Quinta-feira, Maio 9, 2024

O concílio de Calcedônia e o Papado

Por volta de 448 d.C, um velho monge bizantino, Eutiquês, que havia sido um aliado zeloso de São Cirilo de Alexandria, no Concílio de Éfeso, tornou-se rígido e inflexível em suas opiniões a respeito da Encarnação. Ele argumentou que a natureza divina de Cristo absorveu Sua natureza humana e essa Sua natureza humana deixou de existir, dando assim origem à heresia do monofisismo.

Esta doutrina herética se espalhou por toda a Igreja do Oriente, e forçou São Flaviano, Patriarca de Constantinopla, chamar um sínodo local para condená-la. No entanto, Eutiques recusou a se submeter ao sínodo, apelando o seu caso ao Papa Leão I.

Isto é o que ele escreveu:

Me refugio, assim, com você, o defensor da religião e que abomina tais seitas… Eu rogo-vos que não tenha preconceito contra mim, pelo esquema traiçoeiro deles ao meu respeito, mas pronuncie a sentença, que pareça para ti reta na fé.”  (Eutiques ao papa Leão, Ep 21.)

O patriarca Flaviano também apelou para Roma por uma decisão, levando o Papa Leão produzir sua famosa Toma, que condenou totalmente o Monofisismo. E assim, respondendo a Eutiques, São Pedro Crisólogo, arcebispo de Ravenna, escreveu:

Nós  ti exortamos, ilustre irmão, que obedientemente ouça o que foi escrito pelo abençoado Papa da cidade de Roma, que desde S. Pedro, que vive e preside na sua própria Sé, oferece a verdade da fé para aqueles que buscam. Para nós, em nosso zelo pela paz e pela fé, não podemos decidir as questões de fé sem o consentimento do Bispo de Roma.(Pedro Crisólogo de Ravena a Eutiquis, Ep 25)

No entanto, Eutiques não iria se submeter. Tendo ouvido do imperador do Oriente (que, opondo-se à dinastia que apoiou Nestório, favoreceu o ponto de vista de Eutiques), o monge herético persuadiu-o a chamar um outro Concílio em Éfeso, o assim chamado “Concílio Salteador” Ou “latrócinio de Éfeso” de 449, em que o ensino romano foi rejeitado, e o Monofisismo declarado a doutrina ortodoxa da Igreja. Nesse concílio, o Patriarca Flaviano foi agredido fisicamente, e assim escreveu ao Papa Leão apelando:

Quando comecei a apelar ao trono da Santa Sé de Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, e ao Sínodo sagradissímo, que é obediente a Vossa Santidade, ao mesmo tempo uma multidão de soldados cercaram-me e barraram o meu caminho, quando eu desejei refugiar-me no altar sagrado.[…] Portanto, peço a Vossa Santidade que não permita que estas coisas sejam tratadas com indiferença […] mas a levantar-se primeiro em nome da causa da nossa fé ortodoxa, agora destruída por atos ilícitos. Além disso […] a emitir uma instrução oficial [… ]de modo que uma mesma fé em todos os lugares possa ser pregada pela assembleia de um sínodo reunido de padres orientais e ocidentais. Assim, as leis dos pais possam prevalecer e tudo o que foi feito de errado será nulo e sem efeito. Traga a cura para essa ferida medonha.” (Patriarca Flaviano de Constantinopla ao Papa Leão, 449)

Neste mesmo falso concílio em Éfeso, vários outros bispos orientais foram depostos de suas Sés por se recusarem a abraçar o Monofisismo. Entre eles, estavam Teodoreto de Ciro, e Eusébio de Doryleum, ambos apelaram para o Papa Leão, dizendo:

Nós nos apressamos a sua Sé Apostólica, a fim de recebermos a cura para as feridas da Igreja. Para cada razão é apropriado a você assegurar o primeiro lugar, na medida em que Sua Sé é adornada com muitos privilégios. Eu fui condenado sem julgamento. Mas aguardo a sentença da sua Sé Apostólica. Eu peço e imploro a Vossa Santidade que socorra-me no meu apelo ao seu tribunal justo e íntegro. Leve me depressa a ti e eu lhe provarei que o meu ensino segue as pegadas dos Apóstolos.(Teodoreto ao Papa Leão, Ep 113)

