Sábado, Dezembro 21, 2024

O Missal Romano na Igreja Franca

O MISSAL ROMANO NA IGREJA FRANCA

Por Rev. C. W. Donnelly, S.J.

O MISSAL, por apontar tão claramente para algo independentemente de si mesmo, e também devido a isso, apresentar toda a impessoalidade de um documento oficial, ele não costuma despertar muita curiosidade literária. É um daqueles livros que parecem ter sido escritos por si mesmos, por revelar tão pouco de sua origem ou das diferentes mãos que o compuseram. O estado do conhecimento mais especializado do desenvolvimento do Missal desde seus primórdios é tal que faz com que tirar qualquer conclusão, exceto as mais amplas, seja uma tarefa arriscada. O que vai aqui registrado, portanto, pretende mostrar, de maneira ampla e geral, que ainda se apegam ao Missal vestígios de seu progresso entre os povos cujo catolicismo assumiu um tom e uma cor nacional, que ainda se encontra consagrado no Missal tudo o que era característico da religião dos romanos e dos francos. 

Algumas tentativas serão feitas, portanto, para responder às duas perguntas que se seguem: 1. Qual é a história das relações entre o Missal Romano e o Franco até o final do século IX? 2. De que maneira os elementos especificamente romanos e francos do Missal se manifestam? 

A natureza da questão em causa pode ser melhor trazida à tona por um exemplo simples. Compare e contraste essas duas orações; a primeira, a Pós-Comunhão para a primeira Missa do Dia de Finados e a segunda, a Pós-Comunhão dos Vivos e Mortos, a ser rezada em terceiro lugar na Quarta-feira de Cinzas e durante a Quaresma. 

I. ’’Nós Vos Suplicamos, ó Senhor, que a oração de Vossos suplicantes possa beneficiar as almas de Vossos servos; para que os livreis de todos os seus pecados e os torneis participantes da Vossa redenção”. 

ii. Que os mistérios que recebemos nos purifiquem, nós Vos suplicamos, ó Deus Todo-Poderoso e Misericordioso, e pela intercessão de todos os Vossos Santos, fazei que este Vosso Sacramento não nos seja caminho de condenação, mas de perdão e salvação; que seja a purificação dos pecados; a força dos fracos; a proteção contra todos os perigos do mundo; e a remissão de todos os pecados dos fiéis, vivos e mortos”. 

A coisa a notar aqui não é tanto a maneira como essas duas orações diferem, mas o fato notável de que elas diferem, que, embora tratem de um assunto semelhante, o espírito em que o assunto é concebido e expresso não é o mesmo em ambas as orações. No primeiro, há uma grande e simples ideia, expressa de forma grandiosa e simples. Na segunda, a ideia dominante é progressivamente elaborada e o estilo assume o balanço e o ritmo dessa elaboração. A primeira oração deriva de uma fonte que se sabe ser essencialmente romana, a segunda de uma fonte respectivamente galicana. As mesmas diferenças devem ser observadas nas orações que acompanham as citadas acima, nas Coletas e Secretas das Missas das quais são tiradas. O negócio das orações romanas está encerrado antes que as orações galicanas estejam razoavelmente iniciadas. (A palavra ''negócio'' é usada aqui com propósito definido por uma razão que será explicada mais tarde). A primeira e ampla conclusão que emerge é que o Missal, mesmo como existe atualmente (1932), não é um conjunto fechado, mas mostra sinais que parecem sugerir uma mistura de elementos romanos e francos. 

Passemos agora aos documentos relevantes. Os primeiros Sacramentários diferem do Missal moderno em dois aspectos importantes: contêm mais e contêm menos. Eles contêm muita coisa que hoje em dia encontraria seu lugar no Ritual ou Pontifical, como, por exemplo, os ritos de consagração de uma igreja, mas estão faltando naquelas partes da Missa que agora são, mas originalmente não eram, ditos pelo celebrante – o Introito, Epístolas e Evangelhos. Esses estavam contidos em livros separados. A presente discussão limita-se ao que pode ser chamado de elemento puramente literário nos vários Ritos de que trata e não leva em conta aqueles outros elementos litúrgicos que estão sob o título de ação Ritual e Cerimonial, e Canto. 

