Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Quem quer milagreee????? Eeeeuuuu!!!!!!!

Jocoso se não fosse medonho. A miraculosidade dos dias atuais é uma coisa que assusta até Jesus Cristo. Vejamos: Segunda passada no evangelho (Lc 18,35-43), Jesus se aproximou de Jericó. Um cegou – que não era surdo – ouviu a multidão passar e ficou curioso. Alguém lhe contou que Jesus de Nazaré estava passando. Então ele começou a gritar feito louco: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim…”. Bom, paremos aqui um poquinho. O cego ficou aos berros enquanto Jesus passava. Será que Jesus tinha algum problema de audição? Porque não correu logo ao encontro do cego para miraculá-lo? Poxa vida Regis Danese – pensaria o cego – será que Jesus não quer fazer um milagre em mim? Evidente que a teologia deste texto sugere outra coisa, mas não é no interesse teológico que estou focado. Estou focado na epiderme do texto, na sua literalidade, para tentar interpretar um fenômeno religioso no Brasil atual. Prosseguindo… Jesus parou e mandou que lhe trouxessem o cego. Quando o trazem perto dele, ele ainda pergunta: “o que queres que eu te faça?” Os piedosos incorrigíveis, logo respondem sem pestanejar: “Ah, é porque o Senhor primeiro queria suscitar a fé no cego, pois, sem fé não há cura”. Certo. Vocês estão corretos. Porém, se Jesus é Deus porque precisaria perguntar pro cego o que ele queria? É o mesmo que perguntar para um paraplégico: “Hei, você quer andar”? É totalmente ilógica a pergunta de Jesus num plano simplesmente mecânico. A fé, no entanto, vai além e nos faz divisar que neste gesto de Jesus está presente a pessoa de Jesus – Emanuel – que é o Reino irrompendo em meio aos homens.

Minhas perguntas: se Jesus sendo Deus sabia que o cego era cego, porque não o curou logo? E se o cego não tivesse gritado e pedido, teria sido curado? E se Jesus se recusasse a curá-lo, seria mal por isso? E se Jesus não ouvisse seus gritos, o cego permaneceria sentado à margem do caminho, sendo pisoteado pela multidão? Porque a multidão só enxergou o cego quando Jesus o chamou?Minhas considerações 1: Jesus e os milagres. O Reino de Deus.
Os milagres de Jesus são sinal do reino que vem (Jo 2,11). Jesus realizou milagres? Sim. Este fato é atestado nos evangelhos. Jesus era um milagreiro? Não. Ele não vivia disso. Sua fama em grande parte era fruto disso, mas, ele próprio não dependia de sua fama nem de seus milagres. Ele estava subordinado à vontade do Pai (Jo 4,34) e foi ela que norteou sua vida (Mc 14,36). Os milagres não podem e não devem ser negados. Eles são a expressão da bela vontade de Deus Pai de tudo recapitular no Filho Jesus, morto e ressuscitado (Rm 8,22; Cl 1,20; Ap 21,6). Não estão à margem do agir de Jesus, mas, não ocupam o centro. O que é mais importante para Jesus? Os milagres ou as pessoas? Claro que são as pessoas e nisto concordamos todos. Foi por esse motivo que Jesus pregou O Reino de Deus e não Os Milagres de Deus. Os milagres são sinais do reino. Estão a ele subordinados. São um bom motor para a fé, mas não substituem o ato de crer. Não substituem o trabalho do ser humano. As ações de Jesus estão no centro e todas elas são libertadoras. Não somente os milagres, mas, tudo o que Jesus faz é libertador. Se prega, se visita famílias, se ora ou se expulsa vendilhões do Templo é tudo para mostrar, revelar, o Reino de Deus que é um Reino de Justiça, de Verdade, de Amor. Neste Reino que aqui está presente em germe, tudo será perfeito e pleno. Este é o significado das curas: expressam e sinalizam para a plenitude do Reino de Deus já aqui presente, mas, ainda não totalmente.

