Domingo, Maio 5, 2024

Refutação ao “Dois dedos de teologia”

            Recentemente foi feito um vídeo em defesa da Sola Scriptura, do qual fiz algumas anotações ponto a ponto, e, embora até mais da metade do vídeo sequer se aborde o tema, tratarei também desta primeira metade, visto que houve também certas mentiras grosseiras. Digo que mais da metade do vídeo não trata sobre o assunto porque, mesmo se, como ele afirma, (1) os apóstolos já entendessem que estavam escrevendo uma Bíblia, (2) que houvesse uma expectativa quanto a isso, (3) que toda aliança cobra um contrato escrito e (4) que estivessem conscientes de escrever a Palavra de Deus, nada disto implicaria na Sola Scriptura. Todos estes itens devem ser tratados ao se falar de Inspiração, mas nada disto, mesmo pressuposto como verdadeiro, tem qualquer valor para a defesa da Sola Scriptura, até porque é um fato tanto dado pelo testemunho das Escrituras, quanto pela Tradição e pelo Magistério da Igreja que os Livros Sagrados foram inspirados pelo Espírito Santo e, embora a Bíblia tenha sido escrita por homens, é Deus o próprio Autor. Por este motivo, toda e qualquer indicação no Antigo Testamento, no Novo Testamento e na Tradição a respeito da Inspiração, pode até ser um assunto interessante de se estudar, mas foge do tema e só faz dar, aos que não têm rigor nos estudos e que não conhecem direito o assunto, a sensação de que isso de alguma forma prova a Sola Scriptura. Não prova.

            A questão principal, portanto, girará em torno de como o Canon foi definido (segundo ele, reconhecido) e se as Escrituras colocam a si mesmas como única regra de fé, além de desfazer algumas mentiras a respeito do que a Igreja diz sobre o assunto. Ele, por exemplo, nega que a Igreja tenha conferido autoridade às Escrituras… e nós também! O Primeiro Concílio Vaticano, na Constituição dogmática Dei Filius, capitulo 2, diz o seguinte: “[…] a Igreja os tem por sagrados e canônicos, não porque, logo tenham sido compostos pelo labor humano, foram aprovados pela Igreja […] mas porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor, e, como tais, foram transmitidos para a Igreja”. Se o pretenso refutador da Igreja Católica conhecesse o que a Igreja Católica diz, ele não teria perdido tempo nem feito tanta gente perder tempo (nas minhas anotações sobre o vídeo cheguei até a escrever o seguinte: “19 minutos, parece que ele vai COMEÇAR a falar sobre a Sola Scriptura”).

            Realmente eu não sei como esse pessoal consegue tanto tempo livre para estas coisas. Como não é o meu caso, vou TENTAR tirar 30 minutos por dia, no horário do almoço, para fazer algumas considerações sobre a Sola Scriptura e chamar atenção a certas mentiras desse vídeo. Isso não quer dizer que postarei todos os dias, mas que todos os dias escreverei algo a respeito que será postado conforme for concluído e organizado após a conclusão. Decidi fazer isto por dois motivos: primeiro, porque a Sola Scriptura foi a primeira heresia protestante que abandonei (embora eu tenha continuado protestante, pois nem todos protestantes creem nela); segundo, porque já faz um bom tempo que eu queria escrever algo sobre o assunto, mas sempre deixava para depois.

Proponho-me fazer o seguinte:

  • Tratar sobre o que a Igreja diz sobre a Inspiração através dos seus documentos oficiais. Este item é importante porque o autor do vídeo constantemente critica o que a Igreja jamais ensinou. Isso não é novidade. Boa parte da apologética católica é mostrar o que a Igreja REALMENTE ensina.
  • O critério para saber quais são os livros Inspirados. Ainda não é a Sola Scriptura, mas, se um livro é Inspirado por Deus, deve haver algum critério ABSOLUTO. No vídeo são citados alguns critérios que, embora interessantes, não são absolutos. Não sendo absolutos, dão margem a dúvidas e, por isso, devem ser rejeitados. Além disso, ele conta uma história que não ocorreu. Não devemos elaborar uma teoria sobre a formação do Canon, mas ver, através da história, como ele foi definido de fato.
  • O que é Tradição. Mais uma vez, desmentindo algumas alegações que NÃO são do ensino da Igreja, ou, pelo menos, são incompletas.
  • Sola Scriptura propriamente dita, coisa que quase não é tratada no vídeo.
  • Livre exame.
  • Alguns comentários gerais sobre outras afirmações no vídeo.

            Como disse anteriormente, tirarei trinta minutos por dia para responder as alegações que recentemente foram feitas a favor da Sola Scriptura e contra a Igreja. Eu já havia dito que a Inspiração não implica na Sola Scriptura (e não precisa ser católico para saber disso), mas, como foi talvez o assunto mais abordado no vídeo, e como foram ditas algumas mentiras sobre o que a Igreja diz, então tratarei deste assunto, especialmente as afirmações de que não é a Igreja que dá autoridade ao texto, que lhe confere algo ou que possa fazer qualquer escolha arbitrária. Como eu disse no primeiro texto, a Igreja jamais disse isso. Fora isso, é um assunto útil e interessante para todos.

            Vejamos a natureza da Inspiração, segundo o Magistério Infalível da Igreja:

– Primeiro Concílio Vaticano, Constituição dogmática Dei Filius, cap. 2: “Os livros do Antigo e Novo Testamento, íntegros em todas as suas partes, tal como se enumeram no decreto do Concílio de Trento, e estão na antiga edição Vulgata latina, devem ser recebidos como sagrados e canônicos. Entretanto, a Igreja os tem por sagrados e canônicos não porque tão logo foram compostos pelo labor humano, foram logo aprovados por ela, nem somente também porque contenham a revelação sem erro, mas porque, escritos por inspiração do Espírito Santo, têm a Deus por autor, e, como tais, foram transmitidos pela Igreja.”

Só este primeiro texto desmente as referidas alegações, mas vamos a outros textos sobre a natureza da Inspiração:

– Primeiro Concílio Vaticano, Canones sobre a fé católica, Da Revelação: “Se alguém não receber como sagrados e canônicos os livros da Sagrada Escritura, íntegros em todas as suas partes, tal como os enumerou o santo Concílio de Trento (esta ainda não é a questão, mas coloquei o início para o texto final não ficar no vácuo), ou negar que foram divinamente inspirados, seja anátema.

