Domingo, Novembro 17, 2024

O Inglês na Liturgia

O Inglês na Liturgia – Por JOHN L. MURPHY*

The Homiletic and Pastoral Review 1955-07: Vol 55 Iss 10

A DOUTRINA do Corpo Místico é uma doutrina perigosa. Não é perigosa do jeito que alguns pensavam, ou do jeito que alguns ainda pensam; não é perigosa no sentido de que é uma novidade religiosa lado a lado da heresia. É perigosa, no entanto, no sentido de que, uma vez que se deixe tomar conta, ela se infiltra cada vez mais no pensamento que leva a aplicações não  previstas a princípio e que acarretam em conclusões muito além daquelas que se pretendia no início.

Um dos resultados mais notáveis de um crescente entusiasmo por essa visão da Igreja como  Corpo Místico tem sido uma maior compreensão do culto coletivo desse Corpo. Com isso, surge uma tendência clara em considerar as sugestões do uso do vernáculo na liturgia como sendo um pouco mais lógicas (e um pouco menos radicais) do que poderiam parecer à primeira vista.

O presente escritor pode ser descrito como sendo muito a favor de um uso mais amplo do vernáculo, mas nem sempre foi assim. Essa conclusão representa uma completa inversão de pensamento, e só ocorreu após uma ponderação bastante longa e cuidadosa dos argumentos de ambos os lados. Em alguma data futura, algum outro argumento, ainda não encontrado, pode reverter a conclusão mais uma vez; no momento, porém, os argumentos contra o vernáculo parecem muito fracos e muitas vezes não tão ad rem*. Freqüentemente surgem pela má compreensão de posições mais básicas – portanto, são essas questões básicas que devem ser colocadas, pois, uma vez aceitas, os argumentos perdem sua força. É, no mínimo, uma discussão envolvente, e sem discussão nenhum problema jamais foi esclarecido.

O ESPECTADOR E O PARTICIPANTE

É importante assinalar desde o início que a questão do uso do vernáculo na liturgia não é – por mais estranho que possa parecer – uma questão de compreensão apenas. Frequentemente a comparação é feita entre a Missa e uma ópera. Dizem-nos que as pessoas assistem à ópera e são capazes de acompanhar as palavras com o libreto; e o mesmo acontece com a Missa, pois têm seus missais. Se o único ponto a ser considerado fosse o da compreensão, isso poderia estar bem posto. No entanto, os dois pontos são bem diferentes. Uma pessoa vai à ópera para acompanhar o que está acontecendo; ela está lá para observar os cantores, para ouvi-los e a orquestra. Elao está lá, no entanto, para participar da performance. Está lá como espectadora.

Na Missa, muito pelo contrário, a pessoa está ali, não como espectadora, mas como participante. Ela assiste ao Sacrifício para compartilhar – à sua maneira de leiga – na oferta deste ato de adoração. Como nos lembra Pio XII na Mediator Dei, o Sacrifício da Missa tem necessariamente e por sua intrínseca natureza, uma função pública e social…"[1] É uma ação comunitária. Esta participação é primeiramente algo interno, mas, de acordo com a natureza física e social do ser humano, deve ser expressa externamente; e esta expressão muito externa do culto social, por sua vez, animará as disposições interiores do coração. Este é um dos principais propósitos do nosso culto litúrgico. Não é apenas um meio de dar honra a Deus, mas também um meio de ajudar a nossa vida espiritual. Como observa Pio XII:

“O culto divino pertence não somente ao particular mas também à coletividade humana e conseqüentemente é necessário que seja social, o que é impossível, no âmbito religioso, sem vínculos e manifestações exteriores; e, enfim, porque é um meio que põe particularmente em evidência a unidade do corpo místico, acrescenta-lhe santos entusiasmos, consolida-lhe as forças, intensifica-lhe a ação: "se bem que, com efeito, as cerimônias, em si mesmas, não contenham nenhuma perfeição e santidade, são todavia atos externos de religião que, como sinais, estimulam a alma à veneração das coisas sagradas, elevam a mente à realidade sobrenatural, nutrem a piedade, fomentam a caridade, aumentam a fé, robustecem a devoção, instruem os simples, ornam o culto de Deus, conservam a religião.[2]

Toda a questão de um uso mais amplo do vernáculo na liturgia está centrada nesses pontos. Perguntam-nos simplesmente: os fiéis podem obter tais benefícios de uma liturgia em latim, e podem expressar seus sentimentos íntimos socialmente, externamente e com compreensão, usando a língua latina? O culto comunitário e a participação ativa e inteligente são as pedras fundamentais da discussão. Tratados à parte deles, todo o problema pode parecer bastante inútil.

O ENTENDIMENTO PAPAL SOBRE A PARTICIPAÇÃO LEIGA

A conveniência da participação ativa por parte dos leigos é subestimada em tudo isso. Não há necessidade de citar as muitas declarações do papado nas últimas décadas, instando e até exigindo uma participação ativa da assembléia; elas podem ser encontradas em abundância em outros lugares, e não é nosso objetivo no momento. Há, reconhecidamente, muitos que ainda não conseguem ver nada de desejável em tal participação, muito menos qualquer obrigação definida de realizá-la. Para eles, a própria ideia das assembléias católicas cantando a Missa em uníssono, ou respondendo juntos às orações do padre, é algo a ser rotulado de liberal” ou fanático”, se não totalmente herético”. No entanto, à luz das muitas declarações de nossos papas recentes, parece que a questão está além de qualquer objeção, e é difícil ver como alguém que pensaria com a Igreja” poderia considerar a participação ativa e externa dos leigos como uma questão em aberto. Os decretos papais, é claro, nem sempre são recebidos com a ampla aceitação e compreensão que lhes são devidos, e esse é, sem dúvida, o caso aqui. Com o passar dos anos, não há a menor indicação de que a Igreja irá reverter, retroceder e proibir tal participação ativa. Muito pelo contrário, as declarações do papado tornaram-se cada vez mais claras e cada vez mais urgentes a esse respeito, ecoando o pensamento do Papa São Pio X que disse: Meu único grande desejo é que durante as funções sagradas todos os fiéis cantem as melodias da liturgia e os hinos sagrados em plena voz".[3]

LATIM OU A LÍNGUA MATERNA?

Partindo desse fundamento, a questão do vernáculo se resume a isso: o objetivo da participação ativa e inteligente pode ser alcançado por meio de uma liturgia inteiramente em latim, ou indica-se um uso mais amplo da língua materna? O objetivo é a participação ativa; a questão da língua diz respeito apenas aos meios adequados para um determinado fim. O objetivo é absoluto e inquestionável; os meios para esse fim, no entanto, podem variar. De qualquer forma, a solução parece ser que devemos ou ensinar latim ao nosso povo católico, para que possam usá-lo inteligentemente na liturgia, ou devemos voltar a considerar o uso do vernáculo.

