Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Sobre a Validade dos Novos Ritos Episcopais – Refutando Anthony Cekada

 

Sobre a Validade dos Novos Ritos Episcopais

Refutando Anthony Cekada

 

 

Introdução

Meses atrás, escrevi uma refutação a dois dos ataques de Anthony Cekada à validade das Ordenações Episcopais. Aqui, desejo fornecer uma versão mais condensada e precisa desse artigo. Olhando para trás, acho que não me saí tão bem quanto poderia, e aqui quero dar uma resposta mais completa aos artigos de Cekada. Também quero fazê-lo à luz da minha recente discussão sobre as ordens anglicanas. Primeiro, vamos abordar os princípios básicos que são necessários para uma ordenação válida. 

De acordo com o Pe. Cekada, dois elementos são essenciais para a validade do sacramento:

Matéria: alguma coisa ou ação perceptível aos sentidos (derramar água, pão e vinho, etc.)

Forma: as palavras recitadas que realmente produzem o efeito sacramental (“Eu te batizo…” “Isto é o meu corpo…” etc.)[1]

Agora, há também a validade da intenção e os requisitos de um ministro adequado, mas isso pode ser deixado de lado por enquanto. O argumento do Pe. Cekada contra a validade do novo rito consiste em afirmar a existência de uma forma imprópria que não significa o poder dado ao Bispo na ordenação. O Papa Pio XII aborda o que toda forma requer:

a única forma, são as palavras que determinam a aplicação desta matéria, que significam univocamente os efeitos sacramentais – ou seja, o poder da Ordem e a graça do Espírito Santo – e que são aceitas e usadas pela Igreja nesse sentido [2] .

As palavras usadas em qualquer forma do rito de consagração requerem os três elementos seguintes. Elas precisam:

       Significar univocamente o poder da ordem do Bispo.

       Significar univocamente a Graça do Espírito Santo.

       Ser aceitas pela Igreja para significar seus respectivos sentidos

O terceiro elemento precisa ser enfatizado em virtude do Pe. Cekada omiti-lo:

Observe os dois elementos que ele deve expressar de forma unívoca (ou seja, sem ambiguidade): a ordem específica que está sendo conferida (diaconado, sacerdócio ou episcopado) e a graça do Espírito Santo [3].

 

O argumento mais fraco?

Isso nos leva à refutação de sua objeção apresentada na seção X de seu artigo. Ele escreve o seguinte “argumento espantalho”:

Mesmo que a forma sacramental essencial não significasse univocamente um dos efeitos sacramentais (o poder da Ordem do episcopado), a aprovação do Papa Paulo VI garantiria, no entanto, que a forma fosse válida.

 

Ele continua a afirmar:

Este é o último e mais fraco argumento para a validade, não apenas porque assume que as declarações autoritativas na Igreja não precisam de justificação teológica coerente, mas também porque atribui erroneamente ao papa um poder que ele não possui. No início do Sacramentum Ordinis, Pio XII, reiterando o ensinamento do Concílio de Trento, afirma: “a Igreja não tem poder sobre ‘a substância dos sacramentos’, isto é, sobre aquelas coisas que, como se prova pelas fontes da divina revelação, o próprio Cristo Senhor estabeleceu para serem guardadas como sinais sacramentais [5].

 

Na verdade, a objeção não é sobre a autoridade do Papa para declarar válido um conjunto deficiente de palavras, mas para dar a um conjunto de palavras um significado unívoco em um sentido que é “aceito e usado pela Igreja”. Como ele é o chefe da Igreja, tal habilidade não estaria além do seu poder.

Embora seja verdade que o Papa não tem poder sobre a substância dos sacramentos, isso não significa que ele não possa fornecer novas palavras que signifiquem o sacramento, bem como dar a essas palavras um sentido a ser entendido por toda a Igreja. Ao longo da história da Igreja, houve vários ritos de ordenação, mas todos eles conteriam os mesmos traços essenciais listados pelo Papa Pio XII.

