirou da Igreja para que o Espírito Santo a configura-se  íntima e ocultamente até a parusía. Cristo estaria então presente só ao princípio e ao fim. Porém Cristo atua sempre na Igreja por meio do Espírito Santo. Quando Cristo ressuscitou e sua humanidade foi glorificada, quando subiu aos céus e lhe foi dado poder sobre o mundo, não se desvinculou da Igreja mas intensificou sua união com ela a fazendo mais próxima e mais íntima. Esta proximidade e intimidade são realizadas precisamente pela missão do Espírito Santo. O Espírito é, de certo modo, o poder pessoal com que Cristo domina a Igreja; isto está claramente expresso na liturgia de Pentecostes; a festa de Pentecostes é festa tanto de Cristo como do Espírito Santo; tem importância e significado cristológico e pneumatológico; já que o Espírito que desceu no dia de Pentecostes é o Espírito enviado por Cristo e vive sempre em relação com Cristo. Por meio dele impera e trabalha Cristo na Igreja. O Apocalipse de São João e os Atos dos Apostólicos dão um amplo testemunho sobre este fato. Em definitivo, e do fato, é o Pai quem age no Espírito Santo por meio de Cristo. O Canon da missa romana o atesta ao invocar o Pai na primeira oração para que dê paz à Igreja em toda a redondeza da terra, para que a proteja piedosamente, a unifique e a governe. É, pois, Deus trinitário quem funda a Igreja e a governa e configura enquanto dura sua existência. O Deus trinitário exercita seu domínio salvador na Igreja enquanto que a realiza o Pai no Espírito Santo por meio de Cristo. A participação das três pessoas divinas na configuração da Igreja demonstra que a Igreja não pode ser ordenada à época do Espírito Santo que transcende a do Filho, tal como fez Joaquim de Fiore; segundo ele a história da salvação se dividiria em três épocas: a do Pai, a do Filho e do Espírito Santo. A Igreja pertenceria à época do Espírito Santo que elimina e transcende as outras duas (Manual de Dogmática, IV, pág. 324-5).

 

18. O Papa sozinho e o colégio dos bispos como dois sujeitos de suprema e plena autoridade na Igreja

“A Ordem dos Bispos, que sucede ao colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja (63), poder este que não se pode exercer senão com o consentimento do Romano Pontífice”. (Lumen gentium)

 A objeção é que existiria apenas um único sujeito de poder supremo e pleno, o Papa.

No entanto, antes do ensinamento da Lumen gentium, os teólogos tradicionais se dividiam sobre esse tema. Parte pensava que existia um único sujeito de poder supremo (= de infalibilidade), o Papa, que, no entanto, comunicava a sua infalibilidade ao Colégio dos bispos. E outra parte pensava que existiam dois sujeitos de poder supremo e pleno (= infalibilidade) na Igreja, inadequadamente distintos. Eis o resumo da controversa como explica Salaverri, com citações e menções de vários autores: “Escolio 1. ¿El sujeto de la infalibilidad es único o es doble? Preguntamos acerca del sujeto inmediato  de la infalibilidad activa al definir temas que conciernen a la fe y a las costumbres. Es un asunto controvertido entre los autores, 1º Hay que sostener como totalmente ciertas en  este tema tres cosas: 1) El Romano Pontífice, en cuanto persona pública de Pastor supremo y Doctor de toda la Iglesia, es infalible. 2) Los Obispos, en cuanto Colegio de la Iglesia universal docente, estando en armonía bajo la autoridad del Romano Pontífice al proponer una doctrina como que debe ser aceptada o creída por todos, son infalibles. 3) El Colegio de los Obispos, en cuanto sujeto de la infalibilidad, no .es adecuadamente distinto del Romano Pontífice, porque a fin de ser tal Colegio, debe incluir necesaria y esencialmente a su Cabeza, la cual Cabeza por institución de Jesucristo es el sucesor de San Pedro en el Primado. Estos tres son los puntos que hemos demostrado en las tesis anteriores. 637. 2º La cuestión discutida es la siguiente: ¿Si el Colegio de los Obispos con el Papa y bajo el Papa por una parte, y por otra parte el Papa mismo como persona publica son dos sujetos inmediatos de infalibilidad inadecuadamente distintos; o si el sujeto inmediato de toda infalibilidad de la Iglesia es exclusivamente el Romano Pontífice, mediante el cual proviene la infalibilidad al cuerpo de los Obispos así como proviene de la cabeza a los miembros?  638. 3º Sentencias de los autores: 1) Sostienen qué el Romano Pontífice es el único sujeto  inmediato de la infalibilidad Palmieri,- Billot, Straub, Wilmers, De Groot, Muncunill, Michelitsch, Zapelena, Lercher, Dublanchy y muchísimos, otros. 2) Defienden que los  sujetos inmediatos de la infalibilidad son dos  inadecuadamente distintos Cercia, Pesch, Mazzella, Kleutgen, Franzelin, Schneeman, Hurter, Scheeben, Spacil, Bainvel, Dorsch, De Guibert, Maroto, Stolz, Zubizarreta, Ruffino y muchísimos otros. 3) Prescinden de tomar una decisión en este tema D’Herbigny, Schultes, Felder, De San, Van Laak, Van Noot, Vellico, Lang, Dieckmann, sin embargo este último afirma que se inclina más a la sentencia que defiende un solo sujeto de la infalibilidad.

639. 4º En el Concilio Vaticano I se manifestaron libremente ambas sentencias. En efecto el Relator acerca de la fe, el Obispo Gasser, en la Congregación General el día 11 de Julio del año 1870, advierte: “Los Decretos acerca de la fe, incluso los publicados por el Concilio General solamente son infalibles cuando han sido confirmados por el Papa. La causa de esto no es la que se ha indicado algunas veces desde este ambon, lo digo con dolor, a saber, como si toda la infalibilidad de la Iglesia estuviera puesta exclusivamente en el Papa y desde el Papa pasara a la Iglesia y se le comunicara a ella… ¿Pero como ¡puede comunicarse lá infalibilidad? No entiendo esto”. Luego Gasser sostenía que el sujeto de la infalibilidad es doble (véase Msi 52,1216).  640. 5º Por consiguiente ambas sentencias pueden sostenerse libremente incluso después del Concilio Vaticano I. Según mi modo de pensar la sentencia que defiende que el sujeto de la infalibilidad es uno solo puede defenderse mejor con argumentos especulativos, y en cambio a la sentencia acerca del doble sujeto de la infalibilidad le favorecen más los argumentos positivos. (Suma de la sagrada teología escolástica, 1962, https://mercaba.org/TEOLOGIA/STE/iglesia/libro_2_cap_2.htm)

Salaverri cita ainda a opinião do Relator Bispo Zinelli da comissão da Deputação dada fé do Concílio: “En el mismo Concilio Vaticano I, en la Congregación General el día 16 de julio, a saber dos días antes de que se promulgara en la solemne sesión IV la Constitución dogmática primera acerca de la Iglesia, otro Relator de la fe, el Obispo Zinelli, después de las dos sentencias citadas de los autores acerca del sujeto de la infalibilidad, declaraba en nombre de la comisión del Examen de la fe: “No es, dijo, este el lugar para manifestar que debe establecerse de modo absoluto algo acerca de este tema, sino que solamente hay que declarar de modo manifiesto… que de ningún modo se trata de esta cuestión y que no se anatematiza a aquellos que sostienen cualquiera de las dos sentencias”: Msi 52,1314.

Cita ainda o relator bispo Zinelli falando expressamente em duplo sujeito de plena e suprema potestade:  “El Relator Obispo Zinelli, en nombre de la Comisión del Examen de la fe, en el Concilio Vaticano I, en virtud de la doble promesa inmediata de Jesucristo, una hecha al Colegio con su Cabeza y otra hecha exclusivamente a Pedro, concluía en general que se da en la Iglesia un doble sujeto de potestad suprema, diciendo: “Admitamos que existe una potestad verdaderamente plena y suprema en el Sumo Pontífice como Cabeza, y que la misma potestad verdaderamente plena y suprema se da también en la Cabeza unida con sus miembros, a saber en el Pontífice con los Obispos“. Y además, por el hecho de que estos dos sujetos de la potestad suprema no son entre sí adecuadamente distintos, puesto que los Obispos de ningún modo pueden alcanzar la potestad suprema sin la Cabeza, saca como conclusión acertada que no es posible ninguna colisión entre ambos sujetos. Msi 52,1109-10; Granderath, Constitución Dogmática del  Concilio Vaticano I, 223s nota 1”.

O padre Kleutgen, não duvida em propor aos Padres do Concílio Vaticano I esta mesma doutrina do duplo sujeito de autoridade suprema: totam plenitudinem supremae potestatis inesse: consequens est, hanc potestatem in duplice subiecto esse, in episcoporum corpore, papae coniuncto, et in papa solo” (Mansi, 53, 174 321-322).

Ademais, o esquema De Ecclesia do cardeal Ottaviani dizia claramente esse ponto: “Acredita-se no Colégio dos Bispos, que sucedeu ao Colégio dos Apóstolos no ensino da autoridade e do governo pastoral, no qual, de fato, o Colégio dos Apóstolos continua a viver, e que continuamente dá testemunho da missão de Jesus Cristo e de seus ensinamentos e leis, acredita-se que seja, junto com seu chefe, o Romano Pontífice, e nunca sem este chefe, um sujeito de pleno e supremo poder sobre toda a Igreja” (Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122).
 

19. Igreja como povo de Deus. (Lumen gentium, cap. II)

A objeção é que considerar a Igreja como povo de Deus seria errôneo.

Essa noção é clara nos teólogos e magistério.

Morsdorf diz: “A Igreja é o “novo Povo de Deus existente segundo certa ordem hierárquica, reunido para realizar o reino de Deus.” (En su Lehrbuch des Kirchenrechts, 7, 1953, pág. 25)

M. Schmaus: “A Igreja é o povo de Deus neotestamentário fundado por Jesus Cristo, estruturado hierarquicamente, que serve às exigências do domínio de Deus e à salvação dos homens, e que existe como corpo místico de Cristo” (Katholische Dogmatik, I I I / l : Die Lehre von der Kirche, (Munich “1958), 48)

O Catecismo de Trento sobre ela diz:

“3º. Por que a Igreja está incluída entre os artigos da fé – Embora possamos conhecer pela razão e pela experiência que existe na terra a Igreja, isto é, uma congregação de homens dedicados e consagrados a Cristo nosso Senhor, porém só pela fé podemos compreender sua origem, suas prerrogativas e sua dignidade. E assim sabemos pela fé que a Igreja foi fundada diretamente por Deus (Mt. 16 18; Sal. 82 5.), por isso é chamada herança de Deus (Sal. 32 12; 78 62.) e povo de Deus (Sal. 27 9; 28 11.)” (CR, Introd. ao cap. X, Nono artigo do credo)

“Quais e quantas coisas nos manda crer que há na Igreja. Não foi os homens os fundadores desta Igreja, mas o mesmo Deus imortal que a edificou sobre uma firmíssima pedra, segundo o Profeta que diz: – Ele mesmo Altíssimo a fundou. Por isto se chama herança de Deus, e o povo de Deus.” (CR, cap. X, 21)

Santo Agostinho: “Mas a Igreja, que é o povo de Deus, é uma instituição antiga, mesmo na peregrinação desta vida, com um interesse carnal em alguns homens, um interesse espiritual em outros. Para o carnal pertence a antiga aliança, para o espiritual da nova.” (De Baptismo contra Donatistas libri septem, Livro I, cap. 15, 24)

Tertuliano na mesma direção diz: “E, consequentemente, nós, que “não éramos o povo de Deus”, em tempos idos, fomos feito o seu povo, por aceitar a nova lei acima mencionada, e da circuncisão nova antes anunciada.” (Adversus Iudaeos, III, 13)

E mais: ‘Há também um outro Salmo que começa com estas palavras: “Dê os teus juízos, Ó Deus, para o rei”, isto é, ao Cristo que havia de vir como rei, “e a tua justiça ao filho do rei”, isto é, ao povo de Cristo.” (Adversus Marcionem V, 9,9)

S. Cipriano: “um povo unido na unidade do Pai, do Filho, e do Espírito Santo.” (De Dominica Oratione, 23)

 

20. A Igreja necessita de purificação

“Igreja que encerra em seu seio os pecadores, que é santa e, ao mesmo tempo, sempre deve ser purificada, procura sem cessar a penitência e a renovação” (Lumen Gentium 8)

Falar em purificação da Igreja supostamente contradiria a santidade da Igreja. No entanto, a Liturgia tradicional usa essa expressão: “Ó Deus, que purificais a vossa Igreja com a anual abstinência quaresmal” (Deus, qui Ecclesiam tuam annua quadragesimali observatione purificas) (Oração do XV domingo depois de Pentecostes na Liturgia romana)

São Roberto Bellarmino diz: “Con respecto a los que viven, y están fuera de la Iglesia[1], la cosa se puede explicar fácilmente. Pues en primer lugar consta que por lo menos indirectamente les aprovecha el sacrificio y que indirectamente se puede ofrecer en su favor. Mientras ofrecemos el sacrificio por la propagación, unión, purificación de la Iglesia, lo cual ciertamente es lícito, al mismo tiempo ofrecemos, indirectamente, por la conversión de los infieles y de los herejes. Además en nuestros Misales existe la Misa propia “ad tollendum schisma” en la cual, aunque se ofrezca por la paz de la Iglesia, sin embargo implícitamente se ofrece por la conversión de los cismáticos. Finalmente en la oblación del cáliz, al rezar por la salud de todo el mundo, ciertamente  rezamos también por los infieles de alguna manera”. (Lib. II De Sacrificio Missae)

O cardeal Charles Journet diz: “Em que sentido pede para ser purificada. – Como temos  de compreender esta petição da Igreja de ser purificada? Ou pede em favor de seus filhos, e se trata então de purificação em sentido próprio, de purificação dos pecados; ou pede por si mesma, para subir cada dia a um amor mais puro, mais intenso, mais profundamente arraigado em seus membros. A contrição imperfeita não é de maneira alguma um pecado, mas a Igreja se purifica quando passam seus membros à contrição perfeita; se purifica igualmente quando passa da caridade dos principiantes à dos proficientes, e desta a dos perfeitos”. (Teologia de la Iglesia, Ediciones Descle de Brouwer, ano 1962, pp. 255-286. Edição francesa: Le traité de L’Eglise, ano 1957).

 

21. O pecado diminui o homem

“Porque o pecado diminui o homem, impedindo-o de atingir a sua plena realização”. (Gaudium et spes)

A objeção estabelece que isso é uma maneira antropocêntrica de considerar o pecado. No entanto, essa doutrina é tomada de Santo Tomás: “…tendo o homem, inclinação natural para a virtude, segundo já estabelecemos (q. 60, 1; q. 63, 1), essa mesma inclinação é um certo bem natural… a inclinação natural para a virtude, fica diminuído pelo pecado. Pois, os atos humanos produzem uma certa inclinação para outros atos semelhantes, como já se demonstrou (q. 50, a. 1). Necessariamente porém, aquilo que se inclina para um contrário fica com a inclinação diminuída para o outro. Por onde, sendo o pecado contrário à virtude, o próprio pecar do homem diminui-lhe o bem da natureza, que é a inclinação para a virtude.” (ST I-II, Q. 85, art 1. sol)

 

22. Igreja como sacramento

“Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”. (Lumen gentium, 1)

Os teólogos são claros sobre esse ponto:

São Cipriano: “a Igreja é o inquebrável sacramento da unidade” [sacramentum unitatis] (Epist. 64, 4: PL 3, 1017).

Matthias Joseph Scheeben: “Il union con l’Incarnazione e l’Eucaristia, la Chiesa stessa diviene un grande sacramento” (M. Scheeben, Die Mysterien des Christentums, (J. Hofer, Hrsg.), Freiburg, 1941, p. 461)

 

23. A Igreja é o instrumento da unidade de todo o gênero humano

Mas porque a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano” (Lumen gentium, 1)

 A objeção supõe que tal não é a missão da Igreja de Cristo.

Contudo, essa união do gênero humano já tinha sido proposta pelo Papa Pio XII na encíclica Summi Pontificatus: “Verdades sobrenaturais estas, que estabelecem bases profundas e solidíssimos vínculos de união, reforçados pelo amor de Deus e do divino Redentor, do qual recebem todos a saúde “pela edificação do corpo de Cristo, até que cheguemos todos a unidade da fé, ao pleno conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, segundo a medida da plenitude de Cristo” (Ef 4, 12-13).” (II, 32)

Frei Mansueto no seu artigo “Pio XII, o Pastor Angelicus” observa: “É inegável que a tese principal na primeira encíclica “Summi Pontificatus Annum” de Pio XII é a idéia de união do gênero humano. A religião de Cristo é, antes de tudo, a religião da união (…) Os invidíduos – afirma S. S. – aparecem e são unidos por seleções orgânicas, harmoniosas e recíprocas.” (A Ordem, setembro 1940, p. 16)

 

24. Nossa Senhora progride no caminho da fé

“Assim avançou a Virgem pelo caminho da fé, mantendo fielmente a. união com seu Filho até à cruz”. (Lumen gentium, 58).

A objeção é que esse trecho diria que Ela não tivesse sabido depois da Anunciação que Jesus era o Filho de Deus, consubstancial ao Pai, o Messias anunciado.

O texto não nega que Ela já tinha esse conhecimento, pelo menos geral. É preciso diferenciar a ciência infusa per se de Maria e sua ciência adquirida ao longo de sua vida. A própria noção do mistério da Trindade conhecida por Maria Santíssima desde a Anunciação foi amplamente melhor explicada por seu Filho mais tarde (cf. Francis J. Connel, Mariologia, 1964, p. 706. Direção do Pe. J. B. Carol) Leiamos o que os teólogos têm a dizer sobre isso:

Francis J. Connel: “Com o correr do tempo, a ciência infusa de Maria cresceu, sem dúvida, mediante a concessão lhe fazia o Altíssimo de novas espécies, e assim, enquanto podemos sustentar que não conheceu desde o princípio de sua existência todo o plano de Deus a salvação do gênero humano, e inclusive o papel que ela desempenharia no cumprimento deste desígnio maravilhoso(…)” (Ibid)

Pe. Benito Enrique Merkelbach, O. P.: “102. Progresso da ciência em Maria – Assim pois, a Virgem Santíssima pôde crescer em ciência de vários modos:

1º. Por sua própria inteligência, isto é, falando verdades, aprendendo ou confirmando pela experiência, penetrando mais profundamente: pelo que Eadmero, de Exc. B. V. M., cap. 7, disse: “Havia aprendido muitas coisas… sobre os mistérios de Nosso Senhor Jesus Cristo, por si mesma, não só pela simples ciência, mas pelo afeto e experiência” (PL, 159, 558);

2º. Por meio da instrução recebida de seus pais, ou no templo; pelo menos enquanto algumas verdades secundárias, ou enquanto as circunstâncias das verdades sobrenaturais, ou pelo que se refere o conhecimento de certos lugares da Escritura;

3º. Pela lição contínua da Sagrada Escritura;

4º. Por ministério dos anjos, como por sua aparição corporal, como também pela interna ilustração de sua mente (…);

5º. Pelo trato familiar com seu Filho, especialmente em sua vida oculta, maior;

6º. Também por revelações especiais;

7º. No dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo desceu.
(…)

8º. Por isso mesmo teve uma ciência sagrada, teológica, perfeita, que na verdade, devia ser aumentada progressivamente segundo a conveniência das circunstâncias, segundo disse São Alberto Magno, no Mariale, q. 109: “Os apóstolos souberam teológica, enquanto não a haviam aprendido; logo com muita mais razão a Virgem Santíssima”, como rainha da Igreja e mestre dos Apóstolos. Pelo o que disse Bartolomeu de Medina, segundo a opinião de seu tempo: “A Santíssima Virgem teve um conhecimento dos mistérios da fé, maior que todos os Profetas, que os Apóstolos e que os Evangelistas (In III P., q. 27, a. 5.)” (Mariologia, Tratado da Santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus e Mediadora entre Deus e os homens, 1954, p. 276-277)

Pe. Gabrielle Roschini: “Enquanto ao conhecimento do futuro, especialmente em relação aos divinos decretos que se referem a santificação e a salvação da humanidade, a Santíssima Maria devia, por necessidade, conhece-los como Co-rendentora, de modo geral ao menos, se não em todos seus detalhes particulares, e isto desde o momento da anunciação” (O.c., p. 190, apud Francis J. Connel)

D. Gregório Alastruey: “Questão 2. De que modo a Bem-aventurada Virgem adquiriu a ciência.

Há dois modos de adquirir a ciência, a saber: encontrando e aprendendo; dos quais o principal é pela invenção e o secundário pelo estudo e ensinamento porque é mais nobre instruir-se por si mesmo que por outro.

