Sexta-feira, Maio 3, 2024

São Justino pregava a “Sola Scriptura”? Parte I

INTRODUÇÃO


A apologética católica mais uma vez prestigia ao nosso público leitor com um artigo sobre um tema que sempre aparece pelas conversas formais e informais ao se verificar as bases da “Sola Scriptura” – o apelo à autoridade patrística para demonstrar a validade ou autenticidade de um argumento. Isso por si só, já revela a dissolução da “Sola Scriptura”, como única regra de fé e prática Recentemente, o administrador da página do Facebook Efatá! O “Escudo da Fé”. num debatezinho, tirou da cartola uma citação de um antigo padre da Igreja: São Justino Mártir para seus fins particulares na tentativa de validar a “Sola Scriptura” pela autoridade de um Padre da Igreja. Passamos a refutá-lo!
 
 
 
 
 
1. RECOLHENDO AS EVIDÊNCIAS

Vejamos o que escreveu o objetor anticatólico! Numa absurda objeção(i) à exposição das fontes de autoridade para um dos debatedores enquanto católico, o autor larga uma citação descontextualizada de S. Justino Mártir: o objetivo seria mostrar uma contradição entre os católicos e esse primeiro filósofo cristão e Padre Apologista da Igreja Católica. Pois bem, nada menos difamador, falso e errado. Numa rápida passagem biográfica feita pelo site Veritatis Splendor(ii), podemos ler sobre nosso personagem:
São Justino, Mártir, nasceu pagão, mas se converteu ao cristianismo depois de estudar filosofia. Ele foi um escritor prolífero e muitos na Igreja o consideravam o maior apologeta — defensor da fé — do segundo século. Ele foi degolado com seis de seus companheiros entre os anos de 163 e167.
Eis o excerto completo atribuído ao nosso São Justino:
Não temos algum mandamento em Cristo que nos obrigue a crer nas tradições humanas, mas somente naquelas que os bem-aventurados profetas promulgaram, e que Cristo mesmo ensinou, e eu tenho cuidado, de referir todas as coisas às escrituras e pedir a elas os meus argumentos e minhas demonstrações.” (Justino Mártir, em diálogo com Trifão)
Ao se verificar a procedência da citação para devida confirmação e averiguação do contexto, constamos a parcialidade e a habilidade fraudulenta dos apressados citadores: ao que tudo indica a citação foi forjada em alguns de seus termos. A primeira crítica é a referência incompleta para sabermos de onde foram tiradas as palavras. “Diálogo com Trifão” abarca cerca de 142 parágrafos e 101 capítulos na versão em língua portuguesa da Editora Paulus e que não foram referidos pelo objetor anticatólico, o que já levanta desconfiança. Só nos restou pesquisar a fidelidade dos termos e tentar observar o contexto.
Uma pequena alusão da referência ao que de fato, S. Justino escreveu pode ser localizada no capítulo 48 do Diálogo com Trifão – “Preexistência e divindade de Cristo”, na versão portuguesa da editora Paulus. Antes de a vermos, observemos uma versão protestante, a famosa coleção “Ante-Nicene Fathers”, volume I  — “The Apostolic Fathers with Justin Martyr and Irenaeus” em que consta:
Chapter XLVIII. — Before the divinity of Christ is proved, he [Trypho] demands that it be settled that He is Christ.
And Trypho said, “We have heard what you think of these matters. Resume the discourse where you left off, and bring it to an end. For some of it appears to me to be paradoxical, and wholly incapable of proof. For when you say that this Christ existed as God before the ages, then that He submitted to be born and become man, yet that He is not man of man, this [assertion] appears to me to be not merely paradoxical, but also foolish.”