– Leão XIII, Providentissimus Deus: “Esta é a antiga e constante fé da Igreja, definida solenemente pelos Concílios de Florença e Trento, e confirmada finalmente no primeiro Concílio Vaticano, que promulgou de modo absoluto que: ‘Os livros do Antigo e Novo Testamento … têm a Deus por autor’. Por isso, é absolutamente inútil alegar que o Espírito Santo tomou os homens como instrumentos para escrever, de tal modo que, não seja certamente o primeiro autor, mas sim os escritores inspirados, se lhes fosse possível desviar alguma falsidade. Pois foi Ele mesmo quem, por virtude sobrenatural, impulsionou e moveu de tal modo, e de tal modo os assistiu enquanto escreviam, que haviam de escrever e conceber retamente em sua mente, e haviam de querer consignar fielmente e expressar aptamente com infalível verdade tudo aquilo e somente aquilo que Ele lhes mandara; de outro modo, não seria Ele o autor de toda a Sagrada Escritura.”

– São Pio X, Lamentabili: “Proposição condenada: 10. A inspiração dos livros do Antigo Testamento consiste em que os escritores israelitas ensinaram as doutrinas religiosa sob um aspecto peculiar e pouco conhecido ou ignorado pelos gentios.”

– Bento XV, Resposta da Pontifícia Comissão Bíblia, em 18 de junho de 1915: “Segundo o dogma católico sobre a inspiração e inerrância das Sagradas Escrituras, tudo o que o hagiógrafo afirma, enuncia e insinua deve ter-se como afirmado, enunciado e insinuado pelo Espírito Santo.”

– Bento VI, Spiritus Paraclitus: “Recorram-se aos livros do grande doutor (São Jerônimo); não há página que não testifique com evidência que ele sustentou, firme e invariavelmente, com a Igreja Católica inteira, que os Santos Livros foram escritos sob a inspiração do Espírito Santo, que têm a Deus por autor e que, como tais, a Igreja os recebeu. Os Livros da Sagrada Escritura, afirma, foram compostos sob a inspiração, seja por a sugestão, ou a insinuação, ou mesmo ditado pelo Espirito Santo; mas, todavia, o mesmo Espírito foi quem os redigiu e publicou. […] Deus deve ser tido como causa principal de cada um dos pensamentos e expressões da Escritura. […] a opinião de São Jerônimo está em perfeita harmonia com a doutrina comum da Igreja Católica sobre a inspiração. Deus, afirma ele, por um dom de sua graça, ilumina o espírito do escritor em relação à verdade que ele deve transmitir aos homens em nome de Deus; em seguida, move sua vontade e o impulsiona a escrever; finalmente, dá-lhe a assistência especial e contínua até o final do livro.”

Note-se aqui que é também ensino da Igreja que os escritos foram RECEBIDOS. Se fosse feito um estudo sério antes de se falar o que não sabe, meu tempo teria sido poupado (estou realmente muito mau humorado por causa de certas besteiras repetidas com ar de erudição). Mas esse mal pelo menos serviu para que eu revisasse alguns assuntos, e poderá servir para algumas outras pessoas.

– Pio XII, Divino afflante Spirito: “Entre esses merece especial referência o fato de os teólogos católicos, seguindo a doutrina dos santos Padres e, principalmente, do doutor angélico e comum, terem indagado e exposto com mais precisão e fineza do que nos séculos passados, a natureza e efeito da inspiração bíblica. Partindo nas suas investigações do princípio que o hagiógrafo ao escrever o livro sagrado é órgão ou instrumento do Espírito Santo, mas instrumento vivo e racional, observam justamente que ele sob a moção divina usa das suas faculdades e energias de tal modo, que todos podem facilmente reconhecer do livro por ele composto “qual a sua índole própria, e como que as feições e traços característicos da sua fisionomia.”

Portanto, para a Igreja, os livros não são inspirados só porque foram recebidos pela Igreja (no sentido da Igreja ter conferido autoridade a estes livros), mas porque tiveram Deus por autor.

É muito fácil refutar uma invenção conveniente. Difícil mesmo, e raro (embora haja protestantes que se dedicam a um estudo sério), é saber o que a Igreja realmente diz para poder criticá-la. Neste vídeo o que se refutou foi uma invenção, não a Igreja. Nele não há o mínimo de rigor, vários assuntos são misturados, refuta-se o que não existe e se confunde assuntos importantes.

Na próxima postagem começarei a tratar dos critérios para saber quais textos são inspirados e como isso aconteceu na história, pois não se pode inventar qualquer teoria que não esteja de acordo com o que realmente ocorreu e nem se pode ter, para algo tão importante, critérios que não sejam absolutos. Ainda não é a Sola Scriptura, mas, já que foi tratado no vídeo e há muitos erros lá, então também serei obrigado a tratar do assunto.

Vimos o que a Igreja ensina sobre Inspiração. Mostrou-se tanto que ela não concedeu autoridade aos textos Bíblicos, quanto que não nega que os textos tenham sido recebidos. Pelo contrário, este é o ensino constante da Igreja, o ensino de todas as épocas, que é, por sinal, um dos principais sentidos de Catolicidade, não um sentido quase que etéreo de “universalidade” boba que não serve para nada. Isso foi importante, como eu disse, para que não se fique batendo no vento, dizendo que a Igreja “não concedeu inspiração, mas recebeu” os livros inspirados ou que “os livros foram entregues”. A questão, portanto, não é se ela recebeu, mas a natureza desta recepção. Há algum critério para sabermos com certeza absoluta quais são os livros inspirados? Ou melhor: qual foi o critério usado pela Igreja em todos os tempos para isso? O que fizeram os hereges de todos os tempos? Estas últimas perguntas são mais importantes e exatas porque não somos nós que inventamos critérios, mas devemos observar como a Igreja sempre agiu, em todos os tempos e em todas as partes.

Não vale a pena seguir critérios falíveis e imprecisos, e, por este motivo, devemos buscar algo que seja:

(1) Verdadeiro em todos os livros.

(2) Apto por si mesmo para decidir.

(3) Completamente verdadeiro e acessível para todas as pessoas.

(4) Objetivo.

(5) Infalível.