Em vista da incerteza e confusão que ainda cerca a história dos primeiros manuscritos (MSS) e suas relações uns com os outros, uma série de declarações claras e definidas, que apresentam todo o desenvolvimento em linhas gerais, não se mostrarão erradas. 

i.         O presente Missal Romano é uma obra composta e é o resultado de um processo de mesclagem que ocorreu na Igreja Franca ao longo dos séculos VIII e IX. 

ii.       Os documentos combinados eram, primeiro, de um rito romano puro conhecido por ter se originado em Roma e, segundo, de um documento galo-romano de ancestralidade incerta. 

iii.     Esse Missal composto foi então adotado em Roma e após as reformas litúrgicas do Papa São Pio V no século XVI tornou-se o livro da Missa oficial da Igreja Católica. 

Os principais Sacramentários Romanos são, o Leonino, o Gelasiano e o Gregoriano. 

O Leonino, que é o mais antigo, não avança na solução do problema de maneira direta, pois se diz que é uma compilação puramente privada com o mínimo de arranjo ordenado. Foi considerado útil para corrigir as leituras corrompidas de outros MSS. 

No Sacramentário Gelasiano(1) temos um livro da Missa formal que é geralmente atribuído ao Papa Gelásio I (492-496). O manuscrito (MS) mais importante é aquele que, anteriormente parte da coleção constituída pela rainha Cristina da Suécia e agora na Biblioteca do Vaticano, é conhecida como Reginae 316. Os paleógrafos atribuem-na ao final do século VII ou início do século VIII, enquanto pelos nomes dos santos mencionados no cânon, bem como da menção do "Imperium Francorum" mencionado nas orações da Sexta-feira Santa, conjectura-se que foi escrito para alguma igreja no reino franco. Está dividido em três livros, sendo o primeiro o ‘‘Liber Sacramentorum Romanae Ecclesiae ordinis anni circuli, o segundo contém Missas para os dias de festa dos santos e o terceiro, um número de Missas Votivas e Missas para os Domingos. 

Quando este Sacramentário foi introduzido entre os francos? A resposta a essa pergunta lançará muita luz útil sobre o problema geral em análise. Mons. Duchesne examina o MS e chega às seguintes conclusões: 

O MS. vaticano Reginae 316 provavelmente foi copiado de um original romano em algum lugar por volta do final do século VII. (2) Esta data é alcançada ao se trabalhar a partir de um limite ascendente e descendente implícito no conteúdo do MS. O Sacramentário contém a festa da Exaltação da Santa Cruz e esta festa parece ter sido instituída após a restauração da Verdadeira Cruz por Heráclio em 628; por outro lado, o MS. não contém as Missas das quintas-feiras da Quaresma instituídas pelo Papa Gregório II (715-731)(3). Assim, pode-se supor com segurança que a transcrição ocorreu entre os anos 628-731. Além disso, o MS. contém festas que foram introduzidas depois do início do século VII. Como compensação, há indicações claras de que o rito original foi adaptado aos usos francos. As basílicas romanas ou estações” não são mencionadas em nenhum lugar, enquanto certas características galicanas se infiltraram no texto. Esse, em suma, é o caso que foi construído para apoiar a afirmação de que o Sacramentário Gelasiano, tal como está no MS. em discussão, foi derivado de um original romano no final do século VII. Será necessário examinar esta conclusão mais tarde à luz de evidências extraídas de outras fontes. Aqui, basta chamar a atenção para o pressuposto que subjaz a toda a cadeia de raciocínio, o pressuposto, a saber, que o MS. se distancia pouco de um original romano. Há boas razões para pensar que a fonte direta deste MS. não era romano, mas franco. 