Historicamente, existem dois tipos de formas de sacramentos. De acordo com a Antiga Enciclopédia Católica:

Cristo determinou quais graças especiais deveriam ser conferidas por meio de ritos externos: para alguns sacramentos (por exemplo, Batismo, Eucaristia) Ele determinou minuciosamente (in specie) a matéria e a forma: para outros Ele determinou apenas de maneira geral (in genere) que deveria haver uma cerimônia externa, pela qual graças especiais deveriam ser conferidas, deixando aos Apóstolos ou à Igreja o poder de determinar o que Ele não havia determinado, como por exemplo, prescrever a matéria e a forma dos Sacramentos da Confirmação e da Ordem [6].

 

 

O artigo assim continua:

O Concílio de Trento (Sess. XXI, cap. ii) declarou que a Igreja não tinha o poder de mudar a “substância” dos sacramentos. Ela não estaria reivindicando poder para alterar a substância dos sacramentos se ela usasse sua autoridade divinamente dada para determinar com mais precisão a matéria e a forma na medida em que não foram determinadas por Cristo. Esta teoria (que não é moderna) foi adotada por teólogos: por ela podemos resolver dificuldades históricas relacionadas, principalmente, à Confirmação e às Ordens Sagradas [7].

 

Como Cristo não deu uma matéria ou forma específica para a ordenação, isso é deixado nas mãos da própria Igreja para mudar. Cekada, para evitar essa distinção óbvia, e contando com a ignorância de seus leitores, passa a fornecer citações relativas aos sacramentos in specie e não in genere. Cekada cita Henricus Merkelbach, mas se alguém olhar as notas de rodapé, observará que Cekada cita duas partes diferentes da Summa Theologiae Moralis III. Merkelback escreve:

No que diz respeito às Ordens Sagradas, “a Igreja não possui poder sobre o significado da forma, porque pertence à substância do sacramento instituído por Cristo”. [8].

No entanto, é aqui que a citação fornecida por Cekada termina. Mas se você for para a próxima parte, lerá o seguinte:

mas a Igreja é competente para definir as palavras que expressam esse sentido/significado, e certamente por vezes deve fazê-lo. Devem ser consideradas, portanto, as palavras que determinam a aplicação da matéria, pelas quais os efeitos sacramentais são univocamente significados, conforme cada qual destas ‘palavras são recebidas e usadas pela Igreja como forma sacramental’. [parte final da frase é citação de Pio XII]”. [9].

 

Cekada continua (citando Merkelback):

O próprio Cristo prescreveu que, para as Ordens Sagradas, a Igreja use sinais e palavras “capazes de expressar… o poder da Ordem”. [10].

Mas Merkelback elabora ainda mais:

Mas a Igreja designou sinais diversos/diferentes para tempos e lugares diversos/diferentes. E assim se explica a diversidade de matéria e forma nas ordenações válidas da Igreja latina e grega [11].

Ele confirma que a Igreja pode designar seus próprios sinais que significam os poderes do episcopado, ou que significam o próprio ofício, conforme tais sinais são recebidos e usados pela Igreja. Lembre-se disso quando formos às objeções de Cekada.

 

A Nova Forma Episcopal

 

“Enviai agora sobre este eleito a força que de Vós procede, o Espírito soberano, que destes ao vosso amado Filho Jesus Cristo, e Ele transmitiu aos santos Apóstolos, que fundaram a Igreja por toda a parte, como vosso templo, para glória e perene louvor do vosso nome.” [12].

 

O Espírito Santo é representado pelo “Espírito soberano” e “a força… que Ele transmitiu aos santos Apóstolos” significará a ordem dos Bispos. Voltando ao nosso último ponto, mesmo que haja múltiplas leituras que Cekada (ou qualquer outro crítico) possa oferecer, é o sentido em que a Igreja aceita esses termos que nos interessa. São Paulo VI, escrevendo autoritativamente na mesma encíclica que anuncia a mudança das formas, e representando a Igreja, escreve:

Na revisão dos ritos da Sagrada Ordenação, porém, além dos princípios gerais pelos quais toda a reforma da Liturgia deve ser regida, de acordo com as prescrições do Concílio Vaticano II, deve-se prestar atenção especialmente àquela maravilhosa doutrina sobre a natureza e os efeitos do Sacramento da Ordem que foi proclamado pelo mesmo Concílio na Constituição sobre a Igreja [i.e. Lumen Gentium] [13].

