INTRODUÇÃO
Sim, por incrível que pareça ainda hoje muitos blogs protestantes reproduzem esta insanidade: a de que o próprio teólogo Joseph Ratzinger teria confessado que a Igreja adulterou as Escrituras, em especial, o trecho do evangelho de Mateus, capítulo 28, versículo 19. O absurdo nasce de tentativas como, por exemplo, a de negar o dogma da Santíssima Trindade ou a originalidade da fórmula batismal trinitária nas Escrituras, uma vez que o referido versículo menciona direta, expressa e claramente as três Pessoas Divinas.
Com isso eles têm a pretensão de empregar contra a fé ortodoxa um dos recursos que Arthur Schopenhauer enumera em seu livro “Como Vencer um Debate sem Precisar ter Razão”: o de usar as premissas do seu oponente contra ele[1]. Como vemos logo abaixo, tentam utilizar de um trecho da obra “Introdução ao Cristianismo”, do teólogo alemão. A “citação” encontra-se na seguinte forma:
“… A fórmula básica de nossa profissão de fé teve sua formação durante o curso do segundo e terceiro século EC. em conexão com a cerimônia do batismo. Até onde se pode relacionar sua origem, o texto vem da cidade de Roma. Provavelmente, durante o segundo século, e ainda mais no terceiro, a originalidade da simples fórmula tríplice, a qual simplesmente utiliza o texto escrito de Mateus 28, foi alongada no meio da sessão, isso é sobre a questão de crer em Cristo. Aqui, depois de tudo, o elemento decisivo para o cristianismo estava envolvido e considerou-se necessário dar-lhe, no âmbito da questão como um breve resumo do que Cristo significa para os cristãos…” Introdução ao Cristianismo. Capítulo 2, pg 82-82 (Cardeal Joseph Ratzinger)
Mas será mesmo que isso procede? Ratzinger teria confessado que o texto de Mateus 28,19 foi adulterado entre o segundo e terceiro séculos? O que ele teria realmente querido dizer em seu livro?
RESPONDENDO À CALÚNIA
Respondendo à primeira pergunta, afirmamos que não, esta desinformação não procede. O trecho utilizado por eles, na verdade, está adulterado e não se encontra no texto integral do livro, seja em português, inglês ou no original alemão.
Limitemo-nos a examinar a tradução portuguesa da obra, publicada pela Editora Herder em 1970. Ei-la:
“(…) A forma básica do nosso símbolo apostólico cristalizou-se no correr do segundo e terceiro século, em nexo com o rito batismal. Trata-se originariamente de uma fórmula nascida na cidade de Roma. Contudo, seu lugar interno de origem é a liturgia, ou mais exatamente, o batismo. O rito batismal fundamentalmente orientava-se pelas palavras de Cristo: “Ide, fazei discípulos a todos os povos e batizai-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28, 19). De acordo com esta ordem, o batizando ouvia três perguntas: “Crês em Deus, Pai todo-poderoso…? Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus…? Crês no Espírito Santo…?”. A cada uma das perguntas o batizando respondia: “Creio”, sendo, de cada vez, mergulhado na água. Portanto, a fórmula mais antiga do símbolo realiza-se em tríplice diálogo e está enquadrada no rito batismal. (…)” (RATZINGER, J. A. Introdução ao Cristianismo, Preleções sobre o Símbolo Apostólico. Editorial Herder, São Paulo, 1970, p. 48).
Logo de cara podemos notar que há acentuadas diferenças entre o texto apresentado pelos nossos opositores e o texto que realmente encontra-se no livro. Predominam mais frases falsificadas, que não são encontradas em lugar algum da obra, do que frases que realmente tem algo a ver com o texto autêntico: basicamente a partir da palavra “Roma” é tudo invenção, além do fato, é claro, de que a própria página referenciada está errada.
Com isto, a segunda pergunta é respondida: Ratzinger de maneira nenhuma confessou que o trecho de Mateus 28,19 teria sido adulterado no segundo ou terceiro séculos. Pelo contrário, ele pressupõe que o versículo é encontrado nas Escrituras ao citá-lo, e não cria dúvida alguma sobre sua autenticidade.
Agora vamos para o cerne da questão, que é a terceira pergunta: O que ele teria realmente querido dizer em seu livro? No trecho em questão, Ratzinger está falando da história do Símbolo Apostólico da Fé. Que símbolo é este? É o credo apostólico[2]:
“Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há-de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na santa Igreja Católica; na comunhão dos Santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; e na vida eterna.” [3]
A afirmação feita em seu livro é de que este símbolo apostólico tem, em sua origem ou gênese, uma estreita conexão com aquilo que era o rito batismal no segundo e terceiro séculos. A prova disto encontra-se no testemunho de Santo Hipólito de Roma, que viveu no século II e III:
“(…) O diácono também descerá com ele e, ao chegar à água aquele que será batizado, aquele que batiza lhe dirá, impondo-lhe as mãos sobre ele: “Crês em Deus Pai todo-poderoso?”. E aquele que é batizado responda: “Creio”. Imediatamente, com a mão pousada sobre a sua cabeça, batize-o uma vez, dizendo a seguir: “Crês em Jesus Cristo, Filho de Deus, nascido do Espírito Santo e da Virgem Maria, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morrendo e sendo sepultado e, vivo, ressurgiu dos mortos no terceiro dia, subindo aos céus e sentando-se à direita do Pai, donde julgará os vivos e os mortos?”. Quando responder: “Creio”, será batizado pela segunda vez. E dirá mais uma vez: “Crês no Espírito Santo, na Santa Igreja e na ressurreição da carne?”. Responderá o que está sendo batizado: “Creio”, e será batizado pela terceira vez. Depois de subir da água, será ungido com o óleo santificado pelo presbítero, que dirá: “Unjo-te com o óleo santo em nome de Jesus Cristo”. Após isto, cada um se enxugará e se vestirá, entrando, a seguir, na igreja. (…)” (Tradição Apostólica XXI, 12-18)
O seja, basicamente Joseph Ratzinger afirma que o credo apostólico, em sua formação, sofreu influência das profissões de fé batismais da Igreja, em particular, da região de Roma, uma vez que os primeiros relatos destas fórmulas de profissão de fé batismais vêm de Hipólito romano.
Fica mais do que desmentida, então, a acusação de que o teólogo alemão teria “confessado” que houve adulterações no texto do evangelho. A questão sobre a autenticidade do texto de Mateus 28,19 analisada pela crítica textual fica para outro artigo, uma vez que neste pretendemos apenas demonstrar a falsificação das opiniões e escritos ratzingerianos
NOTAS:
[1] Premissa de número 5.
[2] O símbolo apostólico aparece, pela primeira vez tal como é apresentado, nas atas do Concílio de Calcedônia como confissão “dos 150 santos Pais conciliares que estavam reunidos em Constantinopla”. (cf. JUNGMANN, J. A. Missarum Sollemnia: origens, liturgia, história e teologia da missa romana. 5ª ed. São Paulo, Paulus, 2008. p. 449).
[3] Link do texto: http://www.vatican.va/archive/compendium_ccc/documents/archive_2005_compendium-ccc_po.html#A PROFISSÃO DA FÉ CRISTÃ
PARA CITAR
OLIVEIRA, Lucas. Joseph Ratzinger disse que o texto de Mateus 28,19 foi adulterado? Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/986-joseph-ratzinger-disse-que-o-texto-de-mateus-28-19-foi-adulterado>. Desde: 31/07/2017.