Há muitos hoje que sentem que este objetivo final não será alcançado sem uma certa reforma da liturgia e um uso mais amplo da língua materna. São aqueles que, via de regra, não são novos no movimento litúrgico e seus problemas, mas sim aqueles que trabalharam muitos anos em busca de uma participação ativa real na atual liturgia em latim. O pedido deles pelo vernáculo veio apenas no final de um longo processo de esclarecimento, e só foi alcançado através da franca admissão de que as tentativas de atingir o objetivo com o latim falharam. Essa conclusão é difícil para os que não viram as tentativas, nem trabalharam nelas pessoalmente. Eles consideram que o objetivo ainda pode ser alcançado com a liturgia em latim. No entanto, o curso da história não pode voltar atrás, assim como não podemos reverter as marés do mar. O latim caiu de sua antiga proeminência. É tão desconhecido para o americano médio hoje quanto o hebraico ou o aramaico; e o mesmo é verdade para a maioria das outras nações do mundo. Cinquenta anos atrás, o latim era uma disciplina frequentemente exigida em muitas escolas. Hoje, uma pessoa pode se graduar na faculdade sem nunca ter tido qualquer contato com o estudo do latim.

Como resultado, a maioria dos argumentos levantados contra o uso do vernáculo na liturgia passa por cima dessa nota de inteligibilidade quase que inteiramente. Eles se baseiam na suposição de que a participação ativa por parte dos leigos não é desejável ou necessária, ou que será satisfatória se realizada em uma língua ininteligível. Reduzem a situação a uma questão de mero conhecimento, e apontam que o laicato tem seus missais com as devidas traduções da liturgia. Desta forma, surgem duas abordagens bastante diversas para o mesmo problema.

Diz-se, por exemplo, que o homem se sente muito mais em casa se, ao viajar em um país estrangeiro, ouve a liturgia latina que ouvia em sua igreja paroquial. Mas pode-se perguntar se tal ouvir” vai além de uma impressão sensorial se o homem não consegue entender o latim melhor em um país estrangeiro do que em casa? O homem é um animal racional, e a união própria da sociedade humana deve ser algo espiritual, intelectual. É inteiramente possível que o que o estrangeiro sinta em uma terra estrangeira brote mais de uma pontada de saudade de casa do que de um profundo senso de unidade espiritual que atravessa os oceanos. O latim pode lembrá-lo de casa, em vez de fazê-lo se sentir mais como um irmão espiritual do nativo desconhecido do outro lado da nave. O americano encontrou um pouco da América na França; e o francês encontrou um pouco da França na China porque reconhece sons familiares, por mais ininteligíveis que sejam.

Este não é o tipo de unidade espiritual que devemos buscar na liturgia. E, claro, uma pessoa em um país estrangeiro espera encontrar coisas novas e estranhas; e os que viajam são sempre a minoria. A esmagadora maioria das pessoas na terra ficam perto de casa, e são as muitas, não as poucas, que devem determinar nosso pensamento. Certamente, se uma pessoa é capaz de aprender o suficiente de uma língua estrangeira para viver em outro país e se envolver em negócios naquele país, ela também deve ser capaz de aprender o suficiente da língua para se unir ao culto social dessa nação.

O PRÓPRIO LATIM É TARDIO

Mais uma vez, insiste-se que o uso do vernáculo é de alguma forma  “protestante” e, portanto, não devemos considerá-lo. A circunstância histórica, sem dúvida, contribuiu muito para a formação dessa mentalidade. Durante os últimos quatro séculos, sentimos que era necessário explicar nosso uso do latim em face do protestantismo, e muitas vezes não demos as melhores razões. Falamos do latim como língua morta e dissemos que seu uso preservaria a integridade doutrinária. Ao mesmo tempo, continuamos a pregar e ensinar em vernáculo, a escrever livros em vernáculo e a traduzir a Bíblia para a língua materna. Por que os argumentos a favor do latim prevaleceriam apenas no caso da liturgia? Por que a integridade doutrinária não seria tão ameaçada, ainda mais, por esses demais usos do vernáculo? A verdadeira resposta é que não retivemos o latim em nossa liturgia porque era uma língua morta. Razões muito diferentes contribuíram para essa prática.

Originalmente, a Igreja usava o aramaico e o hebraico em sua liturgia. Esta era a língua de Cristo, dos Apóstolos. Quando a Igreja se espalhou para as nações de língua grega, o grego – a língua do povo – foi introduzido na liturgia para essas camadas, uma vez que a população não entendia hebraico ou aramaico. Da mesma forma, as línguas eslavas também foram introduzidas na liturgia das igrejas orientais; elas eram, originalmente, pelo menos, mais próximas das pessoas.

Na própria Roma, o grego continuou a ser usado na liturgia até o século III, e então só gradualmente (entre o século III e VI) o latim foi introduzido e uma liturgia completamente em latim se formou. No início, a maioria dos cristãos em Roma falava grego; eram escravos gregos ou romanos instruídos que conheciam tanto o grego quanto o latim. A mudança veio em uma época em que o grego havia sido inteiramente substituído pelo latim, em uma época em que as assembléias de língua latina não entendiam mais a liturgia grega. A Igreja primitiva rapidamente tomou medidas para preencher essa lacuna entre o povo e a liturgia e, como resultado, o vernáculo foi introduzido na liturgia: o latim.[4]

O hebraico, o grego e o latim foram facilmente aceitos na liturgia porque eram as línguas literárias estáveis ​​quando a Igreja as encontrou. No mundo ocidental, no entanto, a Igreja não encontrou novamente línguas literárias tão estáveis ​​por muitos séculos. O latim permaneceu como vernáculo por vários séculos após sua introdução na liturgia, e permaneceu a língua comum dos instruídos ao longo da Idade Média. Durante esses séculos, as línguas modernas foram se desenvolvendo, pouco a pouco, mas só gradualmente alcançaram a estabilidade e o status literário necessários para a formação de uma liturgia. Devido a isso, não se pode pensar que a Idade Média rejeitaria o latim em detrimento das línguas modernas. Simplesmente não havia escolha. E a medida em que a população comum ia se afastando cada vez mais do latim, a alegoria da Missa que surgiu foi capaz de manter suas mentes ativas nos serviços divinos, que acompanhavam o andamento da Missa associando-a aos eventos da Paixão.