Este é o sentido em que devemos aceitar e compreender o significado da forma da nova ordenação episcopal.

 

Cekada aponta que há supostamente um grande problema com esta forma de rito. Embora o “Espírito soberano” transmita a graça do Espírito Santo [14], não há referência – ou pelo menos há uma referência ambígua – ao poder do episcopado.

A melhor linha de argumentação contra a posição do Rev. Cekada foi dada por um de seus interlocutores, Fr. Pierre-Marie OP. Mas havia três problemas nesta linha:

(1) Não foi elaborada corretamente.

(2) Falta-lhe qualquer fundamento nos desenvolvimentos encontrados na Lumen Gentium, um documento do Concílio cujo objetivo era definir melhor o que constituía a Ordem dos Bispos e a Igreja.

(3) Há mistura de jurisdição com os poderes da ordem.

 

De acordo com o Rev. Cekada,

Fr. Pierre-Marie afirma que a frase na forma de Paulo VI que menciona o “poder dado aos apóstolos para estabelecer igrejas… implica necessariamente o de ordenar sacerdotes”. Falso, por pelo menos dois motivos:

(a) Os apóstolos fundaram igrejas apenas porque gozavam de uma jurisdição extraordinária para fazê-lo. O teólogo Dorsch diz especificamente que esse poder não é comunicado aos bispos: “nem todas as funções próprias dos apóstolos são também próprias dos bispos – por exemplo, estabelecer novas igrejas”.

(b) Estabelecer “igrejas” (dioceses, na terminologia moderna) é um exercício do poder de jurisdição, e não de ordens, como o de ordenar sacerdotes. Este poder jurisdicional é próprio do Romano Pontífice [14].

 

Em outro lugar, o Rev. Cekada dá outra resposta ao fr. Ansgar OSB que se aplica igualmente aqui:

Especificamente, fr. Ansgar não cita nenhuma autoridade para a noção de que uma forma sacramental que significa “implicitamente” é suficiente para conferir validamente um sacramento. De fato, a teologia sacramental tradicional ensina o oposto. Se alguém que administra o batismo diz: “Eu te batizo em nome de Deus”, suas palavras implicam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, mas a forma é considerada inválida [16].

 

No entanto, a questão é que Cekada usa como exemplo a forma de um sacramento que utilizamos in specie (batismo), e não uma forma dada in genere (ordenação). De fato, palavras como “Completai em vosso sacerdote a plenitude do Vosso ministério” [15], encontradas no rito de ordenação episcopal antigo, também estão implícitas no que se referem aos plenos poderes do episcopado, haja vista que, em vez destas palavras enumerarem os poderes do episcopado, elas implicam que o bispo eleito está recebendo os poderes de bispo na medida em que alcança a plenitude do ministério sacerdotal.

Mas voltando ao assunto sobre a maneira como o Fr. Pierre-Marie formulou o argumento, o problema é que ele tira certos elementos do novo rito fora de contexto e impõe o seu próprio, mas eles acabam se confundindo com a jurisdição (elementos que abordarei mais adiante).

 

Poder de Ordem, Poder de Jurisdição e Funções Sagradas.

