Sexta-feira, Maio 3, 2024

O papa Gelásio I negou a transubstanciação?

INTRODUÇÃO

 


Gelásio I foi papa de 1 de março de 492, até a data de sua morte, em 21 de novembro de 496. Nasceu na África. Durante seu pontificado  combateu o pelagianismo, o maniqueísmo e arianismo.

Gelásio é mais um dentre os tantos padres que hereges e polemistas tentam embaralhar o pensamento para poderem angariar algo contra a Igreja de Cristo. Um exemplo disto vem de uma suposta carta de Gelásio I contra Eutíques e Nestório, o trecho usado pelos detratores diz:

Certamente o sacramento, que tomamos, do corpo e sangue de Cristo é uma coisa divina, pela qual somos feitos participantes da natureza divina; e contudo a substância ou natureza do pão e do vinho não deixa de existir. E certamente a imagem e semelhança do corpo e sangue de Cristo celebram-se na ação dos mistérios.

Será que realmente a partir deste texto podemos deduzir que o papa Gelásio I negou a transubstanciação? É o que veremos abaixo!

 

 

REFUTAÇÃO


Este texto apresentado pelos detratores,  como sempre é isolado do seu contexto e sofre uma interpretação forçada para acusar uma doutrina católica. Sendo assim, para dar fim à confusão, mostraremos o texto original em latim. A parte que os protestantes usam estará em vermelho e a continuação do discurso atribuído a Gelásio I em Azul:

Certe sacramenta, quae sumimus, corporis et sanguinis Christi divina res est, propter quod et per eadem divinae efficimur consortes naturae; et tamen esse non desinit substantia vel natura panis et vini. Et certe imago et similitudo corporis et sanguinis Christi in actione mysteriorum celebrantur. Satis ergo nobis evidenter ostenditur, hoc nobis ipso Christo Domino Sentiendum, quo in ejus imagene profitemur, celebramus, et simumus, ut, sicut in hanc, scilicet in Divinam, transeunte, Sancto Spiritu perficiente substantiam, permanente tamen in suae proprietate nature, sic illud ipsum mysterium principale, cujus nobis efficientiam virtutemque veraciter repraesentant, ex [fors. His ex, Vid. Notam] quibus constat proprie permanentibus, unum Christum, quia integraum verumque, permanere demonstrant.(Jesús Solano – Textos Eucarísticos Primitivos, Tomo II, Página 557-558)

Tradução:

Certamente, o sacramento do Corpo e Sangue do Senhor é algo divino, pelo qual comemos e bebemos da Divina Natureza; ainda que a substancia do pão e do vinho não cessem de existir. E, certamente, a imagem e semelhança do Corpo e Sangue de Cristo são celebradas na ação dos mistérios. É evidente, pois, se nos ensina que devemos do mesmo Cristo Senhor o que confessamos, celebramos e tomamos em sua imagem, para que da mesma forma que eles [pão e vinho] passam à substância divina pela operação do Espírito Santo, ainda que mantendo a peculiaridade de suas naturezas, tal é o principal mistério cuja eficácia e virtude eles verdadeiramente representam.(Jesús Solano – Textos Eucarísticos Primitivos, Tomo II, Página 557-558)

 

 

3 RAZÕES QUE ANIQUILAM A ARGUMENTAÇÃO DOS HEREGES.

1º Razão: Esta é uma obra Espúria que não pertence ao papa Gelásio I.

Sobre a autenticidade da epístola, o especialista W.R. Carson escreve:

…Assume-se erroneamente que pelas palavras ‘natureza’ e ‘substância’ dos Padres citados, escrita séculos antes das heresias obrigarem a necessidade de uma definição exata e uma precisa terminologia necessária, a intenção de significar que os Padres tridentinos entendiam por eles. Isto é comprovadamente falso. As palavras ‘Substância’ e ‘natureza’ são sinónimas as quais em Trento foram chamadas de ‘espécies’ ou ‘acidentes’. Isto é certamente evidente (a) a partir do contexto das várias passagens, onde uma conversão (metabolen), para usar palavra a de Teodoreto, do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Cristo, é mencionado, (b) a partir do fato de que eles constantemente e uniformemente falam de tal ‘natureza’ e ‘substância’ como símbolos, (c) a partir da bem conhecida observação de Leibnitz (uma autoridade protestante)  de que os pais não usam esses termos para expressar idéias metafísicas. (53) (d) Como lembra a Teodoreto a partir da confissão dos luteranos de Madgeburg que ele se opõe a sua doutrina e não pode ser lido com segurança. (54) deve-se acrescentar que as passagens atribuídas a Teodoreto e São Gelásio ocorrem em obras que são consideradas espúrias por muitos criticos competentes.” (Carson, W. R. The Antiquity of the Doctrine of Transubstantiation)

É certo que este texto não pertence ao Papa Gelásio I, portanto só isto já refuta e esclarece qualquer alegação ou dúvida contra a transubstanciação que se possa por na conta de Gelásio.

2ª Razão: A obscuridade do texto.