Como aponta o anglicano Dom Gregory Dix, não foi antes do final do século XV, e em algumas regiões apenas então, que as línguas vernáculas se tornaram capazes de serem instrumentos para liturgias vernáculas”. Foi nessa mesma época que o homem moderno começou a buscar maior aprendizado e pensamento independentes, uma época em que a alegoria não mais seduziria sua mente. Foi nessa mesma época que surgiu a prensa tipográfica, com todas as diversas mudanças que trouxe para a vida da humanidade. Este é o momento em que a Igreja poderia facilmente ter se voltado para o vernáculo em sua liturgia e gradualmente introduzido algumas mudanças; havia indícios de que tais mudanças já estavam em andamento naquela época.

OS REBELDES DO SÉCULO XVI

Naquele exato momento, porém, um novo elemento entrou em cena: a Reforma Protestante. A questão do vernáculo estava intimamente ligada aos erros doutrinários de Lutero e Calvino, e assim todo o problema assumiu diferentes proporções. Como o Padre Herman Schmidt, S.J., mostra em seu trabalho sobre o Concílio de Trento e o vernáculo, a questão principal era a objetividade da Missa. Os protestantes do século XVI se recusaram a admitir qualquer valor objetivo à Missa[6]; era apenas um meio de animar a fé do indivíduo. O culto era inteiramente subjetivo, e se o culto público deveria servir ao seu propósito real, tinha que ser na língua do povo; caso contrário, ele não seria capaz de entender o que era dito, sua fé não seria avivada e o único propósito do culto público seria frustrado. Padre Gerald Ellard, S.J., aponta o que aconteceu neste momento em sua Mass of the Future:

Se os rebeldes religiosos do século XVI não tivessem feito do latim da Missa um ponto tão violento, é provável que a Igreja o tivesse utilizado para as orações públicas e as leituras das Escrituras com a mesma naturalidade com que o mudou para os anúncios e o sermão, e com o mesmo fundamento por quando mudou a própria Missa do hebraico para o grego e novamente do grego para o latim. Em qualquer consideração atual acerca dos problemas do culto comunitário, nenhum tópico é mais relevante do que este da língua, e talvez nenhum seja mais difícil de se manter o foco de forma tranquila em todos os fatores atualmente envolvidos.[7]

A questão pode ser levantada agora, no entanto, principalmente por causa da mudança no protestantismo atual. A teologia protestante de hoje não é a teologia protestante de Lutero ou Calvino. Possivelmente não há em nenhum lugar hoje sequer um grupo de protestantes que sustente doutrinas idênticas às estabelecidas por esses líderes da Reforma e seus associados.[8] Além disso, o Concílio de Trento foi muito cuidadoso em evitar indicar que as línguas vernáculas em si eram inadequadas para a liturgia. Há muito, de fato, a ser dito sobre a questão levantada por Dom Gregory Dix, a questão de saber se o problema inevitável foi apenas adiado, e não de fato evitado.[9] Padre Schmidt vê inclusive nas explicações em vernáculo dos ritos exigidas por Trento como um novo elemento litúrgico que abriria o caminho para o desenvolvimento de um uso do vernáculo na liturgia.'[10]

O QUE UMA VEZ LEVOU À APOSTASIA…”

É, em suma, um novo mundo protestante que enfrentamos hoje. A teologia protestante no momento não tem uma queixa especial com relação à língua; o uso de uma ou outra língua não envolve nenhum problema dogmático especial, pois a teologia protestante está lutando com verdades muito mais fundamentais hoje em dia. Coros protestantes até cantam hinos em latim durante seus cultos e não chocam suas congregações ao fazê-lo. Em todo o mundo, a Igreja gradualmente introduziu uma quantidade cada vez maior do vernáculo em seu ritual, e não houve qualquer manifestação proveniente dos púlpitos protestantes, alegando que Roma se jogou nos braços de Lutero. Na verdade, os grandes Reformadores tornaram-se símbolos em vez de mestres, e seus ramos dogmáticos não impressionam a maior parte dos crentes protestantes. Há, no mínimo, um forte temor de que a Igreja Católica gradualmente faça maior uso do vernáculo. Seria uma tremenda atração para a população protestante, já bastante acostumada aos ritos e a beleza do culto litúrgico realizado na língua materna.

Certamente tal consideração nunca seria a razão para introduzir mudanças linguísticas em nossa liturgia, mas, por outro lado, toca em um problema grande demais para ser ignorado. Como o Padre Schmidt menciona, o que antes levava à apostasia, agora convida ao retorno”![11] O vernáculo afastou as pessoas da Igreja no século XVI, mas pode ajudar seu retorno hoje. Não é um pequeno obstáculo no caminho de muitos não-católicos devotos perceber que sua entrada na Igreja Católica está condicionada à aceitação de uma forma de adoração em latim. Significa deixar de lado os hinos vernaculares, as orações, as leituras que entraram na própria fibra de sua vida cotidiana. Eles não são os rebeldes protestantes do século XVI que saíram recentemente e são instados a retornar. Mais de quatrocentos anos os separam dos dias de Lutero, e nesses anos eles construíram uma cultura litúrgica que tem grande significado para eles.

Conhecemos muito bem o apego dos dissidentes orientais às suas liturgias particulares e asseguramo-lhes que a entrada na Igreja Católica não significaria abandonar sua própria língua e adotar uma forma latina de culto. No entanto, não adotamos a mesma atitude em relação aos dissidentes do Ocidente. Parece que valorizamos o cisma em vez da heresia, mas ambos dilaceram o Corpo de Cristo. O que Nosso Senhor pretendia que fosse uma unidade, eles dividiram. Possivelmente, com o passar do tempo, teremos que considerar este lado da questão de forma mais completa, particularmente na medida em que o protestantismo moderno se torna mais litúrgico e conscientemente cultiva uma liturgia vernácula. Quanto à conversão de chineses e japoneses e outras raças não latinas, a questão é ainda mais aguda. A Igreja é católica, mas não necessariamente latina, e a obediência ao Bispo de Roma não implica necessariamente a superposição de uma cultura latina aos povos do Extremo Oriente.

A recente permissão para um certo uso vernacular do inglês no ritual americano naturalmente atraiu ainda mais atenção para essa questão. É impressionante notar que a América é dos mais recentes países a receber tais permissões; o que nos chama a atenção é que a maioria dos europeus supostamente conhece muito melhor o latim do que os americanos, e algumas de suas línguas estão muito mais próximas do latim do que do inglês. , os alemães, os franceses e os italianos, todos receberam antes.

Por que razão?