1º. A Bem-aventurada Virgem alcançou a ciência pelo próprio engenho:

a) Porque teve um entendimento superior, ao qual serviam muito bem o corpo e os sentidos; e assim Maria aprendeu perfeitamente pela própria inteligência e sem dificuldade os objetos que lhe convinham saber e se podem aprender pela luz do entendimento do agente, subministrados pelos sentidos, segundo ensina Santo Tomás que lhe ocorreu a Cristo seu Filho.

b) Ademais, ultrapassou também na ciência pela assídua leitura e meditação das Sagradas Escrituras e pela contemplação dos mistérios divinos; o qual expressa Orígenes com estas palavras: “Tinha a ciência da lei, e havia conhecido os vaticínios dos Profetas com a diária meditação dos mistérios”

c) Finalmente, dava matéria de conhecimento a Bem-aventurada Virgem sua experiência pessoal externa e internela, e por ela percebia muitos efeitos, para outros inexplorados, visíveis e invisíveis; v. gr., que concebeu sem varão, que deu a luz sem dor, etc.

2º. A Bem-aventurada Virgem recebeu a ciência também do Mestre, não certamente no sentido que a houvesse aprendido dos homens, mas enquanto que foi instruída por só seu Filho. (…)

Por outra parte, bastava para a mais perfeita instrução da Santíssima Virgem o trato familiar com seu divino Filho, em cujos rios de celestial doutrina bebeu copiosamente por esse espaço de trinta anos, e cujas conversas ouviu mais avidamente que nada.” (Tratado da Virgem Santíssima, 1952, p. 366-367)

                                                                                      

25. A redenção se realizou no mistério pascal da paixão, da ressurreição e da ascensão

“Esta obra da redenção dos homens e da glorificação perfeita de Deus, prefigurada pelas suas grandes obras no povo da Antiga Aliança, realizou-a Cristo Senhor, principalmente pelo mistério pascal da sua bem-aventurada Paixão, Ressurreição dos mortos e gloriosa Ascensão, em que «morrendo destruiu a nossa morte e ressurgindo restaurou a nossa vida». Foi do lado de Cristo adormecido na cruz que nasceu o sacramento admirável de toda a Igreja”. (Sacrosanctum concilium)

O mistério da redenção resultara também da Ressurreição e Ascensão do Nosso Senhor. O Concílio diz apenas que a redenção teria se realizado “no mistério pascal da paixão, da ressurreição e da ascensão”, nada mais. Negar a inserção do papel da ressurreição na nossa salvação é assustador! São Paulo diz claramente que se Ele não ressuscitasse ainda estaríamos nos nossos pecados (cf. I Coríntios 15,17), é óbvio que é o mistério da paixão e ressurreição juntos. São Pedro diz que Ele foi ressuscitado e  glorificado, a fim de que a nossa fé e nossa esperança se fixem em Deus. (I São Pedro 1,21) Então, mais uma vez é claro que a ressurreição está no mistério da salvação. Sem a ressurreição não seríamos ressuscitados.

A questão do sacrifício é como expiação, pagamento dos nossos pecados, a consumação com sua morte, mas isto não resume o mistério da salvação. No próprio concílio se fala da “eficácia da morte E RESSURREIÇÃO DE Cristo” (Sessão VI,9) No Missal Romano, prefácio da páscoa se diz que “morrendo destruiu a nossa morte e ressurgindo restaurou a vida”.

Santo Tomás diz comemoramos o domingo porque a nova criatura é incoada na ressurreição de Cristo. (cf. ST I-II, c 103 a. 4) Diz mais “que é pela paixão e pela ressurreição que é libertado o gênero humano do pecado e da morte” (ST II-III c 2, art. 7) Na mesma resposta diz que o homem antes da queda conhecia que Cristo se encarnaria, “mas não enquanto ela ordenada para a libertação do pecado pela paixão de Cristo e ressurreição” (ibid)

O Catecismo Romano é bem claro no papel salvífico da Ressurreição do Nosso Senhor:

“2º. Também foi singular em Cristo ser o primeiro em gozar do benefício divino da ressurreição perfeita, isto é, a ressurreição pela qual quitada toda a necessidade de morrer, somos elevados à vida imortal, de maneira que Cristo não morre outra vez, e a morte não tem domínio sobre Ele (Rom. 6,6).” (Catecismo Romano, Quinto Artigo do Credo, ao terceiro dia ressuscitou entre os mortos, Introdução, 9)

“Causas do por que foi necessário que Cristo ressuscitasse … Para que  de todo se terminasse o mistério da nossa redenção e salvação; pois Cristo com sua morte nos livrou dos pecados, porém com sua ressurreição nos devolveu os bens principais que perdemos pelo pecado (Rom. 4,26).” (Catecismo Romano, Quinto Artigo do Credo, ao terceiro dia ressuscitou entre os mortos, Introdução, 12)

“A ressurreição de Cristo é causa eficiente e exemplar da ressurreição dos nossos corpos” (Catecismo Romano, Quinto Artigo do Credo, ao terceiro dia ressuscitou entre os mortos, Introdução, 13)

“Porque Cristo com sua morte nos livrou dos pecados, mas com sua ressurreição nos restabeleceu a possessão dos principais bens, que havíamos perdido pelo pecado, por isso diz o Apóstolo: “Cristo foi entregue a morte por nossos pecados, e ressuscitou para nossa justificação.”(Rom.., IV, 25) E assim para que nada faltasse a saúde da linhagem humana, convinha não somente que morresse, mas também que ressuscitasse.” (Catecismo Romano, Quinto Artigo do Credo, ao terceiro dia ressuscitou entre os mortos, cap. XII)

Explica muito bem o Rev. P. Jesús Solano de que modo a ressurreição participa desse mistério (em Suma da Sagrada Teologia Escolástica, V. III, Tratado I, art 2,  tes 29):

“Enquanto à ressurreição das almas ou enquanto à justificação. A dependencia de nossa justificação da ressurreição de Cristo expressa claramente S. Paulo. Rom. 4,25: foi entregado por nossos delitos e ressuscitou (segundo o grego foi ressuscitado) por nossa justificação. Há que pensar em verdade acerca do nexo causal da ressurreição de Cristo em nossa justificação mediante a fé; o objeto desta fé é Deus que ressuscitou a Jesus Cristo, Senhor Nosso, entre os mortos (Rom 4,24).

Mas a causalidade da ressurreição de Cristo é, ademais, exemplar: cf. Rom 6,4s11. Nesta, além disso, uma casualidade moral enquanto que, por meio do sacrificio, a ressurreição de Cristo influenciou em nossa redenção, posto que constitui um unum quid com a norte de Cristo, porque é, por parte de Deus, público reconhecimento e aceitação do sacrificio propiciatório de Deus. Pois é também causalidade eficiente instrumentalmente, porque nós não participamos da vida de Cristo (a justificação), se não como membros do corpo de Cristo, de cujo corpo é cabeça Cristo glorioso. Além disso, esta vida de Cristo é nos dada juntamente pelo Espírito Santo e principalmente na Eucaristia, e Cristo une a sua influência vital com a influência do Espírito Santo, enquanto glorificado. Esta conexão entre a ressurreição de Cristo e nossa justificação se mostra também em S. Paulo com o simbolismo do batismo (Rom 6,3-11) e com a comparação do novo Adão (1 Cor 15, 45-49)”

Quanto à ascensão:

“Da ascensão de Cristo. Este fato, do qual se trata geralmente mais detidamente na classe de exegese do Novo Testamento, se enumera entre os dogmas de nossa fé, como já se mostra abundantemente nos símbolos mesmos (cf.D 2, 13, 16, 20, 40, 54, 86). A ascensão de Cristo se une  intimamente com a ressurreição, da que temos tratado, e simultaneamente com o assento de Cristo a direita do Pai, da qual trataremos na tese seguinte.

Além das razões pelas quais foi conveniente que Cristo ascendesse aos céus (cf. Sto. To. 3, q,57 a.1), há de considerar a importância soteriológica da ascensão, pela qual a ascensão de Cristo se deve com razão dizer causa de nossa salvação, tanto por parte nossa como por parte de Cristo mesmo.

Por parte nossa, porque pela ascensão de Cristo nossa mente se move até Ele quando se dá lugar à fé, a esperança, a caridade, a reverência. E por parte Dele mesmo porque Cristo ao ascender ao céu, preparou-nos o camino para subir ao céu e para interceder por nós, e simultáneamente entrou como Senhor no céu para enviar de lá os dons divinos aos homens (cf. S.To. 3 q.57 a.6).”

 

26. No batismo somos enxertados no mistério pascal

“Pelo Baptismo são os homens enxertados no mistério pascal de Cristo: mortos com Ele, sepultados com Ele, com Ele ressuscitados”.

No batismo somos verdadeiramente enxertados no mistério pascal, pois, como diz o Concílio somos mortos com Ele, sepultados com Ele, com Ele ressuscitados. Várias passagens referenciadas pelo Concílio nesse número mostram:

“Com Ele fostes sepultados no Baptismo e n’Ele fostes conressuscitados pela fé no poder de Deus, que O ressuscitou dos mortos” (Col. 2,12). É ele mesmo que cita o verso de Rm 6,4 na UR 17 também.

27. Os Padres, como cooperadores dos bispos, têm por primeira função anunciar o Evangelho

 “… os padres, como cooperadores dos bispos, têm por primeira função (primum habent officium) anunciar o Evangelho de Deus a todos os homens” (Presbyterorum ordinis)

Essa objeção supõe que a frase nega que a função principal e característica do sacerdote seja oferecer sacrifício. No entanto, aqui se menciona como “primeiro” cronologicamente apenas. O fim da atividade sacerdotal é a santificação dos fiéis, mas se se considera em ordem de execução, é necessário que antes se fale dos meios para chegar à santificação, e, entre os meios, o primeiro (cronologicamente) é o da pregação. Isso foi explicado explicitamente pelos Padres conciliares (cf. Sechema Decreti de ministério et vita presbyterum. Textus emendatus et Relationes (1965), Relatio n. 4, p. 55).

Nesse sentido, São Jerônimo diz, comentando Mt. 28, 19: “Primeiro (os Apóstolos) ensinam a todos os povos, depois de ensinar-lhes, lavam-lhes com a água. Não pode ser que o corpo receba o sacramento do batismo, se antes a alma não recebeu a verdade da fé”. Santo Tomás diz: “Os sacramentos são certos sinais com que se professa a fé com a que o homem é justificado” (ST III, q. 61, a.4c) Ainda: “A doutrina é a preparação remota para a recepção dos sacramentos; por isso, a transmissão da doutrina é confiada aos ministros”. (ST, supl. art. 4, resp. 4).

No mesmo documento, o Concílio é claro sobre a principal função do sacerdote: “No mistério do sacrifício eucarístico, em que os sacerdotes realizam a sua função principal, exerce-se continuamente a obra da nossa Redenção (14)”.

 

28. Os católicos participam da função profética de Cristo

“O Povo santo de Deus participa também da função profética de Cristo, difundindo o seu testemunho vivo, sobretudo pela vida de fé e de caridade oferecendo a Deus o sacrifício de louvor, fruto dos lábios que confessam o Seu nome (cfr. Hebr. 13,15)”. (Lumen gentium).

Objetam que os leigos não podem participar da função profética de Cristo. Mas que isso não é criação progressista provamos com os Pais da Igreja: São João Crisóstomo: “Graças ao batismo, vos tornastes rei, sacerdote e profeta…” (In 2 Cor. 3, 7: PG 61, 417 s); São Cirilo de Jerusalém: “Num só momento vós sois chamados para a pesada provação, e para o grande combate… tomais das armas que são o pavor do demônio… Executais atos que ultrapassam a força humana. Oxalá sejais dignos desse dom profético” (Catech. 17 [De Spir. S. 2], 35-37).

 

29. Pela encarnação, o Filho de Deus uniu-se de certo modo a cada homem, razão pela qual em Cristo a natureza humana foi elevada a sublime dignidade

“Já que, n’Ele, a natureza humana foi assumida, e não destruída (22), por isso mesmo também em nós foi ela elevada a sublime dignidade. Porque, pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana (23), amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado (24). (Gaudium et spes).

São João da Cruz desenvolve essa doutrina da união de Deus em cada criatura no homem, através da encarnação, elevando-o: “Não bastou comunicar-lhe o ser, e as graças naturais com o Seu olhar, como dissemos; mas tão somente com essa figura de Seu Filho, deixou-as revestidas de formosura, comunicando-lhes o ser sobrenatural. E isto se realizou quando Deus se encarnou, exaltando o homem na formosura divina, e, consequentemente, elevando nele todas as criaturas, pelo fato de se haver unido o próprio Deus com a natureza de todas elas no homem. Assim, disse o mesmo Filho de Deus: “Se eu for exaltado da terra, atrairei a mim todas as coisas” (Jo 12,32). Nesta exaltação da Encarnação de seu Filho, e da glória de sua Ressurreição segundo a carne, aformoseou o Pai as criaturas não só parcialmente, mas podemos dizer, deixou-as totalmente vestidas de formosura e dignidade”. (Canção V)

 

30. Homem única criatura querida por si mesma por Deus

 “única criatura sobre a terra que Deus quis por ela mesma (hominem, qui in terris sola creatura est quam Deus propter seipsam voluerit)” (Gaudium et spes). “Tudo quanto existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem…” (Gaudium et Spes)

A objeção é que Deus quis a criatura para a sua maior glória e não por ela mesma. No entanto, a vontade de uma coisa em si não necessariamente o quer como o objetivo final, mas pode ser uma expressão que indica que a natureza do homem é de agente principal e não instrumental, no universo.

Esta é a doutrina é clara em Santo Tomás: “AS CRIATURAS RACIONAIS SÃO ORDENADAS EM VISTA DELAS MESMAS, MAS AS DEMAIS CRIATURAS EM VISTA DAS RACIONAIS. Por conseguinte, deve-se primeiramente considerar que a própria condição da natureza intelectual, que a faz senhora de seus atos, exige da providência um cuidado de modo a ser atendida por causa dela mesma, ao passo que a condição das outras naturezas, que não têm domínio sobre os seus atos, está a indicar que elas não são cuidadas por causa delas mesmas, mas como ordenadas para outras coisas. Com efeito, o que é somente atuado por outrem é de natureza instrumental, mas o que atua por si mesmo é de natureza de agente principal. Ora, não se busca o instrumento por causa dele mesmo, mas para que, por meio dele, o agente principal opere. Por isso, é necessário que todo cuidado que se tenha com o instrumento seja referido ao agente principal como fim. No entanto o cuidado tido com o agente principal por ele mesmo ou por outrem, enquanto é agente principal, é um cuidado por causa dele mesmo. E também por isso as criaturas intelectuais são dispostas por Deus como cuidadas por elas mesmas, ao passo que as outras criaturas, como ordenadas para as criaturas racionais. Além disso, o que tem domínio sobre o seu próprio ato é livre na operação, pois é livre o que é causa de si mesmo (I Metafísica 2, 982b; Cmt 3,58). Mas o que é atuado por outro para operação é sujeito à servidão. Por isso, toda outra criatura é naturalmente sujeita à servidão, e somente a criatura intelectual é livre. Ora, em qualquer regime, cuida-se dos livres por causa deles mesmos; mas, dos servos, para que sejam usados pelos livres. Assim, pois, as criaturas intelectuais são cuidadas pela divina providência por causa delas mesmas, mas as demais criaturas, por causa daquelas. Além disso, sempre que há coisas ordenadas para o fim, e entre elas há algumas que por sim mesmas não o podem atingir, elas são ordenadas para as que atingem o fim e que, por si mesmas, para ele se ordenam. Por exemplo: como o fim do exército é alcançar a vitória, a qual é alcançada pelos soldados que lutam por si mesmos, eles são convocados para o exército devido a eles mesmos; mas todos os outros convocados para outros serviços no exército, como os que tratam do cavalos ou os que preparam as armas, são convocados para servirem aos soldados. Ora, depreende-se do que acima foi dito (cc. XXVss). Por isso, somente a criatura intelectual é cuidada por Deus no universo por causa de si mesma, ao passo que todas as demais criaturas o são por cauda dela. Além disso, em qualquer todo, as partes principais são por causa de si mesmas exigidas para a constituição desse todo, ao passo que as outras o são para a conservação ou melhoria daquelas. Oras, das partes do universo, as mais nobres são as criaturas intelectuais, porque se aproximam mais da semelhança divina. Logo, as naturezas intelectuais são cuidadas pela providência por causa de si mesmas, mas as outras, por causa delas. Além disso, é manifesto que todas as partes se ordenam para a perfeição do todo, pois o todo não é por causa das partes, ao passo que estas são por causa do todo. Ora, as naturezas intelectuais têm mais afinidades com o todo do que as outras naturezas, pois cada criatura intelectual identifica-se de certo modo com todas as coisas, enquanto compreende pelo seu intelecto todo ente; mas qualquer outra substância tem somente participação limitada no ente. Por isso, todas as demais substâncias estão sujeitas à providência divina por causa das substâncias intelectuais. Além disso, no curso da natureza cada coisa se comporta de modo que lhe cabe agir. Ora, no curso da natureza, vemos as coisas se comportarem de modo que a substância intelectual usa de todas as outras por causa de si mesma, quer para a perfeição intelectual, enquanto busca a verdade; quer para a perfeição da virtude e aumento da ciência, à maneira de um artista que aplica a ideia artística na matéria corpórea; quer também para o sustento do corpo que está unido à alma intelectiva, como acontece com os homens. Logo, fica esclarecido que as demais coisas estão sujeitas à providência divina por causa das substâncias intelectuais. Além disso, o que alguém busca por causa de si mesmo, busca-o sempre, pois o essencial é para sempre. Mas o que se busca por causa de outra coisa não é necessário que se busque sempre, mas segundo a conveniência de quem por cuja causa aquilo é procurado. Como se conclui do que acima foi dito, (I. II, c. XXIII), o ser das coisas provém da vontade divina. Por isso, aquilo que sempre há nos entes foi querido por Deus por causa de si mesmo; mas aquilo que nem sempre há nas coisas não foi querido por causa de si mesmo, mas por causa de outra coisa. Com efeito, as substâncias intelectuais são as que mais se aproximam do ser eterno, porque são incorruptíveis; são também imutáveis, a não ser quando fazem alguma escolha. Logo, as substâncias intelectuais são governadas por causa de si mesmas, e as outras substâncias, por causa daquelas. No entanto, não é contrário ao que foi demonstrado pelos argumentos supra que todas as partes do universo se ordenam para a perfeição do todo, pois se ordenam para a perfeição do todo enquanto uma serve à outra. Assim, por exemplo, no corpo humano, o pulmão contribui para a perfeição do todo enquanto serve ao coração; por isso, não há contrariedade em as outras partes existirem por causa da intelectuais e por causa da perfeição do universo. Com efeito, se houvesse falta das coisas exigidas pela perfeição das substâncias intelectuais, o universo não seria completo. Por motivo semelhante, os argumentos supra não se opõem a que os indivíduos sejam para as suas espécies, pois, ordenando-se para elas, ordenam-se ulteriormente para a natureza intelectual. Com efeito, uma coisa corruptível não se ordena para o homem por causa de um só indivíduo humano, mas por causa de toda a espécie humana. Ora, não poderia uma coisa corruptível servir a toda espécie humana senão segundo a totalidade de uma própria espécie. Por isso, a ordem segundo a qual os corruptíveis ordenam-se para o homem exige que os indivíduos se ordenem para as espécies. Quando dizemos que as substâncias intelectuais são ordenadas pela providência divina por causa de si mesmas, não queremos dizer que elas ulteriormente não se ordenem para Deus e para a perfeição do universo. São ditas serem cuidadas por causa de si mesmas e, por causa delas, as outras coisas, porque os bens, que recebem da providência divina, não lhes são dados para a utilidade das outras coisas; mas o que é dado às outras coisas destina-se, segundo a ordenação divina, ao uso delas. Por isso, é dito na Escritura:  Não vejas o sol, a lula e os demais astros, e, decepcionado pelo erro, adores estas coisas que o Senhor teu Deus criou, para o serviço de todos os homens que estão sob o sol (Dt 4,19); Submetestes todas as coisas aos seus pés; todas as ovelhas e bois, e ainda os animais campestres (Sl 8,8); E tu, Senhor poderoso, julgas tranquilamente e nos governas com muita atenção (Sb 12,18).  Por esses argumentos, refuta-se o erro dos que afirmam ser pecado ao homem matar os animais irracionais, pois eles, pela providência foram ordenados, na ordem natural, para o homem. Por isso, o homem se serve deles sem injúria, quer matando-os, quer utilizando-os de outro modo. Por isso, o Senhor disse a Noé: Vos dei toda a carne, como também as verduras (Gn 9,3). No entanto, se há na Sagrada Escritura proibição de crueldade para com os animais, como a de não matar a ave com filhotes, isto é feito ou para afastar do homem o espírito de crueldade para com os animais, para que alguém, ao ser cruel com o animal, não estenda esta crueldade aos homens; ou porque vem em dano temporal para o homem a lesão dos animais, quer para o que a faz quer para o outro; ou ainda, por causa de alguma significação, como o que se lê no Apóstolo: Não atarás a boca ao boi que debulha (1Cor 9,9; Dt 25,4). (Suma contra os gentios, cap. CXII).