O primeiro trecho que parece questionar a transubstanciação diz: “contudo a substância ou natureza do pão e do vinho não deixa de existir. E certamente a imagem e semelhança do corpo e sangue de Cristo celebram-se na ação dos mistérios.;” mas sua continuação diz: “Da mesma forma que eles [pão e vinho] passam à substância divina pela operação do Espírito Santo, ainda que mantendo a peculiaridade de suas naturezas”. Se o texto primeiro supostamente nega a transubstanciação, a continuação fala claramente que a natureza deles, isto é, do pão e do vinho passam a substância divina, como então conciliar estes dois discursos, no mesmo texto, que são aparentemente discordantes? Sobre isso Jesús Solano, especialista na questão da Eucarístia na Igreja Primitiva, nos diz:

O texto que acabamos de aduzir é obscuro, pois por uma parte afirma que permanece a natureza do pão e do vinho, o que seria negar a transubstanciação, mas por outra parte diz que passam a natureza a substancia divina, ou seja, ao corpo e sangue de Cristo, que por a união hipostática são corpo e sangue de Deus. É claro de todos os modos a dependência deste texto com respeito aos escritos de Teodoreto de Ciro e da escola Antioquena” (Jesús Solano – Textos Eucarísticos Primitivos, Tomo II, Página 557-558, nota 176)

Fica claro que o autor deste texto não tinha uma definição teológica clara sobre a eucarística e claro que não poderia ter por que as definições não estavam completas nesta época, assim como não podemos cobrar dos padres pré-nicenos uma definição clara e completa da Trindade, também não podemos cobrar de padres anteriores a definição Eucarística a definição clara e completa da eucarística. Por isso mesmo o autor deste texto se equivoca na primeira frase, mas na segunda afirma claramente que ocorre a transubstanciação ao dizer que as substancias passam a natureza divina.

3ª Razão: A má interpretação e a descontextualização do texto.

Mesmo o texto não sendo do papa Gelásio I, é um texto bem antigo,  e realmente da época patrística, porém não é um discurso teológico a respeito da Eucaristia e sim da Natureza de Cristo, logo o autor usa a Eucaristia apenas para fazer uma analogia. Ele estava preocupado em defender a natureza de Cristo e não a Eucaristia. Assim, ele não estava tão preocupado em dar sua compreensão da Eucaristia como ele estava explicando o mistério da Encarnação. Lembrando que a Igreja se preocupou com várias heresias cristológicas no momento que negavam as duas naturezas, as duas vontades, e uma [divina] personalidade de Cristo. Neste momento, o mistério da Eucaristia não estava tão desenvolvido na mente da Igreja para forçar na mente do autor uma expressão da Eucaristia clara, nos termos da transubstanciação. A Igreja teve de desenvolver uma linguagem teológica para expressar o pensamento da Igreja sobre vários assuntos de fé. Nesta época estava apenas começando a expressar seus pensamentos para descrever a mudança do pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo.

Não havia dúvida a respeito da presença real na Eucaristia, no entanto, surge outra questão sobre o tipo de mudança (consubstanciação, transubstanciação etc.) Em uma hipótese, o autor estava simplesmente dizendo que a aparência [acidentes] de pão/vinho permanecem ao lado da Presença real na tentativa de explicar o mistério da Encarnação, uma vez que a humanidade de Cristo permanece ao lado de Sua divindade. Alguns estudiosos interpretam a passagem acima para se referir aos acidentes do pão e do vinho.

Mesmo esta analogia tem alguns buracos. Na pior das hipóteses, o autor estava simplesmente incorreto em sua comparação eucarística na primeira frase, mas que se corrigi na segunda. Isto é, o autor não estava tão preocupado em explicar a doutrina da Eucaristia, mas queria explicar a Encarnação através de uma analogia. Como a maioria analogias, elas são imperfeitas. Além disso, seu vocabulário teológico não permitia que ele para expressasse o mistério da Eucaristia com mais precisão.

Portanto, não se pode basear a sua compreensão da Eucaristia durante este tempo em uma única passagem. Ao invés disso temos que ver as passagens de contemporâneos do Papa Gelásio que falam diretamente sobre a Eucaristia. E lá vamos encontrar um testemunho claro e amplo, em nome da transubstanciação.

Da mesma forma os críticos da Fé subestimam a divindade de Cristo, citando Padres antes de Nicéia que aparentemente rebaixavam a natureza de Cristo. Acontece que antes da definição, os Padres estavam desenvolvendo um vocabulário teológico como eles entendiam o mistério da Encarnação, por isso não é surpresa ver alguns Padres antes de Nicéia aparentemente minimizarem a divindade de Cristo. Esta é a natureza do desenvolvimento. Antes da definição, os Padres dão toda uma paisagem teológica, na tentativa de explicar um mistério divino, e como o passar do tempo o mistério se torna um pouco mais claro e mais definido.

CONCLUSÃO


Sendo assim, os principais pressupostos que os protestantes, polemistas e outros tinham em relação a negação de um papa a um dogma católico, mesmo que anterior ao dogma, se tornam insustentáveis, pois além de isolarem a frase do contexto, ignoram que a epístola é espúria, e o contexto da passagem que não era um tratado em relação a eucaristia e sim em relação a divindade de Cristo.

 

BIBLIOGRAFIA


James T. O’Connor’s “The Hidden Manna’ pgs 71-73

Ludwig Ott’s “Fundamentals of Catholic Dogma” p. 382

Jesús Solano – Textos Eucarísticos Primitivos, Tomo II, Página 557-558

PARA CITAR


Rodrigues, Rafael. Gelásio I negou a transubstanciação? Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/controversias/624-o-papa-gelasio-i-negou-a-transubstanciacao>  Desde 21/11/2013.

 

 

 

 

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