A dificuldade relacionada ao Sacramentário Gregoriano(4) é principalmente que o título é usado para cobrir uma série de documentos que incorporam um determinado livro da Missa em diferentes estágios de sua evolução. Não pode ser definido, nem mesmo descrito, sem referência a uma certa tendência na política religiosa de Carlos Magno, Rei dos Francos e Imperador do Ocidente.(5) O fato do Missal Romano em uso hoje (1932) pode ser atribuído aos passos dados por Carlos, o Grande, para alcançar a maior unidade e uniformidade possível com Roma. O caos político que prevaleceu entre os francos até o momento de sua unificação por Carlos teve um paralelo no plano superior da religião. A frase Anarquia litúrgica, diz-se, descreve melhor o estado das coisas quanto ao missal e ao breviário na época da ascensão de Carlos, o Grande. Carlos pode ter sido mais romano do que franco em sua paixão pela lei e pela ordem, mas era franco o suficiente em seu amor e entusiasmo pela liturgia. Ele voltou sua energia imperiosa para a reforma litúrgica e, como era seu hábito, buscou inspiração em Roma. Do Papa Adriano I recebeu, por volta do ano 790, o livro da Missa conhecido como Sacramentarium Gregorianum. Isso ele impôs em todo o seu reino, mas para conciliar o preconceito nacional que favorecia a liturgia galicana, mais rica e extravagante, ele permitiu que um suplemento galicano fosse anexado ao livro da Missa Gregoriana completo. Entre o livro romano e o Suplemento foi introduzido um documento no qual o compilador do Suplemento dá conta do trabalho que empreendeu, bem como da maneira como se pôs a trabalhar. O Suplemento tinha o triplo do comprimento do livro romano e todo foi projetado para uso prático no altar. Sendo assim, não é difícil explicar o que aconteceu posteriormente. A matéria do Suplemento transbordou para o Sacramentário Romano e ali ficou. O Prefácio explicativo, tão útil como uma fronteira inconfundível entre as diferentes partes da obra, foi descartado como uma extravagância ociosa e acadêmica que sobrevivera à sua utilidade. Com a barreira derrubada, não havia nada que impedisse que as partes romana e galicana do livro fluíssem juntas em gloriosa confusão. Em última instância, toda a missa misturada foi aceita como o Sacramentário Gregoriano e, como tal, foi adotado em Roma. 

Do que foi dito, ficará claro que o termo "Sacramentário Gregoriano’’ não pode ser usado como tal, sem uma definição suplementar. Aqui, será usado para designar o livro da Missa enviado por Adriano I a Carlos, o Grande. Duchesne chama-o, convenientemente, de ‘‘Sacramentário Adriano’’. 

Questionou-se se Gregório Magno foi o autor do Sacramentário, que tomou seu nome, porque, ao que parece, ninguém ao seu tempo registrou que ele fosse o responsável. Beda, em seu relato de São Gregório, não diz nada a este respeito; nem o Liber Pontificalis, aquela primeira coleção de vidas dos Papas. No entanto, a tradição a favor da atribuição é forte. O próprio Papa Adriano, na carta que enviou a Carlos junto com o livro da Missa, diz que o Sacramentário foi organizado há muito tempo por nosso antecessor, Gregório, o inspirado por Deus”), um discípulo de Beda, chega a dizer que São Gregório enviou o livro da Missa para a Inglaterra com Santo Agostinho, enquanto, meio século antes, Adelmo atribui claramente o livro a São Gregório quando, em seu ''Tractatus de laudibus virginitatis'', ele discute o lugar ocupado por Santa Ágata e Santa Lúcia no Cânon da Missa(6). 