Minhas considerações 2: O fenômeno miraculeiro no ambiente religioso do BrasilOs cultos
Constatação: Há um clima miraculeiro nas seitas neopentecostais que está entrando na Igreja Católica via Renovação Carismática Católica. Há padres que medem seu êxito no púlpito pela quantidade de lágrimas que arrancam em seus fiéis. Há pregadores, idem. E há Valdomiro Santiago, o fenômeno miraculeiro do Brasil for exportation que o Macedo não consegue imitar/dominar (sic!). Ironia!!!rsssCulto para acontecer milagre: Tem que ter uma dúzia de coisas “ungidas” pelo pastor ungido… ou pelo padre ungido…. ops… espere aí!!! Eu fui ungido três vezes: no santo batismo, na crisma e na ordenação. Que outra  coisa ou unção eu preciso?!rsrssContinuando… Depois de fazer a propaganda da toalhinha ungida, tem que mostrar o pastor ungido e seu séquito ungido. O séquito é ungido porque o pastor é ungido também. É unção por osmose: o séquito que fica próximo pega a unção do pastor ungido (tá entendendo???). Depois de tudo isso pronto, tem que ter a equipe de música que toca as coisas mais melosas do mundo e sem nenhum critério teológico porque a teologia esvazia o Espírito e é preciso deixar o Espírito agir, dizem. Não existe coisa mais falsa! Se a teologia é verdadeira e coerente é porque foi inspirada pelo Espírito Santo. Se é herética, foi inspirada pelo diabo. Logo, a teologia não atrapalha o canto. Só as más intenções do pastor/padre.Seguindo… o culto será uma grande catarse coletiva com músicas intimistas o tempo todo (eu/meu Deus). É acompanhado de choro, mãos erguidas, preces solitárias. Enfim, cada um por si seguindo o que o pastor/padre fala no microfone. É um prato cheio para os depressivos que se sentem um pouco mais amados, compreedidos, etc. Saem dali e dizem: “Estou cheio/a do Espírito Santo… fui curado disso… daquilo… o Senhor encheu meu coração…”. Pára!!! Pára pelo amor de Deus!!! Quando é que sentimentalismo virou sinônimo da ação de Deus? Se você chorou não aconteceu nada mais do que um simples choro por emoção por causa da música, do seu estado de ânimo e das palavras do pastor/padre. Não significa que Deus tenha te curado de coisa alguma!!! Misturar Deus com seus sentimentos intimistas, arrepios e choros é uma grande heresia! Deus é muito maior que isso! Claro que ele habita no coração humano e faz sentir sua presença. Porém, não é disso que se trata nestes cultos. Se trata de catarse coletiva. Ou seja: esses lugares servem para a pessoa ir esvaziar sua tensão. Dali uma semana ela volta ao mesmo lugar para fazer a mesma coisa. Veja o que a Wikipédia fala sobre catarse: “Segundo Aristóteles, a catarse refere-se à purificação das almas por meio de uma descarga emocional provocada por um drama. Segundo o filósofo, para suscitar a catarse era preciso que o herói passasse da dita para a desdita, ou seja, da graça para a desgraça. E mais ainda: não pode ser por acaso, e sim por uma desmedida, ou seja, por uma ação ou escolha mal feita do herói.” Quem é o herói na catarse coletiva dos cultos/missas de cura/milagre/libertação? É a pessoa com todo seu drama pessoal. Ele é o herói, o vencedor, o lutador, o gladiador e seja lá qual termo se queira empregar. E Deus? Deus é o garantidor. É o fiador. O que possibilita a catarse acontecer. Não Deus em si mesmo, evidentemente. Mas, o recurso a Deus que o pregador/pastor/padre, utiliza. Deus é subutilizado para um fim que não é ele mesmo. O fim, o telos, a finalidade é fazer a pessoa expor seu sentimento. Chorar. Cair. O epifenômeno cessa aí. Não se busca uma libertação integral da pessoa. O que acontece é que a pessoa fica presa no sentimentalismo que ela acha bom. Porém, não se compromete com a mudança uma vez que esta conversão/mudança é tratada como mágica. Isto trai o aspecto comunitário da fé.Desde Atos dos Apóstolos; ou melhor desde os evangelhos, Jesus ensina que orar é um ato essencialmente comunitário: “onde dois ou mais estão reunidos em meu nome…” (Mt 18,20). É evidente que há o espaço da súplica individual e os salmos estão recheados desta experiência. No entanto, a Igreja desde os tempos Apostólicos sempre foi a Igreja da oração comum e da fração do pão em comunidade (At 2,42). Orar a Deus é orar como Igreja, Corpo Místico. Aquilo que se vê nos tele-cultos é uma traição ao sentido genuíno de Igreja. É cada um orando por si e seus problemas pessoais. Não é culto de louvor ao Pai, unidos como Corpo Místico de Cristo. É a manifestação do egoísmo orante, do individualismo crente. É o modo mais demoníaco de se orar porque o fim da oração não é Deus e sim os problemas da pessoa.