            É necessário que seja verdadeiro para todos os livros, porque, se for assim, não passará de mera arbitrariedade de quem inventa critérios para usar ou não usar quando convém. Deve ser apto por si mesmo para decidir, porque algo que venha de Deus não pode ser por qualquer um e de qualquer forma. Não é qualquer um a seu bel prazer que pode decidir. Terceiro, deve ser completamente acessível e verdadeiro para todas as pessoas, e isso inclui todos os tempos, do passado e do futuro, e todas as regiões, pois Deus não faz acepção de pessoas e uma verdade tão importante para a nossa salvação não pode comumente excluir ninguém que queira honestamente conhecê-la. Quarto, deve ser objetivo, pois não pode ficar a cargo de posições e opiniões inexatas e que não possam ser valoradas. Finalmente, deve ser infalível, assim como tudo que vem de Deus e é crucial para a nossa salvação. Deus jamais poderia colocar, por efeito de sua Justiça, algo falível como crucial para a nossa salvação. Quando avaliarmos cada um dos critérios, explicarei melhor o porquê é incoerente usar critérios que não tenham todas estas condições. Não que não se possa usar critérios secundários, mas eles não são suficientes por si.Tenha isso em mente: não deve ser algo que tenha uma ou alguma destas condições,  mas algo que tenha todas elas em si. Estas são explicações resumidas, mas nada que provenha do Verbo, da Eterna Sabedoria, pode ser menos que isso.

Inicialmente vamos analisar os critérios conforme foram dados pelos protestantes no decorrer da história, depois veremos o verdadeiro critério. Você perceberá que os critérios protestantes foram mudando com o tempo, chegando a ser bem diferentes da apologética atual. Ou seja: o que disseram Wicliff e Lutero a respeito do critério é bem diferente do que dizem os protestantes de hoje, como Norman Geisler (que resume em seus trabalhos uma grande quantidade da apologética protestante atual em relação à Bíblia) ou de outros protestantes que veremos adiante. Eles têm como pressuposto o seu cânon (que também variou) e buscam argumentos para validá-los sem se importar que mudem com o tempo.

Aqui está o sumário dos critérios que, exceto um, variaram com o tempo e com o autor, sendo alguns deles citados no vídeo. Vamos avaliar um por um:

  • Critério do conteúdo e da forma do livro. Usaram-no: Wicliff, João Huss, João Gerhardo, e Lutero.
  • Critério dos efeitos que o livro gera. Usaram-no outros protestantes (e alguns ainda usam) como Calvino.
  • Testemunho do próprio autor (muito usado no vídeo ao fazer referência ao autor que, de certa forma, sabia que estavam escrevendo o que faria parte do Canon).
  • Também usado no vídeo.
  • Testemunho do Espírito Santo. Usado pela Confssão Protestante dos Países Baixos e pela Confissão Protestante Francesa.
  • Coerência interna e externa.
  • Uso litúrgico. Ou, nas palavras do autor do vídeo, uso comum da Igreja.
  • Tradição cristã num magistério Infalível. Aqui procurarei principalmente mostrar como foi que ocorreu na história o recebimento e definição do Canon.

Continuando o assunto sobre como a Igreja nos deu a Bíblia e a Sola Scriptura (ainda não comecei a falar sobre ela)…

Um dos mais antigo argumentos dos protestantes para ignorarem a existência do magistério é afirmar o critério do conteúdo e a forma do livro. Este argumento afirma que o critério é o próprio testemunho das escrituras. Como disse antes, João Huss, Wicliff, João Gerard, e Lutero afirmaram tal coisa.

João Gerhard disse que “a antiguidade, a majestade do que é narrado, a dignidade das coisas futuras, a verdade dos milagres em que a doutrina é afirmada são narrados, o furor do diabo contra ela, e a própria eficácia das Escrituras em persuadir e mover” são critérios para isso.

Já critério de Lutero, apesar de ser usando o conteúdo e a forma do livro, era diferente: a intensidade com que o livro falava de Cristo Como mediador e que continha a doutrina da justificação pela fé. E foi por estes motivos que ele desconsiderou os deuterocanônicos, e não gostava das epístola aos Hebreus, a carta de São Tiago, de São Judas e o livro do Apocalipse.

Esses dois critérios (perceba que já são diferentes entre si) não são acessíveis com facilidade e exigem que já se dê certo valor ao próprio texto, também não são universais, pois não se aplicam a todos os livros e nem mesmo a todas as passagens. Nem todos os livros falam das coisas futuras, nem todos falam da justificação pela fé, nem todos narram com milagres. Também não respondem ao seguinte: qual é a intensidade um escrito deve narrar a respeito de Cristo e da justificação pela fé? (no caso de Lutero).

Em suma: estes argumentos confundem as qualidades de um texto com a origem deles. Mesmo que tivessem a maior majestade do mundo, mesmo que houvesse narrativas proféticas sobre o futuro, mesmo que falassem sem qualquer sombra de dúvida sobre os milagres, sobre Cristo como Mediador ou sobre a justificação pela fé, não implicaria necessariamente numa origem divina. Há livros com a mesma antiguidade e até mesmo grandeza ao expor a narração, que falam de Cristo como Mediador e que não são inspirados.

Embora o que coloquei acima é suficiente para mostrar que estes critérios não são suficientes, há algo mais: a “justificação pela fé somente” não é consenso entre todos os protestantes, nunca foi fé da Igreja (qualquer documento pode provar, embora isso não seja necessário mostrar aqui), e sequer foi utilizado pelos Padres da Igreja como critério para a definição de qualquer coisa.

Em suma: são critérios subjetivos, inacessíveis a todos, não são universais, confundem qualidade do texto com a origem dele, e, por fim, são recentes, isto é, foram inventados centenas de anos depois para justificar uma determinada posição (não foi assim que ocorreu na história. É como uma ideologia que ignora a realidade).

Nem mesmo os atuais protestantes (refiro-me aos que se dedicam a estudar seriamente o assunto), exceto aqueles que querem se sentir incluídos entre os “reformados”, concordariam que esses critérios por si poderiam estabelecer qualquer coisa sobre a inspiração e ter nos dado a Bíblia.

Como amanhã é domingo, ficarei sem escrever sobre o assunto. O próximo critério é dos efeitos que os livros geram.

Da mihi animas, Domine, cetera tolle.

Se vários protestantes hoje apresentam uma série de critérios para definir o que é Inspirado, isso não passa de uso posterior do que em outros momentos foi feito separadamente, por pessoas diferentes, por motivos diferentes e com conclusões diferentes (os cânones dos protestantismos iam mudando conforme os critérios eram acrescentados ou retirados).

No primeiro exemplo falamos daqueles que, como Lutero, Huss e Wicliff, colocavam como critério a forma e o conteúdo dos livros. Mas, como esse critério variava por pessoa ou grupo protestante, houve os que tinham como critério os efeitos religiosos do livro.