PARA MAIOR EDIFICAÇÃO E INSTRUÇÃO

Em todos esses rituais, no entanto, uma coisa em particular foi enfatizada: o desejo de promover a Fé, a compreensão e a devoção do povo. Um momento de reflexão pode mostrar a lógica notável disso. As belas orações do Batismo ou da Extrema Unção contêm uma mensagem para os presentes. Afinal, se fosse simplesmente uma questão de administrar um sacramento de forma válida, a Igreja poderia emitir um ritual muito mais curto que seria tão sobrenaturalmente eficaz. Às vezes sentimos ou agimos como se as cerimônias bastante longas, ligadas a certas bênçãos, fossem absolutamente necessárias para a bênção, e que a Igreja não pudesse lidar de outra forma. Podemos descobrir que nos apressamos para receber a bênção dos ramos no início da Semana Santa como uma pessoa que se apressa para pegar um trem que parte. Certamente a Igreja poderia ter decretado que não façamos mais do que borrifar os ramos com água benta, fazer o sinal da cruz e recitar mais uma oração que e os ramos estariamo abençoadas quanto agora. Mas as cerimônias existem para nossa edificação e instrução. É o espírito da liturgia que conta e é isso que nos falta. Naturalmente, o uso do vernáculo, às vezes mesmo em tais cerimônias, não nos daria automaticamente esse adequado espírito interior, mas parece que se as pessoas pudessem entender as leituras e orações em sua própria língua provenientes do próprio celebrante, elas seriam mais atentas, e a cerimônia teria mais significado do que agora. Uma rápida caminhada pela nave principal, dois versos do Glória, laus” e uma batida rápida na porta mal toca o espírito da liturgia ou move nossas emoções. Mas, nesse sentido, os ramos são abençoados”.

Da mesma forma, a bênção das velas na Festa da Purificação pode ser realizada pelo celebrante lendo as cinco orações quase para si mesmo, ou – se ele tiver em mente as rubricas – cantando-as, possivelmente a uma velocidade vertiginosa. Mas, se o propósito não é mais do que apenas abençoar” as velas, a Igreja também pode autorizar um simples sinal da cruz. Devemos admitir que nossa recitação do latim às vezes é tão rápida que não passa desapercebida. Às vezes sorrimos para os sectários e sua cuidadosa recitação da liturgia em seus cultos. No entanto, quando começarmos a recitar certas orações do ritual na língua do povo, nos veremos tornando-nos mais exigentes quase instintivamente. Se formos honestos, quando ouvimos como às vezes corremos com o nosso latim, teremos que admitir que não soaria muito devocional se lêssemos as mesmas orações, na mesma velocidade, em inglês. Como um experimento particular, podemos tentar fazer as Orações ao Pé do Altar com a mesma velocidade, o mesmo tom de voz e a mesma quantidade (ou falta) de clareza que às vezes usamos no latim. É tudo menos inspirador. Ou uma Epístola lida como um maquinista de trem anunciando as estações; ou nosso canto das Orações com sotaque errado, pronúncias incorretas e entonações no impulso do momento. A língua materna certamente tornaria tais falhas muito mais óbvias.

QUESTÃO TEOLÓGICA OU HISTÓRICA?

O uso do vernáculo, porém, está intimamente ligado à questão da reforma litúrgica. Para tornar a liturgia um elemento vívido e vital na vida dos católicos de hoje, é preciso muito mais do que simplesmente traduzir orações em latim para o inglês; nunca é demais salientar. A questão vernácula é apenas uma parte comparativamente pequena de um tópico maior e mais abrangente. Não é uma completa solução em si, mas é a parte mais importante de qualquer solução final. Possivelmente a chamada Betsingmesse da Alemanha – Missa “rezada e cantada” seja o melhor exemplo do que alguns desses anseios gerais seriam na prática; o anseio é geralmente expresso, no entanto, que toda a liderança de tal Missa seja transferida para o próprio celebrante, em vez de recorrer a um segundo sacerdote. E envolve a participação ativa e o vernáculo, e dá uma noção geral do que as discussões teóricas dos liturgistas significariam na prática.

Além dos sacramentos e das bênçãos, o problema vernacular é naturalmente considerado em conexão com o Sacrifício da Missa, por mais que tentemos evitar o assunto. No momento, a discussão está preocupada apenas com o uso do vernáculo na pré-Missa e nas partes do Proprio da Missa que são lidas ou faladas em voz alta. A préMissa era originalmente um serviço escriturístico, completamente separado do que é agora a Missa dos Fiéis; era até mesmo realizada em diferentes momentos ou lugares. Apenas gradualmente os dois foram unidos em uma mesma celebração. [12] Assim, a préMissa é particularmente proeminente nessas discussões.

Assim, também, as partes da Missa que são lidas ou cantadas em voz alta devem ser consideradas por uma razão muito óbvia: elas são lidas em voz alta, ou cantadas, para que os fiéis possam ouvi-las e ouvi-las com atenção.

Simplesmente não há outra explicação para a prática. Portanto, quando qualquer discussão se centra na inteligibilidade, essas partes devem ser tratadas.

Atualmente, ninguém pensa em recitar em voz alta no vernáculo o Cânon; o Cânon – que é o núcleo de nosso Sacrifício – não entra nessas discussões, exceto por uma menção de que pequenas frases ou cerimônias no atual texto em latim podem ser melhoradas. Logicamente, com o passar dos séculos, o próprio Cânon pode ser considerado como partícipe mais interno de todo o problema; isso precisa ser admitido. A história diz-nos que, pelo menos até ao século VII, nas Missas estacionais romanas*, o Cânon inteiro era recitado em voz alta (mesmo as palavras da Consagração) e no vernáculo do povo: o latim.[13] Isso levanta a questão, talvez mais histórica do que teológica, de por que agora recitamos o Cânon secretamente. É mais uma daquelas questões que não podem ser ignoradas e deixadas de lado em tais discussões. Isso ajuda a moldar nossa visão geral.

ATOS DO CONCÍLIO DE TRENTO

Na verdade, as discussões sobre o uso do vernáculo que vemos em todos os lados hoje não são novas” de forma alguma. Elas são o resultado lógico de passos muito importantes dados pela Igreja nos séculos passados, que forçosamente ajudaram a trazer à tona o assunto. O primeiro passo para resolver o problema foi dado na decisão do Concílio de Trento ao permitir a tradução das Escrituras para o vernáculo. Esta é uma questão muito importante, uma vez que a Escritura desempenha um papel tão grande em nossa liturgia. Houve muita oposição violenta no próprio Concílio, mas a decisão da Igreja foi a favor do vernáculo.[14]

O desejo de permitir o uso do vernáculo na liturgia não foi atendido por dificuldades dogmáticas, como mencionamos acima. O Concílio, no entanto, exigiu que houvesse uma explicação vernacular do ritual, algo distinto da instrução catequética ordinária, e algo ligado à administração do sacramento ou à realização da própria cerimônia.[15] Este interesse em compreender as próprias fórmulas litúrgicas aumentou, e aos fiéis foram sendo gradualmente entregues livros de orações moldados segundo as linhas litúrgicas. Por fim, surgiu o desejo de uma tradução completa das orações do padre, que posteriormente também foi concedido pela Igreja. Por muito tempo, no entanto, a tradução do Cânon não foi autorizada. Como o Padre Jungmann nos diz:

Ainda em 1857, a proibição de traduzir o Ordinário da Missa foi renovada por Pio IX, embora, na verdade, sua aplicação não fosse mais seriamente considerada. No entanto, não foi aberta e definitivamente anulada até perto do final do século. Na revisão do Índice de Livros Proibidos, publicado sob Leão XIII em 1897, a proibição não foi mais mencionada.[16]

Depois disso, surgiu o desejo de que os fiéis fizessem comunitariamente e em comum o que muitos já faziam individualmente: recitar as orações da própria Missa. Assim, a Missa Dialogada e o canto comunitário do Ordinário ganharam mais destaque. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se um maior interesse pela liturgia e pela doutrina do Corpo Místico, particularmente nos últimos cinquenta anos, desde o tempo de Leão XIII. Assim, sob a orientação do Espírito Santo, todas essas coisas foram convergindo para formar um corpo de problema que hoje podemos ver com mais facilidade. As dificuldades para atingir o objetivo, vislumbrado com o uso da língua latina, certamente voltaram nossas mentes para o vernáculo. Mas o declínio geral do conhecimento do latim contribuiu de certa forma, e a reversão quase completa na abordagem teológica protestante removeu a principal razão para rejeitar o vernáculo em Trento. O palco foi montado dessa maneira, e assim a questão que discutimos hoje não é uma noção nova” ou fanática” que certos zelotes gostariam de impor ao resto da Igreja. Não é o início de um lento processo de desenvolvimento; é, antes, algo mais próximo do fim, o resultado final de todos esses muitos e variados elementos. É um problema que, por essa razão, pode finalmente ser discutido de forma mais clara e resolvido de forma mais sistemática do que era possível anteriormente

OS LEIGOS NO COMANDO DO LATIM

A oposição ao vernáculo não é fácil de avaliar. Às vezes, não há realmente uma opinião definida a favor ou contra; isto é particularmente verdadeiro para os leigos. Durante anos eles se acostumaram a pensar que a Missa simplesmente não poderia fazer uso de qualquer outra língua, e a ideia de sua possibilidade pode até chocá-los. Mas eles ficam chocados ao saber que os Ritos Orientais fazem uso de outras línguas ainda hoje (e ainda são católicos), ou que o vernáculo era a língua usada para a Missa na Igreja primitiva. Uma vez que eles percebem a situação, no entanto, e descobrem que não seria herético sugerir o uso do vernáculo, eles via de regra aceitam a noção de todo o coração. E certamente, de um ponto de vista a priori, pareceria o mais lógico que as orações e instruções públicas na Missa fossem em uma língua que o povo compreendesse. Na prática também, parece ser mais sensato ler a Epístola e o Evangelho do domingo uma só vez e acabar com isso de repeti-los em inglês, como fazemos atualmente.

Na verdade, talvez seja difícil para nós, sacerdotes, imaginar quão pouco os leigos se beneficiam do latim. Não importa quão ruim seja o latim do padre, ele conhece um bom número de frases e se sente à vontade para sentir uma certa familiaridade. Mas a pessoa comum que assiste à Missa carece até disso. Sem dúvida, é ainda mais difícil para um sacerdote francês, espanhol ou italiano entender como o latim estrangeiro soa para nossos leigos americanos. Para eles é uma questão mais simples, pois suas línguas têm alguma relação com o latim. O italiano, especialmente, é marcado por essa relação próxima, como percebe imediatamente quem já estudou o latim e o italiano. Um italiano pode (e frequentemente o faz) aprender latim com relativa facilidade, e inglês apenas com muito trabalho, se é que o aprende. A ponte entre o latim e o italiano é insignificante quando comparada à lacuna entre o latim ou o italiano, por um lado, e o inglês, por outro. É isso que apresenta um problema especial para nossos países de língua inglesa. No entanto, mesmo na França e na Itália há um forte movimento a favor do uso do vernáculo. Mais justificado ainda se torna no nosso caso, onde, por causa da mistura de nossas raízes verbais em inglês, a relação com o latim tornou-se bastante tênue.

Talvez os alemães possam entender melhor nossa posição. Eles têm uma língua ainda mais distinta do latim; no entanto, com eles, o alemão tem pelo menos alguma noção de palavras declinadas, enquanto o americano comum não consegue descobrir por que Deus, Dei, Deo, Deum, Deo, todos significam Deus”. É na Alemanha, no entanto, que encontramos o uso há muito estabelecido do vernáculo na chamada Santa Missa Alemã”. Nós os vemos cantar em serviços funerários e em outras partes de seu rito. Isso talvez possa nos inspirar, já que nosso problema linguístico se parece mais com o deles do que qualquer outro. Ainda restará, daqueles que se oporão a qualquer uso do vernáculo por causa de uma antipatia geral com relação a mudança.Sempre foi assim, dirão, dando dando ênfase à palavra sempre” neste caso. Eles na verdade deixam o problema de lado em vez de resolvê-lo de uma forma ou de outra. Outros podem sentir um certo fascínio pelo misterioso: A Missa deve ser algo misteriosamente sagrado, algo que não podemos compreender; deveria ser um mundo à parte, onde ouvimos sons que não ouvimos em nenhum outro lugar, uma espécie de experiência mística”. Podemos apenas responder que há uma razoabilidade definida em nossa Fé e devemos manter esse elemento básico.

Nossa religião não é uma religião esotérica, uma religião hermética. É uma religião de mistérios”, certamente; mas os mistérios estão na realidade, não nas palavras. O mistério não se encontra na incompreensibilidade da língua (incompreensibilidade limitada, aliás, àqueles que não fizeram estudos clássicos); o mistério está no fato de que pão e vinho se tornam Corpo e Sangue de Jesus Cristo; o mistério está no fato de que a oferta de Cristo no Calvário é atualizada e perpetuada.[17]

OUTRAS OBJEÇÕES

também um medo por parte de muitos de que teremos que abrir mão de muito da nossa cultura religiosa”. É o argumento da elite. Certamente há alguns poucos que estão sintonizados com as sutilezas da poesia latina, e há aqueles que possuem um senso aguçado da história. E devemos admitir que, para a esmagadora maioria dos católicos em todo o mundo, isso não envolveria nenhuma ruptura cultural. Eles nunca experimentaram a liturgia como um monge em um mosteiro, e mesmo que viessem a ter em algum momento futuro, não seriam capazes de apreciá-la da mesma maneira. Os mosteiros poderiam facilmente manter a presente liturgia; é frequentemente sugerido que a mantenham; mas seriam as exceções. A questão atual diz respeito principalmente à vida paroquial comum.