 

Para fins de fornecer informações básicas, precisamos introduzir uma distinção entre o poder de jurisdição do bispo e seu poder de ordens. O poder de jurisdição é o direito de governar e o poder de ordem é o poder de distribuir graça [17]. De acordo com a Antiga Enciclopédia Católica:

Quanto ao episcopado, o Concílio de Trento define que os bispos pertencem à hierarquia divinamente instituída, que são superiores aos padres e que têm o poder de confirmar e ordenar que lhes é próprio (Sess. XXIII, c. iv, pode. 6, 7). A superioridade dos bispos é abundantemente atestada na Tradição, e vimos acima que a distinção entre padres e bispos é de origem apostólica. Muitos dos escolásticos mais antigos eram de opinião que o episcopado não é um sacramento; esta opinião encontra defensores qualificados até hoje (por exemplo, Billot, “De sacramentis”, II), embora a maioria dos teólogos afirme ser certo que a ordenação de um bispo é um sacramento.[18]

Este será um fato importante mais adiante.

 

 

Voltando à Forma de Ordenação

Além das duas refutações do Rev. Cekada ao Fr. Marie-Pierre, há também um terceiro ponto: a leitura da forma do rito vai contra as meras palavras. Usamos “a” – como no artigo definido – não ‘uma’ igreja, não igrejas, mas “a Igreja”. Em segundo lugar, a palavra ‘Igreja’ (‘Ecclesium’ em latim)[19] é capitalizada, referindo-se a um nome próprio. Assim, a Igreja não consiste em localidades de paróquias menores, mas outra coisa.

 

Para ler tais palavras, devemos olhar para o Concílio Vaticano II, que forneceu o sentido dessas palavras por meio da Lumen Gentium. De acordo com esta constituição sobre a Igreja, a entidade consiste naqueles:

que crêem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped. 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cfr. Jo. 3, 5-6), são finalmente constituídos em «raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado… que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2, 9-10).[20]

Os Apóstolos não estavam fundando jurisdições, mas estavam fundando o povo de Deus. Agora, isso por si só não é suficiente para significar qualquer poder exclusivo da ordem do bispo. Mas essa não é a frase completa. Os Apóstolos não só fundaram o povo de Deus, mas estão fazendo isso de uma certa maneira. O texto continua, “por toda a parte, COMO VOSSO TEMPLO [ou “santuário” na tradução inglesa], para glória e perene louvor do vosso nome”. A parte de uma igreja que contém o altar é o santuário[21], a Igreja é o santuário de Deus – como também ensinou o Concílio Vaticano II – além do Corpo do Senhor. A Igreja é o Templo do Espírito Santo[22]. Isso inclui todos os seus elementos visíveis.

Então, como isso pode significar o poder da ordem? A primeira coisa a se notar é o que a Lumen Gentium ensina abaixo:

Entre os vários ministérios que na Igreja se exercem desde os primeiros tempos, consta da tradição que o principal é o daqueles que, constituídos no episcopado em sucessão ininterrupta são transmissores do múnus apostólico… Ensina, por isso, o sagrado Concílio que, por instituição divina, os Bispos sucedem aos Apóstolos, como pastores da Igreja; quem os ouve, ouve a Cristo; quem os despreza, despreza a Cristo e Aquele que enviou Cristo (cfr. Luc. 10,16) . [23]

E aqui:

A Ordem dos Bispos, que sucede ao colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja  [24].

E novamente, no apêndice:

Uma pessoa torna-se membro do Colégio [dos Apóstolos] em virtude da sagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a Cabeça e com os membros do Colégio. Na sagração é conferida a participação ontológica nos ofícios sagrados [25].

O concílio afirma que os bispos não apenas têm seu próprio ministério e ordem, mas que ela é sacramental porque tem seu próprio caráter ontológico. É declarado:

É, pois, em virtude da sagração episcopal e pela comunhão hierárquica com a cabeça e os membros do colégio que alguém é constituído membro do corpo episcopal. [26]

Ao contrário de um padre, o bispo tem a marca indelével dos apóstolos. Ele, como seus predecessores, estabelece o santuário [ou templo], que é o povo de Deus, em perpetuidade – para o louvor sem fim do seu nome – uma vez que ele tem a plenitude dos poderes sacerdotais do apóstolo, que podem ser transmitidos da mesma maneira que o seu poder de ordenar. No entanto, como o Rev. Cekada nos lembra, os Apóstolos não entregaram seu poder judicial extraordinário. Se isso é verdade, como sabemos qual poder dos apóstolos está sendo pedido a Deus? O fato de a Igreja estar estabelecida em todos os lugares não significaria o poder de jurisdição?