Os MSS. do Sacramentário estão divididos em três classes, quanto as duas partes, a romana e a franca, são mantidas distintas, parcialmente fundidas ou totalmente misturadas. O MS mais importante, o Vaticano Reginae 337, vem da mesma coleção que o Gelasianum. No Exultet’’ aparece o nome de Adriano e, com base nisso, por muitos anos o MS. achou-se ter sido escrito no século VIII. O Sr. Edmund Bishop levou apenas dez minutos, como ele mesmo diz, para mostrar que o Adriano mencionado não era Adriano I (772-795), mas Adriano II (867-872), pois o nome havia sido colocado em substituição ao nome do Papa Nicolau I, seu antecessor. No mínimo, portanto, o MS. pertence a meados do século IX. 

Duas coisas importantes são dignas de nota sobre este Sacramentário – a brevidade e simplicidade da porção romana em comparação com o Gelasianum, e as implicações do Prefácio que introduz o Suplemento Galicano. Para os três livros do Gelasianum temos um único livro no Gregorianum: os dias dos Santos fazem agora parte do ano litúrgico da Igreja; as variantes no Prefácio e no Cânon (numerosos no livro Gelasiano) são mais ou menos as do Missal Romano em uso hoje (1932). O mais notável de tudo e, pode-se dizer, um tanto enigmático: as Missas Dominicais não foram incluídas. 

Quanto à "praefatiuncula",(7) como é chamada, que o compilador do Suplemento insere entre o livro da Missa Gregoriana e sua própria coleção, trata-se claramente de um documento da mais alta importância, e isso não só em razão do que nos diz abertamente, mas ainda mais pelo que implica. O escritor nos diz que ele colocou seu prefácio onde está para distinguir o livro da Missa de São Gregório de sua própria compilação. Ele também produziu uma certa quantidade de trabalho crítico sobre o texto do livro de São Gregório, marcando festas interpoladas com uma “‘virgula’’ e corrigindo as corrupções devido ao descuido dos copistas. O Prefácio continua: 

Sed quia sunt et alia quaedam quibus necessario sancta utitur ecclesia quae idem pater (that is, St. Gregory) ab aliis iam edita esse inspiciens, praetermisit, idcirco opere pretium duximus ea velut flores pratorum vernantes carpere et in unum congerere atque … in hujus corpore codicis seorsum ponere ut in hoc opere cuncta inveniret lectoris industria quaecumque nostris temporibus necessaria esse perspeximus. 

Quando se lembra que o Suplemento é três vezes maior do que o Sacramentário enviado pelo Papa Adriano a Carlos, é evidente que tal explicação, para não dizer um pedido de desculpas, não estava totalmente fora de lugar. Sem afirmar abertamente que o livro romano seria doravante o livro oficial de Missas da Igreja Franca, o autor do Prefácio sugere isso quando, muito delicadamente, insinua que qualquer um que esteja satisfeito com o Suplemento pode usá-lo ou não, mas que quem põe de lado o livro gregoriano o faz por sua conta e risco. 

Si vero superflua vel non necessaria sibi illa iudicaverit, utatur tantum praefati patris opusculo quod minime respuere sine sui discrimine potest. 

Seria ir muito além do nosso objetivo apontar o fato de que o compilador é realmente um compilador e não um originador, ''Ex multis ergo multa collegimus''? Podemos concluir, portanto, que as Missas reunidas no Suplemento já eram usadas há muitos anos nas diferentes igrejas francas. Muitas dessas missas foram extraídas do Sacramentário Gelasiano – mais uma indicação de que este último era um livro de missas de longa data na Igreja Franca. 

Embora o ponto não tenha relação direta com a discussão geral, para fins de complemento, uma ou duas palavras podem ser adicionadas aqui sobre a identidade do homem que compilou o Suplemento e escreveu a praefatiuncula. Tudo aponta para Alcuíno. No Micrologus de Ecclesiasticis Observationibus, a obra lhe é explicitamente atribuída. O inventário de São Riquier (831) inclui um "Missalis Gregorianus et Gelasianus modernis temporibus ab Albino (isto é, Alcuíno) ordinatus". Acrescente a essa evidência externa a mais forte possível presunção da autoria de Alcuíno e mais dúvidas se tornam irracionais. O braço direito de Carlos Magno em tudo o que pertencia ao grande movimento cultural que o imperador disparou, ex-diretor da importante escola de York, um dos poucos homens da corte de Carlos com as qualificações necessárias para a tarefa e, finalmente, o homem a quem Charles depois confiou o trabalho de fornecer uma versão oficial das Escrituras, Alcuíno imediatamente se oferece como o homem mais provável para o trabalho. 

