Quinta-feira, Maio 9, 2024

Jesus mencionou o cânon protestante em Lucas 11, 50-51?

Argumentação protestante:

Lucas 11, 51-52 Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim, vos digo, será requerido desta geração. Ai de vós, doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam.

Observe que Jesus acusa os escribas e fariseus de retirar a chave do conhecimento. Que chave é essa? E o que é que Deus está exigindo desta geração? A resposta está na frase “A partir do sangue de Abel até o sangue de Zacarias …” Bem, novamente, Abel foi assassinado no primeiro livro da Bíblia (Gn 4:8). Agora os protestantes, que antecipam a resposta, talvez queriam procurar o assassinato de Zacarias no livro de Malaquias.

Outra coisa, observe que Jesus, judeu (cheio das Escrituras e possuindo a chave do conhecimento, os oráculos de Deus), circunstâncialmente se refere, desde o primeiro até o último livro do Velho Testamento.

Um protestante, portanto, poderia muito bem abrir sua Bíblia para pesquisar no último livro do Antigo Testamento, Malaquias, para o martírio de Zacharias. No entanto, Malaquias não é o último livro do Tanakh hebraico! O quê? Isso é correto. O hebraico bíblico, embora idênticos em termos de conteúdo para o Antigo Testamento protestante, não está na mesma ordem que as Bíblias católica ou protestante. Em hebraico o último livro da Bíblia é o livro das Crônicas. É aí que encontramos o assassinato de Zacarias entre o altar e o templo:

II Crônicas 24, 20 E o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada, o qual se pôs em pé acima do povo, e lhes disse: Assim diz Deus: Por que transgredis os mandamentos do Senhor, de modo que não possais prosperar? Porque deixastes ao Senhor, também ele vos deixará. 21 E eles conspiraram contra ele, e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor. 22 Assim o rei Joás não se lembrou da beneficência que Joiada, pai de Zacarias, lhe fizera; porém matou-lhe o filho, o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá, e o requererá.

Vale a pena notar que enquanto Abel foi o primeiro mártir, Zacarias não é o último no Antigo Testamento, cronologicamente falando. Esse foi o profeta Urias, morto pelo rei Jeoiaquim em Jeremias 26:20-23, mais de um século após o martírio de Zacarias:

Jesus não falava cronologicamente do primeiro ao último mártir. Se fosse assim ele poderia ter dito: “a partir do sangue de Abel até o sangue de Urias”, mas não era isso que ele pretendia. Ele estava se referindo claramente ao Canon do Velho Testamento. Incrível, Jesus fez de propósito, e apenas os que tem fé e visão suficiente percebem a sabedoria universal de Deus que antecipava a eliminaçao de todos os erros adulterações que se levantariam contra aqueles que acrescentassem livros expúrios e duvidosos à sua santa Palavra.

Jesus, sabiamente, jeitosamente, e munido de circunstâncias favoráveis, nos favorece com a exata composição dos livros do Velho Pacto. Aqui, Ele faz menção do primeiro até o último livro das Escrituras Veterotestamentárias. Portanto, em Mateus 23:35 e Lucas 11:51 e em Lucas 24:44, Jesus estava referindo-se explicitamente a ordem e as divisões dos livros no hebraico bíblico como o completo leque das Escrituras Sagradas.
Veja o resultado coletivo citado por Jesus. Note que a terceira divisão especial do livro é definida como começando em Salmos e terminando em 2 Crônicas.

Tanakh

(Hebraico bíblico como delineado por Cristo)

A Lei : Gênesis – Deuteronômio

Os Profetas: Josué – Malaquias

Os Escritos: Salmos – 2 Crônicas

Muito antes de qualquer concílio católico romano, o mesmo hebraico bíblico, o Tanakh, era conhecido pelos cristãos como o Antigo Testamento. Embora o Canon hebraico seja composto de 24 livros, e a Bíblia dos protestantes – Antigo Testamento – tenha 39 livros, eles são idênticos no conteúdo real. A diferença para a contagem é que certos livros no Tanakh ficaram juntos.

Resposta:

Tudo muito “bonito e interessante”, se não fossem alguns pequenos detalhes que põem por terra todo o edifício construído sobre a areia.