 

31. A semelhança divina foi alterada pelo pecado de Adão.

 “restaurou na descendência de Adão a semelhança divina, deformada desde o primeiro pecado (a primo peccato deformatam) (Gaudium et spes)

A objeção é que seria impróprio dizer que a semelhança divina foi alterada, pois na realidade foi destruída.

No entanto, Santo Agostinho diz: “En el libro sexto, lo que dije «que Adán perdió por el pecado la imagen de Dios según la cual fue creado», no ha de entenderse como si en él no hubiese quedado nada, sino tan deforme que necesitaba reformación”. (Retr. 2.24.2).

32. Os que nascem nas seitas heréticas não podem ser acusados de pecado de divisão

 “Os que hoje nascem em tais comunidades e que vivem da fé em Cristo, não podem ser acusados de pecado de divisão” (UR 3).

A objeção é que os hereges que nascem nessas seitas podem ser acusados de pecado de divisão se estão em má-fé. No entanto, o Concílio está supondo a boa-fé, mas não excluindo exceções. Com efeito, certos Padres propuseram alteração nesse trecho pedindo que se adicionasse a expressão “que vivem sua consciência reta”, e a resposta da Comissão foi que na dúvida a boa fé dos irmãos separados é sugerida: “cum dubium suggerat de bona fide fratrum separatorum” (III, PARS VII, p. 27) E além disso, explica que a fórmula é geral no texto, não excluindo exceções, que são culpados pelo estado de separação: “Formula generalis textus praeterea non excluidt exceptiones, in quibus aliquis culpabiliter statum separationis retinet”. (Acta Synodalia, v. III, , pars VIII, p. 27)

Charles Journet explica o assunto: “Não há lugar para dúvida que o pecado de infidelidade, pecado de heresia, de cisma, pode encontrar-se na origem destes desvios religiosos. Mas o pecado é algo pessoal e intransmissível. O que se transmite não é uma infidelidade, uma heresia, um cisma, isto é, um pecado de infidelidade, um pecado de cisma: é no lugar uma formação religiosa a qual o pecado fez mais ou menos errônea e onde a verdade e o erro se acham entremesclados de uma maneira inseparável em certo sentido, é a herança ou o patrimônio de uma infidelidade, o patrimônio de uma heresia, o patrimônio de um cisma. Pode que aqueles que recebam este patrimônio de seus pais não cheguem a discernir nele erro algum”. (Charles Journet, Teologia de la Iglesia, p. 366) Além disso: “A heresia desgarrou sobre um ponto essencial a verdade que é preciso crer, o cisma a verdade que há que levar à vida. Por esta brecha se mesclou as trevas com a luz. O qual suposto, as gerações sucessivas receberam, inclusive, antes que pudessem cometer um só pecado contra a fé ou o amor, o patrimônio de uma heresia, o patrimônio de um cisma. Quando nascem então os batizados, mesmo quando preservem suas almas de todo mal e as conservem na claridade do amor, não poderão em muito tempo, talvez nunca, discernir sobre este ponto o verdadeiro do falso e começarão suas vidas de cristãos adultos aceitando em seu conjunto toda uma herança de heresia ou de cisma”. (Charles Journet, p. 377)

O Padre Boyer diz: «no hay que suponer que los protestantes de hoy díá sean culpables, ni que sean ellos los que han causado la separación» (P. C. Boyer, D. C., 3 de Julio de 1960, c. 845)

Nesse sentido também explica o Pe. Francis Connell a Instrução do Santo Ofício de 1949: “Os métodos de exposição da doutrina católica que envolvem exibição excessiva ou um método veemente de procedimento e tratamento também são condenados. Neste ponto vemos a prudência da Igreja, que nos quer sempre bondosos e gentis e compreensivos no trato com os não-católicos. Devemos presumir que estão de boa fé em suas convicções religiosas até que se prove o contrário”. (An important Roman Instruction. The American Ecclesiastical Review. 1950, p. 32).

Leão XIII diz que a maior parte dos hereges dissente mais por tradição do que pela própria vontade: “E o pensamento se volta aos demais, aos que não estão de acordo com nós na fé cristã. Quem poderá negar que a maior parte deles dissente mais por atavismo que por própria vontade?” (Leão XIII, Longiqua oceani)

Pio XII diz: “Nós sabemos quão penetrante é em muitos de vosso povo, católicos e não católicos, o desejo pela unidade na fé. Quem poderia sentir mais vivamente este desejo que o Vigário do próprio Cristo? A Igreja abraça com amor não fingido aos separados na fé, e com o íntimo ardor da oração por sua volta a Mãe, da qual Deus sabe quantos deles estão distantes sem culpa pessoal.” (Radiomensagem aos católicos alemães, 5 de setembro de 1948)

 

33. Os heréticos e cismáticos podem crer ou ter fé em Cristo

 “Os que hoje nascem em tais comunidades e que vivem da fé em Cristo, não podem ser acusados de pecado de divisão” (UR 3).

A objeção é que os hereges e cismáticos não podem crer ou ter fé em Cristo. Mas isso é falso.

Padre Pietro Parente diz: “Santo Tomás reduz a heresia a uma espécie de infidelidade positiva a que alguns têm certa fé em Cristo, porém não aceitam integralmente seus dogmas (Summa Theol. II-II Q. 11, A. 1)” (PADRE PIETRO PARENTE, Dicionário de Teologia Dogmática, 1955, pg. 165)

Santo Tomás: “Pois bem, da reta fé cristã se pode alguém se desviar de duas maneiras. (…) A segunda: porque tem a intenção de prestar seu assentimento a Cristo, porém falha na escolha dos meios para assentir, porque não escolhe o que na realidade ensinou Cristo, mas o que lhe sugere seu próprio pensamento. Deste modo é a heresia uma espécie de infidelidade, própria de quem professa a fé de Cristo, porém corrompendo seus dogmas” (Santo Tomás, ST II-II Q. 11, A.1)

Papa Pio XII: “Todos aqueles que, sem pertencer ao corpo visível da Igreja Católica, estão próximos de nós pela fé em Deus e em Jesus Cristo” (Pio XII, Natal, 1941).

O esquema De Ecclesia do Cardeal Ottaviani diz claramente sobre esse ponto: “Com aqueles que não professam a verdadeira fé nem a unidade de comunhão com o Romano Pontífice, mas ainda assim a desejam, ainda que inconscientemente, bondosamente a Mãe Igreja sabe que está ligada em muitos aspectos; isso é verdade de maneira singular se os batizados exultam no nome cristão e, embora não creiam com a fé católica, ainda crêem com amor em Cristo como Deus e Salvador, principalmente se se destacam na fé e na devoção à Santíssima Eucaristia. e no amor pela Mãe de Deus. Pois, além dessa fé comum em Cristo, há também uma participação na mesma consagração batismal, pelo menos alguma comunhão na oração, expiação e benefícios espirituais, na verdade, alguma união no Espírito Santo, que não opera apenas por seus dons e graças no próprio Corpo Místico, mas também atua por seu poder, não excluindo a graça santificadora, fora daquele Corpo venerável para que os irmãos separados possam ser incorporados a ela na forma estabelecida por Cristo”. (Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122.)

 

34. Os heréticos e cismáticos, validamente batizados, se acham em uma comunhão, imperfeita, com a Igreja

“os que crêem no Cristo e receberam validamente o batismo, se acham em uma certa comunhão, se bem que imperfeita, com a Igreja Católica (quadam communione etsi non perfecta)” (UR 3)

A objeção é que acatólicos e suas comunidades ou igrejas não podem se achar em comunhão com a Igreja Católica, ainda que imperfeita. Mas essa noção de união ou participação imperfeita das comunidades separadas com a Igreja já estava em discussão entre os teólogos, como comenta Michael Schmaus, citando vários autores e se inclinando a concordar com a questão: “Pero sigue en pie la cuestión de si las comunidades eclesiales no católicas no pertencerán de algún modo a la única Iglesia romano-católica, de si no participarán en la única Iglesia romano-católica de modo análogo a como participan los individuos bautizados no-católicos. J. Gribomont, O.S.B (Du sacrement de l’Église et des ses réalisations imparfaites, en: “Irénikon” 22 (1949), 362; v. también G. Thils, Histoire doctrinale du mouvement oecuménique (Lovaina, 1955), y Th. Sartory, O.S.B., Die oekumenishe Bewegung und die Einheit der Kirche. Ein Beitrag im Dienste einer oekumenischen Ekklesiologie (Innsbruck, 1955), 188-194) cre poder contestar afirmativamente a nuestra pregunta. Habla de una unión visible, pero imperfecta, de los grupos cristianos no-católicos con la Iglesia. Para fundamentarlo aduce que tienen autênticos vestigia ecclesiae por ejemplo, el bautismo y la Escritura, así como otros sacramentos. La Iglesia greco-ortodoxa puede incluso celebrar validamente la eucaristía y consagrar sacerdotes y obispos. Los sacramentos, según la doctrina católica, desarrollan su eficacia en los grupos heréticos, si son administrados correctamente. Y este es el caso.” (Teologia Dogmática, IV. La Iglesia, Ed. 1960, p. 406).

O Catecismo de Baltimore, de 1941, utiliza a expressão “incorporação plena no Corpo místico” (q. 169a, b, c, d, e, f).

Os teólogos já falavam que mesmo não católicos adultos são membros da Igreja, ainda que imperfeitamente. Vejamos o que diz

“(b) Pela fé e pelo batismo, o adulto não católico é incorporado como membro visível da Igreja Católica Romana. Sua membrasia é visível em razão do sacramento, cuja recepção implica a aceitação de todo o objeto da fé, incluindo a necessidade de submeter-se ao papa e conformar-se à Igreja. Além disso, esta adesão é juridicamente visível ou verificável, mais uma vez por causa do batismo realmente recebido. Mas não é membrasia em sentido pleno porque é juridicamente imperfeita na medida em que o destinatário, submetendo-se livremente a um ministro não católico (não ao batismo não católico que não existe), inscreveu-se em uma instituição jurídica ( humana) distinta da Igreja. Isso não afeta seus vínculos internos com Cristo e a Igreja, nem o vínculo sacramental; nem afeta essencialmente o vínculo jurídico que é aceito implicitamente pela fé e ratificado pelo batismo como entidade jurídica; mas torna o vínculo jurídico imperfeito. A membrasia, a incorporação no sentido pleno pelo batismo, requer em um adulto consciente a submissão explícita à hierarquia romana. (iii) Se considerarmos o exercício da membresia assim mantido, ou seja, o uso dos outros sacramentos e a obediência às instruções práticas do papa, outros graus podem ser distinguidos. Estes dizem respeito, não à pertença como uma união permanente de uma pessoa com Cristo, mas à pertença in actu secundo. Claramente, existe toda uma série de graus de membros operacionais, que vão desde o católico ortodoxo oriental praticante, que desfruta do uso de todos os sacramentos (assumindo que a jurisdição é concedida pela Igreja para a penitência), mas carece da orientação do autoridade docente, à do adepto de uma seita protestante privada de ordens sacerdotais e em que o matrimônio é o único sacramento válido além do batismo. Concedidas essas imperfeições jurídicas da membrasia e esses defeitos sacramentais e diretivos do exercício da membrasia, ainda é concebível, uma vez que a membrasia é constituída por vínculos interiores e exteriores, que um indivíduo não católico seja um membro mais perfeito de Cristo e da Igreja pela graça do que muitos católicos romanos, usando este último termo em seu senso comum. Mas isso será excepcional, pois o não-católico é privado em vários graus das principais fontes da graça de Cristo. Dadas as implicações jurídicas da recepção do batismo, é mais correto dizer que um batizado não católico de boa fé se une ao Vigário de Cristo implicitamente, e não por desejo, voto. Votum é relativo a um meio ainda não utilizado ou a um fim ainda não alcançado. O não-católico que estamos considerando realmente recebeu o batismo, o meio prescrito para a salvação e a membresia, e assim se submeteu implicitamente ao papa. O que falta é consciência e implementação de todas as implicações deste ato”. (Pe. Colman E. O’Neill, Members of the Church: Mystici corporis and St. Thomas, The American Review, february 1963, pp. 127-128).

É verdade que Leão XIII diz que os heréticos “estão excluídos da comunhão católica” (Satis cognitum). No entanto, o Secretariado da União dos cristãos, na resposta aos Modis, explicou que uma coisa é falar da comunhão no sentido jurídico, outra é no sentido teológica: No n. 3 do texto, primeira alínea, se fala das Comunidades que se separaram da plena comunhão com a Igreja. Pediu-se a omissão da palavra “plena”, pois o “Communio” ou é ou não é. Resposta: Como a “Communio” não deve ser entendida em sentido jurídico, mas contém vários elementos de ordem espiritual e sacramental que não se verificam necessariamente em todas as Comunidades, o Secretariado consideta legítimos os conceitos de “comunhão plena” e “comunhão não plena”. (Frei Boaventura Kloppenburg, O. F. M., Concílio  Vaticano II. vol. IV. Terceira Sessão (set.-nov. 1964), 1965, Vozes, p. 441) 

Leão XIII usou em sentido jurídico, nesse ultimo caso ou se está em comunhão ou não se está – não se admite graus.

35. Os heréticos e cismáticos, validamente batizados, estão incorporados ao Cristo

 “No entretanto, justificados pela fé recebida no batismo, [os “irmãos separados”] estão incorporados ao Cristo e levam a justo titulo o nome de cristãos” (UR 3)

A objeção é que heréticos não estão incorporados ao Cristo. No entanto, ensina Michael Schmaus: “Pelo batismo o homem é incorporado a Cristo. O caráter batismal é o fundamento ontológico da incorporação à Igreja. Certo que não dá a plena incorporação, mas sim uma incorporação diminuída. Se há de dizer também dessa incorporação, que aqueles que participam dela somente, são privados de muitos dons e auxílios divinos, que podem desfrutar-se na Igreja católica, de forma que não podem estar seguros de sua eterna salvação (Pio XII, encíclica Mystici Corporis.” (Teologia Dogmática, IV. A Igreja, sec. 3, § 177a, IV, pp. 797-798, Madrid 1960)

 

36. Elementos de verdade e santificação nas comunidades separadas

“Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica”. (Lumen gentium)

A objeção é que não existiriam elementos de verdade e santificação nas comunidades separadas, dever-se-ia falar só em “vestígios”. Mas o ensinamento dos teólogos e do Magistério é claro:

Bernard Lambert diz: “o problema ecumênico consistirá não em rechaçar em sua substância a unidade visível da Igreja, que já existe, mas em completá-la; não em criá-la de novo, mas de restaurá-la pela união e reconciliação dos cristãos. A Igreja é una e única; mas também nas demais comunhões cristãs há elementos da Igreja em maior ou menor grau de riqueza e de integridade. É preciso que estes elementos separados da única Igreja visível voltem a encontrar sua plenitude e sua culminação por meio de união” (Bernard Lambert, O. P., “El problema ecuménico”, p. 55, Madrid, 1963; Ediciones Guadarrama)

Cardeal Tisserant eminente orientalista apontava com estas palavras: “As orações das diversas liturgias orientais remontam aos primeiros séculos da era cristã e estão embebidas de venerável unção. A profundidade dos seus símbolos e a riqueza da sua doutrina teológica brindam os cristãos de qualquer tradição, matéria de edificação e meditação” (NICOLÁS LIESEL, Las liturgias de la Iglesia oriental, Madrid, 1959, p. 7.)

