Sexta-feira, Maio 3, 2024

Refutando a teoria do período Interbíblico

Alegação protestante:

“Depois de aproximadamente 435 a.C não houve mais acréscimos ao cânon do Antigo Testamento. A história do povo judeu foi registrada em outros escritos, tais como os livros dos Macabeus, mas eles não foram considerados dignos de inclusão na coleção das palavras de Deus que vinham dos anos anteriores. Quando nos voltamos para a literatura judaica fora do Antigo Testamento, percebemos que a crença de que haviam cessado as palavras divinamente autorizadas da parte de Deus é atestada de modo claro em várias vertentes da literatura extra bíblica.”

Para derrubar todo esse argumento, basta perguntar: mas onde na Bíblia está escrito que 435 a.C ou depois de Esdras, o Espírito Santo deixaria Israel e nada mais seria escrito?
O ônus da prova recai sobre eles mesmos. Evidentemente esse é o fardo protestante depois de haver adotado essa falácia como argumento contra os sagrados livros deuterocanônicos: provar onde se encontra na Bíblia esse tal período de inexistência da inspiração divina em livros, de 435 a.C até o Novo Testamento ser escrito.  É interessante notar que os “solascripturistas”, que creem ser a Bíblia a única regra de fé e prática, argumentam contra os livros deuterocanônicos com tradições provindas de fontes extrabíblicas. A única conclusão a que essa objeção nos leva é que, no fundo, nem mesmo os protestantes creem que a Bíblia seja realmente a única regra de fé.

Essa argumentação protestante também sustenta que os profetas desapareceram; logo, os livros não poderiam ser escritos sem os profetas (argumento esse que demonstra desconhecimento do que foram os profetas para Israel). Um profeta não era um escolhido com o propósito de escrever livros inspirados ou para determinar doutrinas, mas era um intermediário entre Deus e o seu povo; geralmente, era ele quem levava o povo de volta à conversão quando se desviava do caminho santo. Além do mais, normalmente, os livros proféticos não eram escritos pelos próprios profetas, mas por seus discípulos.

O que diriam dos livros escritos por Salomão? Que não são inspirados, pois Salomão não era um profeta? A inspiração ou não de um livro é independente da condição de profeta ou não do autor. Um profeta pode escrever um livro não inspirado, como alguém que não é profeta pode escrever um livro por inspiração divina. Logo, mesmo admitindo-se a remota hipótese de que os profetas tivessem desaparecido, não significaria que tivesse acabado a inspiração. Mesmo assim, a própria Bíblia refuta este argumento, mostrando que nunca houve nenhum desaparecimento de profetas:

“A lei e os profetas duraram até João. Desde então é anunciado o Reino de Deus, e cada um faz violência para aí entrar.” (Lucas 16, 16).

Como é que os profetas duraram até João se eles acabaram em 400 a.C?

“Ora, havia em Jerusalém um homem chamado Simeão. Este homem, justo e piedoso, esperava a consolação de Israel, e o Espírito Santo estava nele. Fora-lhe revelado pelo Espírito Santo que não morreria sem primeiro ver o Cristo do Senhor.” (Lucas 2, 25-26)

Como é que o Espírito Santo abandonou Israel em 400 a.C, se durante esse período fez revelações?

Havia também uma profetisa chamada Ana, filha de Fanuel, da tribo de Aser; era de idade avançada. Depois de ter vivido sete anos com seu marido desde a sua virgindade, ficara viúva, e agora com oitenta e quatro anos não se apartava do templo, servindo a Deus noite e dia em jejuns e orações. Chegando ela à mesma hora, louvava a Deus e falava de Jesus a todos aqueles que em Jerusalém esperavam a libertação.” (Lucas 2, 36-38).

Se os profetas acabaram em 400 a.C, como é que a Bíblia nos relata a existência da profetiza Ana, antes de João?

Flávio Josefo, o mesmo autor utilizado para justificar esse tal período, diz que João Hircano era profeta e estava com o dom da profecia, lembrando que João Hircano morreu 105 d.C, e é um dos personagens do livro de Macabeus:

Foi considerado por Deus digno de três dos maiores privilégios, o governo da nação, o cargo de sumo sacerdote e o dom da profecia, pois a Divindade estava com ele e lhe permitiu prever e predizer o futuro […]” (Antiguidades 13, 299 – 300).

A própria literatura judaica de que se serve o acusador para sustentar a sua tese, mesmo assumido que os profetas “acabaram”, diz também que os hebreus ainda continuaram a receber revelações de Deus:

Nossos Rabinos ensinaram: Desde a morte de Ageu, Zacarias e Malaquias o último dos profetas, o Espírito Santo cessou de Israel. Apesar disso, eles ouviam através de um Bat kol.” (Sanhedrin 11a).