Isso nos leva ao próximo ponto: o que significa quando se diz que os Apóstolos fundaram o Povo de Deus como seu santuário/templo? Além de ser o local onde são feitos os sacrifícios, o santuário/templo é também uma marca da Igreja, que adquire visibilidade nas suas funções sacrificiais diárias.

Santuário, tomado em outro sentido, também significa e é traduzido como “templo” em outras versões do texto. Ambos os lugares estabelecem o sacrifício. Em qualquer tradução, estamos tomando o Povo de Deus, e transformando-o em algo visível para o mundo, no Antigo Testamento era a Nação de Israel, agora continua na Igreja Católica, que Lumen Gentium chama de “Corpo do Senhor e o Templo do Espírito Santo” [27].

Não há melhor exemplo desta ação de unidade nos documentos do Vaticano II do que na Lumen Gentium, onde lemos o seguinte difamado parágrafo:

Esta Igreja, constituída e organizada neste mundo como sociedade, subsiste na Igreja Católica, governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos em união com ele, embora, fora da sua comunidade, se encontrem muitos elementos de santificação e de verdade, os quais, por serem dons pertencentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade católica.[28].

 

Quando chegamos à referência a “esta Igreja” como sociedade, parece-nos estar faltando um elemento importante. Ela é organizada através do Sucessor de Pedro e dos Bispos em comunhão com ele, e que subsiste como Igreja Católica. Não é que exista a Igreja Católica visível e a Igreja maior do lado de fora, mas o Povo de Deus exige que a Igreja Católica exista.

Como disse o então Cardeal Ratzinger:

O conceito expresso por “é” (ser) é muito mais amplo do que aquele expresso por “subsistir”. “Subsistir” é um modo muito preciso de ser, ou seja, ser como sujeito, que existe em si mesmo. Assim, os Padres conciliares pretendiam dizer que o ser da Igreja como tal é uma entidade mais ampla do que a Igreja Católica Romana, mas dentro desta adquire, de maneira incomparável, o caráter de sujeito verdadeiro e próprio [29].

 

Da mesma forma, a Nação de Israel começou com Abraão e sua família e subsistiu em seus descendentes, da mesma maneira que a Igreja. No entanto, uma vez que as pessoas crescem, a Nação desenvolve instituições como leis, religião e tradições pelas quais a família de Abraão subsiste. Basta comparar o Livro dos Juízes com qualquer parte dos Livros dos Reis, houve um desenvolvimento institucional que permitiu aos judeus viver uma vida melhor quando os Reis (os fiéis) governavam sobre eles. Da mesma forma, o colégio dos Apóstolos e o sucessor de Pedro governam a sociedade, dando-lhes existência de forma organizada e governamental.

Ademais, observe que isso também não implica que devamos recorrer à teologia do Pe. Karl Rahner SJ acerca do “cristão anônimo”. A única coisa com que a cláusula nos compromete é que “muitos elementos de santificação e de verdade se encontram fora de sua estrutura visível”, mas e daí? Os hereges podem batizar (e santificar) crianças e ensinar muitos elementos das Verdades. É possível afirmar essas verdades dentro de uma hermenêutica da continuidade. De fato, sacramentos como o batismo, implementados por Deus, impelem todos à unidade católica porque é assim que tornamos as pessoas cristãs, cuja finalidade é obedecer aos ditames da Igreja em virtude desse batismo.