And I replied to this, “I know that the statement does appear to be paradoxical, especially to those of your race, who are ever unwilling to understand or to perform the [requirements] of God, but [ready to perform] those of your teachers, as God Himself declares.2095 Now assuredly, Trypho,”I continued,”[the proof] that this man2096 is the Christ of God does not fail, though I be unable to prove that He existed formerly as Son of the Maker of all things, being God, and was born a man by the Virgin. But since I have certainly proved that this man is the Christ of God, whoever He be, even if I do not prove that He pre-existed, and submitted to be born a man of like passions with us, having a body, according to the Father’s will; in this last matter alone is it just to say that I have erred, and not to deny that He is the Christ, though it should appear that He was born man of men, and [nothing more] is proved [than this], that He has become Christ by election. For there are some, my friends,” I said, “of our race,2097 who admit that He is Christ, while holding Him to be man of men; with whom I do not agree, nor would I,2098 even though most of those who have [now] the same opinions as myself should say so; since we were enjoined by Christ Himself to put no faith in human doctrines,2099 but in those proclaimed by the blessed prophets and taught by Himself.(iii)
Em todo o volume não se acham as palavras da citação do objetor anticatólico. O que há é uma menção alusiva ao que “os bem-aventurados profetas promulgaram, e que Cristo mesmo ensinou”, apenas.
O texto em português pode ser lido na Coleção Patrística, Volume III, “Justino de Roma — I e II Apologias e Diálogo com Trifão”, São Paulo: Paulus, 1995, na 3ª edição de 2010, página 180, que transcrevemos seguramente, para o leitor:
Preexistência e divindade de Cristo
48. 1Trifão continuou:
— Já ouvimos falar o que pensas sobre isso. Retoma o teu discurso onde havias parado e termina-o. Com efeito, ele me parece conttraditório e absolutamente impossível de demonstrar, pois dizer que esse vosso Cristo preexiste como Deus antes dos séculos e que depois dignou-se nascer como homem e não é homem que venha dos homens, não só me parece absurdo como também insensato.
2Ao que respondi:
— Sei que meu discurso parece absurdo, principalmente para os de vossa raça, pois jamais quisestes entender nem praticar as coisas de Deus, mas as de vossos mestres, como o próprio Deus clama. Todavia, Trifão, mesmo que eu não pudesse demonstrar que o Filho do Criador do universo preexiste como Deus e que nasceu como homem de uma virgem, nem por isso deixa de ser provado que Jesus é o Cristo de Deus. 3Pelo contrário, já está totalmente demonstrado que ele é o Cristo de Deus, seja qual for a sua natureza. Se eu não conseguir demonstrar a sua preexistência e que, conforme o desígnio do Pai, ele se dignou nascer com as nossas mesmas paixões, revestido de carne, o justo seria dizer que eu errei em minha demonstração e não negar que ele é o Cristo, mesmo que se tivesse feito homem nascido de homens e se demonstrasse que somente por eleição se tivesse tornado Cristo. 4Com efeito, amigos, há alguns de vossa descendência que confessam Jesus como o Cristo, mas afirmam que ele é homem nascido de homem. Não estou de acordo com eles, mesmo que a maioria dos que pensam como eu dissessem isso. De fato, o próprio Cristo não nos mandou seguir os mandamentos humanos, mas aquilo que os bem-aventurados profetas pregaram e Ele próprio ensinou.
 