Isso vale para os Sacramentários Romanos. Claramente, a solução do problema principal na história do Missal Romano agora em uso gira em torno das relações, tanto litúrgicas quanto históricas, que podem ser estabelecidas entre os livros das Missas Gelasianas e Gregorianas. O que se sabe acerca dos chamados livros das Missa Galicanas” coloca essas relações sob uma luz mais clara. A liturgia galicana existe em quatro livros fragmentários da Missa, dos quais se diz que o mais antigo data do século V. São eles: o Missale Gothicum, o Missale Gallicanum vetus, o Missale Francorum e o Sacramentarium Gallicanum. Esses podem ser classificados como “Missal Mozárabe" ou Missal Espanhol-Gótico que representa uma liturgia que ainda vigora numa capela da catedral de Toledo. Ao mesmo tempo encontramos um ponto de alguma importância no fato de que, assim como os livros das Missas romanas assumiram e assimilaram características galicanas, esses livros das Missas Francas foram em maior ou menor grau romanizados. Com frequência, orações podem ser rastreadas diretamente a uma contraparte romana conhecida. Ainda assim, deixando de lado por enquanto esses empréstimos, obviamente tardios, podemos nos limitar ao trabalho de base da própria liturgia galicana e perguntar: de onde surgiu essa liturgia? Como e quando se estabeleceu na Gália?”(12) 

Veio do Oriente? Trinta ou quarenta anos atrás, foi apresentada a visão atraente de que a liturgia galicana é de origem joanina. O elo de ligação entre o Oriente e o Ocidente era, naturalmente, a Igreja de Lyon. Potino, seu primeiro bispo, veio da Ásia Menor. Jreneu, seu sucessor, leva-nos diretamente de volta a Éfeso, a Policarpo, discípulo de São João, e assim ao próprio São João. Infelizmente para esta teoria, a liturgia galicana não nos leva tão longe. Suas características, segundo Duchesne e Probst, são tardias. Ainda assim, não há razão para que aqui e ali nos livros das Missas Francas uma Missa da Igreja de Lyon não tenha sobrevivido. Há, por exemplo, uma Contestatio ou Prefácio no Missale Richenovensi que contém o seguinte: 

sancti tui qui bestiam saeculi hujus concordia virtutum perseverante vicerunt . . . nullum de nobis Moysi canticum qui inter fluctus adhue istius saeculi volutamur. Nulla vox angelorum, nisi forte laudare nos possunt, qui adesse nobis possent, cum Filii tui dilectissimi corpus sacramus et sanguinem… (14) 

O Missal pertence ao sul da França; é primitivo; e o Prefácio parece referir-se a uma perseguição tão violenta como a que caiu sobre a Igreja de Lyon em meados do século II. 

Se a Liturgia Galicana não veio do Oriente no segundo século, não poderia ter vindo de lá no quarto, via Milão, quando essa cidade era capital do império no Ocidente? Duchesne seguida esta linha, embora sua visão seja contrária a um forte corpo de opinião e, ao que parece, à interpretação mais óbvia dos fatos. A teoria oposta é que a Missa Galicana representa fundamentalmente um tipo arcaico da Missa Romana. A evidência para ambos os pontos de vistas carece de uma massa de detalhes e que a seguir podem assim ser resumida:(15) 

Os livros da Missa Galicana concordam com os das Igrejas Orientais na posição relativa de certas partes da Missa e no significado geral das orações que correspondem ao Cânon da Missa Romana. Os dípticos ou lembranças para os vivos e os mortos eram lidas no início da Missa Fidelium, seguindo-se imediatamente pelo Pax. Quanto ao Cânon, há uma oração curta ou Post Sanctusentre o Sanctus e as palavras da instituição e uma outra oração curta ou Post Mysterium entre as palavras da instituição e o Pater Noster. 