Papa Leão XIII diz: “Não se pode descrever quão fecundos seriam para a Igreja do Ocidente os abundantes elementos que aquelas nações [do Oriente] ainda conservam da verdadeira fé” (Leão XIII, Leonis XIII Pont. Max. Acta, vol. XV, 432)

O Papa Pio XI diz: “Saber-se-á tudo o que há de precioso, de bom, e de cristão nestes fragmentos da antiga verdade católica. Os bocados separados duma rocha de ouro são ouro também. As veneráveis cristandades orientais conservaram uma santidade tão venerável no seu objeto que merecem não só todo o nosso respeito, mas ainda toda a nossa simpatia… Somente depois de purificarmos as nossas mentes e as nossas intenções, podemos dirigir-nos para o Oriente, superando destarte os primeiros árduos obstáculos que obstruíram por tantos séculos o caminho da união. O Oriente deve poder observar que nós avançamos em direção a ele não já com os detestáveis anseios dos conquistadores, mas imbuídos do desejo puro de um amplexo fraterno” (Pio XI, Pronunciou em 10 de janeiro de 1927, diante da Federação universitária Católica Italiana – L’Osservatore Romano, 27.2.1927)

A instrução do Santo Ofício de 1949 diz: “Deve-se ficar claro para eles que, ao retornar à Igreja, eles nada perderão daquele bem que pela graça de Deus, até agora lhes foi implantado, mas que será sim complementado e adicionado devido ao seu retorno”. (Instrução do Santo Ofício sobre o movimento ecumênico, 1949)

Santo Agostinho diz: “Aquilo que existe fora da Igreja católica, certamente, é simulação, mas assim o é, enquanto não é católico. Pode haver, por outro lado, algo que é católico fora da Igreja católica, assim como o nome de Cristo pode estar fora da companhia de Cristo (Mc 9,40)… Assim como existe na Igreja católica o que não é católico, da mesma forma pode haver algo católico fora da Igreja católica. (Santo Agostinho – De Baptismo, VII, XXXIX, 77).
 

37. Efusão de sangue ou martírio por heréticos e cismáticos

“o Espírito age igualmente neles por seus dons e suas graças com seu poder santificador; e ele deu a alguns dentre eles uma virtude que os fortificou até a efusão  de seu sangue” (LG 15).

A objeção é que os hereges não podem ser mártires. Mas Bento XIV, como teólogo em seu famoso tratado De servorum Dei beatificatione et beatorum canonizatione (lib. 111, c. 20,3), já havia referido que os acatólicos podem ser mártires coram Deo, se invencivelmente ignorantes. O Dictionnaire de theologie catholique sobre isso fala: «Se pueden distinguir dos casos, dependiendo de si el hereje murió para defender su herejía, o si murió por un punto de doctrina en común con la verdadera fe. El segundo caso es el más interesante, pero aún así el paciente no sería considerado como mártir, porque, dice Benedicto XIV, aunque muriera por la verdad, no muere por la fe dada por la Verdad, ya que este no tiene fe. Durando admitió en el hereje que niega un punto de fe un habitus sobrenatural, pero de fe informe; esta opinión es comúnmente rechazada por los teólogos. El que no tiene fe, no puede morir por la fe. Benedicto XIV, a continuación, habla del hereje invincibiliter, es decir, aquel que está “de buena fe” en el error; si muere por cierto punto de la fe, ¿puede ser considerado como mártir? Benedicto XIV responde con una distinción importante: será coram Deo, pero no coram Ecclesia. Será coram Deo, siempre que esté dispuesto de modo habitual a creer todo lo que le propone la autoridad legítima, porque él no es culpable de acuerdo con las palabras de San Juan: Si yo no hubiera venido y no les hubiera hablado, no tendrían pecado (15, 22); no será coram Ecclesia, que no juzga sino de lo exterior, y, observando la herejía externa, se limita a conjeturar la herejía interna. Vemos cómo esta distinción propuesta por el eminente canonista puede dar satisfacción a los casos más difíciles. Pero, una fe que se admite para reconocer como mártir coram Deo al hereje invincibiliter que muere por defender una doctrina común con la verdad católica, ¿no haría necesario reconocerla también si muriera con la misma sinceridad por defender una afirmación errónea que él cree que pertenece al credo cristiano? Vemos por estos ejemplos que la noción del martirio que parece, a primera vista, delimitada de manera muy clara y distinta, plantea en realidad numerosas cuestiones a las cuales es difícil de responder con certeza.» (Tomado y traducido de: R. HEDDIE, voz Martyre, en: DTC X, col. 233).

Além disso, o principal redator da Lumen Gentium, Mons. Gérard Philips, comenta que efusão de sangue não é sinônimo de martírio de acatólicos (cf. A Igreja e seu Mistério do II Concílio do Vaticano, História, texto e comentário da Constituição LUMEN GENTIUM, t. I, ed. Herder, ano 1968). Na realidade, esse número do documento falava expressamente em “martírio” de não católicos, no entanto, para evitar discussões sobre o sentido teológico da palavra “martírio”, corrigiu-se o texto para “usque ad sanguinis effusionem”. (cf. Frei Boaventura Kloppenburg, Concílio Vaticano II, vol. IV. Terceira Sessão (Set.-Nov, 1964), Vozes, 1965, p. 422 (Ponderação dos Modos))

 

38. O modo e o método de formular a doutrina católica não devem transformar-se em obstáculo para o diálogo com os irmãos separados.

O modo e o método de formular a doutrina católica de forma alguma devem transformar-se em obstáculo por diálogo com os irmãos. É absolutamente necessário que toda a doutrina seja exposta com clareza… Ao mesmo tempo, a fé católica deve ser explicada mais profunda e correctamente, de tal modo e com tais termos que possa ser de facto compreendida também pelos irmãos separados”. (UR)

O Papa Leão XIII já dizia que a maneira ou o método de pregar a doutrina católica poderiam variar em benefício à conversão dos acatólicos: “Mas se, em medio das diferentes maneiras de pregar a Palavra de Deus, alguma vez se há de preferir a de se dirigir aos não católicos, não em igrejas mas em algum lugar adequado, sem buscar as controvérsias, mas conversando amigavelmente, esse método certamente não tem problemas (…) Pensamos que há muitos em vosso país que estão separados da verdade católica mais por ignorância do que por má vontade, os quais poderão ser conduzidos mais facilmente até o único rebanho de Cristo se a verdade lhes é apresentada de uma maneira amigável e familiar” (Testem benevolentiae)

Nesse sentido também explica o Pe. Francis Connell a Instrução do Santo Ofício de 1949: “Os métodos de exposição da doutrina católica que envolvem exibição excessiva ou um método veemente de procedimento e tratamento também são condenados. Neste ponto vemos a prudência da Igreja, que nos quer sempre bondosos e gentis e compreensivos no trato com os não-católicos. Devemos presumir que estão de boa fé em suas convicções religiosas até que se prove o contrário”. (An important Roman Instruction. The American Ecclesiastical Review. 1950, p. 32).

 

39. Hierarquia das verdades da doutrina católica

“expondo a doutrina, lembrem-se de que há uma ordem ou uma “hierarquia” das verdades da doutrina católica, em razão de suas diferentes relações com os fundamentos da fé cristã” (UR 11).

A objeção é que a hierarquia das verdades seria supostamente a doutrina de Calvino sobre artigos fundamentais e não fundamentais, isto é, que certas verdades reveladas são obrigatórias para crença, enquanto outras não. Mas o Concílio só está falando que certas verdades reveladas são mais essenciais ou importantes do que outras, e isso sempre foi ensinado pelos teólogos.

Dumont usa a expressão antes do Concílio: «Que existe una jerarquía de las verdades de fe si se atiende a su importancia relativa, es una cuestión de simple sentido común sobre la que no es necesario insistir» (DUMONT, C. J., Les voies de l’unité chrétienne, Paris: Cerf, 1954, p. 148)

Santo Tomás explica: “Algunas cosas exigen la fe por si mismas (fides secundum se), otras en cambio no piden esta fe sino sólo en cuanto llevan a otras verdades (solum in ordine ad alia). Pero puesto que la fe trata de lo que esperamos ver en la gloria, por eso mismo pertenecen a la fe las verdades que directamente nos dirigen a la vida eterna, es decir: la Trinidad, la omnipotencia de Dios, el misterio de la Encarnación y otros. Según estas verdades se dividen los artículos de la fe” (Santo Tomás, II-II, 1, 6 ad 1).

Bossuet utiliza a expressão artigos fundamentais, no mesmo sentido antes referido, e não herético: “Consequentemente, a menos que este ministro, ou o protestante, queira destruir a sua própria fé, ele não pode, com qualquer coisa semelhante à consistência, fingir negar que os católicos não creem realmente em todos os artigos fundamentais da revelação cristã”. (“Exposição da doutrina da Igreja Católica em questões controversas” – Capítulo 02). Ainda: “Há artigos fundamentais e artigos não fundamentais… esta proposição não é discutida entre católicos e protestantes”. (Carta a Leibniz, 1700, em Correspondance, ed, Oeuvres par Lachat, t. XII, p. 146).

Mons. Michael Browne, O. P., ensina: “Entre as verdades intrinsecamente sobrenaturais, algumas são primárias. Estes têm a ver com Deus direta e principalmente. Estas são especialmente as verdades contidas como artigos nos credos. Outras verdades, ao contrário, têm a ver com Deus de maneira indireta. Portanto, essas são, até certo ponto, verdades secundárias, pelo menos em comparação com as verdades primárias, à luz das quais essas verdades secundárias são reveladas. Um exemplo dessas verdades que são secundárias e não primárias é a afirmação de que o matrimônio é um sacramento”. (The American Ecclesiastical Review, vol. CXXXI, nº. 6, december 1954, pp. 363-364)

 

 

40. Sementes do verbo nas falsas religiões

“Para poderem dar frutuosamente este testemunho de Cristo, unam-se a esses homens com estima e caridade, considerem-se a si mesmos como membros dos agrupamentos humanos em que vivem, e participem na vida cultural e social através dos vários intercâmbios e problemas da vida humana; familiarizem-se com as suas tradições nacionais e religiosas; façam assomar à luz, com alegria e respeito, as sementes do Verbo neles adormecidas”. (Ad gentes)

A objeção é que as sementes do verbo existem na filosofia grega e nos poetas e não nas falsas religiões, segundo a doutrina de São Justino. Ocorre que São Justino acrescenta que a semente do Verbo “se encontra ingênita em todo o gênero humano” (SANTO JUSTINO DE ROMA, I e II apologias: diálogo com Trifão / [introdução e notas Roque Frangiotti; tradução Ivo Storniolo, Euclides M. Balancin]. –  São Paulo: Paulus, 1995. – (Patrística) p. 98. 100-101.) e não somente na filosofia grega ou nos poetas, e assim poderia encontrar-se também nas falsas religiões como interpreta o Concílio. Além disso, mesmo que inicialmente a semente do verbo fosse inserida apenas na filosofia grega e nos poetas, é de se esperar que pudesse ser transmitida para as religiões, dado o intercâmbio e aproximação reconhecidos entre as religiões e a filosofia e poesia. Nesse sentido, vale referir a descrição que Jacques Maritain dá aos poetas: “Os poetas, intérpretes das tradições religiosas, são os primeiros pensadores da Grécia. Criadores de mitos como Hesíodo ou Homero, algumas vêzes profetas como aquêle Epimênides de Cnossos que purificou Atenas da peste, erigindo altares sem dedicatórias, nenhum dêles interessa à história da filosofia propriamente dita”. (Introdução geral à Filosofia, 4ª edição, Editora Agir, 1956, p. 29)

O Padre Bartmann aplica a questão da semente do verbo para as falsas religiões, vejamos: “Também muito significativa a propósito é a doutrina patrística do λόγος σπερματικός (verbum seminale) o qual, enquanto Logos da Revelação, já agia no paganismo. Santo Agostinho, encontrando tantas semelhanças entre os dois modos de manifestação do Logos, afirmou que a religião cristã de algum modo já existia entre os antigos: “Nam reipsa quae nunc religio Christiana nuncupatur, erat apud antiquos, nec defuit ab initio generis humani” (Retract 13,3). Note-se, porém, que Santo Agostinho, mesmo referindo-se neste texto não somente aos hebreus, mas também aos gentios, evita confundir o natural com o sobrenatural, a razão com a fé, o cristianismo com o pré-cristianismo; pois, ninguém mais que ele exalta a graça em face à natureza. Todavia, estas citações patrísticas permitem-nos reconhecer, pura e simplesmente, o paralelismo, as analogias, as semelhanças formais que os historiadores das religiões comparadas nelas encontram, com as instituições e as doutrinas cristãs; não endossamos, porém, a intenção dos racionalistas de tudo confundir e nivelar”. (Revelação e fé – Deus – A Criação, vol I, edições Paulinas, 1964, originalmente 1932,  p. 24)

 

41. Muçulmanos adoram o Deus único

“a proposta da salvação (propositum salutis) engloba também aqueles que reconhecem o Criador e entre eles, primeiramente (in primis), os muçulmanos que declaram que guardam a fé de Abraão, adoram conosco o Deus único, misericordioso, que julgará os homens no ultimo dia (qui fidem Abrahae se tenere profitentes, nobiscum Deum adorant unicum etc…)” (Lumen Gentium 16).

A objeção é que os muçulmanos não podem crer e adorar a Deus, quase sempre adiciona que os judeus também não podem crer e adorar a Deus. Mas os teólogos e o Magistério são claros nesse sentido.

Papa Gregório VII para Anazir, Rei da Mauritânia (muçulmano) diz que os muçulmanos confessam, louvam e adoram conosco o Deus único: “Este carinho nós temos uns pelos outros de uma forma mais peculiar do que para com pessoas de outras raças, porque nós acreditamos e confessamos o Deus único, embora de formas diversas, e o louvamos e veneramos diariamente como o criador e governante deste mundo. Pois, nas palavras do Apóstolo: “Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um”. (Epist. III, 21 ad Anazir (Al-Nãşir), regem Mauritaniae, ed. E. Caspar in MGH, Ep. Sel. II (1920) I, p. 288, 11-15; PL 148, 451 A.).

O Catecismo de São Pio X diz que os muçulmanos admitem o único Deus verdadeiro:

“225) Quem são os infiéis?

Os infiéis são aqueles que não foram batizados e não crêem em Jesus Cristo, seja porque crêem e adoram falsas divindades, como os idólatras; seja porque, embora admitam o único Deus verdadeiro, não crêem em Cristo Messias, nem vindo na pessoa de Jesus Cristo, nem como havendo de vir ainda: tais são os maometanos e outros semelhantes”

O Papa Pio XI diz que além dos cristãos, outros adoram a acreditam e adoram a Deus: “milhões de homens, na crença de lutar pela existência, se agarram com tudo a tais teorias em uma total negação da verdade e gritam contra Deus e a Religião. E estes assaltos não são somente dirigidos contra a religião católica, mas contra todos que ainda reconhecem a Deus como Criador do céu e da terra, e como absoluto de todas as coisas” (Caritate Christi Compulsi, n. 5) E ainda: “Em tal união de ânimos e de forças devem ser naturalmente os primeiros os que se gloriam do nome de cristãos, recordando a gloriosa tradição dos tempos apostólicos, quando a multidão dos crentes formava um só coração e uma só alma; mas concorram leal e cordialmente também todos os outros que ainda admitem Deus e lhe adoram, para remover da humanidade o grave perigo que ameaça a todos. Porque, com efeito, crer em Deus é a base indestrutível de toda ordem social e de toda responsabilidade sobre a terra; e por isso todos os que não querem a anarquia e o terror devem energicamente empenhar-se em que os inimigos da religião não alcancem o objetivo que tão abertamente proclamam” (n. 7)

O Papa Pio XI em outro documento diz: “Mas nesta luta movida pelos poder das trevas contra a própria ideia da Divindade, esperamos confiadamente que colaborarão, além de todos que se gloriam do nome cristão, todos os que crêem em Deus e adoram a Deus, os quais são ainda a imensa maioria dos homens.” (Divini Redemptoris).

O Papa Pio XII, referindo-se a certa altura, as congratulações recebidas por motivo de sua elevação a catedra de Pedro: “Não queremos deixar passar em silêncio que ecos de comovido reconhecimento suscitou em nosso coração o augúrio daqueles que, embora não pertençam ao Corpo visível da Igreja Católica, não se esqueceram em sua nobreza e sinceridade de sentir tudo o que os une a nós ou no amor à Pessoa de Cristo, ou na crença em Deus”. (Summi Pontificatus)

O Padre Penido diz: “No parágrafo acima citado da Mystici Corporis refere-se Pio XII à sua primeira Encíclica na qual alude “aos que não pertencem ao corpo visível da Igreja”, mas que estão unidos ao Papa, “ou por amor à pessoa de Cristo ou pela sua crença em Deus” (trad. Vozes, n.7). Daí deduzimos que entre os “ordenados” a Igreja estão não só os dissidentes, mas ainda os não-cristãos que crêem em Deus e procuram servi-lo” (Pe. Penido, Quem é membro da Igreja?. REV, 1951, p 559)

O teólogo Francisco Suarez diz que os muçulmanos e outros infiéis adoram o Deus verdadeiro:

“Desta maneira é a religião judaica e talvez muitas manifestações religiosas dos maometanos e de outros infiéis parecidos, que adoram ao único Deus verdadeiro (verum Deum adorant).”

“Estes argumentos de uma maneira geral, provam a tese para os mahometanos e outros infiéis que conhecem e adoram ao único Deus verdadeiro, enquanto seus ritos não se opõem a razão natural. (Fonte: Suárez, El pensamiento político Hispanoamericano, Selección de Defensio Fidei y otras obras, ano 1966, pág. 392-401)

Santo Tomás diz que os muçulmanos admitem a onipotência de Deus e não de um falso deus: “Mas se alguém não admite a onipotência de Deus, não tentamos argumentar com ele nesta obra. Estamos aqui argumentando contra os muçulmanos e outros que admitem a onipotência de Deus”. (De rationibus fidei contra Saracenos, Graecos et Armenos ad Cantorem Antiochenum).

São Roberto Bellarmino também diz:Jeremias predisse que chegaria um tempo, o tempo do Novo Testamento, quando todos os homens conheceriam o único Deus, o que agora vemos realizado. Pois, os gentios são convertidos à fé; e embora sejam ímpios, judeus e turcos adoram um só Deus”. (As controvérsias da fé cristã, tomo 1, As regras da fé, livro 3, cap. 10).

Cardeal João de Lugo, S.J: “Aqueles que não acreditam com a fé católica podem ser divididos em várias categorias. Há aqueles que, embora não acreditem em todos os dogmas da religião católica, reconhecem o único Deus verdadeiro; estes são os turcos e todos os muçulmanos, assim como os judeus” (em De virtute fidei divinae, disp. XII, n. 50).

Frei Luis de Granada, O.P. (1504–1588): “Isto já vimos cumprido, pois todas as nações, não somente os cristãos e judeus, mas os turcos e mouros (muçulmanos) adoram e confessam o Deus de Abraão, como verdadeiro Deus, posto isto, erram, pois não O conhecem por trino e uno, como É.” (Primera parte, de la introduction del simbolo de la fe, quinta parte, §. II.)