 
Em ambas citações não se acham: (a) literalmente, as palavras do objetor, o que constitui má fé e fraude e (b) a ausência de sentido e autoridade para que foi citada pela comparação com o contexto e totalidade da obra justiniana e que passamos a demonstrar a seguir.
3. AFIRMAÇÕES DA CITAÇÃO E TOTALIDADE DA OBRA DE JUSTINO: HAVERÁ COMPATIBILIDADE?

Vamos à citação de São Justino por partes, analisando o que ela contém com a totalidade da obra justiniana, em primeiro lugar; demonstrando a falsidade pela comparação, em segundo lugar e por fim desmascarar o uso indevido e a desonestidade de descontextualizar um escritor católico para fazer oposição aos católicos modernos.

  • Excerto (a) — “Não temos algum mandamento em Cristo que nos obrigue a crer nas tradições humanas”.
Pois bem, são Justino não estaria aqui a negar a Sagrada Tradição entendida como a expressão da doutrina oral dos Apóstolos, mesmo se fosse verdadeira a citação. Ele deveria referir-se às tradições judaicas de Trifão ou de filósofos gregos com discursos vãos e que S. Justino conhecia perfeitamente, como revela sua biografia ou a apelos de pagãos contra os cristãos católicos de seu tempo. Portanto, não há em S. Justino nada que contrarie o entendimento católico de Tradição Apostólica — ele pelo contrário, faz é uso desse conceito fundamental ao usar as coleções de ditados orais dos apóstolos quando menciona alguma passagem do Evangelho.
Vemos que São Justino apela às “memórias dos Apóstolos”, a uma coleção de ditos dos evangelhos comum em seu tempo — aliás, diga-se uma coleção incompleta, pois nem havia cânon definido ainda. Lembremos que tal uso não RESTRINGE ou EXCLUI o apelo à outra autoridade — como se vê quando S. Justino adapta a filosofia pagã (como a estoica na ética ou a doutrina do “Logos Spermatikós” ou a presença universal de Cristo em várias culturas, como por exemplo, se pode conferir na Apologia I, cap. VI; II, VIII; XIII) ao contexto cristão. São Justino faz uso da tradição humana filosófica o que revela que ele possuía um lugar teológico e fonte de autoridade não restrita à Escritura, longe da crença cega da “Sola Scriptura”, mas muito mais ampla. Este primeiro excerto não prova, nem se fosse legítimo, a “Sola Scriptura”.

  • Excerto (b) — “mas somente naquelas que os bem-aventurados profetas promulgaram”.
Muito interessante que no meio da fraude, nos muitos acréscimos, puseram esse termo “somente” que nem consta nos textos originais já mencionados aqui e que deve ser ignorado. A “Sola Scrptura” só faz sentido, classicamente, se houver um cânon definido, uma Escritura que possa ser fonte de autoridade restrita (Antigo e Novo Testamentos completos).
São Justino NUNCA citou vários livros considerados promulgados pelos profetas e canônicos para nós contemporaneamente: Juízes, Esdras, Tobias, Judite, Ester, Cântico dos Cânticos, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico, Abdias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu; livros sapienciais e históricos são pouquíssimos ou nunca citados por ele, vale ressaltar. Sem cânon definido, sem citações dos livros canônicos, São Justino JAMAIS foi adepto da “Sola Scriptura” e muito menoscontrário à Tradição dos Apóstolos transmitida oralmente. Além disso, ele cita textos APÓCRIFOS como legítimos: pseudo-Esdras (no Diálogo com Trifão, cap. LXXII); pseudo-Jeremias (ibidem), Salmo 96:10 (Diálogo com Trifão, cap. LXXII; Apologia I, cap. XLI). Além dessa realidade no Antigo Testamento, tomos outra no Novo Testamento, alusões prováveis ao Evangelho de Pedro (Apologia I, cap. XXXV, 6; cf. Diálogo com Trifão 103)(iv) e ao Protoevangelho de Tiago (Diálogo com Trifão 78).
Portanto, como é que essas palavras de S. Justino contrariariam a fé católica na qual ele foi batizado? Como é que ele pode opor Tradição Apostólica a uma “Sola Scriptura” totalmente deficiente de 13 livros canônicos e acrescida de 3 a 5 obras apócrifas como material legítimo, além de englobar doutrinariamente a autoridade dos filósofos pagãos?
Muito pelo contrário, São Justino aceitava o Sagrado Magistério da Igreja católica, a Sagrada Escritura quando cita o Velho Testamento, mesmo que incompletamente e a Sagrada Tradição, quando cita os ditos dos apóstolos, ou trechos orais dos evangelhos em sua época. Além disso, ele tem na filosofia outra fonte teológica (locus theologicus) de autoridade  como se comprova no decorrer da obra dele.
 
  • Excerto (c) — “e que Cristo mesmo ensinou, e eu tenho cuidado, de referir todas as coisas às escrituras e pedir a elas os meus argumentos e minhas demonstrações”.
 