Calvino disse: “Quanto, porém, ao que perguntam: como seremos persuadidos de que as Escrituras provieram de Deus, a não ser que nos refugiemos no decreto da Igreja? É exatamente como se alguém perguntasse: de onde aprendemos a distinguir a luz das trevas, o branco do preto, o doce do amargo? Pois a Escritura manifesta plenamente evidência não menos diáfana de sua veracidade, que de sua cor as coisas brancas e pretas, de seu sabor, as doces e amargas.”

Este critério é insuficiente pois: primeiro, os efeitos não são produzidos sempre e necessariamente, nem por cada livro isoladamente nem pela Bíblia em conjunto. Nem todos os livros e trechos da Bíblia têm a aptidão de fazer isso, como Levítico, por exemplo, e trechos específicos de outros livros. Não é, pois, um critério universal. Segundo, confunde os efeitos de um livro com a origem dele (que é o que estamos procurando). Vários livros cristãos e não cristãos produzem os mesmos efeitos apontados por Calvino e pelos outros protestantes, e certos livros, como a Imitação de Cristo e outros textos de ascética, chegam a produzir até mesmo efeitos maiores em algumas pessoas do que boa parte dos livros da Bíblia. Além disso, há em algumas pessoas o efeito contrário. Por fim, outras religiões, como os Mórmons afirmam a mesma coisa de seus livros.

Não há, portanto, um nexo necessário entre os efeitos apresentados (ou qualquer outro tipo de efeito) e a Inspiração (origem divina). É um critério subjetivo, arbitrário e sem universalidade. Não é à toa que os protestantes mais instruídos jamais apresentam este critério como critério válido.

Antes de falar sobre o critério que talvez os protestantes deem mais valor, que é o da “origem apostólica”, um rápido parecer sobre um que, embora seja citado constantemente, seja mais simples de refutar: o testemunho do próprio autor.

Ora, os pseudoepígrafos dizem ter sido escrito por profetas e apóstolos, mas nem por isso se pode afirmar que sejam deles nem que sejam inspirados. Além do mais, não são todos os livros da Bíblia que dizem ter tido suas palavras inspiradas por Deus. No Antigo, somente o Pentateuco, Isaías e Jeremias dizem isso, e, no Novo Testamento, somente o Apocalipse.

Mesmo Deus mandando escrever, isso não implica necessariamente, por si mesmo, na inspiração, pois o escritor sagrado está inconsciente por si mesmo deste fato, que é sobrenatural. Por fim, dizer que está escrevendo a Palavra de Deus também não implica em inspiração. Algo pode ser considerado Palavra de Deus sem ser necessariamente inspirado, embora toda palavra Inspirada seja Palavra de Deus.

Portanto, é um critério arbitrário, insuficiente, particular assim como os outros (isto é, não é universal) e ignora o próprio significado de Inspiração. Inspiração significa que o livro tem Deus por autor, não que o livro tenha sido escrito por ordem d’Ele.

“Se Eu der testemunho acerca de mim mesmo, o meu testemunho não será válido.” (São João 5, 31)

Já falamos dos critérios da forma do livro (usado por Wicliff, Hus, Gerhardo e Lutero), dos efeitos (usado por Calvino) e do testemunho do próprio autor (usado muito atualmente). Trataremos agora do critério da Origem Apostólica. Este critério diz o seguinte: uma vez que Cristo prometeu aos apóstolos que o Espírito Santo os guiaria no ensino, esta assistência impediria que qualquer erro fosse cometido. Assim, se um livro foi escrito diretamente por um apóstolo ou alguém diretamente ligado a ele, então o livro deveria ser incluído no cânon.

Este critério é usado pela maioria dos protestantes hoje e em alguns casos parece que é o que dão mais valor.

Este critério não é válido pelos seguintes motivos:

Primeiro, não vale para todos os livros da Bíblia, pois não se aplica ao antigo testamento. Alguém pode dizer os Profetas estão no Antigo Testamento assim como os Apóstolos estão para o novo. Entretanto, a natureza do ministério dos Profetas é diferente do dos Apóstolos e, portanto, não pode ser considerado como o mesmo critério.

Mas este critério não é válido principalmente por este segundo motivo: não se pode confundir a [infalibilidade] dos Apóstolos dada pela assistência do Espírito Santo para seu ensino tanto oral quanto escrito com a [inspiração] que implica que tal livro tem Deus como autor. O fato do ensino escrito, por assistência do Espírito Santo, não conter erros, não leva necessariamente à conclusão de que é Deus o autor. Por este motivo, há autores inspirados que não foram Apóstolos e sequer foram Profetas, pois um livro é inspirado não pela assistência contra o erro, mas pela origem divina.

Por fim, a primeira pessoa que apresentou este critério foi Johann David Michaelis, Johann David Michaelis. Portanto, assim como os outros critérios, é uma invenção nova, não um ensino constante derivado do início da Igreja. Dizem que os Padres da Igreja colocavam a origem apostólica como critério, mas isso não é verdade. Há também um equívoco aí que possivelmente será tratado no último texto.

Ademais, alguns dizem que, no caso do Antigo Testamento, mesmo não tendo sido escrito por Apóstolos (o que é óbvio), eles teriam sido citados por Jesus ou pelos Apóstolos. Isso não pode ser aceito por dois motivos: (1) Nem todos os livros do AT foram citados por Jesus e pelos Apóstolos, e mesmo que tivessem sido citados, nem todos os casos são citados como Inspirados (e dizer que é “Palavra de Deus” não implica em inspiração); (2) alguns trechos do Novo Testamento falam de “Escrituras Inspiradas”, mas não dizem quais são e, portanto, não solucionam o problema apresentado; (3) os livros Deuterocanônicos foram mencionados constantemente e nem por isso os protestantes aceitam sua inspiração. Ou seja, é arbitrariedade PURA.

Portanto, é um critério que confunde “apostolicidade” com “origem divina” e, por não se aplicar a todos os livros da Bíblia e por ser uma novidade, pois surgiu séculos depois, não é um critério universal, nem se aplicado a cada livro da Bíblia nem se aplicado a cada época da Igreja. Ou seja: quem aplica este critério sequer faz ideia do que seja Inspiração, mas repete só porque alguém de renome disse.

Já falei dos critérios da forma, dos efeitos e do testemunho do autor. Vejamos agora o que chamam de “Testemunho do Espírito Santo”.

Alguns outros protestantes criaram uma espécie de critério extra que é o testemunho do Espírito Santo a quem lê (bem parecido com o que os Mórmons fazem com seu livro sagrado):

A protestante Confissão Belga diz o seguinte: “Cremos, sem dúvida nenhuma, em todo o que eles contém, não tanto porque a igreja assim os recebe e aprova, mas principalmente porque o Espírito Santo testifica em nossos corações que eles vêm de Deus”.