1º) Cristo não “delineou” o cânon hebraico, como já notamos; na verdade, o máximo que Ele poderia fazer seria considerar a classificação dos Textos Escriturísticos da mesma forma que considera a tradição judaica anterior a Ele, como bem testemunha o Prefácio do livro do Eclesiástico: Lei – Profetas – Escritos (e que, portanto, já era conhecida também pelos judeus alexandrinos).

Até aí, nada de mais, pois já discorremos bastante sobre a questão…

2º) Quem estabeleceu a “lista hebraica” de livros de cada uma dessas categorias foram os judeus de Jâmnia, em plena Era Cristã e não sem muita controvérsia, como também já vimos anteriormente; e, mesmo assim, o parecer dado em Jâmnia caracterizou-se mais pelo consenso do que pela definitividade (=autoridade), pois ainda depois de Jâmnia os judeus discutiram sobre a canonicidade de Ezequiel, Provérbios e, novamente, os “desde sempre problemáticos” Cântico dos Cânticos, Ester e Eclesiastes…

Ora, se Jesus, ao adotar a tríplice partição tradicional das Escrituras vétero-testamentárias, se refere “claramente”, “sabiamente”, “desde o primeiro até o último livro do Velho Testamento”, pergunta-se: quais livros especificamente? Incluiria também Cântico dos Cânticos, Ester e Eclesiastes, que sempre motivaram dúvidas e nunca foram citados no Novo Testamento, nem implicitamente? E estariam necessariamente excluídos os rolos deuterocanônicos inseridos dentro dessa tripartição, contra os quais Ele jamais disse algo – explícita ou implicitamente – que os comprometesse?

3º) Por outro lado, Pedro confessa e expressa com toda exatidão: Senhor, Tu sabes tudo!(João 21,17).

Mas não sabia o Senhor que o conteúdo do cânon bíblico viria a ser um problema entre os cristãos, da mesma forma que já era, no seu tempo, para os judeus? Por que Ele mesmo não estabeleceu o cânon dos Escritos Sagrados? Por que, após sua ressurreição, não ordenou a seus Apóstolos para que definissem rapidamente o cânon? Por que tolerou o uso da Septuaginta, que trazia consigo os deuterocanônicos? Por que permitiu que se fizessem referências implícitas a estes livros? Por que não tomou o cuidado devido de citar (ou mandar citar) explicitamente e exclusivamente cada um dos livros protocanônicos na 1ª oportunidade que surgisse? Por que também não apontou a “Sola Scriptura” como doutrina obrigatória para a Igreja?

Vejamos: a concepção virginal de Jesus em Maria Santíssima – um dos dogmas mais básicos do Cristianismo e aceito até mesmo pela maioria esmagadora dos protestantes, inclusive fundamentalistas, provém justamente da Septuaginta, da sua “leitura divergente” de Isaías 7,14. Com efeito, lemos no original hebraico:

Eis que a jovem (=’almah) concebeu e dará à luz um filho” (Isaías 7,4 – hebraico).

Enquanto que no grego:

Eis que a virgem (=partenos) concebeu e dará à luz um filho” (Isaías 7,4 – LXX)

Ora, como bem sabemos, “jovem” não significa necessariamente “virgem”, como lemos no Novo Testamento (Mateus 1,23), que cita explicitamente a Septuaginta (e isto apesar de Mateus ser judeu palestinense!).

Não deveria, então, o artigo ora refutado, adotando tenazmente o cânon hebraico do Antigo Testamento, adotar também, para Mateus 1,23, a leitura do texto hebraico, pois sendo Mateus palestinense e tendo escrito seu evangelho originalmente em aramaico/hebraico, “almah” deveria ser “claramente” o “termo correto”, “facilitando” aos destinatários protestantes do artigo, de quebra e sobremaneiramente, a resolução da controvérsia sobre os “irmãos do Senhor”, em sentido carnal e consanguíneo?

