Quarta-feira, Maio 8, 2024

Melito de Sardes rejeitou os livros Deuterocanônicos?

Melitão (ou Melito) foi o bispo de Sardes, uma cidade próxima à Esmirna e foi uma grande autoridade da igreja primitiva. Sua lista de livros do Antigo Testamento é possivelmente o mais antigo cânon cristão do Antigo Testamento conhecido; pelo menos é o mais antigo que chegou até hoje, e o que foi conhecido para compor este presente trabalho. Muitos protestantes tentam usá-lo para desqualificar os livros bíblicos que eles rejeitam, a sua citação que se encontra conservada na obra eclesiástica de Eusébio de Cesaréria é:

Mas nos Extratos feitos por ele o mesmo escritor [Melito] dá no início da Introdução um catálogo dos livros reconhecidos do Antigo Testamento, que é necessário citar neste momento. Ele escreve o seguinte: “Melito ao seu irmão Onésimo, saudação! Desde que você tem, muitas vezes, em seu zelo para com a Palavra, manifestou o desejo de ter extratos feitos a partir da Lei e dos Profetas sobre o Salvador, e pela nossa Fé inteira, e também desejou ter uma indicação exata dos livros antigos, no que se refere o seu número e sua ordem, Eu tenho me esforçado para executar a tarefa, sabendo que o seu zelo pela fé, seu desejo de obter informações sobre o Verbo, e sabendo que, em seu anseio por Deus, estima essas coisas acima de tudo, lutando para alcançar a salvação eterna. Assim, quando fui para o Oriente e cheguei ao lugar onde estas coisas eram pregadas e feitas, eu aprendi com precisão os livros do Antigo Testamento, e eu enviei-os a ti, como escrito abaixo. Estes são seus nomes: cinco de Moisés, Gênesis, Êxodo, Números, Levítico, Deuteronômio, Josué, filho de Nun, juízes, Rute, quatro dos Reinos, um e dois de Crônicas, os Salmos de Davi, Provérbios de Salomão, e Sabedoria também, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó; dos Profetas: Isaías, Jeremias, Doze [profetas menores] em um único livro, Daniel, Ezequiel e Esdras. Dos quais eu também fiz os extratos, dividindo-os em seis livros. Tais são as palavras de Melito.” (EUSÉBIO, 2000).

Melito aceita a Sabedoria e conserva Jeremias segundo a Septuaginta que traz Jeremias, Baruc e as lamentações como um único livro; daí ele não ter citado Baruc nem as Lamentações. Mas omite os outros cinco deuterocanônicos, bem como o livro de Ester.

Nessa lista, há um pequeno erro de tradução do texto original em relação a Provérbios e Sabedoria cometido por diversos tradutores. Em traduções costumeiras, principalmente protestantes, a lista de Melito vem da seguinte forma: “Provérbios de Salomão ou sabedoria” e também “Provérbios de Salomão, também [conhecido como] Sabedoria”.

A frase em questão no Grego diz “Σολομνος Παροιμαι κα Σοφα”, que literalmente significa “Provérbios de Salomão, Sabedoria também”. Estudiosos da língua grega descartaram totalmente a ideia dessa tradução, apresentada pela primeira vez por tradutores protestantes no século XIX, segundo os quais Melito pretendia dizer “Provérbios de Salomão, também [conhecido como] Sabedoria”. Se, porém, a tradução fosse realmente essa, a expressão estaria no grego como “Σολομῶνος Παροιμίαι αἱ καὶ Σοφία”. Tal como está, a proposição de que Melito tem a intenção de se referir ao mesmo livro por dois títulos diferentes é inadmissível, pois ele está claramente se referindo a dois livros distintos.

Sobre isto o professor de grego, Otávio Lima, também esclarece:

A questão aqui recai sobre o artigo feminino “hē” (ἡ) e sobre a conjunção aditiva καί (“e” ou “também”). Dependendo da fonte que o protestante usar (geralmente as modernas), não há a presença dos sinais diacríticos (espírito áspero e brando) e do acento circunflexo (perispômena), o que pode distorcer a tradução.

Por exemplo, para se chegar a conclusão de que ἡ (hē) não é artigo, mas a conjunção disjuntiva “ou”, só não dispondo da forma primitiva ou retirando-se os diacríticos é que se pode distorcer o sentido do texto. Ou seja, sem o auxílio dos mesmos, pode-se permutar a semântica do termo em questão, pois muitas vezes deparamos com vocábulos parecidos em grego, cujos recursos de distinção que temos são os acentos, os diacríticos e a combinação deles.

Ex.: ἦ (ẽ)= “certamente” (advérbio de afirmação);

ἤ (ḗ) = “ou” (conjunção coordenativa disjuntiva) ― ou ἤ…ἤ (ḗ…ḗ) “ou…ou;

ἡ (hē) = “a” (artigo feminino singular nominativo).

Como saber qual é, se não se dispõe dos acentos ou dos sinais? Nas fontes modernas, deve-se conhecer o grego e o contexto da frase, oração ou perícope para traduzir. Do contrário, pode-se fazer inúmeros malabarismos.

Logo, sabemos que a expressão “Σολομῶνος Παροιμίαι ἡ καὶ Σοφία” (Solomȭnos Paroimíai hē kaì Sofía) pode ser traduzida por “Provérbios de Salomão E (também) a Sabedoria”. A conjunção καί é aditiva, traz a ideia de união, de inclusão, e não de disjunção. Se fosse disjuntiva, teria que ter o termo ἤ (ḗ) “ou” no lugar do καί.”