A Confissão Francesa diz: “Não somente pelo sentimento unânime da Igreja, mas também e principalmente pelo testemunho do Espírito Santo e a convicção que Ele dá interiormente, já que Ele é quem nos faz diferenciá-las de outros escritos eclesiásticos.”

Perceba-se que eles colocam esse testemunho como maior do que a aprovação da igreja, o que já seria de esperar, visto que eles têm uma visão errada e deficiente do que é Igreja.

É possível que Deus desse a iluminação privada a todas as pessoas que lessem? Sim. Mas Ele não quis que fosse assim, pois não é a forma ordinária do seu agir e a experiência prova isso.

Mas mesmo que Deus tivesse dado a iluminação a um ou outro, ou até mesmo a um grupo grande pessoas, este critério é subjetivo e não é universal.

Subjetivo porque normalmente ninguém nota a Inspiração das Escrituras (ou seja, origem divina) de forma explícita e cabal. Não precisaríamos sequer de argumentar e protestante nenhum precisaria gastar muito tempo com isso.

Na verdade, quem geralmente apela a este “testemunho” já pressupõe a Inspiração e muitas vezes, é gente bem suscetível ou quem não tem mais o que argumentar.

Ademais, nem todos os protestantes concordam a respeito do Canon. Todos eles são protestantes, todos se consideram eleitos (os que creem nisso, é claro), mas nem todos concordam entre si a este respeito, não só hoje, mas considerando também as mudanças que ocorreram no seu Cânon no decorrer da história (o que não é novidade). Não é universal, portanto.

Ou seja: é um princípio falho na teoria e na prática.

Os próximos critérios serão o uso Litúrgico e a Tradição.

Ora, ora, católico, já criticaste os critérios que usamos da origem apostólica, da confirmação interior do Espírito Santo, das provas pelo efeito do livro, da forma e do uso do livro, mas vais negar o uso litúrgico como critério para saber quais são os livros inspirados? Afinal, os católicos falam tanto da liturgia, ela deve ser algum valor nessa controvérsia.

Sim, a liturgia é importantíssima, especialmente para saber muito do depósito da fé, da tradição. Lex orandi, lex credendi.

Mas nem a liturgia pode ser critério real para decidir o que é inspirado ou não. Os motivos são simples:

– Não é um critério universal, pois nem sempre todos os livros eram lidos nas liturgias, as liturgias diferiam a respeito de alguns livros (alguns livros não canônicos eram lidos) e nem todas as partes dos livros eram lidas.

– Equívoco: pelo mesmo motivo de haver leitura livros que não eram canônicos, pois não eram lidos apenas livros bíblicos.

– É arbitrário: não há nenhum nexo necessário para dizer que um livro usado na liturgia seja necessariamente Inspirado. Pode haver, sim, nexo entre liturgia e infalibilidade, isto é, o que era lido na liturgia não tinha erro doutrinário, mas, como está demonstrado nos textos anteriores, não infalibilidade doutrinária não é a mesma coisa que Inspiração.

Antes de falar sobre o último critério, que é o que realmente se deve usar e o que é testemunhado historicamente, há também outro que os protestantes costumam dizer: a coerência interna e externa.

Eles dizem que, para ser Inspirado, o livro deve ter coerência interna e externa. Isso é verdade, mas esta é uma característica que há nos livros inspirados, não um critério para descobrir se são inspirados, pois, assim como nos outros critérios, não há nexo necessário: um livro pode não ser inspirado e ser totalmente coerente em si mesmo e com todos os livros das Escrituras. Para ter essa coerência, basta falar a verdade, mas falar algo verdadeiro não prova que o que foi dito tem Deus como autor direto. Vários livros que não são canônicos, que tiveram origem indiretamente apostólica (e o Evangelho de São Lucas teve origem indiretamente apostólica) e até mesmo eram lidos na liturgia não são canônicos, embora não contenham erros, como o texto do Papa São Clemente (de 35 a 100 d. C.) e as cartas de Santo Inácio de Antioquia.

Ademais, se os protestantes fossem completamente honestos, não negariam os deuterocanônicos, pois eles têm todas estas características, incluindo a coerência interna e externa (embora, como os ateus, eles busquem a qualquer custo contradições nos deuterocanônicos). Nos comentários colocarei algumas referências sobre este assunto.

Um conjunto de argumentos falsos e equivocados não formam um argumento bom, muito menos podem dar uma prova objetiva (e para algo que seja importante para a salvação não se pode ter nada menos do que algo objetivo). Portanto, os critérios utilizados pelo protestantes para o Cânon não podem ser colocados como um conjunto unificado, tanto pelo que acabei de dizer, quanto por não ter nenhuma ligação intrínseca entre eles.

A única solução, portanto, é ver como Deus quis que as coisas ocorressem e como a Inspiração dos livros Sagrados fossem manifestados ao mundo. Não é só uma teoria que queremos, uma teoria que jamais ocorreu de fato, mas um Princípio objetivo aceito unanimemente em todas as épocas e acessível a todas as pessoas.

Os católicos já sabem o nome dele, mas vejamos antes o testemunho dos Padres da Igreja:

Santo Irineu: “[…] Conhecemos a disposição de nossa salvação […] por aqueles dos quais o Evangelho veio até nós, o qual primeiramente anunciaram e, depois, pela vontade de Deus, nos entregaram. E nas Escrituras”. Note-se aqui que ele diz que a Igreja está em posse das Escrituras, pois somente ela recebeu. Há, portanto, um corpo visível que recebeu algo também visivelmente. Qualquer pessoa honesta aproveitaria esta ocasião para pensar qual é o único corpo com estas características, mas este não é o assunto em questão ainda…

Serapião de Antióquia: “Irmãos, recebemos a Pedro e aos demais apóstolos como ao próprio Cristo, mas, quanto aos falsos escritos colocados sob o seu nome, estamos vigiantes para repudiá-los, pois sabemos que não recebemos tal coisa dele” (História Eclesiástica, VI, 12)

Clemente de Alexandria: “Antes de tudo, não recebemos isto nos quatro evangelhos que nos foram entregues”. Este é o texto do Stromata, onde ele rejeita os apócrifo do Evangelho dos Egípios por não terem sido recebidos pela tradição.