O padre Regatillo Zalba diz: “É permitido aos operários construir igrejas para os hereges, cismáticos, judeus e muçulmanos e também edifícios para Maçonaria e outras sociedades reprovadas, com intuito de evitar um transtorno qualquer que, caso contrário, se poderia passar, uma vez que se trata de uma cooperação remota e não necessária. E esta cooperação seria hoje dificilmente tida como escandalosa dado que lamentavelmente a religião foi relegada ao fórum interno … arquitetos e empreiteiros, uma vez que são mais próximos e mais eficazes na cooperação, podem realizar a construção de templos de uma religião falsa na qual o verdadeiro Deus seja adorado, só no caso da possibilidade de um transtorno verdadeiramente grave puder advir, considerando que outros templos semelhantes já estejam edificados no local.” (Theologia moralis (Madrid, 1954), I, nn. 982-83. A similar decision was given by the Cardinal Vicar of Rome to the parish priests of that city, in 1878. Cf. Genicot Salsmans, Theologia moralis (Brussels, 1946), I n. 237.)

O Padre Francis O’Connell diz: “É interessante notar que esta solução de Regatillo-Zalba supõe uma igreja na qual o verdadeiro Deus será adorado, e nesta categoria os autores geralmente colocam a mesquita muçulmana. É diferente, no entanto, com um edifício que se destina a um culto pagão ou idólatra, como um santuário para Buda. Apenas por uma razão de maior gravidade que mesmo um simples operário poderia se empregar na construção de tal edifício. Creio que em nosso país, um templo maçônico poderia ser colocado na mesma categoria de uma igreja protestante.” (Co-Operation of Catholics in Non-Catholic Religious Activities, Fr. Francis O’Connell, C.S.S.R., The A.E.R., 1956)

Padre Auguste Boudinhon diz: “Como na linguagem eclesiástica aqueles que pelo batismo receberam a fé em Jesus Cristo e Lhe comprometeram sua fidelidade e se chamam fiéis, assim o nome infiel é dado àqueles que não foram batizados. O termo se aplica não apenas a todos os que desconhecem o verdadeiro Deus, como os pagãos de vários tipos, mas também aos que O adoram, mas não reconhecem Jesus Cristo, como judeus, maometanos”. (Boudinhon, A. (1910). Infidels. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Retrieved May 30, 2023 from New Advent: http://www.newadvent.org/cathen/08002b.htm)

42. Sacerdócio comum dos fiéis

“O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo”. (Lumen gentium)

A objeção é que não existe sacerdócio comum dos fiéis. No entanto, Pio XI ensinou a mesma doutrina: «Colocando sobre o altar a vítima divina, o sacerdote apresenta a Deus Pai, como oblação, a glória da Santíssima Trindade, para o bem de toda a Igreja. Nesta oblação, em sentido restrito, os fiéis participam de duas maneiras: oferecem o sacrifício não apenas pelas mãos do sacerdote mas, de certa forma, também juntamente com ele; e com esta participação também a oferta feita pelo povo se refere ao culto litúrgico. Que os fiéis ofereçam o sacrifício por meio do sacerdote é claro, em virtude do fato de que o ministro do altar age na pessoa de Cristo como cabeça, que faz a oferta em nome de todos os membros: por isso, afirma-se justamente que toda a Igreja, por intermédio de Cristo, realiza a oblação da vítima. Quando, pois, se diz que o povo faz a oferta juntamente com o sacerdote, não se afirma que os membros da Igreja, de forma não diversa da do próprio sacerdote, realizam o rito litúrgico visível – o que pertence exclusivamente ao ministro de Deus para isto deputado – mas que une os seus votos de louvor, de impetração e de expiação, e a sua ação de graças à intenção do presbítero, aliás, do próprio Sumo Pontífice, a fim de que sejam apresentadas a Deus Pai na mesma oblação da vítima, também com o rito externo do sacerdote”. (Mediator Dei).

 

43. Autonomia e independência da comunidade política e a Igreja, no domínio próprio de cada um

“No domínio próprio de cada uma, comunidade política e Igreja são independentes e autónomas”. (Gaudium et spes).

É preciso diferenciar a distinção e separação entre os dois poderes. Ademais, é preciso considerar o que é uma sociedade perfeita. Essa doutrina já havia sido ensinada antes.

Papa Leão XIII explica: “É certo que a Igreja e o Estado têm cada qual a sua soberania própria: portanto, nenhum deles, na própria esfera e nos próprios limites determinados a cada um pelo seu fim particular, obedece ao outro – mas daqui não decorre que elas fiquem desunidas e muito menos opostas uma à outra.” E ainda: “Por isso mesmo tem a Igreja o direito de viver e de se conservar com instituições e leis conformes à sua natureza. E, como não somente é uma sociedade perfeita, nega-se resolutamente, por direito e por dever, a seguir partidos e enfeudar-se às exigências volúveis da política. Por uma razão semelhante, como guarda que é do seu direito e respeitadora escrupulosa do direito dos outros, não se intromete a decidir preferências entre as várias formas de governo, nem a discutir as instituições civis dos Estados cristãos, antes aprova todos os diversos sistemas políticos, contato que respeitem a religião e a moral cristã”. (Carta Encíclica “Sapientiae Christianae”)

Papa Pio XII diz: Basándose en la ley natural, estas prerrogativas humanas fundamentales que vuestra Constitución garantiza y asegura a todo ciudadano de Irlanda, dentro de los límites del orden y de la moralidad, no podrían encontrar garantía más amplia y más segura contra las fuerzas ateas de la subversión y el espíritu de facción y de violencia sino en la recíproca confianza entre las autoridades de la Iglesia y del Estado, cada una de ellas independiente en su esfera, pero aliadas en cuanto al bienestar común, sobre la base de los principios de la fe y de la doctrina católicas”. (https://w2.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1957/documents/hf_p-xii_spe_19571004_ministro-irlanda.html)

Padre Julio Meinvielle: “A ordem natural é autônoma e, sem perder sua autonomia, é subordinável à Igreja, constituindo assim a civilização cristã, mas é subordinável somente enquanto guarda a integridade essencial do bem natural”. E ainda: “O pensamento teológico sempre reconheceu a autonomia do temporal a título de fim intermédio, como ensina o próprio Maritain em seu Primauté du Spirituel”. (Crítica da Concepção de Maritain sobre a pessoa humana)

 

44. Conferir sacramentos aos cristãos ortodoxos

“De harmonia com estes princípios, podem ser conferidos aos Orientais que de boa fé se acham separados da Igreja católica, quando espontâneamente pedem a estão bem dispostos, os sacramentos da Penitência, Eucaristia e Unção dos enfermos”. (Orientalium Ecclesiarum)

Mais uma vez a objeção fundada numa proibição divina absoluta não colhe, pois isso ocorreu na história da Igreja.

São Roberto Bellarmino diz que: “Se os penitentes dizem não saber nada das controvérsias e se realmente parecem ser plenamente incultos, se pode provavelmente ouvir suas confissões e deixá-los na ignorância” (G. Hofmann, // Beato Bellarmino e glt Orientali, en “Orientalia Christiana”, VIII, 6, núm. 33, Roma, 1927, p. 270)

Além disso, a Propaganda Fide respondia em 1643 a uma consulta do capuchinho Silvestre de St. Aignan que podia dar a absolvição depois de uma profissão de fé GERAL na mesma confissão.(Archiv. Prop. Lettere, Vol. 21, fol. 323 v.)

“Papa Clemente VI deu uma permissão aos padres armênios que haviam retornado à Igreja Católica para administrar os sacramentos entre os cismáticos, não como aprovação do cisma, – isso é dito – mas para trazê-los de volta à obediência à verdadeira Igreja (Source: Codificazione Canonica Orientale, Fonti, Serie III, Vol., IX, p. 150, n. 309)”.

“Em 1244, Papa Inocêncio IV permitiu a missionários dominicanos entre os jacobitas (não-católicos) e nestorianos para compartilhar com eles “No verbis, officio et cibo” (em palavras, ofícios e alimentos);

Em 1245 ele deu a mesma permissão para os missionários franciscanos. A partir do contexto, é óbvio que a palavra “Em officio” é equivalente a “in sacris” (Em coisas sagradas).Os Papas seguintes, Nicolau IV (1288), João XXII (1316-1334), e Bento XII (1334-1342) deram aos missionários muitas vezes a mesma permissão  como pode ser verificado nos livros das Fontes da codificação do Direito Canônico Oriental publicado pelo Vaticano em 1943”.

(http://papastronsay.blogspot.com/search/label/Communicatio%20in%20sacris)

 Além disso, o esquema De Ecclesia do Cardeal Ottaviani admitia claramente essa prática: “Por outro lado, amavelmente, a Mãe Igreja deseja mais fortemente que os irmãos separados, na medida do possível e necessário, venham a partilhar dos muitos bens que Cristo confiou somente à sua Esposa; pois, devidamente batizados, eles também, se forem de boa fé, são per se capazes de receber os outros sacramentos com frutos… Portanto, é apenas por motivos graves e se os perigos forem removidos que a participação ativa de cristãos separados no culto da Igreja pode ser permitida. Se e em que condições a Igreja pode ajudar com os sacramentos aqueles que não se afastaram da Igreja por seus atos próprios, isso será determinado em primeiro lugar pela seriedade de sua necessidade ou pelo grande benefício espiritual para eles”. Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122).
 

45. Participação em ritos sagrados acatólicos e recepção de sacramentos de acatólicos

“Esta communicatio depende principalmente de dois princípios: da necessidade de testemunhar a unidade da Igreja e da participação nos meios da graça. O testemunho da unidade frequentemente a proíbe. A busca da graça algumas vezes a recomenda. Sobre o modo concreto de agir, decida prudentemente a autoridade episcopal local, considerando todas as circunstancias dos tempos, lugares e pessoas, a não ser que outra coisa seja determinada pela Conferência episcopal, segundo os seus próprios estatutos, ou pela Santa Sé”. (Unitatis redintegratio)

“Também aos católicos é permitido pedir os mesmos sacramentos aos ministros acatólicos em cuja Igreja haja sacramentos válidos, sempre que a necessidade ou a verdadeira utilidade espiritual o aconselhar e o acesso ao sacerdote católico se torne física ou moralmente impossível”. (Orientalium Ecclesiarum)

Segundo a objeção é proibida absolutamente a participação em ritos sagrados acatólicos, bem como receber sacramentos deles. No entanto, os teólogos e os Papas ensinaram outra coisa.

Padre Pe. J. Wilhelm SJ ao escrever um artigo sobre “Heresia” para a Catholic Encyclopœdia, afirma que um católico pode assistir a serviços não-católicos, mas desde que não se tenha qualquer participação ativa neles”. 

Bento XIV diz explicitamente sobre esta questão em 24 fevereiro de 1752:  “Communicatio in divinis com os hereges não podem e não devem ser tão prontamente e geralmente pronunciada proibidos em absolutamente todas as circunstâncias.” (De Martinis, luris Pontificii de Propaganda Fide, Pars II (Roma, 1909), p. 324.

Papa Pio X, permitiu: “Roma 17.02.1908 Santíssimo Padre! Andrew Szeptycki, Metropolitano de Halycz, Administrador Metropolitano de Kiev e de toda a Rússia, ao pé da Sua Santidade humildemente pede que permissões possam ser concedidas para si e também aos confessores em comunhão para dispensar os fiéis seculares da lei que proíbe a communicatio in sacris com os ortodoxos quantas vezes eles julgarem na consciência de ser oportuno. Nosso Santíssimo Padre Pio Papa X dignou-se a assinar com sua própria mão este documento escrito por mim com as palavras “podem ser tolerados”. http://2.bp.blogspot.com/_zjKxCA1O-D0/TJwm-J7_2kI/AAAAAAAADKs/EIFIOCvLF1w/s1600/1+Document+St+Pius+X.jpg

Em 1683 o Santo Ofício permitiu que o franciscano Francisco de Salem, que trabalhava no Egito pela união dos coptas, visitasse a Igreja dos não católicos a pedido desses. (Cf. J. P. Trossen, Les relations du patriarche copte ]ean XVI avec Rome. 1676-1718, Luxemburgo, 1948, p. 26, nota 85.)

Temos, também, o caso da instrução de 6 de agosto de 1764 da Propaganda Fide autorizando os fiéis batizarem seus filhos pela mãos de sacerdotes cismáticos e hereges , que casassem ante um pároco não católico, tudo isso no caso que fosse temido uma grave perseguição.

Em 1859 o Santo Ofício permitiu expressamente os católicos atuarem como testemunhas em casamentos de não católicos (Cf. Collectanea, I, p. 642, núm. 1176).

O esquema De Ecclesia do Cardeal Ottaviani admitia claramente esse ponto: “Em comunidades separadas da Igreja, os sacramentos, além do batismo, às vezes são conferidos de forma válida, e pode acontecer que os filhos da Igreja possam e até devam solicitar justamente a administração desses sacramentos por ministros separados… Onde a extrema necessidade espiritual ou pelo menos alguma grande vantagem o exija, pode ser permitido pedir e receber os sacramentos do ministro de tal comunidade separada, desde que as condições mencionadas sejam cumpridas. Pois se trata aqui de sacramentos próprios da Igreja que são realizados em um culto objetivamente verdadeiro e, portanto, tal recepção não está necessariamente ligada a uma concordância no erro próprio desta comunidade”. (Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122).
 

46. Oração para que todos sejam um

“É coisa habitual entre os católicos reunirem-se frequentemente para aquela oração pela unidade da Igreja que o próprio Salvador pediu ardentemente ao Pai, na vigília de sua morte: «Que todos sejam um» (Jo. 17,21)”. (Unitatis redintegratio)

A objeção é que orar para que todos sejam um, seria uma negação da unidade da Igreja, bem como o Papa Pio XI na Mortalium Animos disse claramente que a prece de Cristo ‘para que todos sejam um’… ‘Haverá um só Rebanho e um só Pastor’ (Jo 27,21; 10,16) não é carente de seu efeito.

Quando o Papa Pio XI se obrigou a tratar desse assunto estava lidando com progressistas e pessoas de comunidades eclesiais que negavam a existência da unidade de fé e de regime da Igreja Católica no transcurso dos séculos. As pessoas que o Papa se dirigia opinavam que as Igrejas e comunidades cristãs espalhadas tinham elementos dispersos a serem juntados para daí poder existir uma Igreja una. Claramente uma opinião vigente contrária à fé católica. As citações apontadas demonstram também – ao contrário do que o falso ecumenismo defendia – a unidade indefectível da Igreja. Ocorre que, ainda que a Igreja seja Una, não atingiu a plenitude da unidade, e esta é querida por Cristo através da promessa sobredita. As citações têm, contudo, direcionamento futuro, numa busca sem cessar da Igreja Católica. A Igreja tem sua nota perene de Unidade, entretanto há outros que são chamados a fazer parte desta unidade, e esta unidade cresce na medida em que há conversões.

É o próprio Papa Pio XI que faz várias vezes menções dessa unidade total a ser adquirida, usando os versos para tratar dos acatólicos:

“Que o santo mártir obtenha para todos, sobretudo para Nós – mais carregado do que nenhum outro com a formidável responsabilidade -, a graça de dar ainda nosso próprio sangue e a nossa vida, se Deus nos concedesse essa grande honra e graça, para cooperar de algum modo a realizar a grande aspiração de seu Coração: ‘fiat unum ovile et unus pastor’, que se realize a unidade do rebanho sob um só pastor. Aspiração de seu Coração e ao mesmo tempo profecia, posto que na realidade Ele disse: ‘fiet’, isto é que sucederá, haverá um só rebanho e um só pastor.” (Alocução aos orientais que vivem em Roma, 6 de dezembro de 1923)

“Sendo isto assim, que coração, diante de tão grande cúmulo de trabalhos tomados pela Igreja em favor principalmente dos orientais não se levantará com firmíssima esperança do que há de acontecer que o benigníssimo Redentor dos homens, Jesus Cisto, compadecendo-se da lamentável desgraça de tantos homens que vão extraviados faz tanto tempo da reta trilha, e favorecendo a nossos trabalhos, voltará a atrair por fim a suas ovelhas a um só rebanho para que sejam governadas por um só pastor?” (Encíclica sobre a intensificação dos estudos de assuntos orientais, Rerum Orientalium, 8 de novembro de 1928)

 (O Santo Padre transmitiu sua bênção apostólica) “Como auspício daquele dia, cujo desejo tinha expressado em sua mensagem – E queira Deus que venha em breve! -, no qual o divino Pastor possa ver realizada sua profecia: Haverá um só rebanho e um só pastor.” (Alocução a associação de polícias de Londres, 7 de outubro de 1927)

“Nós, certamente, éramos dirigidos por aquele espetáculo, esplendíssimo e aptíssimo para impressionar os ânimos, da unidade verdadeira, católica e romana, que ele (o Patriarca Demetrio Cadi) maravilhosamente amava e fomentava, tanto a pedir com mais veemência … a bem-aventurança eterna como a repetir de todo o coração aquela súplica de Cristo, Príncipe dos pastores: Haverá um só rebanho e um só pastor!” (Alocução aos Emmos. Cardeais 14 de dezembro de 1925)

“Esta união parece a muitos católicos muito conforme com os desejos da Santa Madre Igreja, a qual não tem coisa mais antiga que chamar e atrair aos filhos desviados a seu seio.” (Mortalium ânimos, 1928)

 

47. “Irmãos separados”

“Alegramo-nos, contudo, vendo que os irmãos separados tendem para Cristo como fonte e centro da comunhão eclesiástica”. (Unitatis redintegratio).

A objeção é que os hereges e cismáticos não podem ser chamados de irmãos.

Leão XIII: “Nós temos nos alegrado em grande medida por tua atividade, pois não temos coisa mais enraizado no coração que procurar que voltem ao abraço da Igreja os irmãos separados da profissão de fé romana…” (Carta ao arcebispo de Vrhbosna-Saravejo,, Mons. G. Stadler; Qua doctrina, 12 de outubro de 1894).

“Oh bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, Rainha nossa e Mãe dulcíssima!,… intercede pelos irmãos dissidentes, para que, conosco em um único rebanho verdadeiro, juntem-se ao Sumo Pastor, Vigário de teu Filho na terra.” (Oração indulgenciada à Virgem Maria pelos dissidentes ingleses; carta apost. Amantissimae voluntatis, 14 de abril de 1895)

“A caridade ardente que nos torna solícito com os irmãos separados” (Caritatis Studium, sobre os protestantes da Escócia)

Papa Pio XII: “Que o calor de vossa caridade resulte acolhedor, em particular para todos vossos irmãos separados, cuja profunda piedade mariana conhecemos, e a quem convidávamos em nossa encíclica “Fulgens corona” a voltar com Nós seus olhos a Maria, pedindo instantemente aquela unidade graças a qual não haverá por fim mais que um só rebanho sob um só pastor.” (Epístola ao Congresso Mariano de Beirut (Líbano), Je me suis élevée, 18 de outubro de 1954)

“nada desejamos mais que todos os que se agrupam com nome cristão, a exemplo e com o patrocínio de São Cirilo, promovam mais e cada dia mais a feliz volta dos irmãos orientais separados dissidentes a Nós e a única Igreja de Jesus…” (Orientalis Ecclesiae, 9 de abril de 1944)

“Mas, apartado do Magistério infalível da autoridade da Igreja, não poucos irmãos separados, têm ido tão longe a ponto de derrubar o dogma central do cristianismo, a divindade do Salvador, e apressou-se, assim, o progresso da decadência espiritual.” (Summi Pontificatus) [At cum ab inerranti Ecclesiae magisterio se vindicavissent plures a Nobis seiuncti fratres eo, proh dolor, processerunt, ut ipsam Servatoris nostri divinitatem, quod christianae doctrinae caput est ac veluti centrum, respuendo subverterent, religionis conversionem dissolutionemque maturantes.]