O texto de Melito em Latim vem da seguinte forma: “Salomonis Proverbia, quae et Saptientia”, a tradução é “Provérbios de Salomão, e sabedoria também”. Como se vê, seja no latim ou no grego, o texto vem da mesma forma e a tradução é obrigatoriamente a mesma.

PROBLEMAS COM A IMAGINAÇÃO PROTESTANTE


1º Problema

Embora Melito tenha omitido vários livros em sua lista, com certeza ele não está limitando ou dando a lista exata de quantos livros compunham o cânon dos livros inspirados das Escrituras.

No trecho grifado, ele diz:“Assim, quando fui para o Oriente e cheguei ao lugar onde estas coisas eram pregadas e feitas, eu aprendi com precisão os livros do Antigo Testamento, e eu enviei-os a ti, como escrito abaixo.”. Ora, aqui Melito diz que aprendeu os livros do Antigo Testamento, ou seja, ele está falando dos livros que ele estudou e leu, e foram justamente aqueles que ele citou. Ele não está dizendo “estes são todos os livros inspirados”, mas somente diz que aprendeu aqueles que citou.

Em pleno meio do século II Melito precisaria ir no oriente para aprender quais eram os livros do Antigo Testamento, já com boa parte da doutrina cristã desenvolvida ele precisaria ir lá para aprender? Se realmente ele quisesse aprender o cânon bíblico bastaria apenas bater na porta de uma das diversas sinagogas que haviam em Sardes em sua época e rapidamente perguntar a um judeu que lá estivesse.

Ainda por cima incorre o fato desses mesmos judeus (do oriente) estarem rejeitando Ester que ele não menciona em sua lista. 

Se alguma pessoa diz “Eu aprendi os livros do Antigo Testamento” e em seguida cita uma lista que contenha apenas alguns livros, não indica que ela está mencionando todos os livros inspirados e limitando a estes, somente, a extensão do cânon bíblico. Além disso, Melito faz uso dos outros livros que ele não cita sem fazer distinção nenhuma entre eles e os que foram citados na lista.

2º Problema

Se Melito estive mencionando algum cânon, ou até mesmo o cânon protestante, ainda assim teria que nos explicar o fato dele não ter mencionado Ester em sua lista já que os protestantes o aceitam como inspirados.

 

3º Problema

Também os protestantes tem que nos explicar o fato de Melito mencionar o livro da Sabedoria em sua lista, já que ele estaria rejeitando os livros deuterocanonicos e aceitando somente aqueles que os protestantes aceitam.

 

MELITO CITA OS LIVROS DEUTEROCANÔNICOS?


A respeito dele, não se pode traçar seu pensamento e nem qual o contexto em que sua lista foi citada, pois pouco se sabe sobre Melito. Tudo o que temos sobre ele foi conservado por Eusébio de Cesareia em sua História Eclesiástica. Pouquíssimos fragmentos de Melito foram conservados; no entanto, na quantidade que resta, nós o vemos usando os deuterocanônicos duas vezes, o que indica que nas versões completas, provavelmente, fazia um largo uso deles, devido a pouca quantidade de livros bíblicos citados nesses fragmentos.

A sabedoria do Filho do Senhor. No apóstolo: ‘Cristo, o poder de Deus e sabedoria de Deus;’ (1 Coríntios 1, 23-24) e em Salomão: ‘A sabedoria do Senhor se estende de uma extremidade do mundo à outra poderosamente.’”(Sabedoria 8, 1) (IX – De “A Chave”).

A lembrança da misericórdia de Deus, por que Ele rejeita e tem misericórdia de quem Ele quer. Assim, em Gênesis: ‘O Senhor se lembrou de Noé;’ (Gênesis 8, 1) e em outra passagem: ‘O Senhor se lembrou de Seu povo.’” (Ester 10, 12) (IX – De “A Chave”).

Aqui, Melito usa tanto o livro da Sabedoria quanto a parte deuterocanônica de Ester, mesclando com os outros livros Sagrados sem fazer distinção nenhuma entre eles.

CONCLUSÃO


Como vemos, Melito não estava em seu discurso (se realmente Eusébio de Cesaréia estiver certo e citando realmente um discurso de Melito) mencionando nenhuma lista exclusiva dos livros que a bíblia deveria ter, mas sim uma lista dos livros que ele aprendeu e estudou quando esteve no oriente. Porém os que ainda insistem em duvidar, por favor nos expliquem por que ele não citou Ester e citou a Sabedoria, já que ele supostamente estaria mencionando o cânon protestante, e por que ele precisaria ir no oriente para aprender o cânon do Antigo Testamento em meados do século II.

 

BIBLIOGRAFIA


 

RODRIGUES, Rafael. Manual de Defesa dos Livros Deuterocanônicos. 1a edição. Salvador. BA: Clube dos Autores, 2012.

BREEN A. E. A General and Critical Introduction to the Holly Scripture. New York: John P. Smith Printing, 1897.

 

PARA CITAR


RODRIGUES, Rafael. Melito de Sardes rejeitou os livros deuterocanônicos? Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/602-melito-de-sardes-rejeitou-os-livros-deuterocanonicos> Desde: 20/06/2013

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