O protestante administrador da página, autor deste embuste que cita são Justino como defensor de uma barbaridade doutrinária (Sola Scriptura) certamente nunca leu o que São Justino com todo cuidado referiu em suas obras. Outra prova do absurdo aqui desmascarado surge quando lemos as passagens justinianas sobre a presença real de Cristo na Eucaristia e a ideia da Missa como Sacrifício.
 
 
Pois muito bem, estas doutrinas bem como as ideias filosóficas estão em harmonia com o que Cristo ensinou, e que S. Justino teve o cuidado de referir estas mesmas coisas às Escrituras e pedir a elas os argumentos e as demonstrações deles, se a citação fosse verdadeira. Nem mesmo sendo legítima, a passagem, ficaria demonstrada aposição à doutrina católica. Isto está longe de ser a doutrina da “Sola Scriptura” protestante.
 
São Justino trata da Eucaristia, da Missa batismal e da Missa dominical que estão descritas na Primeira Apologia (LXV-LXVII), com uma riqueza de detalhes única para essa época — e que não estão descritas na Bíblia para a qual ele não apela na narração desses fatos. São Justino aqui explica o dogma da Presença Real com uma claridade maravilhosa (LXVI, 2). O “Diálogo com Trifão” (CXVII; cf. XLI) completa a doutrina com a ideia do Sacrifício Eucarístico como memorial da Paixão. Isso não é aceito nem praticado por protestante algum que tem a audácia e falta de competência de retalhar trechos, manipular e fraudar citações e omitir outros que provam que São Justino era católico. É uma desonestidade odiosa picotar trechos de uma parte de S. Justino e deixar outras sem menção. Completa desonestidade intelectual.
Alguns excertos mais que provam que São Justino era católico:
Esta comida nós chamamos Eucaristia, da qual ninguém é permitido participar, exceto o que creia que as coisas nós ensinamos são verdadeiras, e tenha recebido o batismo para perdão de pecados e renascimento, e que vive como Cristo nos ordenou. NÓS NÃO RECEBEMOS ESSAS ESPÉCIES COMO PÃO COMUM OU BEBIDA COMUM; MAS COMO CRISTO JESUS NOSSO SALVADOR, que se encarnou pela Palavra de Deus, se fez carne e sangue para nossa salvação, ASSIM TAMBÉM NÓS TEMOS ENSINADO QUE O ALIMENTO CONSAGRADO PELA PALAVRA DA ORAÇÃO QUE VEM DELE, DE QUE A CARNE E O SANGUE SÃO, POR TRANSFORMAÇÃO, A CARNE E SANGUE DAQUELE JESUS ENCARNADO” (Primeira Apologia, cap. LXVI, cerca de 148-155 d.C.).
Deus tem, portanto anunciado que todos os sacrifícios oferecidos em Seu Nome, por Jesus Cristo, QUE ESTÁ, NA EUCARISTIA do Pão e do Cálice, que são oferecidos por nós cristãos em toda parte do mundo, são agradáveis a Ele” (Diálogo com Trifão, cap. CXVII, cerca de 130-160 d.C.).
Outrossim, como eu disse antes, concernente os sacrifícios que vocês, naquele tempo, ofereciam, Deus fala através de Malaquias, um dos doze, como segue: ‘Eu não tenho nenhum prazer em você, diz o Senhor; e Eu não aceitarei os sacrifícios de suas mãos; do nascer do sol até seu ocaso, meu Nome tem sido glorificado dentre os gentios; e em todo o lugar incenso é oferecido em meu Nome, e uma oferta pura: Grande tem sido meu nome dentre os gentios, diz o Senhor; mas você O profana.’ Assim são os sacrifícios oferecidos a Ele, em todo lugar, por nós os gentios, QUE SÃO O PÃO DA EUCARISTIA E IGUALMENTE A TAÇA DA EUCARISTIA, que Ele falou naquele tempo; e Ele diz que nós glorificamos Seu nome, enquanto vocês O profanam” (Diálogo com Trifão, cap. XLI).
Se por um lado S. Justino tinha a influência das fontes da revelação cristã como a Sagrada Escritura do Velho Testamento e as “Memórias dos Apóstolos”, por outro lado, a influência da filosofia se delata a si mesma nas obras de São Justino em seu conceito de transcendência divina, assim Deus é imóvel (Apologia I, IX; X, 1; LXIII, 1; etc.); Ele está sobre o céu, não pode ser visto nem contido dentro dum espaço (Diálogo com Trifão, LVI, LX, CXXVII); Ele é chamado Pai, numsentido filosófico e platônico, posto que Ele é o Criador do mundo (Apologia I, XLV, 1; LXI, 3; LXV, 3;  Apologia II, VI, 1, etc.). Além disso, vemos S. Justino mencionar citações pagãs achadas nas obras de Homero, Eurípides, Xenofonte, Menandro e especialmente Platão(v).
Um verdadeiro eclético, ele obtém inspiração de diferentes sistemas, especialmente do estoicismo e do platonismo. Justino admira especialmente a ética dos estoicos (Apologia II, VIII, 1); ele voluntariamente adota sua teoria duma conflagração universal (ekpyrosis). Em Apologia I, XX, LX; II, VII, ele adota, mas transforma, seu conceito do Verbo seminal (logos spermatikos).(vi)
Nenhum desses apelos de autoridade de ensino vem da escritura cristã, mas da filosofia da época, o que desbanca qualquer noção de “Sola Scriptura” em São Justino, num dogma cego de que a Escritura é a “única regra de fé e prática”. Não é e não foi em São Justino e em nenhum padre da Igreja.
Prestes a terminar, ficou evidente: (a) a citação é falsa; (b) mesmo se fosse verdadeira não se oporia à fé católica; (c) ela não prova a “Sola Scriptura” e (d) não faz sentido dentro do contexto de toda a obra justiniana.
 