Os pontos importantes em que o galicano concorda com o romano e não com as liturgias orientais são: 1. A variabilidade das orações litúrgicas. Nas liturgias orientais, embora haja muitas Missas, essas Missas são formas fixas e não variáveis de acordo com as exigências do calendário da Igreja. 2. A presença de uma fórmula, imediatamente antes das palavras de instituição, comemorando a Paixão. As liturgias ocidentais têm todo o Qui pridie quam pateretur, enquanto a fórmula correspondente na liturgia oriental é a frase In qua nocte tradebatur ou equivalente. 

Qualquer que seja a origem da liturgia franca, sua história parece ser de contínua modificação em direção à romana. É por isso que é difícil pensar que o Gelasianum foi copiado por volta do final do século VII de um documento romano. O Gelasianum provavelmente estava domiciliado na Igreja Franca muito antes. Por um lado, já no século VIII, o Gelasianum era amplamente usado em todo o reino de Carlos Magno. Isso é evidente pela frequência de sua ocorrência nos inventários de abadias, bibliotecas e igrejas rurais tão distantes quanto as de Colônia e Reichenau, no lago de Constança. Além disso, era popular. Isso pode ser comprovado pelo papel que desempenha no Suplemento de Alcuíno. Uma vez que não há evidência de algo como uma repentina inundação de livros de missas romanos em todo o reino franco na virada do sétimo e oitavo séculos, uma vez que leva um tempo bastante longo para que um uso tão difundido se estabeleça, a introdução do O Sacramentário Gelasiano na Gália deve remeter-se ao século VI. A sugestão de que no final do século VII havia dois livros de missa em uso em Roma, o gregoriano para o papa e o gelasiano para o clero, não foi aceito pelos historiadores da liturgia. Se o gregoriano era um livro para as Estações e ocasiões mais solenes e não o livro de missa comum do clero, por que o papa Adriano deveria tê-lo enviado a Carlos como um livro de missa regular para ser imposto em todo o seu reino? Além disso, o Sacramentário Gregoriano contém não apenas as Missas para ocasiões solenes, mas também os ofícios subsidiários e as orações exigidas para o ministério pastoral de um sacerdote comum”(17). 

O mesmo para os documentos reais. Na melhor das hipóteses, discussões desse tipo, por mais necessárias aos interesses da erudição precisa, tocam apenas o lado externo do assunto. São as implicações internas desses documentos que os resgatam das garras do especialista e os devolvem ao mundo do sentimento comum e do interesse humano. Os livros das Missas Romana e Franca são típicos dos povos cujas necessidades religiosas eles serviam e a alma do franco e do romano sobressai de suas páginas. Não é meramente fantasioso supor que uma nação será mais segura e inconfundivelmente ela mesma em seus humores mais desinteressados em sua adoração a Deus. Em um poema que, para muitos, é nada menos que uma profecia pagã da vinda de Cristo, o mais religioso, talvez, de todos os poetas romanos escreveu o verso: "magnus ab integro saeclorum nascitur ordo", e é pico do que comumente concebemos ser a mentalidade essencialmente romana. As maiores conquistas do caráter romano em toda sua simplicidade prática e severa, seu legado administrativo e legal para as nações do Ocidente, tudo isso pode ser resumido nas palavras Magnus ordo”. Não é de se admirar, portanto, que algo desse espírito de sobriedade e moderação tenha afetado o culto da Roma pagã, de modo que Sêneca pudesse escrever: 

nós nos recompomos ao entrar em um templo, baixamos nossos olhos para o sacrifício, recolhemos para junto de nós a nossa toga e nos esforçamos para expressar em todo nosso comportamento a mais perfeita modéstia. 