4º) A ordem dos livros dentro de cada uma das três categorias é fruto de consenso humano (=tradição judaica, com “t” minúsculo) e não divino (=doutrina cristã). Prova disso é que, além das próprias Escrituras não indicarem quais são os livros que formam o seu cânon (quer do Antigo, quer do Novo Testamento, sendo o índice mera facilidade editorial), muito menos aponta onde cada um desses escritos poderia se enquadrar: 1Reis/2Reis, por exemplo, não se enquadrariam melhor como “Escrito” ao invés de “Profeta”, considerando sua grande semelhança com 1Crônicas/2Crônicas? E Daniel, não se enquadraria melhor como “Profeta” ao invés de “Escrito”, como faz a Septuaginta e claramente percebe o Novo Testamento?

Ora, no tocante a Daniel, por exemplo, reconhece o professor judeu Samuel Sandmel, da Hebrew Union College de Cincinatti (Ohio-EUA):

Embora Daniel, na Bíblia hebraica, seja encontrado entre a hagiografia [=Escritos] mais que entre os profetas, ele realmente foi um profeta” (Introdução aos Livros Profeticos, in Bíblia Sagrada Mirador Edição Ecumênica 1980; grifo nosso).

Pois bem. Prova dessa “dificuldade de enquadramento” encontramos nas Bíblias exclusivamente protestantes: muito embora adotem o cânon hebraico (com seus 24/39 livros), estes deveriam – logicamente – estar dispostos segundo a ordem que a Bíblia Hebraica estabelece (e que segue a definição de Jâmnia, do século I DEPOIS de Cristo), ou seja:

a) A Lei: Gênesis até Deuteronômio

b) Os Profetas: Josué até Malaquias

c) Os Escritos: Salmos até 2 Crônicas

Porém, o que encontramos quando abrimos essas Bíblias? Contraditoriamente, esses 39 livros – aliás, deveriam ser exatamente 24, como na Bíblia Judaica! – ordenados (e divididos) conforme a ordem (e divisão) da Septuaginta grega, com uma variaçãozinha aqui ou acolá (p.ex.: Jó antes de Salmos); ou seja, numa 5ª ordem alternativa, ainda que distribuídos conforme as suas 2, 3 ou 4 categorias seguidas pela Septuaginta!

5º) Ora, a partir do momento em que a ordem dos livros passa a influir numa questão tão importante quanto a definição EXATA do cânon das Escrituras, isto deixa de ser mero costume/disciplina (sujeitos a mudanças temporais, conforme critérios de conveniência e oportunidade) e passa a ser doutrina fixa (logo, inalterável desde sempre). Com efeito, é de se perguntar:

a) Por que o próprio Jesus Cristo não o definiu expressamente, apontando nominalmente cada um dos livros e, obviamente, sua ordem dentro de cada uma das 3 divisões da Bíblia hebraica?

b) Por que os Apóstolos não “reordenaram” definitivamente os livros da Septuaginta que adotaram (cf. João 14,17)? Por que não resolveram essa questão no Concílio Apostólico de Jerusalém (Atos 15) ou em outro Concílio especialmente convocado para isso?

c) Por que os cristãos primitivos (cf. João 16,13), antes da Igreja ter sido “corrompida por Constantino” (para quem acredita nesta estória), também não o definiram autoritativamente?

d) Por que figuras magníficas que conheciam profundamente as Escrituras, como Santo Agostinho e São Jerônimo (ambos muito admirados e influentes inclusive entre os protestantes), nunca “perceberam” nada, nunca foram “iluminados” quanto a isto?

e) Por que os Reformadores Protestantes e seus seguidores contemporâneos não foram capazes de enxergar isso (até porque eram “diretamente iluminados pelo Espírito Santo”, segundo se afirma em certos ambientes)? Por que não “aproveitaram” o fato de terem adotado apenas o texto hebraico para “restabelecer a ordem correta” segundo o “cânon hebraico”?

f) Por que só depois de 2000 anos a partir de Cristo é que o Espírito resolveu “revelar”, a “alguém privilegiado”, “o legítimo e oficial cânon bíblico, com a ordem correta e única de seus livros”, ocultando isto não apenas dos cristãos católicos e ortodoxos, mas inclusive dos próprios “irmãos na fé reformada” nestes últimos 500 anos?

A matemática responde com toda precisão: isto porque a ordem dos fatores não altera o produto”.