4. DISSEMINAÇÃO DO ERRO

Circulando pela internet, verifica-se a citação(vii) e as seguintes firmações dela interpretadas:

 
 
 
 
Tendo já evidenciado a falsidade da citação, passemos a refutar a interpretação da falsidade. O texto original refere:
4Com efeito, amigos, há alguns de vossa descendência que confessam Jesus como o Cristo, mas afirmam que ele é homem nascido de homem. Não estou de acordo com eles, mesmo que a maioria dos que pensam como eu dissessem isso. De fato, o próprio Cristo não nos mandou seguir os mandamentos humanos, mas aquilo que os bem-aventurados profetas pregaram e Ele próprio ensinou.
Não há nos originais contraste algum, pois não aparece “tradições e doutrinas” humanas (o que também contraria a versão apresentada pela página protestante do facebook que traz somente “tradições humanas“, já nesta versão de outro protestante se enxerta também “doutrinas”). Depois, aquilo que os bem-aventurados profetas pregaram não se refere à Escritura compreendida em seu uso moderno, pois um cânon definido não era realidade concreta para S. Justino, e a mescla com textos apócrifos na noção dele de conteúdo da pregação dos profetas, dificulta ainda mais essa identificação. Nem mesmo se pode dizer que ele tinha por objetivo na passagem uma avaliação do que é ou não tradição aceitável, pois o contexto é de provar a um judeu a preexistência e divindade de Jesus e não um tratado sobre dogmática na questão da Tradição como autoridade. Nem tudo que S. Justino demonstrava era “demonstrado” pelas porções da Escritura usadas por ele, muito limitada, aliás. Não nos esqueçamos das afirmações filosóficas, descrições litúrgicas, etc. — o que mostra distorção do objetor anticatólico. São Justino jamais ensinou neste debate contra Trifão a deformada ideia de “Sola Scriptura”.
Outra questão é a definição de “Sola Scriptura”, um verdadeiro camaleão que se adapta e é manipulável ao gosto dos protestantes: aqui ela aparece não como a autoridade exclusiva da Escritura, mas como critério sob o qual se deve basear uma tradição para que tenha autoridade. Se uma tradição tem autoridade, já não subsiste a “Sola Scriptura”. A Escritura naquilo que contém é verdadeira, mas há verdades fora dela que são importantes e estão presentes na Tradição, na Filosofia, na História, nas Ciências naturais e exatas, etc. e que são usadas na religião cristã até hoje.
Não aparece a palavra “somente” no original e ela provém da fraudulenta desonestidade de quem falsificou a citação. Uma vez que ela não existe, o argumento do objetor não subsiste. E mesmo que houvesse esse “somente” não se seguem as afirmações do objetor anticatólico: uma hora é para se aceitar como autoritárias as tradições com base bíblica e outra hora APENAS as tradiçõesbíblicas são aceitáveis. Uma coisa é uma tradição com alusão bíblica e outra coisa é uma cópia de um excerto bíblico. Afinal, querendo o objetor igualá-las, usa de um artifício retórico sutil que fica desmascarado aqui. Mais uma vez: tal jogo de raciocínio é um labirinto enganoso, pois se dispersa do sentido e contexto originais da citação que visa responder satisfatoriamente a Trifãosobre a preexistência e divindade de Cristo, levando em conta uma tradição de um grupo do tempo deles, provavelmente ebionitas, que negavam o que S. Justino afirmava, era um grupo herético. Isso fica claro quando S. Justino menciona: “Há alguns de vossa descendência que confessam Jesus como o Cristo, mas afirmam que ele é homem nascido de homem”.
Podemos verificar rapidamente um consenso unânime dos Santos Padres da Igreja de se manter a tradição como a entende a Fé Católica:
 
