Domingo, Maio 5, 2024

Francisco Suárez sobre a infalibilidade da Igreja

FRANCISCO SUÁREZ

 

SEÇÃO VI – Se a Igreja universal é infalível ao crer e, consequentemente, se é regra certa de fé.

 

1. O nome Igreja possui vários significados; mas, ao que presentemente importa, significa a congregação dos fiéis. Em cuja descrição, se mais nada se acrescenta, está compreendida a Igreja tal como foi desde o início do mundo, porque sempre o Deus verdadeiro teve no mundo alguns fiéis adoradores, cuja congregação se diz Igreja, e assim foi sem cessar desde o princípio do mundo; como é certo pela doutrina dos Santos; assim também no povo Judeu houve certa Igreja especial, pois houve também de modo especial uma congregação de fiéis prestando culto a Deus.

No entanto, agora de modo mais especial tomamos esta palavra, como significando a Igreja de Cristo, Católica e Apostólica. Supomos pois que Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu de modo especial sua Igreja, segundo suas palavras: Super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam [Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja]; e segundo as palavras de São Paulo: Posuit vos Spiritus Sanctus Episcopos regere Ecclesiam Dei, quam acquisivit sanguine suo [O Espírito Santo enviou a vós bispos para reger a Igreja de Deus, que adquiriu por seu sangue].

E da essência desta Igreja é, ser congregação dos fiéis, que no Batismo professaram sua fé, e sob um sacrifício, sob um cabeça e sob os sacramentos por Cristo instituídos, presta culto a Deus, distinguindo-se dos outros povos. Desta Igreja, pois, falamos, sobre a qual muitíssimo se disputa, e há de tratar seja quanto à sua instituição, quanto a seus membros e partes, privilégios; mas nem a brevidade do tempo no-lo permite, nem a matéria de fide que tratamos isto postula a rigor.

Podem ser consultados Cano, Belarmino, e os demais acima citados, especialmente Torquemada [Turrecremata], em Summa de Ecclesia. Com efeito, aqui pertence apenas discorrer sobre a Infalibilidade Igreja, e com brevidade o faremos.

2. O erro daqueles que negam a autoridade da Igreja. – O fundamento do erro. Confirma-se.

Não faltaram heréticos que disseram que toda Igreja poderia falhar em matéria de fé; assim, pois, pensaram os Marcionitas, como diz Eusébio (Hist. Eccl. lib. 1, c. 16); os Donatistas, como diz S. Agostinho (Epist. 48 e 50); os Iconoclastas, condenados no Segundo Concílio de Nicéia; e os Wiclefistas, condenados no Concílio de Constança (art. 38, act. 8); e nisto são seguidos pelos hereges do nosso tempo, embora não sob o nome de Igreja Católica, mas Romana. No entanto, não falam sobre a Igreja Romana, enquanto é diocese ou episcopado particular, mas enquanto compreende todos aqueles que crêem em Cristo, sob obediência do bispo Romano; e esta é a Igreja Católica, queiram ou não; porque nenhuma outra pode ser designada como tal, tampouco em outras se pode encontrar a antiguidade e a sucessão Apostólica ou as demais notas da verdadeira Igreja; e assim pois, ao fim, há que tratar esta ser de fato a Igreja visível universal; como, no entanto, a ela atribuem erros e enganos, inventam outra igreja, invisível, na qual se resguarda a verdadeira fé; mas é mera invenção como logo abaixo tratarei.