“Nesta Oitava de Pentecostes, de nosso coração e de nossos lábios irrompe a invocação ao Espírito Criador, para que faça descer sobre os nossos irmãos separados a chama do retorno à perdida unidade e lhes conceda a força de seguir seu impulso. Possam todos aqueles, qui christiana professione censentur, compreender que incomparável campo de ação seria reservado à Cristandade se em plena união de fé e de vontade consagrassem seu trabalho à salvação da família humana e ao seu aparelhamento para um futuro melhor”. (Alocução aos Cardeais na festa de S. Eugênio de 1944, AAS XXXVI (1944) 166 ss.)
 

48. Hereges e cismáticos chamados de cristãos

“Promover a restauração da unidade entre todos os cristãos é um dos principais propósitos do sagrado Concílio Ecuménico Vaticano II”. (Unitatis Redintegratio)

A objeção é que hereges e cismáticos não podem ser chamados de cristãos. No entanto, os Papas utilizaram essa expressão:

Leão XIII: “Verdadeira União entre os cristãos é o que Jesus Cristo, o Autor da Igreja, instituída e desejada, e que consiste em uma Unidade da Fé e Unidade de Governo.” (Praeclara Gratulationis Publicae)

Bento XV: “Com muito gosto confirmamos as preces que vão continuar e que tem por fim conseguir que os povos cristãos do Oriente firmem de novo um só rebanho com a Igreja romana…” (Cum Catholicae, 15 abril de 1916)

“Oh Senhor, que haveis unido às diversas nações na unidade de vosso nome!, rogamos pelos povos cristãos do Oriente. Recordando o lugar eminente que tem tido em vossa Igreja, os suplicamos que lhes inspireis o desejo de voltarem a ocupar para formar conosco um só rebanho sob a guia de um só pastor” (Cum Catholicae, 15 de abril de 1916)

Pio XI diz: “O que Nós poderíamos desejar mais vivamente do que ver a todos os cristãos, fazendo cessar seu antagonismo hereditário, restabelecer entre eles a perfeita unidade da Igreja católica…? Este desejo o dirigimos com um especial amor ao imenso povo da Rússia.” (Equidem verba. 21 març, 1924)

O decreto do Santo Ofício sobre o Ecumenismo em 1949 diz:
“No entanto, algumas das iniciativas que têm sido até agora tomadas por vários indivíduos ou grupos , com o objetivo de conciliar os cristãos dissidentes à Igreja Católica…”

 

49. Na separação há culpa dos homens dum lado e do outro

“Nos séculos posteriores, porém, originaram-se dissensões mais amplas. Comunidades não pequenas separaram-se da plena comunhão da Igreja católica, algumas vezes não sem culpa dos homens dum e doutro lado”. (UR)

A objeção é que os homens da Igreja Católica não tiveram qualquer culpa na origem das dissensões das comunidades separadas. No entanto, o Papa Adriano VI, ao enviar em 1523 o seu legado Chierigati à dierta de Nürenberg, ordenou-lhe que fizesse a seguinte declaração ante os protestantes que a ela assistiam: “Deves também dizer que Nós reconhecemos lealmente haver Deus permitido esta provação [a Reforma] à sua Igreja por causa dos homens e especialmente devido aos pecados dos sacerdotes e dos prelados… Bem sabemos que também nesta Santa Sé aconteceram muitas coisas dignas de abominação… Assim não é de admirar que a enfermidade se transplantou da Cabeça aos membros, dos Papas aos prelados… Todos nós, prelados e clérigos, desviamo-nos do reto caminho, e desde muito tempo não houve um só que operasse o bem… Por isso proclamarás em Nosso nome que poremos todo o emprenho para que primeiramente a Cúria romana, da qual talvez se originaram todos estes males, seja melhorada; então acontecerá que, como foi daqui que partiu a doença, será também, será daqui que há de começar a cura” (Cf. E. Hocvks, Der letzte deutsche Papst Hadian VI., Freiburg 1939; 108; L. Pastor, Historie des Papes, vol. 9, Paris 1931, 103-104) É justamente nessa fala que o redator do trecho se inspirou, como demonstra a resposta da Comissão doutrinal (cf. III, PARS VII, pagina 26)

 

50. Devemos eliminar palavras, juízos e ações que não correspondem à condição dos irmãos separados

“Por «movimento ecuménico» entendem-se as actividades e iniciativas, que são suscitadas e ordenadas, segundo as várias necessidades da Igreja e oportunidades dos tempos, no sentido de favorecer a unidade dos cristãos. Tais são: primeiro, todos os esforços para eliminar palavras, juízos e acções que, segundo a equidade e a verdade, não correspondem à condição dos irmãos separados e, por isso, tornam mais difíceis as relações com eles” (Unitatis Redintegratio)

A objeção é que não devemos medir palavras, juízos e ações em relação ao trato com os hereges e cismáticos em vista de não desagradá-los ou humilhá-los. No entanto, Pio XI ensinou: “Embora observando a respeito dos dissidentes as reservas necessárias, é preciso que estejamos à escuta de suas almas, sem cessar preocupados em compreendê-las sempre melhor; que nos aproximemos deles com disposições de respeito e de amizades; que evitemos qualificá-los precipitadamente de perversos e, sem sermos simplórios, que os tratemos com a condescendência que Cristo sempre mostrou com as ovelhas desgarradas que encontrava em Seu caminho…” (Pio XI, Instruções aos bispos franceses em sua visita ad limina, dez. de 1937) Ainda: “Se há preconceitos de ambas as partes, cumpre eliminá-los. Parecem incríveis os erros e os equívocos que subsistem entre os irmãos separados contra a Igreja católica; também aos católicos falta por vezes o justo apreço dos irmãos separados, falece a piedade fraterna, porque falta o conhecimento” (Pio XI, Pronunciou em 10 de janeiro de 1927, diante da Federação universitária Católica Italiana – L’Osservatore Romano, 27.2.1927)

O Santo Ofício reformulou a fórmula para convertidos, sem apalavras duras, sem elemento negativo, demonstrando tato psicológico: “O S. O. deu provas não somente de caridade, mas também de tato psicológico ao aprovar em 1936 uma nova fórmula de entrada na Igreja para os protestantes convertidos, que não se chama abjuração, mas profissão de fé, e que não contém nenhum elemento negativo, nenhuma execração, mas somente uma afirmação pública da fé. Segundo Congar, em 1945 se aprovou uma fórmula na Inglaterra que não tem nenhum termo duro, e um decreto de 20 nov. 1946 permite que o usem os Bispos franceses; cf., JOMBART, Traité de Droit Canonique cit., n. 1144”. (T. García Barberena, Comentarios al Codigo de Derecho Canonico, v. IV, 1964, p. 456, nota 13)

 

51. O diálogo entre os cristãos sobre suas próprias doutrinas

“depois, o «diálogo» estabelecido entre peritos competentes, em reuniões de cristãos das diversas Igrejas em Comunidades, organizadas em espírito religioso, em que cada qual explica mais profundamente a doutrina da sua Comunhão e apresenta com clareza as suas características. Com este diálogo, todos adquirem um conhecimento mais verdadeiro e um apreço mais justo da doutrina e da vida de cada Comunhão”. (Unitatis Redintegratio).

A objeção é que não se deve travar colóquio sobre doutrina com os hereges ou cismáticos em congressos e reuniões mistas. Mas isso não é verdade.

Papa Pio XI diz: “Não é menor a alegria que nos chega o Congresso celebrado pela obra intitulada “Apostolado dos Santos Cirilo e Metódio”, no mês de julho último, na cidade de Veherad, junto à tumba do mesmo São Metódio. O fim dessa assembléia, como de suas três precedentes é o de atrair até a Igreja Romana aos povos orientais, que abandonaram a fé católica. Para que uma tentativa desse gênero tenha alguma probabilidade de chegar a feliz resultado, é evidente que terá que abandonar, de uma parte, a falsa idéia que o vulgo se fez, ao correr dos séculos, sobre as instituições e as doutrinas das Igrejas orientais; e por outra parte, entregar-se a um estudo profundo, que mostrará o acordo entre os Padres latinos e os orientais, coincidentes em uma mesma e só fé: enfim, de uma parte, como de outra, procede a mudanças de vista, com um verdadeiro espírito de caridade fraternal. Para este fim, como já sabeis, V. H., um grande número de teólogos, dos melhores informados sobre esta velha controvérisa se reúnem, na mencionada cidade; correspondendo ao desejo expressado por Nós na Carta ao arcebispo de Olmutz, bom número de nossos irmãos dissidentes assistem igualmente ao Congresso, e a maior parte dos correligionários seus ausentes se interessam pelos trabalhos dessas reuniões. Uns e outros discutem com uma real boa vontade” (Pio XI, Alocução consistorial, 18 de dezembro de 1924)

Conversações de Malines: O Cardeal Pietro Gasparri, Secretário de Estado, escreveu com efeito ao Cardeal Mercier: “O Santo Padre autoriza Vossa Eminencia a dizer aos anglicanos que o Santo Padre aprova e apóia as vossas conversações e pede de todo o coração ao bom Deus que as abençoe” (Jacques de Bivort de la Saudée, Anglicans et catholiques, pp. 66-67)

Leão XIII diz: “Nós temos nos alegrado em grande medida de tua atividade, pois não temos coisa mais enraizada no coração que procurar que voltem ao braço da Igreja os irmãos separados da profissão de fé romana, e com ardentes orações pedimos a Deus e com todo esforço procuramos que esta unidade de todos os povos sob um só pastor se apresse” (Leão XIII, Carta ao arcebispo de Vrhbosna-Sarajevo, Mons. G. Stadler, Qua doctrina, 12 de outubro de 1894)

Depois do Monitum de 1948, o Santo Ofício permitiu reunião mista de estudos como no caso do arcebispo católico de Paderborn e o bispo evangélico alemão Stahlin (Cf.  El movimento ecumenista, Madrid, 1953, p. 143).

O decreto do Santo Ofício sobre o Ecumenismo em 1949 diz: “Quanto aos colóquios de teólogos acima mencionados, a mesma faculdade para o mesmo período de tempo é concedido ao Ordinário local onde esses colóquios forem realizados, ou para o Ordinário delegada para este trabalho por consentimento comum dos outros Ordinários, sob as mesmas condições que as anteriores, mas com uma maior exigência de que o relatório a esta Sagrada Congregação também indique que questões foram tratadas, quem estava presente e quais os palestrantes eram para ambos os lados”.

 

52. Cooperação entre os cristãos no campo social

“Visto que nos nossos tempos largamente se estabelece a cooperação no campo social, todos os homens são chamados a uma obra comum, mas com maior razão os que crêem em Deus, sobretudo todos os cristãos assinalados com o nome de Cristo. A cooperação de todos os cristãos exprime vivamente aquelas relações pelas quais já estão unidos entre si e apresenta o rosto de Cristo Servo numa luz mais radiante”. (Unitatis Redintegratio)

 A objeção é que qualquer cooperação com os hereges e cismáticos estaria proibida. Também é falso.

 A Instrução do santo Ofício de 1949 diz: “Nem a mencionada Monitum se aplica a essas reuniões mistas de católicos e não-católicos, em que a discussão não se oponham a fé e a moral, mas sobre formas e meios de defender os princípios fundamentais da lei natural ou da religião cristã contra os inimigos de Deus, que agora estão aliados entre si, ou em que a questão seja a forma de restaurar a ordem social, ou outros temas dessa natureza”. (Instrução do Santo Ofício sobre o movimento ecumênico, 1949)

O Padre Francis J. Connell explica: “Assim sendo, como exemplo de um encontro que não requer autorização especial eclesiástica, nós podemos usar o caso de um padre que pediu para se dirigir a um grupo de Protestantes a fim de explicar a seu pedido alguns artigos da crença Católica. Tais encontros não se submetem ao título de uma reunião no qual ambos os lados discutem suas crenças respectivas “em pé de igualdade” (par cum pari agens). Similarmente, se Católicos se reúnem com seus concidadãos de outros credos para protestar contra um filme obsceno que está sendo mostrado no cinema local, ou para defender os esforços de um grupo de trabalhadores para conseguir um salário mínimo de seus empregadores, ou para expressar sua oposição numa tentativa de obter uma legislação favorecendo a eutanásia, a permissão de autoridades superiores eclesiásticas não é necessária pelo Monitum. Tais reuniões são apenas dirigidas em direção a salvaguardar os princípios da lei natural. Mesmo quando há o questionamento de princípios Cristãos vigentes, Católicos podem se unir com não-Católicos num esforço em comum. Esta afirmação da Instrução é sem dúvida aberta para diferentes interpretações. Todavia, para se chegar nesta categoria uma reunião deve chegar num ponto onde assuntos de fé e moral não são discutidas, mas os princípios fundamentais da religião Cristã são defendidos. O propósito parece ser que os princípios sejam tais que sejam aceitos sem hesitação por todos os participantes. Por exemplo, numa terra sob o domínio Comunista, Católicos e não-Católicos devem se unir num empenho de banir cartazes e jornais jogando a doutrina da divindade de Cristo no ridículo. Entretanto, mesmo que em tal reunião Católicos não poderiam favorecer nenhuma afirmação que não está conforme os ensinamentos Católicos- por exemplo, que igrejas não-Católicas tem o mesmo direito de proclamar o Cristianismo como a Igreja Católica”. (Francis J. Connell. An important Roman Instruction. The American Ecclesiastical Review. 1950.)

 

53. A celebração eucarística nas igrejas orientais, faz a Igreja de Deus ser edificada e crescer

 “Por isso, pela celebração da Eucaristia do Senhor, em cada uma dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce (26), e pela concelebração se manifesta a comunhão entre elas”. (Unitatis Redintegratio)

A objeção é que a Igreja não pode crescer e ser edificada pelas celebrações eucarísticas dos orientais cismáticos.

 O cardeal Charles Journet já havia ensinado esse ponto: “(…) Os dissidentes Greco-Russos mantiveram o poder da Ordem nos seus três graus: episcopado, presbiterado e diaconato. Ela foi perpetuada entre eles em virtude da validade da consagração validamente transmitida por aqueles que fizeram o cisma. Graças ao poder da Ordem, o sacrifício redentor é oferecido e os sacramentos são preservados: indubitavelmente o Batismo, a Confirmação, que capacita os leigos a participarem do poder sacerdotal de Cristo; a Eucaristia também, que é o fim de todos os outros sacramentos, que em si mesmo, sempre que recebido com as disposições corretas, produz a vida espiritual – não como o Batismo, num estado inicial, mas num estado consumado [91] – para formar a Igreja, o Corpo de Cristo, o “sacramento da piedade, o sinal da unidade, o vínculo da caridade”.[92] Os justos, que pertencem aos grupos Greco-Russos, verdadeiramente possuem, além do triplo caráter sacramental, aquilo que lhes permite continuar celebrando o rito cristão, aquela graça sacramental que, embora não isoladamente, é todavia um constituinte primário e fundamental da alma da Igreja. Quanto aos pressupostos sobrenaturais necessários para dar à graça sacramental sua orientação coletiva, e a perfeição final que fará que a alma da Igreja esteja unida de uma forma imanente, governando e vivificando todo o Corpo Místico de Cristo, eles existem fora da Igreja católica como padrões doutrinais – muito mais importante e cuidadosamente organizados na cristandade Greco-Russa, onde o processo de separação não foi tão longe como nas variações Protestantes. (…)” (Charles Journet, L’ Eglise Du Verbe Incarné, I, 1955)

 

54. Fraternidade universal entre os homens

“Por isso proclamamos a vocação altíssima do homem e afirmamos existir nele uma semente divina, o Sacrossanto Concílio oferece ao gênero humano a colaboração sincera da Igreja para o estabelecimento de uma fraternidade universal que corresponda a essa vocação.” (Gaudium et Spes, n. 3)

A objeção é que o estabelecimento da fraternidade universal entre os homens seria algo antropocentrista. Mas Pio XII já havia falado sobre esse tema: Es a lo que tienden vuestros esfuerzos, señores, con un celo digno de todo encomio, en un espíritu de fraternidad universal.  http://www.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1951/documents/hf_p-xii_spe_19511123_conferenza-fao.html

“Na verdade, não haverá salvação para o mundo a menos que a humanidade, inspirando-se nos ensinamentos e exemplos de Cristo, reconheça que todos os homens são filhos do mesmo Pai que está nos céus, e que são verdadeiramente irmãos, graças a união com seu Filho divino, a quem enviou como Redentor de todos os homens. Só esta fraternidade dá ao homem, com o mais elevado sentido de dignidade pessoal, a garantia de uma verdadeira igualdade, a necessária base de justiça. Só esta fraternidade garante o dom da verdadeira liberdade no gozo dos nossos direitos e no cumprimento dos nossos deveres, em obediência às leis estabelecidas por Deus Todo-Poderoso e pelo seu Filho divino, para a moralidade e a santidade da vida humana. Só esta fraternidade inspira, alimenta, reaviva no coração dos homens aquela verdadeira caridade, que detesta toda opressão e violência, que se eleva acima do egoísmo, seja dos indivíduos, seja das nações, que é capaz de se sacrificar pelo bem comum e doar. generosamente aos necessitados e para levantar os que sofrem. São estes os alicerces sobre os quais se deve edificar a paz – que, aliás, faz parte do divino Salvador – uma paz real e sólida, justa e duradoura”. (Pio XII, LETTRE DU PAPE PIE XII AU PRÉSIDENT DES ÉTATS-UNIS D’AMÉRIQUE, S.E. M. HARRY S. TRUMAN, 1949)

“Notamos que Vossa Excelência, autoridade em questões internacionais do pós-guerra, afirma que os princípios da fraternidade e do amor devem reger as relações entre as nações como fatores indispensáveis ​​para a fundação da justiça internacional e esta é uma razão para vermos crescer a nossa esperança. Que tais sentimentos se tornem realidade e possam sobrepujar as forças opostas que procuram impedir ou impedir o advento da verdadeira paz”. (ADDRESS OF HIS HOLINESS PIUS XII TO THE NEW MINISTER OF CHINA* Sunday, 16 February 1947).