Tertuliano: “Assim, da própria ordem [dos livros] se manifesta que é do Senhor e que é verdadeiro o que inicialmente foi entregue, e é estranho e falso o que posteriormente é artificialmente imposto”. Aqui Tertuliano põe a origem do que deve ser aceito com o que foi entregue. Uma pergunta pertinente: entregue de quem para quem? Ainda vamos responder, mas desde já creio que está na hora de pararem de inventar teorias sem nenhum amparo histórico como “entregue aos cristãos”. Dizer isso é fazer como os ideólogos que ignoram a realidade para defender o que pensam.

Orígenes: “Eu recebi como vindo da Tradição, no que se refere aos Evangelhos, que são os únicos incontestáveis na Igreja de Deus”. Já sabemos de onde veio. Os textos anteriores também tinham dito: vieram através da Tradição.

Santo Atanásio, destruidor dos Arianos: “Os quais os mesclam com a Escritura inspirada por Deus, que recebemos por testemunhos certos, da mesma maneira que aos Padres foram entregues os mesmo que desde o princípio vieram e foram ministros da palavra; e também pareceu a mim, respondendo as súplicas de meus irmãos, assinalar, como aprendi desde o princípio, e relatar por ordem os livros que são divinos, uma vez que o escrito canônico foi entregue e crido”. Aqui temos novamente o “receber”, porém tem também o que foi “entregue”. O leitor atento vai logo lembrar desta expressão Bíblica, que vamos analisar melhor daqui a pouco: “Pois eu recebi do Senhor o que também vos entreguei”. Temos em todos os casos o que foi recebido e o que foi entregue, também quem recebeu e quem entregou. O meio através do qual se recebeu já temos: a Tradição. Mas quem entrega? É qualquer um? É um conjunto insosso de “cristãos”? E, mais importante, como foi que realmente ocorreu na história? Continuemos…

São Cirilo de Jerusalém, em suas catequeses: “Medita somente e repassa os livros que com certeza lemos na Igreja; muito mais prudentes que tu eram os apóstolos e os antigos bispos governantes da Igreja, a quem as escrituras foram entregues; tu, portanto, sendo filho da Igreja, não perverta as leis estabelecidas”. Aqui está claro que os livros foram recebidos através da Tradição e entregues aos Bispos. Não foram entregues a qualquer um, muito menos a um conjunto amorfo de “cristãos”. Foram entregues aos Bispos. Ao “bispo” Macedo e à “bispa” Sônia que não foi. Mas a quais bispos? Vejamos…

Santo Hilário de Poitiers diz: “A Igreja é um corpo, não uma mistura de confusão de corpos, nem cada um está unido em uma pilha indiscriminada e um agrupamento informe; mas nós somos todos um PELA UNIDADE DA FÉ, pela caridade, pela concórdia das obras e da vontade, pelo dom único do sacramento” (Santo Hilário de Poitiers ao falar dos Salmos 121, n. 5)

Santo Agostinho: “Eu não creria no Evangelho, se a isto não me levasse a autoridade da Igreja Católica”.

A mania de inventar teorias que não se aplicam à realidade e não ocorreram de fato pode fazer com que alguém diga: “Sim, foi pela Igreja Católica, isto é, universal, todos os cristãos do mundo inteiro, não à Roma”.

Esta mania, insuportável por sinal, só pode vir de quem jamais estudou seriamente os textos dos primeiros cristãos e quando, no máximo, leu um texto ou outro de Santo Agostinho. Mas ninguém melhor para explicar o que Santo Agostinho disse do que Agostinho de Hipona (manterei a tradução espanhola):

“En cuanto a las Escrituras canónicas, siga la autoridad de la mayoría de las Iglesias católicas, entre las cuales sin duda se cuentan las que merecieron tener sillas apostólicas y recibir cartas de los apóstoles. El método que ha de observarse en el discernimiento de las Escrituras canónicas es el siguiente: Aquellas que se admiten por todas las Iglesias católicas, se antepongan a las que no se acepten en algunas; entre las que algunas Iglesias no admiten, se prefieren las que son aceptadas por las más y más graves Iglesias, a las que únicamente lo son por las menos y de menor autoridad. Si se hallare que unas son recibidas por muchas Iglesias y otras por las más autorizadas, aunque esto es difícil, opino que ambas se tengan por de igual autoridad.”

Santo Agostinho diz para seguir o consenso apenas? Não. O consenso é importante, mas ele fala da AUTORIDADE das Igrejas Católicas, especialmente a autoridade das MAIS IMPORTANTES. Portanto ele fala de um corpo com autoridade (ou seja, um corpo que tem o poder de ensinar) e, dentre este corpo, há quem seja mais importante. Cabe aqui um comentário pertinente: Nos livros que ele cita, por sinal, estão os Deuterocanônicos que os protestantes por ignorância rejeitam: http://www.augustinus.it/spagnolo/dottrina_cristiana/index2.htm

Então, como peça do nosso “quebra cabeça” temos uma Tradição através da qual algo foi entregue a um corpo de Bispos, os quais fazem parte de uma Igreja, chamada Católica, que não somente recebeu algo mas também tem autoridade para entregar. Por fim, no seio desta Igreja Católica há as igrejas mais importantes (coloco “Igreja” em maiúsculo para se referir à Igreja em sua totalidade, e minúsculo para falar da porção desta Igreja Católica que se encontra em determinado lugar). Só com isso quem não for burro vai perceber que esta Igreja só pode ser visível, mas deixemos isso para depois.

Contra o maniqueu Fausto: “¿De qué libro se tendrá certeza respecto a su autor si no se sabe con certeza si son de los apóstoles los escritos que la Iglesia, propagada a partir de los mismos apóstoles y manifestada con tanto relieve en todos los pueblos, dice y conserva como de los apóstoles? […] ¿a quién, a no ser que al dar su asentimiento a la malicia y falacia de los demonios embaucadores quede trastornado, le ciega tanto el furor que diga que la Iglesia de los apóstoles, tan fiel, tan numerosa concordia fraterna, no mereció que pasaran incólumes a la posteridad los escritos de aquéllos? No en vano han conservado sus cátedras hasta los obispos actuales en sucesión garantizada. Además, esto acontece con toda normalidad respecto a los escritos de cualesquiera hombres, tanto fuera como en el interior de la misma Iglesia.” (http://www.augustinus.it/spagnolo/contro_fausto/index2.htm)

Santo Agostinho diz aqui que os escritos Inspirados foram conservados pela Igreja. Já sabemos um pouco sobre esta Igreja pelo texto anterior. Agora ele diz que só quem usa de malícia e falácia DEMONÍACA que ignora a fidelidade desta Igreja, de numerosa concórdia, que recebeu de forma incólume, conservou em sua cátedra e repassou através de sucessão garantida de bispos. Ele também disse que isso acontece com toda normalidade a respeito de qualquer livro e que foi assim no seio da Igreja (“Iglesia católica, que está difundida por todas las tierras con fertilidad copiosa”, Réplica al Adversari ode la Ley e los Profetas).