 
– Polícrates – Carta a Vítor de Roma V,24,1;
– Irineu de Lião – Contra as Heresias I,10,2; II,9,1; III,3,2;
– Irineu de Lião – Carta a Florino V,20,4;
– Tertuliano – Objeção aos Hereges 19,3;
– Tertuliano – O Véu das Virgens 2,1;
– Tertuliano – Contra Marcião IV,5,1;
– Hipólito – Contra a Heresia de Noeto 17;
– Orígenes – Doutrinas Fundamentais I, 2,4 (prefácio);
– Atanásio – Cartas a Serapião 1,28;
– Febade de Agen – Contra os Arianos 22;
– Basílio o Grande – Transcrito da Fé 125,3;
– Basílio o Grande – O Espírito Santo 27,66;
– Basílio o Grande – A Fé 1;
– Gregório de Nissa – Contra Eunômio
– Epifânio – Contra todas as Heresias 61,6; 73,34;
– João Crisóstomo – Sobre Romanos 1,3;
– João Crisóstomo – Sobre a Segunda aos Tessalonicenses 4,2;
– Jerônimo – Diálogo entre Luciferano e Cristão 8;
– Agostinho – Carta a Januário 54,1; 1,3;
– Agostinho – Contra a Carta de Manes 5,6;
– Agostinho – O Batismo II,7,12; IV,24,31;
– Agostinho – Interpretação Literal de Gênesis X,23,39;
– Agostinho – A Cidade de Deus XVI,2,1;
– Agostinho – Contra Juliano I,7,30; II,10,33;
– Inocêncio I – Carta ao Concílio de Cartago 29,1;
– Teodoreto de Ciro – Carta a Florêncio 89;
– Vicente de Lerins – A Agenda 2,1; 9,14; 20,25; 22,27;
– Gregório I – Homilias sobre Ezequiel II,4,12;
– João Damasceno – Homilias 10,18.
 
 
 
5. CONCLUSÃO COM A VISÃO PROTESTANTE SOBRE SÃO JUSTINO


Muito coerentemente um site de apologética protestante, que deixa muito a desejar, confessa que: “Os Pais da Igreja: [são] Uma Porta para Roma”(viii).

 
 
 
O site faz questão de citar São Justino na galeria de pais da Igreja romana, perigosos para a leitura protestante! Veja o que ele menciona:
 
Justino, o Mártir (cerca do ano 100 – cerca do ano 165 d.C)
Quando Justino abraçou o cristianismo, ele manteve algumas das filosofias pagãs em que ele já cria.
1. Ele interpretou as Escrituras alegoricamente e misticamente.
2. Ele ajudou a desenvolver a ideia de um “estado intermediário” após a morte, o qual
não seria céu nem inferno. Posteriormente, essa doutrina tornou-se naquela do
purgatório, [da Igreja Católica] Romana.
 