O fundamento destes [para afirmar que a Igreja universal pode falhar] parece ser o seguinte: a Igreja é uma congregação meramente humana e nenhuma promessa de infalibilidade foi feita a esta enquanto tal; ora, toda congregação humana às vezes pode se enganar. Assim outrora a sinagoga apartou-se da fé ao adorar o bezerro (Êxodo XXXII), e ao menos no tempo do Anticristo é dito que a Igreja falhará (II ad Thess), Cristo pois, falando sobre estes tempos diz: Cum venerit filius hominis, putasne inveniet fidem in terra. [Quando vier o filho do Homem, julgas que encontrará fé sobre a terra?]. E isto se confirma, porque qualquer parte da Igreja pode errar em matéria de fé, uma vez que a esta, ao menos enquanto parte, não foi feita promessa, e é evidente a partir de qualquer reino ou província da Igreja; portanto, pela mesma razão todos bispos podem simultaneamente errar em matéria de fé, uma vez que não são mais que uma parte da Igreja; donde também os demais poderem errar, porquanto de ordinário seguem seus pastores, inclusive é o que têm de fazer.

3. Nota primeira em favor da Católica resolução– Nota segunda. –  No entanto, a verdade católica vai em sentido contrário; para explicar a qual advirto que falo sobre a Igreja Católica tomada universalmente. Esta de dois modos pode concordar ou convir assentindo sobre algo. Em primeiro lugar, crendo-o apenas como provável, ou como mais provável e mais piedoso, ou [ainda segundo] qualquer outro grau semelhante [de certeza teológica] que não atinja a certeza de fé. Em segundo lugar, pode convir crendo em algo enquanto certo de fide e por Deus revelado. E este último modo [é aquele sobre o qual recai] a questão principal; pois o outro não pertence à [matéria de] fé; com efeito , ao final exporei algo sobre isso.

Portanto, no assentimento de fé como de fé de dois modos se pode julgar haver erro: de um modo, com pertinácia e culpa de heresia; de outro, por ignorância invencível.  Pode-se levantar a seguinte diferença entre ambos modos: no primeiro, imediatamente perde-se toda a fé; o que não acontece no segundo, ao menos não em algumas pessoas, e assim necessário dizer algo sobre cada um destes modos.     

4. Asserção primeira de fé. – Em primeiro lugar: A Igreja universal, isto é, a Igreja Romana, não pode falhar em matéria de fé por heresia. Esta afirmação de fide é tão frequente nos Concílios e nas obras dos Santos Padres que parece supérfluo argumentar em seu favor (cf. Defensio Fidei, lib. 1, c. IV). Também no Símbolo dos Apóstolos proclamamos crer em uma Igreja una e santa; ora, à santidade repugna a heresia, porque a heresia destrói a fé, e a fé é o fundamento da santidade. Donde a razão própria, e fundada na Sagrada Escritura, [desta inerrância da Igreja] é [a seguinte]: a Igreja não pode falhar; [ora, a Igreja] falharia se errasse por heresia; portanto, não pode errar deste modo.

A premissa menor está provada e per se evidente, porque a fé é o vínculo, é como que a forma que constitui a Igreja e seus membros, de modo que aquele que perde a fé por heresia, por isto mesmo passar a estar fora da Igreja. Portanto, se toda a Igreja perdesse a fé deste modo, deixaria de ser Igreja e passaria a ser a sinagoga de Satanás.

A premissa maior prova-se pela promessa de Cristo presente em S. Mateus XVI: Super hanc petram aedificabo Ecclesiam meam, et portae inferi non praevalebunt adversus eam [Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela]; e para nos assegurarmos mais neste promessa, diz o último capítulo de Mateus: Ecce ego vobiscum sum usque ad consummationem saeculi [Eis que estou convosco até a consumação do século], com efeito, por meio de uma proteção especial, tanto como Deus quanto como homem, como os Santos expõem: São Cirilo de Alexandria, De trinitate, VII; Salviano, De vero iudicio, II; São Jerônimo, Epistola ad Damasum […] o mesmo Crisóstomo, homil. 4, sobre o cap. 6 de Isaías, diz: é mais fácil que o sol se extinga, que a Igreja se obscureça […]; portanto, até àquele tempo durará a verdadeira Igreja militante de Cristo, e viadora, enquanto caminha pela verdadeira fé.