Quando nos esforçamos para desvincular da liturgia o que é essencialmente romano, são essas qualidades de simplicidade e franqueza que são as primeiras a emergir.

Quanto aos francos, hesita-se em descrever um determinado sentimento como especificamente franco, pois o termo francoabrange uma multiplicidade de raças, ainda assim podemos notar como algo para nosso propósito a característica que os historiadores da Igreja encontram nesses povos como um todo – seu amor pela demonstração externa e ostentação, e aquela rica vida dos sentidos que se diz caracterizar os povos que não há muito foram resgatados da barbárie. Se isso for verdade, então não é apenas uma coincidência que o espírito romântico tenha se declarado pela primeira vez na literatura medieval naquela declaração espirituosa do patriotismo e do cristianismo francos – a Canção de Rolando. De fato, se tais questões podem ser aprisionadas em uma fórmula, não estaremos muito errados se virmos na contribuição romana à liturgia tudo o que revela o realista, e no franco, tudo o que deixa transparecer o romântico. O romano breve, prático, quase prosaico, em sua conduta do que ele chama tão tipicamente de haec sacrosancta commercia; prático em sua perspectiva; nítido e conciso em seu estilo. E o franco – exatamente o oposto de todas essas coisas, expansivo, emocional, lançando sobre sua adoração a Deus um véu de mistério, poesia e simbolismo. Em um dos livros da Missa Franca, nos é dada uma Missa escrita inteiramente em hexâmetros e, na Contestatio ou Prefácio desta Missa, Deus Todo-Poderoso é referido como ''regnator Olympi''(18).

Em um exemplo já dado, as diferenças de espírito que distinguem a liturgia romana e franca foram brevemente sugeridas. Se considerarmos por um momento um exemplo extremo, essas diferenças são impressionantes demais para serem perdidas. 

Primeiro, o Prefácio de Pentecostes no Missal Romano:

É verdadeiramente digno e justo, justo e salutar que sempre e em todos os lugares demos graças a Vós, ó Senhor, Pai Todo-Poderoso, Eterno Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor; Que subindo acima de todos os céus e sentado à direita, derramou o Espírito Santo prometido neste dia sobre os filhos de adoção. Portanto, com alegria que não conhece limites, todo o universo exulta; os Poderes, também, acima e as Hostes Angélicas juntas cantam Vossa glória, dizendo eternamente: Santo, Santo, Santo.

A seguir, a passagem final do Prefácio correspondente no Missal mozárabe: 

Ó chama que ao arder confere fecundidade, a quem toda criatura intelectual, vivificada por ela, confessa ser o Senhor Onipotente; participando em cujo fogo em medida mais abundante os Querubins e Serafins, engrandecendo a qualidade da Santidade Divina e da Onipotência da Trindade, nunca descansando e nunca se cansando em seu ofício, em meio ao canto dos coros da hoste celestial, de clamar em voz alta com júbilo eterno, adorai e glorificai, dizendo: Santo, Santo, Santo”. (19)

Se o tom e o temperamento dessas orações são vistos como diferentes quando se permite que as orações produzam seus efeitos sucessivamente, ainda mais é este o caso quando elementos romanos e francos são unidos em uma oração. Eles se chocam e se chocam como as notas de uma discórdia. O que se segue é a Coleta puramente Romana da Primeira Missa de Natal: 

Accepta tibi sit, Domine, quaesumus, hodiernae festivi- tatis oblatio: ut, tua gratia largiente, per haec sacrosancta commercia, in illius inveniamur forma, in quo tecum est nostra substantia.

A aptidão artística interna das coisas exige que essa oração termine exatamente onde termina: cada palavra está em seu lugar certo: não há pontas soltas e o fraseado do ritmo é fechado pela cadência final. No Missale Gothicum (Gothico-Gallicanum), essa oração é retomada e, com um floreio franco anexado, aparece como a Coleta para a Missa in Vigilia Natalis Domini: 

Grata tibi sit, Domini, quaesumus, hodiernae festivitatis oblatio: ut tua gratia largiente, per haec sacrosancta com- mercia in illius inveniamur forma, in quo tecum est nostra substantia. Spiritibus quoque carorum nostorum tribue, ut mortalibus segregati coetibus, litteris mereantur conscribi coelistibus. 