Alguns temem que tenhamos que desistir do Canto, por exemplo. Na verdade, o que estaria na prática envolvido? Os Evangelhos, Epístolas, Orações; os Prefácios e o Pater Noster; o Exsultet ou as Profecias não apresentariam nenhuma dificuldade. Poderiam ser amplamente adaptados ao canto. Quanto às melodias para os canto dos Proprio, de fato, não é preciso ser cínico para notar que elas praticamente não têm lugar na vida paroquial de hoje; eles simplesmente não são usados. No entanto, mesmo os Aleluias com todas as suas belezas permaneceriam inalterados. E já vimos excelentes exemplos de adaptação ao vernáculo das melodias para as antífonas de Nossa Senhora. O ritual alemão também contém alguns cantos alemães para o In Paradisum e o Ego sum que são realmente muito agradáveis. Quanto aos outros elementos da liturgia – as cerimônias e as vestimentas – não seriam de forma alguma afetados de maneira particular pela língua.

No que diz respeito às Missas Cantadas, parece que frequentemente entendemos mal o propósito. Na maioria das vezes, elas decorrem de uma época em que os fiéis não cantavam mais o Ordinário da Missa. Assim, não se pode deixar de registrar a afirmação de Dom Gregory Murray, que traz fundamentos históricos:

O simples fato é que essas Missas de cantochão nunca foram destinadas ao uso da assembléia; elas foram compostas para coros altamente treinados, e seu desempenho digno exige longas horas de prática e uma técnica vocal muito além dos poderes de uma assembléia comum.[18]

Mas suas raízes são muito mais profundas; e devemos ter essas raízes em nossas mentes.

LÍNGUA OFICIAL VERSUS LÍNGUA LITÚRGICA DA IGREJA.

O latim não é a única língua litúrgica usada pela Igreja, mesmo na atualidade. A confusão surge por causa de uma falha em distinguir adequadamente entre a língua litúrgica e a língua oficial da Igreja. Ninguém tem a intenção de substituir o latim pelo vernáculo como língua oficial da Igreja. O latim serve a um grande propósito , como um correspondente apontou: Ninguém quer um pronunciamento semanal infalível, cada um em um vernáculo diferente”. Ao mesmo tempo, podemos notar que o latim não é a única língua em que os Papas e Concílios expressaram solenemente seus ensinamentos, basta uma rápida consulta ao Denzinger que nos veremos. É a Igreja que é infalível, mas assim o é por causa da orientação divina prometida por Cristo, e não por causa de uma língua em particular que é usada para expressar sua crença.

Na Mediator Dei, o Papa Pio XII destaca o grande valor do latim a este respeito:

O uso da língua latina vigente em grande parte da Igreja, é um caro e nobre sinal de unidade e um eficaz remédio contra toda corruptela da pura doutrina.[19]

Isso seria verdade; continuaria a servir de sinal de unidade e de antídoto contra o erro doutrinário. Mas é o sinal, e não a causa da unidade, e uma ajuda, e não a explicação básica para a infalibilidade. Não podemos confundir os dois. Assim podemos dizer com Pio XII, mesmo considerando estes dois pontos:

Em muitos ritos o uso da língua vulgar pode ser assaz útil para o povo.”[20]

FATOS QUE DEVEMOS ENFRENTAR

Há, novamente, um certo idealismo que se liga ao elogio ao latim. Frequentemente ouvimos as pessoas falarem como se os católicos de hoje realmente tirassem muito proveito da liturgia em latim, de modo que podemos legitimamente perguntar se eles de fato obtêm tal benefício da liturgia em latim como tal. Este é unicamente o centro do problema. Para todos os efeitos práticos, tudo o que as pessoas comuns derivam da liturgia vem de uma espécie de liturgia inglesa” não oficial. Eles vêm à Missa, às Vésperas ou aos sacramentos munidos de um missal ou de um livrinho em inglês. O que quer que elas obtenham das celebrações, no que diz respeito à língua (e é apenas isso que estamos discutindo), geralmente virá desses folhetos ou dos sermões e instruções dadas em inglês. Elas percebem, é claro, e de maneira geral, a ação que o padre está realizando, e que elas próprias participam dela. Mas para muitas, mesmo assim, o missal se torna o substituto de um livro de orações privadas em vez de um meio de intensificar seu senso de adoração comunitária. Assim, elas podem recitar” a Missa Votiva do Sagrado Coração enquanto o sacerdote está oferecendo a Missa para a festa de São Miguel Arcanjo. Elas acompanham o celebrante, mais ou menos, parando para sua própria” Consagração, mas na verdade elas vão em frente com o seu próprio” ofertório durante o canto do Credo, e passam pela sua própria” Consagração no Sanctus do padre; e tudo isso para terminar junto com o celebrante a tempo da Comunhão. Há pouco daquela atividade social, comunitária e coletiva que deveria marcar a celebração do Santo Sacrifício.

Não é porque os fiéis ouvem e entendem a Oração própria do dia que captam o espírito da festa em tal situação; seria apenas por causa do que leram pessoalmente. A Missa dialogada tenta preencher essa lacuna, mas também tem suas dificuldades. Se a Missa dialogada é conduzida no vernáculo, há uma certa atividade comunitária, mas deixa o celebrante – o único que realiza oficialmente o ato ritual – em segundo plano. Isso dificilmente pode ajudar, senão diminuir a valorização da unidade total da comunidade, sacerdotes e fiéis.

O STATUS DO LATIM NA EDUCAÇÃO AMERICANA

Por outro lado, se o diálogo é conduzido em latim, ele trabalha sob a própria dificuldade que estamos discutindo. Certamente a assembléia, bem como os coroinhas, podem aprender a dar as respostas. Eles também podem aprender a responder em chinês da mesma maneira e não entender melhor as respostas. Mesmo que a assembléia tenha uma tradução lado a lado das respostas, na maioria das vezes elao sabe latim o suficiente para sentir a língua; será uma espécie de oração esquizofrênica: Estas são as palavras que eu digo em latim, e isso é o que eu penso em inglês”. Embora ela possam saber que Et cum spiritu tuosignifica E com o teu espírito”, a frase latina real mais frequentemente significará nada além de uma sucessão de sons.