O trono apostólico tem sido hábituado desde o início a defender aqueles que sofrem injustiça. Suplico sua bem-aventurança, dar-me de volta a dignidade do meu episcopado e da comunhão consigo mesmo, por cartas suas a minha pequenez, conferindo-me o meu escalão e comunhão. (Eusébio de Doryleum ao Papa Leão)

Posteriormente, o Papa Leão conseguiu fazer com que os dois imperadores para chamassem o Concílio de Calcedônia em 451. Neste Concílio, estavam presentes cerca de 600 bispos (quase todos da Igreja Oriental), a Toma do Papa Leão contra o monofisismo e para o ensino ortodoxo das duas naturezas de Cristo foi abraçado com o pronunciamento e dogmatizada:

Está é a fé dos Padres! Está é a fé dos apóstolos! Devemos crê-la! Seja anátema quem não crê! Pedro nos fala por meio de Leão… está é a verdadeira fé!(Concilio de Calcedônia, Atas do Concilio, Sessão 2.)

Hoje, muitos “estudiosos” anti-católicos têm tentado desbastar o significado desta declaração. No entanto, quando comparada com outros escritos contemporâneos, o significado dos Padres conciliares se torna bem claro:

O Bem-aventurado Pedro, preservando na força do Rocha, que recebeu, não abandonou o leme da Igreja, que ele aceitou…. E se alguma coisa é justamente feita e com razão decretada por nós, se qualquer coisa é recebida da misericórdia de Deus por nossas súplicas diárias, é de seu trabalho e mérito, cujo o poder vive e cuja autoridade prevalece na sua Sé. Para ele que sabem que é não só o patrono deste Sé, mas também primaz de todos os bispos. Quando, portanto, acreditam que ele está falando, cujo representante somos nós”. (Papa Leão, Sermão 3, 3-4)

Ora, o Senhor deseja que a distribuição deste dom seja compartilhado como uma tarefa de todos os Apóstolos, mas de tal maneira que Ele colocou o cargo principal no bem-aventuradíssimo Pedro, o maior de todos os Apóstolos. Ele queria que seus dons fluissem para todo o Corpo do próprio Pedro, como se fosse da Cabeça. Assim, um homem que se atreve a separar-se da solidez de Pedro iria perceber que ele não mais compartilha o mistério divino.” (Papa Leão, Ep 10)

Igualmente, as atas do Concílio de Calcedônia , falam de Leão, dizendo:

Por que o Santíssimo e bem aventurado Leão, Arcebispo da grande e Antiga Roma, através de nós, e através deste presente Sacrossanto Sínodo, junto com o três vezes bem aventurado e glorioso Pedro, o Apóstolo que é a Rocha e fundação da Igreja Católica, e a fundação da fé ortodoxa, despojou (Dióscoro, bispo de Alexandria) do seu episcopado, e afastou dele todos os méritos hierárquicos.(Concilio de Calcedônia, Atas do Concilio, Sessão 3.)

Da mesma forma, ao concluir o seu Sínodo, os padres conciliares escreveram ao Papa Leão, dizendo:

Você está definido como um intérprete para toda a voz de Pedro, e tudo o que você transmitir das bênçãos da fé.(Calcedônia ao Papa Leão, Ep 98)

Pois, se onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, Ele disse que ali Ele está no meio deles, nào foi diferente com os 520 sacerdotes, que preferiam a disseminação de conhecimento sobre Deus […] De quem você é Chefe, como Cabeça para os membros, mostrando a sua boa vontade.(Calcedônia ao Papa Leão – Repletum est Gaudio)

Além de tudo isso, ele (Dióscoro) estendeu sua fúria contra ele mesmo que tinha sido carregado com a custódia da videira pelo Salvador. Referimo-nos a Vossa Santidade.(Calcedônia ao Papa Leão, Ep 98)

Você muitas vezes estendeu o seu brilho Apostólico até à Igreja de Constantinopla.(Calcedônia ao Papa Leão, Ep 98)

Sabendo que todo o sucesso das crianças repercuti aos pais, nós portanto, pedimos a ti honrar a nossa decisão por seu consentimento, e como nós comcordamos com a Cabeça em coisas nobres, por isso pode o Chefe também cumprir o que é apropriado para as crianças.(Calcedônia ao Papa Leão, Ep 98)

Assim, o Concílio de Calcedônia claramente reconheceu o Papa Leão como o sucessor de Pedro e do Chefe da Igreja. No entanto, o Concílio tinha um problema. Um dos seus cânones (Cânon 28) havia dado primazia de Constantinopla no Oriente.