 

 

 

 

55. Uma só fonte de revelação

“A sagrada Tradição, portanto, e a Sagrada Escritura estão ìntimamente unidas e compenetradas entre si. Com efeito, derivando ambas da mesma fonte divina, fazem como que uma coisa só e tendem ao mesmo fim”. (Dei Verbum)

A objeção é que o Concílio fala em uma fonte, enquanto o Concílio de Trento e Pio XII falam que são duas as fontes da revelação. No entanto, pode-se falar em fonte em diferentes pontos de vista. O Padre Miguel Nicolau explicou: “Uma fonte? Duas fontes? Também aqui, como tantas vezes nas discussões, cumpre começar definindo para evitar o equívoco. Se por fonte entendemos o primeiro manancial de onde sai a água, a divina revelação brota de uma só fonte que é Deus. Deus, que nos falou muitas vezes e de muitas maneiras nos Patriarcas do Antigo Testamento e nos Profetas, e nos últimos tempos falou-nos pelo Filho (Hebr. 1,1). Também o Espírito Santo levou aos Apóstolos toda a verdade (Jo 14,26; 16,12). Em qualquer desses casos, a revelação é divina. Mas todas estas maneiras como nos chegou a locução ou revelação divina, vemos que estão perfeitamente unidas entre si e formam uma só, compacta e homogênea revelação de Deus. Toda ela constitui a mensagem de Cristo e sua “boa-nova”, seu Evangelho. A revelação de Jesus Cristo, que é divina, por ser de pessoa divina, não veio desvalorizar o revelado por Deus no Antigo Testamento, mas cumpri-lo e aperfeiçoá-lo. A revelação do Espírito Santo, também divina e anunciada por Cristo, completa a mensagem de Jesus, levando aos Apóstolos o conhecimento pleno da verdade revelada por Cristo e ao desenvolvimento total desta mensagem. Os Apóstolos transmitem a mensagem de Cristo, recebida da própria boca de Cristo ou pela inspiração do Espírito Santo; como recordavam e definiam os Concílios de Trento e Vaticano I (D 783, 1787). Até aqui se pode falar de uma só fonte da revelação divina, enquanto brota de um só Deus e enquanto o conteúdo dessa mensagem é totalmente divino e homogêneo e forma uma perfeita unidade e harmonia. Se passarmos a perguntar pelos meios ou canais que nos transmitem esta mensagem, então teremos que responder que há vários. Há a Sagrada Escritura, que inspirada pelo Espírito Santo e sendo Deus seu Autor, contém a palavra de Deus escrita. Há a tradição não escrita por Deus, mas comunicada por Deus, quer oralmente aos Apóstolos por Cristo, quer pelo Espírito Santo (sine scripto traditionibus: D 783), que contém também a mensagem de Cristo e constitui a palavra de Deus transmitida (D 1792). Se à Escritura e à Tradição chamamos fontes da revelação, já se entende que o fazemos em sentido de correntes de água, canais, por onde nos chega a mensagem que brota da única fonte manante, Deus. Os Apóstolos, S. Paulo em concreto, diziam: “Ficai firmes, irmãos, e guardai as tradições (paradoseis) que aprendestes, quer por nossa palavra, quer por nossas cartas” (2 Tes 2,15). Duas maneiras de as fazer chegar e transmitir a mensagem de Cristo e sua revelação: a palavra e a pregação apostólica, a tradição não escrita, e a carta, o escrito, a escritura inspirada. Mas a Escritura e a Tradição divino-apostólica são fontes da revelação enquanto contêm essa mesma revelação. São correntes dessa mesma água que brota do manancial. Não são meros canais ou transmissores, como podem ser o Magistério da Igreja, a pregação unânime dos Padres e o consentimento dos teólogos e dos fiéis. Mediante o Magistério da Igreja conhecemos a divina revelação; e por certo esse Magistério é para nós a norma próxima e imediata para a conhecer. Mas o Magistério não constitui ele mesmo, não faz ele mesmo a doutrina revelada; transmite-a, guarda-a, declara-a. Tampouco a pregação unânime do Padres faz a verdade revelada; é só um critério para a conhecer. O mesmo se diga do consentimento dos teólogos e dos fiéis. Esses consentimentos, do mesmo modo que o Magistério, são meios para conhecer o que Deus revelou. E nesse sentido podemos falar e se fala de diferentes fontes da doutrina revelada, que são o Magistério e o consentimento dos Padres, teólogos, fiéis. São fontes da doutrina teológica, porque são meios para argumentar e raciocinar em Teologia. Mas a Escritura e a Tradição não são só meios para conhecer a doutrina revelada. São-no, sem dúvida. Mas além disso constituem eles mesmos essa doutrina revelada como já antes indicamos. Contêm-na e a transmite, certamente; mas além disso são lugares teológicos ou fontes teológicas constituintes. Daí não ser raro falar da Escritura e da Tradição como de duas fontes da doutrina revelada. Os autores de Teologia usaram e usam esta expressão em seu tratado De fontibus revelationis (por ex., Hurter, Van Noort, Felder, Specht, Zubizarreta, Tanquerey…). Também os documentos eclesiásticos, como a encíclica Humani generis de Pio XII[1]. E é, portanto, uma maneira legítima de falar. Mas será mais ou menos oportuna segundo os tempos e os lugares”. (Problemas del Concilio Vaticano II, Madrid, 1964, pp. 221-227).

A doutrina de São Boaventura que influenciou o texto conciliar diz: “A fonte da Sagrada Escritura não está, pois, na investigação humana, mas na revelação divina que flui do Pai das luzes, do qual toma nome toda a paternidade no céu e na terra, de quem, por seu Filho Jesus Cristo, promana em nós o Espírito Santo, Espírito este que divide e distribui os dons a cada um assim como quer, sendo por ele dada a fé, e pela fé Cristo habita em nossos corações. Deste conhecimento de Jesus Cristo promana originariamente a firmeza e a inteligência de toda a Sagrada Escritura. Por isso, é impossível que alguém nela penetre, e a conheça, sem que antes tenha infusa em si a fé de Cristo, que é como o luzeiro, a porta e também o fundamento de toda a Escritura. De fato, enquanto caminhamos para o Senhor, esta fé é o fundamento que confere solidez, o luzeiro que conduz, e a parte introdutória para todas as iluminações sobrenaturais. Segundo sua medida deve-se igualmente medir a sabedoria que nos foi dada por Deus, para que alguém não saiba mais do que convém saber, mas que (saiba) com temperança e conforme a medida da fé distribuida por Deus a cada um. Mediante esta fé, pois, nos é dado o conhecimento da Sagrada Escritura, pela influência da Trindade santa, conforme o apóstolo expressamente indica na primeira parte do texto aduzido no ínicio”. (São Boaventura, obras escolhidas, Livraria Sulina Editora, p. 1983, pp. 3-4, Prólogo) 
 

56. A Tradição transmite integralmente a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos

“a sagrada Tradição, por sua vez, transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Apóstolos, para que eles, com a luz do Espírito de verdade, a conservem, a exponham e a difundam fielmente na sua pregação; donde resulta assim que a Igreja não tira só da Sagrada Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas”. (Dei verbum).

A objeção é que o Concílio estaria dizendo que toda revelação está nas Escrituras, ou seja, não há nada na Tradição que não esteja implicitamente nas Escrituras. Na realidade, o relator do esquema disse sobre esse trecho: “o sentido da afirmação deve ser ajuizado e entendido segundo o teor do esquema. Deste resulta que nem a Tradição aparece apresentada como um suplemento quantitativo da Escritura; nem a Escritura como uma codificação de toda a revelação”. (Modi Relatio Card. Florit ad c. II, p. 73.) Sobre essa fala do relator, o padre Miguel Nicolau comenta: “Como se vê, o Concílio não quis tocar diretamente a questão das verdades contidas na Tradição que não se encontram na Escritura; e, se não afirma que a Tradição não acrescenta nada quantitativamente à Escritura, também o não nega. Deixa a questão como estava. A razão parece-nos ser a dificuldade que havia em chegar a um rápido acordo, principalmente pelas razões ecuménicas explicadas”. (Escritura e Revelação segundo o Concílio Vaticano II, texto e comentário da Constituição dogmática “Dei Verbum”, Livraria Apostolado da Imprensa, 1968).

 

57.  A Escritura ensina sem erro a verdade que Deus quis que fosse consignada para nossa salvação

“E assim, como tudo quanto afirmam os autores inspirados ou hagiógrafos deve ser tido como afirmado pelo Espírito Santo, por isso mesmo se deve acreditar que os livros da Escritura ensinam com certeza, fielmente e sem erro a verdade que Deus, para nossa salvação, quis que fosse consignada nas sagradas Letras”. (Dei Verbum)

Essa objeção supõe que há uma limitação da inerrância da Sagrada Escritura nesse trecho, onde se quer dizer que poderia ocorrer erros nas Sagradas Escrituras nas questões de história e ciência, sendo preservada apenas no campo de fé e moral – o que a explicaria o sentido de “sem erro… para nossa salvação”.

No entanto, quando certos padres conciliares apresentarem essa objeção ao esquema, a Comissão teológica respondeu que o termo salvífica não traz qualquer limitação material à verdade das Escrituras, mas a especificação formal da Escritura: “Pelo termo “salvífica” (salutarem) não se está de modo algum sugerido-se que a Sagrada Escritura não é integralmente inspirado e a Palavra de Deus: cf. o que é dito no texto em linhas 16-21, seguindo a Encíclica Providentissimus na EB 127: “O próprio Deus, quando ele falou por meio dos autores sagrados, não poderia ter proferido qualquer coisa que se afastasse da verdade”. Não pode acontecer que “a Palavra da Verdade, o evangelho da vossa salvação” (Ef. 1: 13, cf. 2 Cor. 4: 2, etc.) não ensine a “verdade salvadora”. A expressão salutaris não traz qualquer limitação material à verdade das Escrituras, em vez disso, ela indica especificação formal da Escritura, cuja natureza deve ser mantida em mente ao decidir em que sentido todas essas coisas que são afirmadas nas Escrituras são verdadeiras – não apenas questões de fé e moral e fatos ligada à história da salvação (como foi dito na Relatio, p. 25, letra F). Por esta razão, a Comissão decidiu que a expressão deve ser mantida, enquanto se completa nota 5 da seguinte maneira:… (AS V, III, 467-468).

Portanto, as coisas afirmadas nas Escrituras são verdadeiras não apenas questões de fé e moral e fatos ligada à história da salvação”. 

E isso se demonstra ainda pelas referências nas notas de rodapé do referido trecho, em que aparece citações de Papas e doutores da Igreja falando que a inerrância bíblica abarca assunto profano, bem como que mesmo as questões profanas foram consignadas para a nossa salvação: Cfr. S. Agostinho, De Gen. ad Litt. 2, 9, 20: PL 34, 270-271; CSEL 28, 1, 46-47 e Epist. 82, 3: PL 33, 277: CSEL 34, 2, p. 354.—S. Tomás, De Ver. q. 12, a. 2 c. —Conc. de Trento, decr. De canonicis Scripturis: Denz. 783 (1501) —Ledo XIII, Enc. Providentissimus: EB 121, 124, 126-127—Pio XII, Enc. Divino afflante Spiritu: EB 539.

O Padre Miguel Nicolau, antes do Concílio, respondeu uma objeção sobre o assunto na obra Summa de Teologia Escolástica: “Según San Agustín y León XIII («Providentissimus»: D 1947; EB 212), el Espíritu de Dios, que hablaba por los escritores sagrados, no quiso enseñar a los hombres lo que no les serviría de nada para su salvación. Es así que la historia profana, no religiosa, nada aprovecha para la salvación, luego no es objeto del magisterio divino por medio de la Escritura. Distingo la mayor. San Agustín y León XIII, en los lugares indicados, el Espíritu de Dios no quiso «enseñar a los hombres esas cosas (a saber, la interior constitu­ción de las cosas visibles) que nada aprovechan para la salvación», concedo la mayor; no quiso enseñar lo que se refiere a la historia profana, niego la mayor”. (https://mercaba.org/TEOLOGIA/STE/ESCRITURA/cap_1_art_7.htm) Portanto, a matéria profana aproveita para a salvação do homem, e, portanto, também aqui há inerrância, como diz o autor na mesma obra.

Neste sentido São Boaventura também explica: “Além do mais, como a Escritura é uma ciência de salvação, não descreveu a obra da criação a não ser em função da obra da redenção. E como os anjos foram criados de tal modo que, caindo, não tivessem qualquer possibilidade de redenção (como se verá a seguir), pois a elas não devia seguir-se  reparação alguma. Mas como não convinha à sublimidade da Escritura calar de todo a criação  das criaturas mais sublimes, por isso ela descreve a criação das coisas, conforme o exige uma ciência sublime é salvadora, de tal modo que, em sentido espiritual, toda a criação literalmente descrita refira -se espiritualmente à descrição da hierarquia angélica e da eclesiástica”. (São  Boaventura, obras escolhidas, Livraria Sulina Editora, p. 1983, p. 38, Brevilóquio, ii parte, cap v).

 

58. A jurisdição dos bispos

“A consagração episcopal, juntamente com o poder de santificar, confere também os poderes de ensinar e governar, os quais, no entanto, por sua própria natureza, só podem ser exercidos em comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio episcopal”. (Lumen gentium)

A objeção é que a jurisdição dos bispos é apresentada como conferida pela própria sagração episcopal e não através do Papa. Pio XII supostamente teria definido a questão na Mystici corporis.

No entanto, muitos autores tradicionais não interpretaram esse trecho assim, mas continuaram dizendo que a jurisdição não é conferida pela consagração episcopal ao interpretar a Lumen gentium, mas pelo Papa, vide: Padre Miguel Nicolau, La Iglesia del Concilio – comentario a la constitucion dogmatica “Lumen gentium”, 1966, pp. 146-153 e Pe. Gagnebet, “A colegialidade do episcopado de acordo com a Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, Itinéraires n° 92, abril 1965.

Por outro lado, não é claro que Pio XII definiu a questão na Mystici Corporis. O Padre Ioseph Mors diz que a questão da origem da jurisdição permanecia controvertida em seu tempo e que a Mystici Corporis “parece falar somente do uso da jurisdição, não do modo que é conferida”. (Theologia Fundamentalis, Tomus II, Editorial Guadalupe, 1955, p. 90).

Nas discussões no Concílio Vaticano I chegou se defender a tese de que a jurisdição geral e universal era conferida pela consagração episcopal. O relator Mons. Angelini disse: “A razão da oposta sentença encontra-se toda em dizer que o direito de sufrágio, ou seja, de voto no concílio, pertence à potestade de jurisdição; mas os bispos simplesmente titulares são destituídos de uma efetiva e atual jurisdição; e portanto, concluem, que a eles falta a base sobre a qual se apoia o direito de sufrágio. Só que esta total ausência de jurisdição não parece poder admitir-se, uma vez que é quase impossível não reconhecer que com a imposição das mãos, isto é a consagração, se receba alguma (forma de) jurisdição. Portanto convém distinguir no bispo a jurisdição particular para o governo de uma determinada igreja, que se recebe do papa, da jurisdição geral e universal, que o bispo adquire no ato e por força de sua ordenação, isto é, quando este passa a ser membro do corpo episcopal, e por conseguinte adquire o direito de ensinar e governar toda a Igreja, se estiver em comunhão com o conjunto dos bispos e com eles e o Sumo Pontífice formar um corpo único. (…) Assim, o descreve Bolgeni, os Cappellari, depois Gregório XVI, de feliz memória, Phillips e outros. Não parece, além disso, ter que passar sob silencio, aquilo que sobre o artigo mesmo da jurisdição particular dos bispos titulares, em relação às suas respectivas igrejas, observam não poucos sérios escritores , ou seja, que a estes bispos, apesar de impedidos de viajar para governar aquelas igrejas, permanece sempre uma jurisdição radical, habitual, e como dizem “in actu primo”, e que somente “per accidens” e “in actu secundo”, permanece suspenso o exercício deles. E sobre isto se podem ver também as cartas apostólicas supracitadas de Bento XIV ao Cardeal Lanze, onde se mostra que esta jurisdição habitual há algo de mais efetivo e real do que normalmente se acredita” (Relator Mons. Angelini, 17 de maio de 1868 no CVI)

Na reunião de 14 de março de 1869 da Congregação se afirmou:  “que a objeção, que quer mover-se em contrário deduzida (do fato) de existirem ali bispos titulares sem a jurisdição, omitida a resposta que escritores, por outro lado, muito grave dão distinguindo a jurisdição habitual daquela atual, existe uma outra forte distinção entre a jurisdição particular sobre uma determinada diocese, cujo exercício os bispos titulares não tem, de uma jurisdição geral e universal, que se obtém em força da ordenação mesma comum a todos os bispos, e que de fato consiste no direito de ensinamento e de governo sobre toda a Igreja. Tendo em conta todas estas graves considerações, os louváveis eminentíssimos e reverendíssimos Cardeais concluíram por unanimidade de não ter reconhecido nenhum justo motivo para negar até mesmo a uma parte dos acima chamados bispos titulares a admissão ao concílio. (MANSI, Sacrorum conciliorum nova et amplíssima collectio, tomo 49, 1923, coll. 495 s., 525 s.)

 

59. A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor

“A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo” (Dei Verbum).

A objeção é que esse trecho estaria dizendo que a mesma veneração se deve a Escritura e ao corpo de Cristo.

Mas a Comissão pontifical para a interpretação dos decretos do Concilio, logo respondeu a questão, explicando: Q.- Diz-se na constituição dogmática “Dei Verbum” sobre a Revelação divina: “A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo”. O advérbio “como” significa que a mesma veneração, ou uma veneração, é devida à Santa Escritura e à Santa Eucaristia? R. – Deve-se venerar a Santa Escritura e o Corpo do Senhor, mas de maneira diferente, como precisa a constituição Sacrosanctum concilium sobre a liturgia, nº 7 ; da encíclica Mysterium fidei, do dia 3 de Setembro de 1965 (A. A. S. LVII, 1965, p. 764); da instrução Eucharisticum mysterium  publicado pela S. C. Des Rites, le 25 mai 1967, nº 9 (A. A. S. LIX, 1967, p. 547). S. S. Paulo VI ratificou e aprovou as decisões acima mencionadas durante a audiência que ele concedeu e estabeleceu que sejam publicadas. P., card. FELICI, presidente. (FONTE: La Documenta Catholica, ano 1968, v. II, pp. 1863 – 1864).

60. Tradição viva

“Mas, como a Sagrada Escritura deve ser lida e interpretada com o mesmo espírito com que foi escrita (9), não menos atenção se deve dar, na investigação do recto sentido dos textos sagrados, ao contexto e à unidade de toda a Escritura, tendo em conta a Tradição viva de toda a Igreja e a analogia da fé”. (Dei verbum).

Objeta-se que a Tradição não é viva, sendo essa expressão supostamente modernista. Contudo, essa expressão foi usada pelos teólogos anteriormente:

Matthias Joseph Scheeben diz: “Finalmente, a universalidade exige absolutamente, e para todas as épocas, que toda a tradição viva nunca seja falsificada ou negada por todos os órgãos do depósito; mas admite que uma parte do depósito seja falsificada ou negada por uma parte da Igreja que não decide a fé do todo, que atualmente não seja atestado com energia e precisão pela totalidade ou por uma parte decisiva, desde que seja habitualmente mantido”. (Matthias Joseph Scheeben, La Théologie dogmatique, vol I, 1877, pp. 228-229).