6º) Sabemos, pela História da Igreja, que apesar dos primeiros cristãos pós-apostólicos adotarem os deuterocanônicos como livros inspirados, entre o século III e V houve um período de incertezas quanto a estas obras, isto porque, nas disputas com os judeus, os cristãos passaram a não usar os deuterocanônicos já que estes não eram mais aceitos por aqueles.

Antes disso, a partir do séc. II, pouquíssimas discrepâncias só ocorrem em virtude da influência direta dos judeus. É o que acontece, por exemplo, com Melitão, bispo de Sardes (séc. II) que, escrevendo a Onésimo, declara que:

“Quando, pois, fui para o Oriente e cheguei ao lugar em que tais coisas foram proclamadas e feitas, verifiquei com precisão os livros do Antigo Testamento e os envio a ti, conforme abaixo. Os nomes são os seguintes: de Moisés, 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio. Josué (filho de Num), Juízes e Rute; 4 [livros] de Reis; 2 [livos] de Paralipômenos (Crônicas); Salmos de Davi, Provérbios de Salomão (também chamado Sabedoria), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Jó; dos profetas: Isaías, Jeremias; dos 12 profetas, 1 livro; Daniel, Ezequiel e Esdras. Desses fiz, portanto, a seleção que dividi em 6 livros.” (Carta a Onésimo; cf. Eusébio de Cesaréia, História Eclesiástica IV,26; grifo nosso).

Pergunta-se agora: tendo Melitão estado na Palestina após a definição de Jâmnia e “verificado com precisão” o cânon do A.T., por que não apontou aqui o livro de Ester como canônico? E, sendo a ordem hebraica tão importante e necessária – como afirma o artigo – porque seguiu uma ordem que não segue a Bíblia hebraica?

Temos aqui novamente a certeza matemática: porque a ordem dos fatores, de fato, não altera o produto.

7º) E mais: ainda que Jesus estivesse, nas passagens de Mateus e Lucas, adotando o “cânon palestinense”, sem os deuterocanônicos do “cânon alexandrino”, isto não seria tecnicamente errado pois Jesus estava se dirigindo especialmente aos fariseus e escribas (cf. Mateus 23,1; Lucas 11,37), os quais adotavam como sagrados mais livros que os saduceus e os samaritanos. Da mesma forma, Jesus só adota o Pentateuco quando debate com os saduceus (cf. Mateus 22,23.31-32; Marcos 12,18.26-27; Lucas 20,27.37-38).

O mesmo fizeram os apologistas cristãos do passado. Por isso, escreve Orígenes:

“Nós [cristãos] procuramos não ignorar quais são as Escrituras dos judeus, a fim de que, ao disputarmos com eles, não citemos aquelas que não se encontram nos exemplares deles, mas sim aquelas de que se servem.” (Epístola a Africano 5; grifos nossos).

O mesmo costumam a fazer os apologistas católicos quando debatem doutrinas da Igreja com apologistas protestantes: não empregam os deuterocanônicos, embora os considerem inspirados e, portanto… canônicos!

8º) Consideremos por fim – como a cereja que faltava no bolo – que o artigo, “diretamente inspirado” neste século XXI, tenha toda razão e que Cristo delineou “claramente” e com uma antecedência de quase 100 anos o cânon de Jâmnia (ou teria sido Jâmnia que se deixou influenciar por esta “clareza” de Cristo para definir seu cânon, preocupada em auxiliar a causa cristã?), com os livros na ordem exata e estabelecida por este. E que falando “do sangue de Abel até o sangue de Zacarias” estaria se referindo do primeiro ao último livro do cânon judaico, com todos os 24 livros na “ordem correta” da Bíblia Judaica…

Bom, para facilitar a exposição e a leitura em conjunto, reproduzamos aqui os dois versículos do Novo Testamento (Mateus 23,35; Lucas 11,51) ao lado daquele do Antigo Testamento (2 Crônicas 24,20-22) a que relaciona o artigo que refutamos:

2Crônicas 24, 20 E o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada, o qual se pôs em pé acima do povo, e lhes disse: Assim diz Deus: Por que transgredis os mandamentos do Senhor, de modo que não possais prosperar? Porque deixastes ao Senhor, também ele vos deixará. 21 E eles conspiraram contra ele, e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor. 22 Assim o rei Joás não se lembrou da beneficência que Joiada, pai de Zacarias, lhe fizera; porém matou-lhe o filho, o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá, e o requererá.