A fundação do Povo de Deus como entidade visível, o Templo do Espírito Santo, o Santuário para fazer um sacrifício a Deus, realiza-se pelo poder dos Apóstolos, transmitido aos Bispos que exercem o seu poder em todos os tempos e lugares. Não se faz por jurisdição, mas em suas funções sagradas, especificamente em seu trabalho como missionários:

Cada um dos Bispos que estão à frente de igrejas particulares, desempenha a acção pastoral sobre o porção do Povo de Deus a ele confiada, não sobre as outras igrejas nem sobre a Igreja universal. Porém, enquanto membros do colégio episcopal e legítimos sucessores dos Apóstolos, estão obrigados, por instituição e preceito de Cristo, à solicitude sobre toda a Igreja, a qual, embora não se exerça por um acto de jurisdição, concorre, contudo, grandemente para o bem da Igreja universal.[30]

Não é em virtude do poder jurisdicional que os bispos podem estabelecer dioceses ou igrejas individuais, como até mesmo a Lumen Gentium nos diz:

A união colegial aparece também nas mútuas relações de cada Bispo com as igrejas particulares e com a Igreja universal. O Romano Pontífice, como sucessor de Pedro, é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis. E cada um dos Bispos é princípio e fundamento visível da unidade nas suas respectivas igrejas, formadas à imagem da Igreja universal, das quais e pelas quais existe a Igreja católica, una e única. Pelo que, cada um dos Bispos representa a sua igreja e, todos em união com o Papa, no vínculo da paz, do amor e da unidade, a Igreja inteira.[31].

Outra coisa importante a notar é a relação existente entre o poder do episcopado e o poder do papado. De acordo com o apêndice:

Intencionalmente se emprega a palavra munerum [“função”] e não potestatum [“poder”], porque esta última palavra poderia entender-se como poder apto para o exercício. Ora, para que tal poder exista, deve sobrevir a determinação canónica ou jurídica, por parte da autoridade hierárquica. Esta determinação do poder pode consistir na concessão de um ofício particular ou na atribuição de súbditos, e é dada segundo as normas aprovadas pela autoridade suprema. [32].

 

Bispos renegados e cismáticos fora do papado não podem trazer unidade na Igreja, eles são Judas. Eles são como um adulto que é batizado fora da Igreja, enquanto seu batismo é válido, eles renascem separados da Igreja, e esse adulto não pode exercer seus direitos, como a Santa Eucaristia. Da mesma forma, os bispos cismáticos, apesar de também participarem da sucessão dos apóstolos, não têm direito a uma jurisdição, pois se recusam a trabalhar em obediência ao papado. Nem podem exercer as funções sagradas.

Eles também não têm o direito de ensinar de maneira apenas condizente a um bispo, que exerce suas funções sagradas por meio de Pedro. Embora os Apóstolos tivessem jurisdição extraordinária, mesmo isso, podemos dizer, é apenas pressuposto (1) com a permissão de Pedro, (2) e é aplicado às igrejas, não à Igreja.

 

A Plenitude do Ministério e os Apóstolos

 

Agora que estabelecemos que os bispos reúnem a Igreja por meio de suas funções sagradas de solicitude (evangelização) – não do seu poder jurisdicional – e que, como Ordem, os bispos exercem esses poderes na condição de sucessores de Pedro, para reunir a Igreja como um templo, para oferecer sacrifícios em todo o tempo, isso deve nos dizer que, ao participar da sucessão apostólica, todos os poderes da ordem estão contidos nela e sem restrições.

O último problema colocado pelo Rev. Cekada é a questão de que os poderes da ordem estão implícitos, ao passo que precisam ser explicitamente declarados. Eu não creio que seja necessário, mas ainda que seja, Lumen Gentium nos diz explicitamente:

Revestido da plenitude do sacramento da Ordem, o Bispo é o «administrador da graça do supremo sacerdócio», principalmente na Eucaristia, que ele mesmo oferece ou providencia para que seja oferecida, e pela qual vive e cresce a Igreja.[33].