Não é necessário um ‘‘quoque’’ para nos dizer que aqui não é uma oração, mas duas: a união mostra. 

Não é nosso dever decidir entre o espírito litúrgico romano e o franco quanto à sua adequação ao culto divino, mas em um exemplo final podemos ver como a concepção franca mais exuberante das coisas pode ter que ser atenuada nos interesses da propriedade litúrgica. Tal como está agora no Missal, o magnífico Prefácio franco para a Bênção da Vela no Sábado Santo toca levemente a abelha como a fonte da cera e depois segue decorosamente para o "O vere beata nox”. Mas deixou cair alguma coisa no caminho. Deixou cair a abelha, viribus imbecilla, sed fortis ingenio, um modelo de todas as virtudes, um símbolo, mesmo de mistérios inescrutáveis. 

O vere beata et mirabilis apis, cujus nec sexum masculi violant, foetus non quassant, nec filii destruunt castitatem ! Sicut sancta concepit Virgo Maria, Virgo peperit, et Virgo permansit. 

Se as verdadeiras relações dos documentos entre si serão finalmente desvendadas, se o gosto e o temperamento pessoais se inclinam para a concepção romana ou franca da liturgia, a história do Missal Romano na Igreja Franca nos fornece mais uma prova da ampla catolicidade daquela Igreja que sozinha pode extrair o que há de melhor de todas as nações e povos e combinar em um grande ato de adoração o sentido do romano e a sensibilidade do franco.  

NOTAS

1. Ver The Gelasian Sacramentary. H. A. Wilson. Oxford, 1884, p. xxiv.

2. Duchesne: Christian Worship: its Origin and Evolution, 1904. (A tradução da terceira edição das Origines du culte chrétien.) p. 125 segs. ‘‘O Sacramentário Gelasiano é derivado de livros oficiais romanos que estavam em uso em Roma no final do século VIIp. 128.

3. Liber Pontif., i, p. 402

4. The Gregorian Sacramentary. H. A. Wilson.

5 Ver The Genius of the Roman Rite” in Liturgica Historica, by Edmund Bishop. Oxford, 1918. p. 15.

6. Cf. Bishop, op. cit., Essay V: ‘‘The Roman Canon. A, p. 104.

7. Cf. Wilson: The Gregorian Sacramentary, pp. xxi, xxii.

8. Possivelmente a obra de Bernold of Constance.

9. Chronicon Centulense, dAcherys Spicilegium, vol. iv, p. 485.

10. Ver “The Ancient Liturgies of the Gallican Church”, J. M. Neile and G. H. Forbes. 1885.

11. Migne. P. L. lxxxv

12. Cf. “The Early Gallican Liturgy.” Dublin Review, October, 1893, and January 1894. By the Rev. H. Lucas, S.J. The Roman and Early Gallican Liturgy.” The Month, January, 1902. By the Rev. H. Lucas, S.J.

13. Probst: Die Abendlindische Messe vom fiinften bis zum acten Jahrhundert. 1896. p. 269.

14 Missale Richenovense….Missa. Va., p. 12.

15. Ver Lucas: Month, January, 1902,para uma discussão clara e detalhada das evidências.

16. Duchesne; op. cit., pp. 123, 123a, 123b. Bishop, op. cit., p. 45.

17. Bishop: “On some early MSS. of the Gregorianum” Liturgica Historica, TV, p. 63, Nota 1.

18 Missale Richenov. Missa, VIII, Neale and Forbes. p. 21.

19. Tradução retirada do The Genius of the Roman Rite. Edmund Bishop, op. cit., pp. 3-4.

FONTE: The Clergy Review 1932, pp. 173-186.

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