Esta Igreja (1) é chamada Católica, (2) tem autoridade de ensinar, (3) a autoridade varia de acordo com a importância da igreja (quem sabe o MÍNIMO de história da Igreja perceberá que ele fala aqui de lugares como Roma, Antioquia, Constantinopla, etc.), (4) isto se dá através dos bispos, (5) os bispos atuais vieram de uma sucessão ininterrupta, (6) sucessão esta que conservou o que recebeu, (7) e quem negar isto é cego pelo demônio.

Essa Igreja é tão visível que só realmente um cego pelo demônio não pode ver. Mas continuemos, pois há algo mais que Santo Agostinho ensinou:

A respeito de Roma, ele disse o seguinte no Sermão 131, 10: “jam enim de hac causa duo concilia missa sunt ad sedem apostolicam; inde etiam rescripta venerunt; causa finita est”

Que traduzido fica: “. . . pois sobre este assunto dois concílios já foram enviados à Sé Apostólica, de onde também rescritos [relatórios] chegaram. A causa está encerrada.”

“Independentemente da sincera e verdadeira sabedoria… que em sua opinião não está na Igreja Católica, muitas outras razões me mantém no seu seio: o consentimento das pessoas e dos povos; a autoridade, erigida com milagres, nutrida com a esperança, aumentada com a caridade, confirmada pela antiguidade; a sucessão de bispos da própria Sé do Apóstolo Pedro, a quem o Senhor recomendou, depois da ressurreição, apascentar suas ovelhas, até o Episcopado de hoje;” (C. ep. Man. 4, 5) “”…ele [Ceciliano] viu-se com a Igreja Romana, na qual sempre floreceu a primazia da cátedra apostólica…”” (Ep 43, 3, 7)

“Julgamos que quem quer que tenha tais opiniões perversas e perniciosas render-se-á prontamente à autoridade de Vossa Santidade, derivada como ela é da autoridade das Sagradas Escrituras” (Ep. 176, Migne P. L.). “Nestas palavras da Sé Apostólica – antiga e solidamente construída tal como o é – a fé Católica é tão exata e clara que não é legítimo aos Cristãos questionar” (Ep. 157). “…viram que Ceciliano estava unido por cartas de comunhão à Igreja romana, na qual sempre residiu a primazia da cátedra apostólica…” (Agostinho de Hipona, Epístola 43,3,7)

Há, portanto, uma sede, um lugar principal dentre as igrejas apostólicas (lembre-se que ele falou de uma gradação de AUTORIDADE). Mas não foi somente Santo Agostinho que disse que Roma era a igreja Principal (e, portanto, a de maior autoridade):

São Optato de Milevi – “Se tu não sabes, aprende; se sabes, te envergonha. Tua ignorância não pode ser imputada. Errar intencionalmente é um pecado, pois os ignorantes às vezes são perdoados. Portanto, tu não podes negar que sabes que, na cidade de Roma, a cátedra episcopal foi conferida a Pedro, que foi chamado Cefas, e que somente nesta cátedra a unidade poderá ser preservada; nem mesmo os outros Apóstolos. E qualquer um que, com sua cátedra, erguesse outra contra esta, seria um cismático e pecador […] Pedro, portanto, foi o primeiro a ocupar esta preeminente cátedra, que é a primeira das notas distintivas [da Igreja]; Lino lhe sucedeu e, depois de Lino, Clemente […] Tu que queres se considerar a santa Igreja, dize-nos a origem de tua cátedra” (De Schism. Donat. Lib. 2). “De onde é, então, que tu te esforças a usurpar para si as chaves do Reino dos Céus, tu que sacrilegamente lutas contra a cátedra de Pedro por tua presunção e audácia? […] Das supracitadas notas distintivas [da Igreja], a cátedra é, como dissemos, a primeira, que provamos que é nossa através de Pedro, e esta primeira nota traz consigo o anjo” (ibid.).

CONCÍLIO DE ÉFESO – Neste terceiro Concílio Geral da Igreja o Legado Papal assim se dirigiu aos duzentos Bispos lá reunidos: “Não há dúvida para ninguém, mas, pelo contrário, é conhecido em todas as épocas, que o santo e bem-aventurado Pedro, o príncipe e cabeça dos Apóstolos, o pilar da fé, a fundação da Igreja Católica, recebeu as chaves do Reino das mãos de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Salvador e Redentor da raça humana, e a ele foi dado o poder de ligar e desligar pecados; aquele que até mesmo hoje, como será sempre, vive e julga em seus sucessores. Assim, com esta disposição, o seu sucessor, nosso santo e bem-aventurado Padre Celestino, enviou-nos a este Sínodo para suprirmos sua presença” (Concil. Eph. Act. 3, Labbs. t. 3).

Nada diferente do que Santo Agostinho disse.

São Cipriano diz que Roma “é a raiz e mãe da Igreja Católica, a Cátedra de Pedro, a principal Igreja e a fonte da unidade sacerdotal” (Ep. 48 e 49, ad Corn.)

Ainda São Cipriano: “O que se vê após isso é uma curta e fácil prova de fé. O Senhor disse a Pedro: tu és Pedro. Ele edificou sua Igreja apenas sobre um e, embora após sua ressurreição tenha dado um poder similar a todos os apóstolos, ele acrescenta: Como o Pai me enviou, etc., entretanto, com o objetivo de evidenciar a unidade, por sua própria autoridade colocou a fonte desta unidade como originada a partir de um deles. Certamente os outros Apóstolos eram o que Pedro era, isto é, dotados de igual honra e de poder, mas o ponto de partida é a unidade, pois a Igreja de Cristo deve ser una” (De Unit. n. 4.) “estar em comunhão com Cornélio (Papa) é estar em comunhão com a Igreja Católica” (Ep. 55)

Mas, como seria demasiadamente longo enumerar todas as citações que provam que a igreja de Roma é a que possui maior autoridade (não por invenção, mas por um ensino constante provado historicamente), vejamos o que disse Santo Irineu: “Mas, como seria demasiadamente longo enumerar as sucessões de todas as Igrejas neste volume, indicaremos, acima de tudo, a mais antiga e conhecidas por todos, a da Igreja fundada e constituída em Roma pelos gloriosíssimos Apóstolos Pedro e Paulo, que desde os Apóstolos conserva a Tradição e “a fé anunciada” (Rm 1,8) aos homens pelos sucessores dos Apóstolos que chegam até nós. Assim confundimos a todos aqueles que de um modo ou de outro, ou para agradar a si mesmos ou por vanglória, ou por cegueira (NOTA: lembra quem é que cega?) ou por uma falsa opinião, acumulam falsos conhecimentos. É necessário que qualquer Igreja esteja em harmonia com esta Igreja, cuja fundação é a mais garantida – me refiro a todos os fiéis de qualquer lugar, porque nela todos os que se encontram em todas as partes têm conservado a Tradição Apostólica. […] E isto mostra plenamente que a única e mesma fé vivificadora que vem dos Apóstolos foi conservada e transmitida em toda a Igreja até hoje”.