A única outra solução para o problema seria intensificar nosso ensino de latim para a população católica em geral; é, no entanto, uma solução um tanto impraticável, com pouca esperança de que o sucesso generalizado seja alcançado. Alguns desejam isso, ainda, como Russell S. Young observou que há uma diferença entre derrotismo e realismo. A Igreja sabe muito bem enfrentar a realidade e libertar-se, quando necessário, das formas de outros tempos e lugares. Mas se a liturgia voltar a se tornar um culto vivo e comunitário, não será por uma reforma educacional” nos departamentos de idiomas. A Europa do século XX certamente não tem dever para com o latim”, para não falar da China, Índia ou África do século XX.''[21]! Acrescentemos também a América do século XX à lista, pois o latim certamente é tudo menos educacionalmente proeminente em nosso meio hoje, mesmo em nossas escolas católicas.

Embora as pessoas possam ter algumas noções gerais” sobre o que dizem ou cantam, nossa vida de oração não deve ser algo geral” ou vago”, algo fora de foco”, como disse um homem. Cada pormenor disso deve fluir da mente e igualmente do coração. Podemos ver isso ainda melhor no canto, pois o canto comunitário trabalha sob essa mesma dificuldade. É realmente desanimador ouvir como as comunidades protestantes ocasionalmente cantam – juntas, com entusiasmo, com espírito e significado – e compará-las com as nossas. Embora realmente entendam muito pouco O Salutaris, a maioria dos católicos hoje conhece as palavras e alguns têm uma noção geral do que significam. Porém, ao mesmo tempo, muitas vezes há muito pouca cor em suas vozes, e o canto se arrasta interminavelmente Mesmo a diferença entre esse canto e o Deus Santo ao final é impressionante. (Infelizmente, é claro, nossos hinos ingleses não soam muito melhores por vezes, pois nossa seleção atual dificilmente permite uma comparação justa. Dos vários hinários que possuímos, o presente escritor destacaria o New Westminster Hymnal of England como nossa abordagem mais próxima dos bons hinos; certamente merece ser muito mais conhecido nos Estados Unidos do que é).

O LATIM E O “LATIM DE CASA

Grande parte da discussão sobre o vernáculo toca em um tópico que interessa apenas aos sacerdotesa questão de um ofício no vernáculo. É uma sugestão quase chocante para muitos, mas a razão para isso pode ser resolvida pela mesma distinção entre nossa língua oficial e nossa língua litúrgica na Igreja. A sugestão não surge por causa do desejo de deixar o clero mundial na chocante ignorância da língua latina. Ela surge, no entanto, de um desejo de encarar os fatos como eles são. O declínio geral do latim afetou as fileiras do clero não menos do que o resto da população. Quantos cursos de filosofia e teologia, por exemplo, são realmente ministrados em latim hoje do começo ao fim? Há um bom número de sacerdotes que nunca tiveram um único curso desse tipo em toda a sua formação no seminário. E livros de latim? Como Russell S. Young escreveu em uma edição da revista Amen: Podemos tolerar o abominável latim de Tanquerey quando queremos ler um pouco de teologia… [22] E é isso. O latim de casa” no qual a maioria de nossos livros didáticos são escritos hoje dificilmente faria de qualquer um de nós um grande latinista clássico. Há muitos sacerdotes que podem ler Tanquerey, Hervé e Noldin com facilidade, mas admitem abertamente que, quando enfrentam Billot ou uma encíclica papal, precisam de um lugar tranquilo e sem distrações. E há alguns que alegaram que nem mesmo enfrentariam uma encíclica papal em latim, pois são da opinião franca de que são bastante difíceis mesmo em traduções vernáculas.

Possivelmente, nossa abordagem do latim no seminário precisa de uma revisão; talvez o latim devesse voltar a ser o que era na Idade Média: uma língua viva que foi aprendida para ser usada em vez de escrutinada e analisada gramaticalmente. Para muitos domus” ainda significa casa” e civitassignifica cidade”; e isso significa que eles realmente não conhecem o latim. Ainda estão pensando em inglês e, embora traduzam sua filosofia e teologia do latim para o inglês, em última análise estão também aprendendo o latim em inglês.

O BREVIÁRIO NO VERNÁCULO – OBJEÇÕES RESPONDIDAS

O desejo de um ofício no vernáculo aborda o problema desde esse ângulo, devemos admitir. Se há sacerdotes que devem ler o Ofício uma hora por dia, sua vida espiritual seria imensamente auxiliada se pudessem entendê-lo melhor. O latim do Ofício é certamente mais difícil do que o dos nossos livros do seminário, e devemos levar isso em consideração.

Por outro lado, esta não é a principal abordagem do problema. Os que falam de um breviário em vernáculo são, estranhamente, os mesmos que muito freqüentemente são a favor de intensificar nosso estudo e conhecimento do latim no seminário. Deve ser uma ferramenta ao alcance de todos os sacerdotes. Mas apontam, ao mesmo tempo, que o Ofício não é um livro didático; é uma oração. É a questão de uma lingua com a qual se reza em vez de estudar, e a oração deve ser fácil e fluida, algo que queremos dizer com nossos corações. Não se trata de desenterrar” ideias para uma sala de aula; é algo muito mais pessoal. Não devemos entender o breviário apenas de maneira geral. Devemos lê-lo com tanta facilidade que esquecemos que estamos lendo, concentrando-nos apenas nas ideias. Deve ser uma hora de comunhão silenciosa e pensativa com Deus. E é a crença sincera de muitos que a maior ajuda para se fazer isso seria recitar o Ofício em nossa língua materna.

Muitas vezes a esperança de manter vivo o conhecimento do latim é apresentada como razão para manter o breviário em latim. Isso parece colocar a carroça na frente dos bois. O Ofício não deveria ser uma ferramenta pedagógica, mas uma oração. Se o desejo de entendê-lo não foi um incentivo forte o suficiente para manter um padrão mais alto do estudo do latim no passado, será que isso realmente acontecerá no futuro?

A razão última para isso pode ser encontrada no estilo do Ofício: é muito poético. A maioria dos padres pode ler e lê livros em latim sobre questões técnicas, mas eles acham que o Ofício é um assunto diferente. Ele está repleto de imagens poéticas que escapa à pessoa comum. A poesia parece ser a última coisa que entendemos em uma língua estrangeira; talvez seja por isso. Quando lemos nossos livros, estamos principalmente preocupados com as ideias. Há poucas imagens poéticas envolvidas, quer digamos Persona est natura completa et singularis, intelectualis et sui juris et omnino incommunicabilis, ou Uma pessoa é uma substância racional individual que é completa em si mesma e mestre de suas ações”..