5. Nota segunda de fé. Prova-se pelas Escrituras. – Razão a priori.

Em segundo lugar: esta Igreja não pode errar naquilo que crê enquanto de fé, nem sequer por ignorância invencível. Julgo que esta afirmação seja de fé – tendo-o largamente exposto em Defensio fidei I c. IV – e o mesmo se prova pela passagem na Epístola de São Paulo a Timóteo I, 2, na qual chama a Igreja do Deus Vivo de coluna e firmamento da verdade. Ora, se esta pudesse se enganar crendo em algo falso – ainda que por erro invencível -, não seria mais coluna da verdade do que um homem em particular poderia ser. Também a promessa de Cristo o confirma: Cum venerit Paraclitus, docebit vos omnem veritatem [quando vier o Paráclitus, vos ensinará toda a verdade] (São João XVI); pois esta promessa sobretudo se entendem com respeito à Igreja, e sobre as verdades necessárias, pertinentes à fé. […] uma vez que esta Igreja é regida pelo Espírito Santo, enquanto por seu esposo, e de Cristo tem a promessa desta assistência do Espírito Santo, e o mesmo Cristo é cabeça desta Igreja, conforme diz o Apóstolo: Ipsum dedit caput super omnem Ecclesiam [Ele o pôs como cabeça de toda a Igreja] (ad Ephes 1), isto é, triunfante e militante, e especialmente sobrea Igreja congregada de gentis e judeus; segundo está escrito em Oséias 1: Ponet sibi caput unum, como com verdade expôs Santo Agostinho em Civitas Dei, lib. XVIII, c. 28; e assim pois Cristo influi sem cessar na Igreja, como cabeça no corpo, como diz São Paulo no mesmo lugar. E assim a protegendo, não errar em matéria de fé, nem sequer por ignorância invencível. [cf. disp. 23, De Incarnatione]

6. Outra Razão.

Outra razão evidente para esta verdade se dá a partir dos fundamentos da fé; porque se a Igreja de Cristo pudesse errar, crendo em algo falso como de fé, ainda que por ignorância invencível, toda sua fé resultaria duvidosa; porquanto se nas proposições particulares pudesse temer ou duvidar […] por ignorância se enganaria.

Esta conclusão é claramente falsa, porque desse modo [a Igreja] não poderia ser dita firmamento da verdade nem portanto [poderia] obrigar os fiéis a crer em algo com certeza, e enquanto infalível, e isto é contra a razão da fé Cristã, como é claro e frequentemente dito; também porque é contra o costume dos Concílios e o sentido dos Santos Padres; sempre pois para definir a fé, recorrem ao sentir da Igreja […] e fora do erro seja por ignorância, seja por qualquer outro modo, como se pode ver no Concílio Tridentino, s. VI, c. VIII e s. XIV, c. 5; e também em S. Agostinho, Sobre a utilidade de crer, c. VIII e XVII; e no começo de Sobre a Doutrina Cristã; e igualmente em S. Ambrósio, Sobre a Fé, III, c. 7.

7. […] Por estas razões e pelos testemunhos reunidos, hereges admitem que alguma Igreja de Cristo não pode falhar, nem errar em matéria de fé; […] distinguem uma dupla Igreja, visível e invisível; a visível dizem poder falhar e errar; a invisível, por sua vez, dizem ser perpétua e infalível. […] pelo que dizem que nada deve ser crido, senão aquilo que se encontrar nas Sagradas Escrituras ou nos Padres da Igreja.