Mateus 23, 35 Para que sobre vós caia todo o sangue justo, que foi derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel, o justo, até ao sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar.

Lucas 11, 51 Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim, vos digo, será requerido desta geração. 52 Ai de vós, doutores da lei, que tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam.

Pergunta-se agora:

a) Qual é o nome do profeta a quem as três passagens fazem referência?

– Alguém de nome Zacarias, sem sombra de dúvidas.

b) Quantos personagens possuem esse nome na Bíblia?

– Responde o “Dicionário da Bíblia de Almeida” (Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª ed., 1999), excluindo os deuterocanônicos:

ZACARIAS [Javé Se Lembra]

1) Profeta que foi assassinado no tempo do rei Joás (2Cr 24.20-22).

2) Décimo quarto rei de Israel, que reinou seis meses, em 743 a.C., depois de Jeroboão II, seu pai (2Rs 15.8-12; 18.2).

3) Profeta, companheiro de Ageu, que profetizou entre 520 e 518 a.C. (Ed 5.1; 6.14; v. ZACARIAS, LIVRO DE).

4) Pai de João Batista (Lc 1.5-79).

c) A qual dos 4 Zacarias poderia Jesus estar se referindo?

– Lucas não diz nada sobre a identidade pessoal desse Zacarias, mas Mateus diz que trata-se do “filho de Baraquias”, enquanto que 2Crônicas aponta para o “filho de Joiada”. Ora, Zacarias 1,1 se identifica como “filho de Baraquias” (o que se confirma por Isaías 8,2) e que Neemias 12,16 acrescenta pertencer à família de Ado (daí o fato de Esdras 5,1 e 6,14 chamá-lo de “filho de Ado”).

d) Mas… E se Mateus (de origem palestinense) ***errou*** e “colocou na boca” de Jesus a expressão “filho de Baraquias”, devendo, no entanto, ter imitado Lucas (ou seja, dizendo apenas “Zacarias”)… Então, sim, seria o Zacarias filho de Joiada?

– NÃO, porque, segundo Lucas, este Zacarias “foi morto entre o altar e o templo” e, conforme 2Crônicas 24,21, este outro Zacarias foi morto “no pátio da casa do Senhor”, ou seja, FORA da área do Altar e do Lugar Santo! Outro erro escriturístico de Jesus? Ou de Lucas, que entretanto havia se informado “minuciosamente de tudo desde o princípio” (cf. Lucas 1,3)?

e) Então como solucionar a questão?

– Simples! Basta ler Lucas 11 a partir do versículo 49 (e não do 51, como propõe o artigo)! Reproduzamos os versículos 49 a 51 conforme a “Bíblia de Almeida Revista e Corrigida”, da Sociedade Bíblica do Brasil:

Lucas 11,49. Por isso diz também a sabedoria de Deus: Profetas e apóstolos lhes mandarei; e eles matarão uns, e permitirão outros; 50. Para que desta geração seja requerido sangue de todos os profetas que, desde a fundação do mundo, foi derramado; 51. Desde o sangue de Abel, até ao sangue de Zacarias, que foi morto entre o altar e o templo; assim vos digo, será requerido desta geração.

O que temos aqui? Uma afirmação de autoria de Jesus (como deu a entender o autor) ou de autoria de terceiro (como aponta claramente o versículo 49)?

Não há dúvidas: Cristo cita uma afirmação feita por outra pessoa (e que considera útil para a situação que presenciava). A frase de terceiro inicia-se com as palavras: “Profeta e apóstolos lhes mandarei…”; e encerra-se com “…entre o altar e o templo”. Já as palavras “assim vos digo, será requerido desta geração”, constituem o retorno do discurso próprio de Jesus e tão somente confirmam aquilo que terceiro – homem pio e justo – já observara muito tempo antes:  que o sangue do inocente recairá sobre os ímpios responsáveis pela sua morte. E, ao apontar que “isso será requerido desta geração”, antecipa aos seus ouvintes que, também Ele – o Santo Inocente por excelência – sofrerá a Paixão violenta: será entregue à morte pelos ímpios e também estes, mais do que os anteriores, sofrerão as terríveis consequências de seus atos iníquos.