Por isso, não temos motivos para concluir que, quando as atividades dos Apóstolos não são significadas no ato de reunir a Igreja (já que ele já é um sacerdote capaz de oferecer o sacramento), esse poder dado a eles não era outra coisa que o sacramento da Ordem. Se alguém não está disposto a concordar que a plenitude da Ordem está significada, terei prazer em citar o Rev. Cekada, que, desafiado por fr. Ansgar sobre a ambiguidade da “plenitude do teu ministério” no ordinal do Rito Antigo, afirma:

“As palavras que bastam plenamente para que o poder e a graça sejam significados encontram-se no Prefácio consagratório, cujas palavras essenciais são aquelas em que se exprimem a ‘plenitude ou totalidade’ do ministério sacerdotal e a ‘vestimenta de toda a glória’. ”[34].

Aqui se define o significado das palavras que dizem respeito ao pleno poder da ordem. Da mesma forma, a Lumen Gentium também vincula a plenitude do sacramento episcopal no ato de unidade da Igreja.

 

Contexto, Contexto e Contexto

Mesmo o contexto do próprio ordinal aumenta a probabilidade da exatidão dessa leitura, que este é o sentido em que a Igreja entende as palavras da forma. A oração mais completa, proferida quando os três consagradores impõem as mãos sobre o bispo, é a seguinte:

Senhor Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Pai de infinita misericórdia e Deus de toda a consolação: Vós habitais nos céus e olhais para os humildes, Vós conheceis todas as coisas ainda antes de existirem. Por vossa palavra e vosso dom, instituistes a Igreja com suas normas fundamentais, eternamente predestinastes a geração dos justos que havia de nascer de Abraão, estabelecestes príncipes e sacerdotes, e não deixastes sem ministério o vosso santuário, e, desde o princípio do mundo, Vos apraz ser glorificado por aqueles que Vós mesmo escolheis

Enviai agora sobre este eleito a força que de Vós procede, o Espírito soberano, que destes ao vosso amado Filho Jesus Cristo, e Ele transmitiu aos santos Apóstolos, que fundaram a Igreja por toda a parte, como vosso templo, para glória e perene louvor do vosso nome. [35].

 

 

Observe a paridade aqui. No primeiro parágrafo da consagração vemos o poder de Deus em ação, ele toma os descendentes de Abraão, faz deles seu povo santo (a Igreja pré-messiânica), estabelece sacerdotes e príncipes, e não deixa santuários sem ministros. Este é o poder que Deus exerce e os bispos pedem para transmitir ao seu escolhido, que então faz o mesmo. Mas observe os termos “estabelece príncipes e sacerdotes”, ambos os quais o bispo é (bispos são chamados de príncipes da igreja, pois príncipe, em inglês mais informal, não significa apenas realeza, mas qualquer pessoa que assuma um papel de liderança).

O Bispo é mais naturalmente lido como o ministro no serviço do santuário (o lugar onde o sacrifício é oferecido). Portanto, é lógico que, ao estabelecer a Igreja usando o poder que Deus dispensou sobre Israel, para estabelecer santuários, o ato de criar ministros também é mencionado explicitamente e é, portanto, um poder da ordem.

 

Conclusão

Ao receber o poder dos Apóstolos (os primeiros bispos), o bispo eleito é elevado ao colégio apostólico e recebe todos os poderes necessários para unir a Igreja no Templo do Espírito Santo. Eles são capazes de fornecer todos os requisitos para um templo, como oferecer sacrifício de acordo com seu ministério sacerdotal e nomear bispos e sacerdotes de acordo com seus poderes episcopais. Ao fazer isso, eles proporcionam ao colégio apostólico uma existência contínua e lideram um ministério unificador na Igreja.

 

 

Assim como a plenitude do ministério sacerdotal implicava o poder do episcopado no rito antigo, também a elevação ao colégio apostólico implica o poder do episcopado no novo rito. Não há poderes extra-jurisdicionais ou jurisdicionais envolvidos, mas funções sagradas que são dadas e só podem ser desempenhadas em comunhão com o Bispo de Roma. Simplesmente condenar as Ordens da Igreja Católica sem antes tratar do Concílio Vaticano II ou do ofício do Papa Paulo VI, seria um exemplo de petição de princípio.

Espero que quaisquer problemas com nossos ritos de ordenação possam ser descartados como absolutamente nulos e totalmente sem valor.