Para os judeus, mesmo supostamente o Espírito Santo tendo deixado Israel, eles ainda ouviam as revelações através do Bat kol.  O termo hebraico Bat Kol (בּת קול) é literalmente: “voz pequena” ou “sussurro”, e diz respeito a: “Uma voz celestial ou divina que proclama a vontade de Deus ou julgamento, as suas obras e Seus mandamentos para indivíduos ou para um número de pessoas, para os governantes, comunidades e até mesmo para nações inteiras.” (ENCICLOPÉDIA JUDÁICA, 2002).

Mesmo se a profecia estivesse acabada, seguindo a lógica judaica, as revelações não pararam. Portanto, os deuterocanônicos sendo escritos durante esse suposto período, seriam inspirados e revelados por Deus, sem problema algum.

Logo, se os protestantes utilizavam a literatura judaica como base para a sustentação de que livros não seriam mais escritos após 435 a.C., terão agora que arranjar outra fonte, porque, segundo os judeus, dentro desse período várias revelações foram feitas. Prova disso é que o mesmo Talmude ainda chama Eclesiástico de Escrituras (SUNDBERG)1

Outra acusação da mesma linha é:

“Em I Macabeus 9, 27 […] o próprio livro admite não ser profético! E os apócrifos datam justamente deste tempo (400 a.C. até o nascimento de Jesus).”
O que diz a passagem: “A opressão que caiu sobre Israel foi tal, que não houve igual desde o dia em que tinham desaparecido os profetas.” (I Macabeus 9, 27). 
Outra passagem similar:  “Soube também que os judeus e seus sacerdotes haviam consentido que Simão se tornasse seu chefe e sumo sacerdote, perpetuamente, até a vinda de um profeta fiel” (I Macabeus 14, 41). 

Sobre essa questão Mark Bonocore dá algumas dicas importantes:

Primeiro de tudo, não vejo nenhuma menção de que ‘a inspiração de Deus tinha cessado’ neste momento. A passagem não diz nada disso. De fato, foi durante esse tempo que Deus criou o milagre do óleo no Templo, comemorada ainda hoje pelos judeus como a festa da Dedicação. Mas, por outro lado, observe que ambas as citações referem-se à ‘liderança do povo judeu’… E ambas associam a liderança com um ‘Profeta’. Mas, você sabe por quê? É porque nem os Macabeus, nem quaisquer descendentes do próprio David, não poderiam declarar-se como reis, porque um ‘profeta’ era necessário para ungir um rei legítimo de Israel (assim como Samuel ungiu Saul e Davi). Assim, não poderia haver sucessor para Davi sem um profeta para escolhê-lo. Bem, […] Então quem seria finalmente este profeta? É João Batista: o último profeta do Antigo Testamento, cujo batismo unge Jesus como o Messias (João 1, 31-33). Portanto, I Macabeus parece um impressionante testemunho nas Sagradas Escrituras, para mim, uma vez que estabelece as bases para a vinda de São João.
Além do que Lucas 1, 41; 1, 46; Lucas, 1, 67; Lucas, 1, 25-27; Lucas, 1, 36, nos revela que o carisma profético existia em Israel até pouco antes da vinda de João Batista. Assim, quando I Macabeus fala que não existe nenhum profeta para ungir um Rei legítimo (o papel que João Batista viria a cumprir), não exclui a existência de profetas menores ou de inspiração divina entre o povo eleito de Deus.

Assim, a necessidade de um profeta no tempo de I Macabeus foi por causa de uma crise na ‘legítima’ liderança, e não por causa da inspiração divina necessária para escrever os livros.” (BONOCORE, 2008).

O Dr. Mark nos mostra, de forma claríssima, que o livro de Macabeus não fala nada a respeito da tal interrupção da profecia em Israel ou da não existência de escritos inspirados e, sim, do não aparecimento de um grande profeta para ungir o Rei. Assim, apenas o profeta do Messias, João Batista, seria o Profeta que era necessário para anunciar o Novo Rei dos Reis, Jesus Cristo. E o livro de Macabeus nos mostra as bases dessa necessidade. Assim como Samuel ungiu a Davi como o verdadeiro Rei de Israel, foi João Batista quem, através de seu batismo, ungiu Jesus como o Novo Rei do Novo Reino (João 1, 29-35.49).

Sabemos que nos livros protocanônicos vários textos inspirados foram escritos sobre os eventos durante os quais não houve profetas em Israel. Por exemplo, Asafe escreve no Salmo 74, 8-9:

Disseram em seus corações: Destruamo-los todos juntos; incendiai todos os lugares santos da terra. Não vemos mais nossos emblemas, já não há nenhum profeta e ninguém entre nós que saiba até quando…”.

Será que não existiam profetas já no tempo dos Salmos mais de 600 anos antes de Cristo, e também o Salmo 8 ou todo o Livro dos Salmos não é, e não se diz inspirado por causa disto? Da mesma forma, o escritor das Lamentações fala de uma época em que havia profetas, mas nenhuma revelação:

Tet. Jazem sob escombros as suas portas que ele quebrou, partindo as traves. Acham-se no estrangeiro seu rei e príncipes. Não há mais oráculos. Mesmo os profetas não mais recebem as visões do Senhor”. (Lamentações 2, 9)

Será o autor das Lamentações em 589 a.C, também não se julgava inspirado por dizer que não haviam profetas?