 
 
Perguntamo-nos: como um protestante afirma que S. Justino é fonte de autoridade para confirmar a “Sola Scriptura” e outro protestante denuncia esse mesmo S. Justino como uma das portas que levam ao retorno para a Igreja Romana? Como um alegorista, místico e defensor do purgatório pode ser contado entre sustentadores da “Sola Scriptura”? Fica latente a  incoerência e fraudulenta desonestidade entre o covil em que estão metidos contraditoriamente um S. Justino católico romano e um S. Justino defensor da “Sola Scriptura” — covil esse chamado protestantismo.
Podemos finalmente, encerrar com as palavras de Jorge Ferraz, autor do texto “Protestantes confessam: os Padres da Igreja são, de fato, os pais da Igreja Católica Romana!”(ix), no site Deus lo Vult:
Se por um lado é um alívio encontrar protestantes assumindo aquilo que nós católicos sempre dissemos (i.e., que a Igreja é e foi desde sempre Católica no mesmo sentido que o termo tem hoje em dia), por outro causa desconcerto a cegueira espiritual à qual podem ser levados os homens quando abandonam a Fé. A contradição chega a ser inacreditável: mesmo admitindo que o Cristianismo historicamente sempre foi aquilo que hoje em dia é pregado pela Igreja Católica, os hereges insistem em continuar protestantes!
 
 
 
6. BIBLIOGRAFIA

 
(ii) LOPES, Toni. A presença real de Jesus na Eucaristia. Disponível em: <http://www.-veritatis.com.br/doutrina/sacramentos/981-a-presenca-real-de-jesus-na-eucaristia>.
(iii) SCHAFF, Philip. Coleção “Ante-Nicene Fathers”. Volume I  — “The Apostolic Fathers with Justin Martyr and Irenaeus”, cap. XLVIII. “— Before the divinity of Christ is proved, he [Trypho] demands that it be settled that He is Christ.” Disponível
em: <http://www.ccel.org/ccel/schaff/anf01.viii.iv.xlviii.html>.
(iv) FONTE: Revue Biblique, III, 1894, 531 sqq.; HARNACK. Bruchstücke des Evang. des Petrus. Leipzig, 1893, 37.
 
(v) OTTO. Corpus apologetarum christianorum sæculi secundi. I-V; 3ª ed.,Jena, 1875-81, II, 593 sq.
(vi) LEBRETON, Jules. St. Justin Martyr. The Catholic Encyclopedia. Vol. 8. New York: Robert Appleton Company, 1910. Versão espanhola usada. Disponível em: <http://ec.aciprensa.com/wiki/San_Justino#.Uawq46KL3zg >.
(vii) BANZOLI, Lucas. O que era a verdadeira “tradição apostólica”? – Parte 3 (Final). Disponível em: <http://heresiascatolicas.blogspot.com.br/2012/08/o-que-era-verdadeira-tradicao_7052.html>.
 
(viii) CLOUD, David. Os Pais da Igreja: Uma Porta para Roma. Disponível em: <http://solascriptura-tt.org/PessoasNosSeculos/PaisIgreja-PortasParaRoma-DCloud.htm>.
(ix) FERRAZ, Jorge. Protestantes confessam: os Padres da Igreja são, de fato, os pais da Igreja Católica Romana! Disponível em: <http://www.deuslovult.org/2012/11/30/-protestantes-confessam-os-padres-da-igreja-sao-de-fato-os-pais-da-igreja-catolica-romana/>.
 
PARA CITAR

LIMA, Álvaro. São Justino e a “Sola Scriptura” — Parte 1. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com/index.php/patristica/controver-sias/600-sao-justino-pregava-a-qsola-scripturaq-parte-i>. Desde 4/6/2013
 

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