Os milagres
E os milagres, onde entram? Há muitos que se perguntam – inclusive eu a um tempo atrás – se não se tratade milagres reais. E se fossem concretos, porque Deus os faria ali? Bom, se acontecem milagres nestes ambientes é por pura benevolência de Deus. Mas Jesus não agia assim. Se Jesus agisse assim, aquele texto de Lucas que expus no início desta postagem nunca teria sido escrito ou seria muito diferente.  Seria tipo “Jesus passou, viu o cego e curou-o e ainda curou a todos os que queriam ser curados. Parou e fez um discursom que emocionou a todos”. A diferença de Valdomiro Santigo e outros para Jesus é que Jesus não queria fazer fama, dinheiro, construir templos e edificar impérios com os dividendos que poderiam vir dos milagres. Seu objetivo é que os milagres sejam SINAIS do reino que vem e como tal, são poucos, eficazes e sem alarde: Mt 12,16; Mc 1,44; Mc 5,43. Então porque os pastores/padres midiáticos insistem em mostrar a grande quantidade de milagres que acontecem em seus cultos/missas? Bom, logo podemos desmascará-los: fazem isso logicamente para se promover. Junto com os milagres vem os pedidos de dinheiro para construções e outros gastos da “obra de Deus”. Se é assim, estão traindo Jesus por agirem diametralmente oposto ao modo que ele agiu. Não podem ser chamados de cristãos!

O subjetivismo
Este problema está na nossa Igreja presente hoje. Um amigo meu contou-me que participou de uma missa em um encontro da R.C.C. que durou cerca de 3 horas! Bem mais que minha ordenação, diga-se de passagem. Ele relatou que o frei cantou “Como Zaqueu…” inúmeras vezes e que provocava para que as pessoas entrassem em um estado de ânimo tal que facilitaria choro e quedas (o chamado repouso no Espírito que para mim não tem nada de Espírito Santo… vou escrever sobre isso depois). Eu fui celebrar na Catedral da minha Diocese outro dia e cantaram de entrada “Tem anjos voando nesse lugar…” Eu queria sair voando dali com um cântico desse! De comunhão cantaram “Meu Deus como és lindo…” Eu sei que Deus é lindo. Todos sabemos. Mas o culto público oficial da Igreja não comporta reduções – como bem expressa a Redemptionis Sacramentum. Este subjetivismo de fazer as coisas a seu modo e gosto está por toda parte. Na liturgia, nas pastorais, nos movimentos, no clero… E também está no neoprotestatismo que, diga-se de passagem, é filho do pai do livre exame das escrituras e da sola fide.Nenhum daqueles que estão no culto com mãos erguidas, chorando e fazendo cara feia com os olhos fechados estão intercendendo pela fome e miséria na África, pela perseguição dos cristãos de Bagdá ou da China. Não estão preocupados com a onda de cólera no Haiti, nem choram pelas vítimas dos ataques terroristas em redor do mundo. Choram por si mesmos, por suas questões, seus problemas e suas mazelas… Nem sequer choram pelo fato que o Filho de Deus morreu por nós. É o culto do ego e dos problemas pessoais. É a mais completa traição do primeiro e segundo mandamento que Jesus deu: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. É o subjetivismo descarado. E muitas pregações que eu ouço vão nesta linha. “Meu irmão, o Senhor quer fazer maravilhas na tua vida…” Poxa vida!!! Pára que insultar minha inteligência! Quando é que o Senhor não quis fazer maravilhas na vida de seu povo, pregador burro? Outra que me embrulha o estômago: “O Senhor (ou Nossa Senhora… afff) está me revelando que…” Deus agora virou fujioka e revela tudo para um bando de um seleto grupo. É a mais descarada heresia gnóstica em pleno século XXI. Gente, isso é heresia condenada pela Igreja! Engraçado que Nossa Senhora ou o Senhor Jesus só manda rezar ou só revela que vai curar alguém. Porque não manda pegar uma enxada e plantar batata para os mortos de fome da periferia das cidades? Porque não revela que nas beiradas das cidades e nos bolsões de pobreza há pessoas que morrem de gripe, de penumonia e de tuberculose? Será que o Senhor e Nossa Senhora são tão insensíveis assim para os problemas graves dos mais pobres? Porque o Senhor não revela quem rouba do povo no exercício do poder público? A gnosis foi condenada pela Igreja justamente por isso. Por ser um seleto grupo de privilegiados/iluminados que recebiam as revelações diretamente de Deus. A única revelação do Pai que culmina no Filho único, crucificado e ressuscitado, já foi concluída. Já não temos que esperar mais nenhuma outra.

Conclusão
Quis mostrar com esta postagem que ter fé é muito mais que arrepios e choros. Cultos televisionados com milhares de curas é só propaganda como o é a propaganda de qualquer outro material comercializável. Fé é outra coisa. Fé é exercício comunitário do dom de Deus. Liturgia é culto hierarquicamente organizado do povo eleito. Possui regras e método. Quem precisa de catarse vá pro meio do mato e dê uns bons berros. Funciona! No seminário eu fazia isso quando estava com muita raiva de alguma coisa e era excelente. Só não me confundam Deus com a vossa bílis.

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