O exegeta protestante Rudolf Meyers relata no artigo “Supplement on the Canon and the Apocrypha” que está no “Theological Dictionary of the New Testament” que:

Sobre a restauração do templo por Judas Macabeu as pedras do altar profanado foram guardadas para serem usadas somente quando um profeta se levantasse para fazer a intimação necessária. Este é geralmente considerado como um sinal de que não havia nenhuma profecia na época, mas esse entendimento não é totalmente correto. A exposição deve, antes, assumir que o autor considera aparentemente a existência de um profeta como possível (II Macabeus 10, 1 ss). Em termos desta atitude religiosa básica I Macabeus concorda com Siraque e seu neto. Não se precisa ter nenhuma surpresa que essas opiniões eram possíveis no momento em que a neo-profecia já estava emergindo pseudepigraficamente, para as diferentes perspectivas não se anulam, mas existiam juntas por um longo tempo. A teoria de que não havia profecia presente, como veremos mais adiante (-> 982), não prevaleceu até  o período pós-apostólico” (R. Meyers, “kruvptw,” –  “Supplement on the Canon and the Apocrypha,” TDNT,  3.980, FN 64)

Como foi visto no item anterior, o próprio Flávio Josefo diz que João Hircano desse mesmo livro, tinha o dom da profecia. Além disso, existem várias profecias nos livros deuterocanônicos, como já visto no capítulo II deste estudo. A mais clara delas é a do livro da Sabedoria que traz a profecia sobre o Messias. Nos protocanônicos, geralmente não há nada dizendo: “Esta é uma profecia sobre o Messias”, mas sabemos que se trata de uma profecia clara como, por exemplo, no Salmo 22 e em Isaías 53. Da mesma forma, o capítulo 2 da Sabedoria não diz “esta é uma profecia sobre o Messias”, mas dá uma previsão poderosa e só pode ser explicada com o que aconteceu com Jesus, o Messias, que na verdade era o Filho de Deus, condenado à morte e escarnecido.

Também, além do fato da Sabedoria claramente falar de Jesus, a alegação de que não há referências de profetismo nos deuterocanônicos é derrubada pela seguinte passagem do livro do Eclesiástico 24, 32-34:

Farei, pois, luzir a instrução como a luz da aurora e a proclamarei até bem longe. Continuarei a espalhar minha instrução como profecia e a deixarei para as gerações dos séculos, e não cessarei de anunciá-la à sua descendência até a santa eternidade. Vede que não trabalhei só para mim, mas para todos os que a Sabedoria procuram?” (Eclesiástico 24, 32-34 / 24, 44-47).

O autor de Eclesiástico, nesses versículos, escreveu que o livro da Aliança de Deus, o Altíssimo, foi escrito por Moisés (Eclesiástico 24, 23) e, aqui, ele diz que o que ele escreve é profecia e que esse livro foi escrito para todas as gerações futuras, para todos os que buscam instrução.

Veja, também, Tobias:

Agora, porém, bendizei o Senhor sobre a terra e celebrai a Deus. Eu subo para Aquele que me enviou. ‘Assentai por escrito tudo o que vos aconteceu. ’ E subiu.” (Tobias 12, 20).
Ou seja, um anjo do Senhor ordenou que tudo fosse escrito, portanto, ordem direta de Deus. Assim, não só os livros têm realmente uma profecia preditiva (Sabedoria 2, 12-20) em referência a Jesus, mas também afirmam falar em nome de Deus, do mesmo modo como Moisés fez e para todas as gerações futuras (Eclesiástico 24, 32-34; Tobias 12, 20).

Finalmente, qualquer tentativa de agarrar-se a uma leitura errada do livro dos Macabeus ou do Talmude Judaico, só prejudica aqueles que dizem que Jesus é o Messias. Se a profecia e os escritos cessaram 400 a.C, então Jesus não é o Messias, como João Batista também não é um profeta, e os escritos do Novo Testamento não podem ser usados também, pois não teriam uma visão profética qualquer que seja, pois não há nada dizendo que os profetas voltaram ou que livros poderiam ser escritos. Qualquer ataque aos deuterocanônicos, baseado na existência ou não de profetas, só volta contra as próprias bases do Novo Testamento. Ou é tudo, ou nada: Se a partir de 400 anos antes de Cristo, nenhum profeta existiu, então não são apenas os deuterocanônicos inválidos, mas assim também o é o Novo Testamento.

Portanto, toda essa argumentação de que “Os livros tinham de ser escritos pelos profetas, a fim de que sejam Escritura” é absolutamente falsa.

6 COMENTÁRIOS

  1. Olá Rafael Rodrigues

    Boa noite

    Mais uma vez parabéns pelo excelente site. Você pretende lançar uma segunda edição do excelente livro Em defesa dos Deuterocanônicos ?

    Um grande abraço e muitas felicidades

    Luiz

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