Por isso é que Newman disse que não poderia estar entre os protestantes atuais se não estivessem também entre os hereges antigos. A refutação dos antigos hereges, como Arianos, Donatistas e Maniqueus é a mesma usada para os protestantes de hoje: (colocar texto de Newman).

Recapitulando: O critério uma Igreja que (1) é chamada Católica, (2) tem autoridade de ensinar, (3) a autoridade varia de acordo com a importância da igreja (quem sabe o MÍNIMO de história da Igreja perceberá que ele fala aqui de lugares como Roma, Antioquia, Constantinopla, etc.), (4) isto se dá através dos bispos, (5) os bispos atuais vieram de uma sucessão ininterrupta, (6) sucessão esta que conservou o que recebeu, (7) e quem negar isto é cego pelo demônio e, finalmente (8) a igreja de Roma é a Principal.

Quem nega que o critério último para a definição do Cânon só pode ser um Magistério Infalível, e que isto foi evidenciado por inúmeros textos patrísticos, faz igual àquela mulher em que pedem para soletrar “PA-NE-LA” e ela diz “CAÇALORA”: https://www.youtube.com/watch?v=09FIQLkmXN4

Tem bico de pato, tem pena de pato, tem pé de pato, faz “quá quá”, veio de um ovo de pato, portanto é um? PATO, isso mesmo!

É chamada Católica, tem AUTORIDADE para ensinar (é um Magistério AUTÊNTICO, portanto), nesta Igreja há uma gradação de importância de acordo com sua origem, e esta autoridade é exercida por bispos através de uma sucessão ininterrupta que conservou incólume o que recebeu, a principal delas é a igreja de Roma (e olha que as provas para a Primazia Romana são bem maiores que estas) e, finalmente, quem nega isto tudo está com cegueira e MALÍCIA gerada pelo DEMÔNIO. Qual é esta “coisa” que nos deu a Bíblia?

Vamos soletrar:

IGRE-JÊAJÁ CÊÁ-CA-TÊÓTÓ-LÊI-LÍ-CÊA-CÁ: Lutero.

Brincadeiras à parte, é por esse motivo que Newman disse que não poderia estar entre os protestantes atuais se não estivessem também entre os hereges antigos. A refutação dos antigos hereges, como Arianos, Donatistas e Maniqueus é a mesma usada para os protestantes de hoje: “Era muito difícil não afirmar que os Eutiquianos e Monofisitas eram hereges, a menos que os Protestantes e Anglicanos também o fossem; era difícil encontrar argumento contra os Padres Tridentinos que não fossem também usados contra os Padres Calcedonianos; difícil condenar os Papas do século dezesseis sem condenar os Papas do quinto. O drama religioso e o combate da verdade e o erro, sempre foram os mesmos. Os princípios e procedimentos da Igreja agora são os mesmos de outrora; os princípios e procedimentos dos hereges de então são os mesmos que os protestantes usam agora. Eu percebi isso quase que atemorizado; havia uma terrível semelhança, muito terrível, pois silenciosa e desapaixonada, entre os mortos registros do passado e a febril narração do presente. A sombra do quinto século pairava sobre o século dezesseis. Era como um espírito ressurgindo das águas turvas do mundo antigo, com a forma e contornos do novo. A Igreja de então, como a de agora, poderia ser chamada peremptória e severa, resoluta, opressora e implacável; e os hereges eram inconstantes, instáveis, taciturnos e fraudulentos, sempre a cortejar o poder civil, e nunca estavam de acordo entre si, exceto por causa do auxílio mútuo; e o poder civil visava sempre as conciliações, tentando desaperceber o invisível e substituindo a fé pela conveniência. Qual seria a utilidade de continuar a controvérsia ou defender minha posição se, após tudo isso, eu estevesse forjando um argumento para Ario ou Eutíques e tornando-me advogado do Diabo contra os inquebrantável Atanásio e o majestoso Leão? Que minha alma esteja com os Santos! Iria eu erguer minhas mãos contra eles? Antes que eu faça isso, que minha mão direita perca sua destreza, e murche completamente, como os que já se levantaram contra os profetas de Deus! Anátema a toda tribo dos Crammers, Ridleys, Latmers e Jewels! Antes pereçam da face da terra os nomes de Bramhall, Ussher, Taylor, Stillingfleet e Barrow do que eu possa cair aos seus pés em amor e veneração, cuja imagem estava continuamente diante de meus olhos, e cujas palavras, soando como música, sempre estiveram em meus ouvidos e em meus lábios”

Não é à toa que numerosos anglicanos que abandonaram o protestantismo afirmavam que basta responder uma pergunta para provar que o protestantismo está errado (um só critério, portanto): Que é a Igreja?

Ainda não respondi todos os erros do vídeo do Yago, coisa que, assim como esta primeira parte, pretendo fazer com o tempo. Mas está claro aqui que não pode haver outro critério que não seja um Magistério Infalível cuja sede é Roma e que foi a Igreja Católica, presidida por esta mesma Roma, que nos deu a Bíblia, a Bíblia completa cujos livros a maioria dos protestantes, assim como os antigos hereges, teimam em rejeitar. 

 

 

FONTE

RIOS, Jonadabe. Refutação ao “Dois dedos de teologia”. Disponível em facebook:https://www.facebook.com/jonadabe.rios.71/posts/760465440806104?comment_id=760466880805960&comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%22R2%22%7D&pnref=story. Data 15 de novembro de 2017.

 

PARA CITAR

RIOS, Jonadabe. Refutação ao “Dois dedos de teologia”. Disponível em <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/1001-refutacao-ao-dois-dedos-de-teologia> Desde 15 de dezembro de 2017.

 

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