O Cânon diz:

… nós também promulgar e decretamos as mesmas coisas sobre os privilégios da Santíssima Igreja de Constantinopla, que é a nova Roma. Pois os Padres justamente concederam privilégios ao trono de Roma antiga, porque era a cidade real. E os cento e cinqüenta religiosissímos bispos deram privilégios iguais ao santíssimo trono da Nova Roma, justamente julgando que a cidade é honrada com a Soberania e do Senado e goza de privilégios iguais com a antiga Roma imperial ….(Canon 28)

No entanto, o Papa Leão se recusou a concordar com este cânone, e empregando uma espécie de “line item veto”, ordenou que isso fosse tirado dos documentos do Concílio. Nisto, o bispo Anatólio de Constantinopla escreve ao Papa Leão, pedindo desculpas e explicando como o cânon veio a ser, dizendo:

Quanto a essas coisas que o Concílio Universal de Calcedônia recém ordenado em favor da Igreja de Constantinopla, Sua Santidade vamos ter certeza de que não houve culpa em mim, que desde a minha juventude sempre gostei de paz e tranquilidade, mantendo-me na humildade. Foi o reverendíssimo clero da igreja de Constantinopla, que estava ansioso sobre isso, e eles foram igualmente apoiados pela maioria dos reverendos sacerdotes dessas partes, que concordaram com isso. Mesmo assim, toda a força de confirmação dos atos foi reservada para a autoridade do sua bem-aventurança. Portanto, que Vossa Santidade tenha certeza de que eu não fiz nada para aprofundar o assunto, sabendo sempre que eu tinha me obrigado a evitar os prazeres do orgulho e da cobiça”. (Patriarca Anatólio de Constantinopla ao Papa Leão, Ep 132) (sobre o assunto do cânon 28 de Calcedônia).

Então, o assunto foi resolvido, e, nos séculos posteriores, todas as igrejas orientais falavam de apenas 27 cânones de Calcedónia, o Cânon 28 era considerado nulo por Roma “line item veto”. Isto é confirmado por todos os historiadores gregos, como Theodoro o Lector (escrito em 551 d.C), John Skolastikas (escrito em 550 d.C), Dionísio Exegius (também por volta de 550 d.C), e por papas romanos como o Papa Gelásio ( 495 d.C) e Papa Símaco (500 d.C), todos eles falam de apenas 27 Cânones de Calcedônia.

No entanto, quando cânone 28, foi rejeitado por Roma, os monofisitas tentaram explorar a situação, alegando que Leão tinha rejeitado a autoridade de todo o concílio. Então, a pedido do imperador do Oriente, o Papa Leão elaborou uma carta aos bispos, explicando como Calcedônia foi doutrinariamente sã:

Eu tenho vonluntariamente cumprido, portanto, com o que o imperador o clementíssimo imperador acha necessário, enviando uma carta (Ep 114) a todos os irmãos que estavam presentes no Concílio de Calcedônia para mostrar, assim, que as decisões tomadas pelos nossos irmãos santos sobre os princípios da fé eram agradáveis a mim. Meu ato foi naturalmente em conta de quem quer que as decisões do concílio pareçam fracas e dúbias, como uma ocasião para disfarçar sua perfídia própria, alegando que as decisões não foram ratificados pelo assentimento da minha opinião (cânon 28), quando eu expedi uma carta.(Papa Leão, Ep 117)

Assim fica provado, o reconhecimento pelo concílio de Caldedônia, bem como pelos padres e patriarcas presentes, que o bispo de Roma é o chefe e última autoridade da Igreja nas questões de fé.

 

PARA CITAR


BONOCORE, Mark. Apologistas Católicos : O concílio de Calcedônia e o Papado. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/papado/526-o-concilio-de-calcedonia-e-o-papado >. Desde 27/06/2012. Traduzido por: Rafael Rodrigues.

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