O padre Auguste-Alexis Goupil fala: “O Magistério vivo e infalível ensina a palavra de Deus; essa palavra ele nos dá de duas maneiras: oralmente e por escrito. Oralmente, pela transmissão, pela Tradição viva”. (La Règle de la Foi, 1941).

Mons. Joseph Clifford Fenton diz: “A viva Tradição. A conduta bem-sucedida da apologética científica exige o reconhecimento de outra realidade óbvia. A doutrina pregada por Jesus de Nazaré e proposta em Seu nome pelos apóstolos originais e por São Paulo é o próprio ensinamento que a Igreja Católica mantém e ensina hoje como seu próprio dogma. De maneira constante e prática, esta Igreja aclama as verdades contidas nas Escrituras sagradas e na tradição divina como verdades reveladas por Deus para serem aceitas por todos os homens com o consentimento da fé divina”. (Mons. Joseph Clifford Fenton, We Stand with Christ: an Essay in Catholic Apologetic, 1942).

Bossuet diz: “a plenitude do conhecimento cristão, que compreende, em sua extensão, juntamente com a própria Escritura e a correta interpretação da Escritura, todos os dogmas escritos e não escritos. É essa tradição, sempre viva na Igreja, que forma seu governo inalterável”. (Tradition des nouveaux mystiques, 16, 8 [Guillaume, V, 209]).

O conservador Angelo Temino, bispo de Orense, na Espanha pediu que o esquema As Fontes da Revelação falasse mais claramente sobre a tradição vital: “E contra, innuere volo valde mirari nihil dici de Traditione vitali, de qua adeo loquuntur moderni scriptores, et de sensu fidelium, qui tanti habitus est in ultimis definitionibis et aliquatenus ad Traditionem pertinet”. (Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II: Periodus prima, pars III, Congregatio generalis XXI)
 

61. Ativa participação nas celebrações litúrgicas (Const. Sacrosanctum Concilium)

Objeta-se que os fiéis não devem participar ativamente nas celebrações litúrgicas. Mas São Pio X diz: a participação ativa nos sagrados mistérios e na oração pública e solene da Igreja é fonte primeira e indispensável” de todos os fiéis (motu proprio Tra le sollecitudini, 20 de novembro de 1903).

E também Pio XI: “é absolutamente necessário que os fiéis não assistam aos ofícios como estranhos ou espectadores mudos, mas participem, perpassados pela beleza da liturgia, das cerimônias sagradas” (Divini cultus).

 

62. A economia da revelação se dá por ações e palavras

“Esta «economia» da revelação realiza-se por meio de acções e palavras ìntimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido”.  (Dei Verbum).

A objeção é que falar que a revelação se realiza por ações e palavras seria a repetição do erro do modernista Tyrrell. Mas aqui se fala da economia da revelação e não somente da revelação formal, como a própria Comissão doutrinal explicou (cf. Modi, c.1, n.12: “Sed textus Schematis agit non tantum de sola revelatione formali sed de tota oeconomia revelationis, ut dictum est ad Modum 4”). Para mais, rever resposta ao item 1. A Revelação foi completada na Crucifixão.

Diz Santo Tomás que Cristo nos ensinou, por palavra e exemplo, a observar a pobreza em todas as coisas”. (Contra Retrahentes)

Santo Afonso Maria de Ligório diz: “Mas este exemplo dado por Cristo, responde Santo Agostinho, não era distinto de sua doutrina, pois nosso Senhor ensinava tanto por preceito quanto por exemplo”. (História das heresias)

São Boaventura ensina: “Convém também ao princípio do qual procede: pois provém de Deus, por Cristo e o Espírito Santo, que fala pela boca dos profetas e de outros que escreverem esta doutrina. Como, porém, Deus não fala só pelas palavras, mas também por fatos – pois que sua palavra é ação e sua ação é palavra -, e como todas as criaturas, como efeito de Deus, acenam para sua causa: por isso, o que foi divinamente legado na Escritura não deve significar apenas palavras, mas também fatos. Cristo, também doutor, embora humilde na carne, era sublime na divindade. – Por isso, convinha a ele e à sua doutrina possuir a humildade na palavra com a profundidade da sentença, para que, assim como Cristo foi envolvido em fraldas, assim também a sabedoria de Deus, na Escritura, fosse envolvida de certas figuras humildes. – Também o Espírito Santo ilustrava e fazia revelações de modos diversos nos corações dos profetas; e a ele, contudo, não pode ocultar-se nenhum entendimento, e fora enviado para ensinar toda a verdade. À sua doutrina convinha, pois, que em uma palavra se ocultassem formas múltiplas de compreensão”. (São Boaventura, obras escolhidas, Livraria Sulina Editora, p. 1983, p. 11, Brevilóquio – Prólogo , parag. 4)

Tyrrel, por outro lado, ensinava que a revelação se reduz a uma experiência adogmática, sem palavras, ou seja, sem doutrina objetiva revelada.

 

63. As comunidades separadas usadas como de meios de salvação

“Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica”. (Unitatis redintegratio).

As objeções são várias: argumenta-se que só a Igreja é meio de salvação e se as igrejas e comunidades separadas são usadas pelo Espírito Santo como de meios de salvação, logo se contradiz o dogma de que “Fora da Igreja não há salvação” ou se nega que a Igreja Católica seja necessária à salvação. 

É nítido que é utilizada a falácia do equívoco para se acusar o Concílio de erro, pois a mesma expressão “meio de salvação” é utilizada em sentidos diversos. A Igreja Católica é um “meio geral de salvação” (expressão contida na Carta do Santo Ofício ao arcebispo de Boston, Denz. 3866-3873), isto é, “é um meio de salvação para todos e necessário para todos os homens sem exceção”. (Joseph Clifford Fenton, A Igreja Católica e a salvação). Mas no que se refere às comunidades e igrejas separadas o sentido é outro, sem supor necessidade de meio. Por exemplo, o batismo e a penitência (para quem pecou mortalmente), são meios de salvação, com necessidade de meio. Enquanto os demais sacramentos não são meios para a salvação com necessidade de meio, embora também meios de salvação. As Comunidades e igrejas separadas não são meios necessários de salvação, mas meios acidentais, dispostos pelo Espírito Santo, e tampouco existe a necessidade de meio.

Inicialmente, é necessário destacar que se deve entender o dogma EENS da forma que a Igreja o entende. Com efeito, o Catecismo de São Pio X diz que “quem, encontrando-se, sem culpa sua – quer dizer, em boa fé – fora   da   Igreja,  tivesse recebido o   batismo,  ou tivesse desejo, ao menos implícito,  de o receber e além disso procurasse sinceramente a verdade, e cumprisse a vontade de Deus o melhor que pudesse, ainda   que separado do corpo da Igreja, estaria unido à alma dEla, e portanto no caminho da salvação”.

Ademais, a teologia católica ensina que os meios de salvação são vários: batismo, eucaristia, penitência, a verdade revelada, etc. (cf. Joyce, George. “The Church.” The Catholic Encyclopedia. Vol. 3. New York: Robert Appleton Company, 1908. http://www.newadvent.org/cathen/03744a.htm).

Agora, o Concílio diz que as próprias comunidades separadas podem ser usadas pelo Espírito Santo como de meios de salvação. Alguns Padres protestaram contra o uso dessa expressão para tais comunidades, pois não havia precedência na teologia, e a resposta da Comissão foi que os meios de salvação, empregados nas comunidades separadas, enquanto ações sociais, informam as próprias Comunidades, de modo que poderia se dizer que elas mesmas são meios de salvação: “Onde se empregam meios válidos de salvação que como ações sociais informam as próprias Comunidades, é certo que o Espírito Santo se utiliza destas mesmas como meios de salvação”. (v. 4, p. 442). Acrescenta ainda a Comissão doutrinal, que Deus utiliza tais igrejas e comunidades separadas como meios de salvação, não enquanto separadas, mas enquanto informadas por elementos eclesiais: “Deus procul dubio utitur ipsis Communitatibus seiunctis, non quidem qua seiunctis, sed qua informatis praedictis elementis ecclesialibus, ad conferendam credentibus gratiam salutarem. quoad bonam fidem”. (AS, v III, PARS VII, p. 35).

Tudo isso não nega que a Igreja seja necessária para a salvação, pois a própria Comissão doutrinal foi clara que “a necessidade de comunhão com a Igreja Católica para obter a graça de Cristo e a salvação está suficientemente indicada no contexto como um todo (do documento)”. (AS, vol. 3, pars, VII, p. 35). Além disso, a necessidade da Igreja católica para a salvação é manifesta, uma vez que “a virtude (dos meios de salvação) deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica”.

Pode-se dizer, em outras palavras, que as Igrejas e comunidades separadas são usadas como de meios de salvação, na medida em que a Igreja de Cristo está virtualmente presente e atuante nelas. Charles Journet diz que, de certo, modo, a Igreja de Cristo está presente de maneira inicial nas igrejas cismáticas: “A transmissão ininterrupta do exercício, válido, do poder de ordem, no interior das Igrejas dissidentes, é um testemunho comovedor da profundidade da vontade salvífica de Deus, que, enquanto continua desta forma a dispensar as graças convenientes do seu sacrifício e dos seus sacramentos… nos revela o desígnio maravilhoso de começar, em certo modo, a formar a sua Igreja, fora da sua Igreja” (CH JOURNET, L’ Eglise Du Verbe Incarné, I, La Hiérarchie Apostolique, 2ª edit. 1955, p. 652) Ainda diz sobre as igrejas e comunidades separadas: De toda formação religiosa não católica, enquanto que constitui um todo histórico existencial, pode-se dizer que justapõe indissoluvelmente em seu seio duas correntes de manifestações, atraídas uma delas secretamente pela verdadeira Igreja de Cristo, ao passo que se distanciam de dita Igreja a outra. Sua fisionomia própria a constitui um certo conflito de tendências. Eis aqui o que a caracteriza para o teólogo católico, eis aqui o que lhe dá seu verdadeiro corpo. Mas nesta formação religiosa, podem, pelo pensamento, ilhar-se umas de outras as manifestações que de maneira sumamente secreta puxam a seus membros até a Igreja católica. E desta maneira, uma vez dissociadas dos erros parasitas de que se vêem cheias estas manifestações, começam a pertencer sem dúvida de uma maneira inicial e cheia de travas ainda, ao corpo da Igreja católica”. (Teologia de la Iglesia, 1962, originalmente 1959, p. 303). 

Não é falso dizer que os dissidentes podem ser santificados nas comunidades separadas não apenas apesar de sua confissão, mas dentro e por sua confissão. Eis como o cardeal Charles Journet concorda com o Padre Congar nesse sentido:

“Voltando ao nosso problema recente, pode muito bem ser que entre padre Congar e eu exista apenas uma diferença de apresentação e ponto de vista e, no fundo, um acordo real. Isso parece ser provado por passagens como as seguintes: “Na medida em que as cristandades dissidentes preservaram os princípios de comunhão com Deus deixados por Cristo à Sua Igreja, ainda existem neles, apesar da promiscuidade dos erros, algo da Igreja, algumas fibras de seu ser; e pode ser verdade dizer que as almas podem santificar-se nelas não apenas apesar de sua confissão, mas dentro e por sua confissão. Somente devemos entender o que estamos dizendo. A coisa é verdadeira apenas em virtude do que as confissões dissidentes retiveram da Igreja; é verdade deles, se assim se pode dizer, contra eles; pois, em virtude do que eles têm por si mesmos e em si mesmos, é de fato apesar deles que as almas são santificadas no meio delas”. Resumidamente, as almas dos grupos dissidentes são santificadas em virtude do que é católico em sua confissão e apesar do princípio da dissidência”. (Charles Journet, The Church of the Word Incarnate, vol. 1, 1955, p. 42-43).
 

64. Subsistit in

“Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele (13), embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica”. (Lumen gentium)

A objeção é que a expressão “subsistit in” quer dizer que o Corpo Místico e a Igreja católica “não são uma e a mesma coisa”, como ensinado por Pio XII na Mystici corporis; ou implica que a Igreja de Cristo também subsiste em outras igrejas e comunidades eclesiais.

Essa dedução não faz sentido, uma vez que o Decreto Orientalium Ecclesiarum (promulgado no mesmo dia que a Lumen Gentium) diz que a “Igreja santa e católica, que é (est) o Corpo Místico de Cristo…”.

Além disso, a Comissão Doutrinal diz claramente que a Igreja e o Corpo de Cristo são uma e a mesma coisa: 

“Pag. 20, lin. 29: Ao invés de “Igreja de Deus” diga-se “Corpo Místico de Cristo”. Razão: A Igreja de Deus é única, a saber, católica; os Ortodoxos, embora estejam separados, ainda pertencem ao Corpo Místico de Cristo. R. – A razão não é válida, pois a Igreja de Deus e o Corpo Místico são uma e a mesma coisa”. (Acta Synodalia, volumen III, periodus tertia, pars VIIp. 680)

“A primeira frase é simplificada para que pareça ainda melhor indicar o Povo de Deus, a Igreja e o Corpo de Cristo como uma única e mesma realidade concreta”. (Acta Synodalia, volumen III periodus tertia pars I sessio publica IV, p. 233)

Também não se pode usar a expressão para indicar que a Igreja de Cristo também subsiste em outras igrejas e comunidades. Tromp, o proponente da expressão, diz que “subsistit in” expressa uma propriedade exclusiva da Igreja Católica (“Podemos dizer, portanto, que ela subsiste na Igreja Católica, e isso é exclusivo, enquanto se diz que em outros existem apenas elementos” – 26 de novembro de 1963, citado por Karl Josef Becker em Um exame do Subsistit in: uma profunda Perspectiva Teológica). Ademais, Gerard Philips, secretário adjunto da Comissão doutrinal, define o subsistit in no seguinte sentido: “… lá (isto é, na Igreja Católica), encontramos a Igreja de Cristo em toda a sua plenitude e vigor …” (La Chiesa e il suo Mistero, Milan, 1986 (3 ed.), 111, originalmente escrita em 1967-1968).



65. A Tradição apostólica progride na Igreja

“Esta tradição apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo”. (Dei Verbum, 8)

A objeção é que falar que a tradição progride na Igreja seria o mesmo que defender a evolução do dogma proposta pelos modernistas. No entanto, a objeção ignora a nota de rodapé inserida na frase, que remete ao ensinamento do Concílio Vaticano I, que versa: “Pois a doutrina da fé, que Deus revelou, não foi proposta ao engenho humano como uma descoberta filosófica a ser por ele aperfeiçoada, mas foi entregue à Esposa de Cristo como um depósito divino, para ser por ela finalmente guardada e infalivelmente ensinada. Daí segue que sempre se deve ter por verdadeiro sentido dos dogmas aquele que a Santa Madre Igreja uma vez tenha declarado, não sendo jamais permitido, nem a título de uma inteligência mais elevada, afastar-se deste sentido [ cân. 3]. “Cresçam, pois, e multipliquem-se abundantemente, tanto em cada um como em todos, tanto no homem individual como em toda a Igreja, segundo o progresso das idades e dos séculos, a inteligência, a ciência e a sabedoria, mas somente no seu gênero, isto é, na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo pensamento” [ Vicente de Lirino, Commonitorium, nº 28. ML 50, 668 (c. 23)].

É claro que o progresso referido, ao fazer referência ao Concílio Vaticano I, é das idades e dos séculos, com o crescimento da inteligência, ciência e a sabedoria, na mesma doutrina, no mesmo sentido e no mesmo pensamento. A continuação do trecho da Dei Verbum explica isso mesmo: “Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cfr. Lc. 2, 19. 51), quer mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende contìnuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus”.

Assim, Pio XII, por exemplo, afirma que “o Espírito de verdade dirige (a Igreja) infalivelmente para o conhecimento das verdades reveladas” (Muntificentissimus Deus).
 

Os teólogos D. Leov. Rudloff, OSB / D. Beda Keckeisen OSB também utilizam as expressões “crescimento e progresso na revelação ou nas verdades da fé”: “Tendo a Igreja a missão de interpretar a doutrina do Cristo, a Revelação, existe a possibilidade de um progresso e de uma evolução nas verdades da fé… Certa verdade, outrora admitida implicitamente e sem que disto se tivesse clara consciência pode ser mais tarde proclamada pelo Magistério da Igreja, porque sempre esteve contida nas fontes da Revelação (pag. 20). Desse modo dá-se na Igreja o que poderíamos chamar um “crescimento” na Revelação e a esse crescimento chamamos “evolução do Dogma” no sentido católico da palavra (pag. 209). (Pequena Teologia Dogmática, quarta edição, 1960, Editora Beneditina LTDA, pp. 16-16)

66. O Movimento Ecumênico é reconhecido dentro da Igreja Católica

 

“Este sagrado Concilio, portanto, exorta todos os fiéis a que, reconhecendo os sinais dos tempos, solicitamente participem do trabalho ecuménico”. (Unitatis Redintegratio, 4).

 

A objeção é que o Papa Pio XI na Mortalium Animos proibiu a participação dos católicos no Movimento Ecumênico. A resposta é que houve uma mudança de estratégia pastoral, disciplina ou política, mas não uma mudança doutrinal. Além disso, essa mudança se operou já no tempo do Papa Pio XII, eis que o Santo Ofício emitiu uma Instrução em 20 de dezembro de 1949, admitindo a participação católica nas reuniões, encontros e ações do Movimento Ecumênico, inclusive permitindo a oração conjunta de orações aprovadas: http://apologistascatolicos.com.br/index.php/vaticano-ii/ecumenismo/691-instrucao-do-santo-oficio-sobre-o-movimento-ecumenico

Além disso, o esquema De Ecclesia do Cardeal Ottaviani admitia e promovia o crescimento do Movimento Ecumênico dentro da Igreja Católica: “Este santo Sínodo também se regozija que o movimento ecumênico também esteja crescendo diariamente dentro da Igreja Católica, que não só busca ajudar com orações sinceras os cristãos separados que buscam unidade, mas também se esforça por esforços teológicos e pastorais para que a Igreja possa diariamente aparecer mais claramente para todos Os cristãos como seu lar paterno e para que as próprias comunidades separadas possam encontrar mais facilmente o seu caminho para a verdadeira unidade. Mas este santo Sínodo adverte todos os fiéis que há necessidade de grande prudência nesta atividade para que, movidos por um certo zelo apostólico mas sem conhecimento, eles ser exposto ao perigo de indiferentismo ou a um assim chamado interconfessionalismo ou por uma forma excitada de proceder prejudica em vez de servir ao propósito pretendido. Por isso, o Sínodo confia o movimento ecumênico aos bispos de todo o mundo para que, sob a direção da Sé Apostólica, possam promovê-lo com habilidade e dirigi-lo com prudência”. (Schemata Constitutionum et Decretorum de quibus disceptabitur in Concilii sessionibus. Series secunda: De Ecclesia et de B. Maria Virgine (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962) 7-90;  and in the official acta of the first session: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Oecumenici Vaticani II, Vol. I, Pars IV (Typis Polyglottis Vaticanis, 1971), 12-122).
 

 

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