  

 

 

Footnotes

[1] Cekada, Absolutely Null and Utterly Void, page 2.

 

[2] Pope Pius XII, Sacramentum Ordinis On the Sacrament of Order, 1947, paragraph 4.

 

[3] Cekada, Absolutely Null and Utterly Void, page 2.

 

[4] Cekada, Absolutely Null and Utterly Void, page 12.

 

[5] ibid.

 

[6] Kennedy, D. (1912). Sacraments. In The Catholic Encyclopedia. New York: Robert Appleton Company. Retrieved December 29, 2020, from New Advent: http://www.newadvent.org/cathen/13295a.htm

 

[7] ibid.

 

[8] Cekada, Absolutely Null and Utterly Void, page 12.

 

[9]Merkelbach 3:720: verba autem hunc sensum exprimentia ecclesia stabilire potest, immo quandoque debet. Ut formam sacramenti igitur consideranda sunt verba applicationem materiae determinantia, quibus univoce significantur effectus sacramentales quaeque ab Ecclesia qua talia accipiuntur et usurpantur.

 

[10] Cekada, Absolutely Null and Utterly Void, page 12.

 

[11] Merkelbach 3:18: “ecclesia vero signa determinavit diversa pro diversis temporibus et locis, et sic explicatur diversitas materiae et formae in ordinationibus validis Ecclesiae latinae et gracae.”

 

[12] Pontifical Romano, Conferência Episcopal Portuguesa, https://www.liturgia.pt/pontificais/Ordenacoes.pdf

 

[13] Ibid

 

[14] A. Cekada, Still Null and Still Void, page 3 “From the context, governing Spirit appears to mean, simply, the Holy Ghost. Spiritum is capitalized in the Latin original, indicating the Third Person of the Trinity, and the relative pronoun Quem (here meaning “whom”) is used, rather than quam (which would refer to another antecedent in the form, virtus, i.e., power)”.

 

[15] Pope Pius XII, Sacramentum Ordinis On the Sacrament of Order, 1947, paragraph 4.

 

[16] Cekada, Still Null and Still Void, page 5.

 

[17] Ahaus, Hubert. “Holy Orders.” The Catholic Encyclopedia. Vol. 11. New York: Robert Appleton Company, 1911. 27 Sept. 2020 <http://www.newadvent.org/cathen/11279a.htm>.

 

[18] ibid

 

[19] Pope Paul VI, New Rite for the Sacred Ordination, 1968,

 

[20] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Lumen Chapter 2, Paragraph 9

 

[21] Catholic Dictionary <https://www.catholicculture.org/culture/library/dictionary/index.cfm?id=36276>

 

[22] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Lumen Chapter 2, Paragraph 17

 

[23] Ibid, Paragraph 20

 

[24] ibid, Paragraph 20

 

[25] ‘Notifications’ Given by The Secretary-General Of The Council At The 123rd General Congregation, November 16, 1964, Paragraph 2

 

[26] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Lumen Chapter 3, paragraph 22

 

[27] Ibid, Paragraph 17

 

[28] Ibid, paragraph 9

 

[29] Answers to Main Objections Against Dominus Iesus Cardinal Joseph Ratzinger

 

[30] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Lumen Chapter 3, paragraph 23

 

[31] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Paragraph 23

 

[32] Notifications’ Given by The Secretary-General Of The Council At The 123rd General Congregation, November 16, 1964, Paragraph 2

 

[33] Dogmatic Constitution on The Church Lumen Gentium Solemnly Promulgated By His Holiness Pope Paul VI On November 21, 1964, Paragraph 26

 

[34] A. Cekada, Still Null and Still Void, page 5

 

[35]Fr. Marie-Pierre OP, Table 3: Validity of new episcopal consecrations

 

Note

Credit to my friend (who will remain nameless) for the Latin translations.

 

FONTE: (Tradução Marcius Gama) https://stjohnfisher.medium.com/on-the-validity-of-the-new-episcopal-rites-f7fa2233e022

 

 

 

 

 
 
 

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