É muitíssimo interessante observar que as palavras que constituem essa sabedoria de Deus NÃO se encontram na Bíblia! E isto não apenas demonstra que Jesus não era partidário da “Sola Scriptura” como também explica o fato de outros apóstolos fazerem referências a escritos extrabíblicos em seus escritos (cf. Atos 17,28; Tito 1,12s; Judas 1,9.14), como já tivemos a oportunidade de apontar anteriormente.

Por outro lado, Mateus 23,35 não cai em contradição com Lucas 11,49, pois realmente Jesus referendou o significado (não o teor material) de tais palavras; Mateus simplesmente omite o fato disto constituir uma citação de terceiro provavelmente por não achar relevante tal informação e/ou por inseri-la em um discurso direto contra os escribas e fariseus hipócritas (todo o capítulo 23). Tal detalhe, contudo, não escapou do minucioso crivo de Lucas que, antes de redigir o seu Evangelho, tomou o cuidado de informar-se de tudo (cf. Lucas 1,3)!

9º) Concluo agora, citando, mais uma vez, o protestante Edgar J. Goodspeed, que recorda a base histórica de tudo e tem relação DIRETA com o cânon verdadeiramente cristão:

Enquanto os judeus da Palestina limitavam o conteúdo de suas Escrituras aos livros que [nós protestantes] conhecemos como o Velho Testamento [sem os livros deuterocanônicos], os judeus que falavam grego e que viviam no Egito não pararam aí. Entre eles cresceu um considerável grupo de outros escritos históricos e religiosos, em parte pela tradução de novas obras da literatura hebraica, ou pela ampliação de livros do Velho Testamento tais como Ester e Daniel, no decurso de sua tradução para o grego, e também por composições originalmente escritas em grego. Esses livros associaram-se no Egito aos livros do Velho Testamento já traduzidos e assim passaram a fazer parte de Velho Testamento em grego, a chamada Versão dos Setenta. E, quando esta versão tornou-se a Bíblia da Igreja Primitiva, esses livros vieram com ela […]

Quais foram esses livros tão altamente estimados pelos cristãos por tantos séculos, e que ainda fazem parte de qualquer edição [protestante] Autorizada da Bíblia? [Ampliações de Ester e Daniel, Eclesiástico, Sabedoria, Tobias, Judite, 1Macabeus, 2Macabeus e Baruc] […]

Há perigo em ficar-se com uma falsa apreciação da história religiosa cristã e judaica se tentarmos passar diretamente do Velho Testamento ao Novo omitindo os livros apócrifos. Eles fizeram parte dos fundamentos literários do movimento cristão. […] Sua influência se exerceu em cada livro do Novo Testamento Talvez o que de mais instrutivo eles têm para nós é o contraste entre a atitude cristã e farisaica que eles mesmos fizeram possível.” (obra citada; grifos nossos)

Como se vê, essa “tese” é mais um daqueles tristes casos em que o subjetivismo protestante tenta fundamentar seus achismos particulares, aproveitando-se aqui de uma mera hipótese acadêmica adaptada “na amarra” à Sola Scriptura.

Neste caso, porém, há uma agravante: além de desprezar as questões de ordem bíblico-histórico-científica que a matéria exige (as quais permitem desconsiderar a hipótese acadêmica), contraria ainda a doutrina da “Sola Scriptura” (à qual o autor, certamente protestante, deveria se sujeitar), isto porque a ordem dos livros nas Bíblias protestantes também não segue a ordem dos livros na Bíblia judaica (esta, por sua vez, definida apenas no ***século I depois de Cristo***) e se reter tal ordem é necessária para o estabelecimento correto do cânon, terá que recorrer a uma Bíblia Hebraica e desprezar, por consequência, todo o Novo Testamento.

 

FONTE


NABETO, Carlos. Jesus mencionou o cânon protestante em Lucas 11, 50-51? Disponível em: <http://www.catolicoporque.com.br/index.php/colaboradores/carlos-martins-nabeto/respostas-a-leitores-cmn/1280-canon-qual-o-canon-do-antigo-testamento-considerado-pelo-novo-testamento>. Acesso em: 18/08/2012

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