Secundo falam contra as palavras de Cristo. Quando pois disse: Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja (S. Mateus, XVI, 18), está a falar manifestamente da Igreja visível, que em seguida confiou a Pedro apascentar (S. João XXI). De que modo pois apascentaria uma Igreja invisível? No entanto, a esta Igreja prometeu estabilidade: E as portas do inferno não prevalecerão, etc. E sobre a mesma diz, Mateus 16 (sic!), dize-o à igreja e se não ouvir à Igreja, etc., que claramente supõe que a Igreja seja visível. […]

8. [….] Em terceiro lugar digo: embora não seja certo, aquilo que a Igreja crê ser verdadeiro apenas como pio e provável, se de algum modo toda Igreja em algo deste modo concorda em algo, deve-se ter que nisto não erra, não apenas em matéria pratica – que é manifesto – mas também em matéria especulativa. A razão da primeira parte é: uma vez que não consta que a Igreja seja regida pelo Espírito Santo em todas estas coisas ao não pertencerem à fé, nem são necessárias à salvação. A razão da outra parte é, porque toda a Igreja universal, também vista como congregação humana na qual há muitos homens sábios, tem a suma autoridade à modo humano; portanto, se toda Igreja julga algo ser provável, evidentemente é provável, […]

No entanto, deve-se notar que nestas proposições há graus, como pode ser tomado do que foi dito em Disp. 19, sec. 2. , pois embora algumas destas não sejam tão certas a ponto de podermos dizer que suas contrárias sejam heréticas, às vezes são errôneas, porque […] às vezes são temerárias porque opõem-se ao maiorconsenso dos Padres. Com efeito, às vezes são apenas prováveis ou mais prováveis e segundo estes mesmos graus será mais ou menos certo que a Igreja não erra em lhes assentir.

9. […] Em quarto lugar: embora a Igreja seja infalível in credendo; no entanto formalmente,  […] e apenas tomada em sua totalidade, não é regra viva de fé suficiente ao ensinar, uma vez que é impossível que toda Igreja convenhaque algo deva ser definido como de fide; e assim não está apta para falar e ensinar como regra viva. Assim, porque uma grande parte da Igreja não basta para ensinar – e tampouco pertence ao seu estado, maximamente se são leigos. Ademais, porque ensinar ex cathedra, definindo, pertence à chaveda ciência, e é ato especial do poder por Cristo conferindo para reger a Igreja em matéria doutrinal. Mas Cristo não conferiu este poder a todo corpo da Igreja, mas apenas à sua cabeça, como em seguidadiremos. Esta afirmação será elucidada nas seções subsequentes.

10. […] Ao fundamental [da tese] dos hereges já se respondeu, a Igreja não é conduzida, naquilo que crê, por um espírito humano, mas por um espírito divino, e é falso que no tempo do Anticristo toda ela falhará (como também escrevi em Defensor fidei l. 5, c. 10, n. 17]. Pois embora grande parte sua deva se obscurecer em virtude das tribulações, muitos perseverarão e serão insígnes mártires; Cristo, de modo hiperbólico, diz em S. Mateus XXIV:  Ut in errorem inducantur, si fieri potest, etiam electi, [E até os eleitos, se possível fosse, seriam induzidos ao erro], o que significa que ao menos os eleitos, que também ao fim não estarão ausentes, perseverarão; o mesmo se aplica proporcionalmente à sinagoga, embora não com idêntica razão, uma vez que aquela não era a Igreja universal. Em confirmação, pede-se todos os bispos da Igreja possam concordar em algum erro, porquanto há entre os católicos alguns que o afirmam, pois não encontram tal promessa; outros há que a negam, porque assim se colocaria toda a Igreja em grande perigo de erro. A mim com efeito nenhuma parece suficientemente explorada: no entanto, é provável que pertence à providência de Cristo não o permitir. E entende sobre a reunião de bispos além do Papa, pois sobre isso em breve falarei (Doctrinam de Concilio uberiorem habes inferius, disput. 11).

 

FONTE


SUÁREZ, Francisco, Tratatus Primus. De fide theologica. Disput. V. Sectio. 6.

 

PARA CITAR


SUÁREZ, Francisco. SEÇÃO VI – Se a Igreja universal é infalível ao crer e, consequentemente, se é regra certa de fé. <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/856-secao-vi-se-a-igreja-universal-e-infalivel-ao-crer-e-consequentemente-se-e-regra-certa-de-fe> 10/03/2016. Tradução: Rodrigo Marinho.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Artigos mais populares