No entanto, quando lemos os salmos, há algo mais. Um homem pode ler Fulgebunt justi et tamquam scintillae in arundineto discurrent” e entender o que significa no geral. Mas quando ele abre sua Bíblia no Livro da Sabedoria e lê: Os justos resplandecerão no tempo da recompensa, propagar-se-ão como centelhas sobre o colmo”, toda uma série de imagens passa diante dele. Sem dúvida, nunca em sua vida ele viu um incêndio e gritou: Ecce, scintillae!” Mas ele disse: Olhe para as faíscas!” A própria palavra lembra todas essas experiências passadas e todas as coisas que ele associou a ela. É uma experiência poética, um contato com o imaginário; dá vida ao justo”.

BENEFÍCIOS DE UM BREVIÁRIO EM INGLÊS

Muitos tiveram a sensação, ao ler os salmos em inglês, de que estavam lendo um novo livro. Não necessariamente por não entender o latim, mas pela falta de imagens que tornou o latim menos impressionante para eles pessoalmente. (Nos primeiros dias da Igreja, quando o latim era o vernáculo, o contrário era verdadeiro; uma língua viva carrega consigo tais conotações poéticas.) As Leituras no Ofício também compartilham dessa natureza poética – certamente as lições da Escritura e as homilias; mas, sobretudo, os salmos. O presente escritor lembra-se de ter perguntado a vários sacerdotes quem havia escrito estas palavras: Os que tinham descido ao mar em naus, para fazerem comércio sobre as grandes águas, viram as obras do Senhor, e as Suas maravilhas no meio do mar.” Ele recebeu respostas apontando Keats e Shelley e uma série de outros autores, mas nenhum reconheceu as palavras como vindas dos salmos para o Terceiro Noturno dos sábados. Possivelmente não associamos imagens poéticas com nossos salmos em latim, como deveríamos, mas certamente existem. Há, além disso, o valor colateral de um Ofício no vernáculo: a familiaridade com as Escrituras que automaticamente geraria; poderia ser de tremendo valor no trabalho de pregar e instruir. Como pregamos em inglês e lemos as Escrituras em latim, nos vemos menos capazes de citar as páginas inspiradas com facilidade.

CHAVE PARA UMA VIDA CATÓLICA VIGOROSA

Tudo isso, no entanto, é apenas uma tentativa de firmar a atenção no estado atual da discussão sobre o vernáculo, uma tentativa de expor algumas das questões mais básicas envolvidas. Não é uma questão fácil, nem uma que possa ser resolvida por meio de disputa acalorada. É uma questão muito complicada, que toca em muitas facetas da vida católica. Exige o trabalho cooperativo de muitos campos de estudos e o pensamento sério de toda a Igreja. Mas, acima de tudo, exige a orientação do Espírito Santo e as orações daqueles dentro da Igreja para essa orientação. Não é mais uma questão que possa ser ignorada ou posta de lado como representando nada mais do que discursos de fanáticos. O Movimento Litúrgico é algo muito maior do que um interesse cultivado pelo ritualismo, e quanto mais é estudado, mais começamos a perceber que a solução final de muitos problemas do apostolado pode ser ajudada ou dificultada por nossa abordagem particular da liturgia. Em uma época assolada por problemas de todo tipo, econômicos, políticos e sociais, não é estranho que Pio XII pudesse assim escrever: Urge sobretudo que os cristãos vivam a vida litúrgica e alimentem e fortaleçam seu espírito sobrenatural.''[23] A vida Litúrgica não é ficar tocando uma lira enquanto Roma arde. É, antes, a chave para uma vida católica vigorosa, uma vida que transbordará para o apostolado ativo.

 

* Padre John L. Murphy, atualmente em Roma, Itália, é sacerdote da Arquidiocese de Milwaukee. Ele escreve em um momento em que há muita discussão sobre a proposta de um uso mais amplo do vernáculo na liturgia. Nem sempre foi o caso de tantos se preocuparem com as questões pertinentes a esta área da vida católica. Convertido, por assim dizer, à posição de maior uso do inglês, Padre Murphy faz todos os esforços para ser justo em sua apresentação da posição daqueles que detêm o status atual em relação ao idioma. Ele sente que as declarações do papado excluem o objetivo da liturgia como o status quaestionis, que o objetivo é uma participação claramente ativa e inteligente. O verdadeiro ponto em questão, portanto, é o meio para a inteligibilidade – a língua usada no Missal e no Breviário

* Ad rem: não tão apropriadamente relacionado ao caso, à questão ou à circunstância

[1] Mediator Dei (America Press Edition), par. 86.

[2] Ibid. par. 20.

[3] Ellard, SJ., Gerald, The Mass of the Future (Bruce, Milwaukee, Wis., 1948), p. ii.

[4] Jungmann, S.J., Joseph A., The Mass of the Roman Rite, traduzido por Francis A. Brunner, C.SS.R. (New York, Benziger, 1950), I, 50 sq. Also Klauser, Theodor, A Brief History of.Liturgy (Collegeville, Minn., The Liturgical Press, 1953) pp. 7-10.

[5] Dix, Dom Gregory, The Shape of the Liturgy (Westminster, Dacre Press, 1945), p. 618.

[6] Cf. Schmidt, S.J., Herman, Liturgiae et langue vulgaire (Rome, Gregorian University, 1950).

[7] Ellard, op. cit., p. 146.

[8] Cf. Weigel, Gustave, S.J., A Survey of Protestant Theology in Our Day,Proceedings of the Catholic Theological Society of America, 1953, p. 43.

[9] Dix, op. cit., p. 620.

[10] Cf. Schmidt, op. cit., p. 180 sq.

[11] Ibid., p. 187.

[12] Cf, Jungmann, I, 261 sq., 67 sq.

* A manifestação mais importante da Igreja local dá-se quando o Bispo, na qualidade de sumo sacerdote do seu rebanho, celebra a Eucaristia, mormente na igreja catedral, rodeado do seu presbitério e ministros, com a plena e ativa participação de todo o povo santo de Deus. Esta Missa, chamada estacional, manifesta, não somente a unidade da Igreja local, mas também a diversidade dos ministérios ao redor do Bispo e da sagrada Eucaristia. Para ela, portanto, se convoque o maior número possível de fiéis, nela concelebrem os presbíteros com o Bispo, desempenhem os diáconos o seu ministério, exerçam os acólitos e leitores as suas funções.

[13] Ibid.

[14] Cf. Schmidt, op. cit., pp. 81-95.

[15] Ibid.

[16] Jungmann, I, 161.

[17] Chery, O.P., H-Ch., Le français langue liturgique? (Paris, Cerf, 1951), p. 52.

[18] Murray, Dom Gregory, Introduction to A Peoples Mass (london, 1952)

[19] Mediator Dei, par. 53.

[20] Ibid.

[21] Young, Russell S., Correspondence,” Amen (Feb., 1952) p. 6.

[22] Ibid.

[23] Mediator Dei, par. 182.

 

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