Segunda-feira, Novembro 18, 2024

História das coleções patrísticas

As mais importantes editoriais visando recolher em “bibliotecas” as obras patrísticas principiaram na França, sobretudo com os monges da congregação beneditina e de são Mauro entre os séculos XVII e XVIII. Os monges, conhecidos como maurinos, publicaram progressivamente as obras de Agostinho, Cassiodoro, Ambrósio, Hilário, Jerônimo, Atanásio, Gregório Magno, Irineu, Cirilo de Jerusalém, Cipriano, Basílio, João Crisóstomo, Orígenes, os apologistas gregos, e Gregório Nazianzeno.

A iniciativa e o método maurinos influenciaram positivamente outros países, entre os quais a Itália, e em particular eruditos como L. A. Muratori (1672-1750), G. M. Tomasi (1649-1713), S. Maffei (1675-1775), D. Vallarsi (1702-1764) e A. Gallandi (1709-1779), todos colecionadores e editores de antigos textos cristãos.

Um movimento semelhante ao dos maurinos surgiu em Flandres graças a dois jesuítas, H. Rosweyde (1569-1629) e J. Bolland (1569-1665) (daí o nome de bolandistas dado aos jesuítas que deram prosseguimento ao trabalho), que se puseram a recolher e estudar sistematicamente as fontes literárias hagiográficas. A Sociedade dos Bolandistas, sobrevivendo a desastrosas reviravoltas, conseguiu publicar, até 1940, 67 enormes volumes de Acta sanctorum.

No entanto, entre o fim do século XVIII e a primeira metade do século XIX infatigáveis pesquisadores, como M. J. Routh (1755-1854), os iniciadores do conhecido “Movimento de Oxford”, entre os quais, J. H. Newman (1801-1890) e A. Mai (1782-1854), descobriam e publicavam escritos cristãos gregos e latinos, enquanto novas coleções (como a de A. B. Caillau: 1794-1850) enriqueciam o panorama editorial.

Mas foi um outro padre francês, o abade J. P. Migne (1800-1875) aquele que realizou uma virada que marcou época na história dos antigos textos cristãos, publicando-os praticamente todos. Sua Patrologia Latina (PL) conta com 217 volumes (de Tertuliano a Inocêncio III, mais quatro volumes de índices), publicado em Paris entre 1844 e 1855. A Patrologia Graeca (PG) compreende, por sua vez, 168 volumes (dos Padres apostólicos a Bessarion, com texto latino à frente), publicados em Paris entre 1857 a 1866: o texto latino foi publicado também sem o texto grego em 85 volumes, vindos a lume em Paris entre 1856 e 1861. Também em Paris foram publicados por F. Cavallera um volume de índices do PG (1912) e dois outros volumes de Index locupletissimus, aos cuidados de T. Hopfner, entre 1928 e 1936. Sempre em Paris, A. G. Hamman (1910-2000) publicou entre 1958 e 1974 quatro volumes de Patrologiae latinae Supplementum (PLS), que recolhem textos não compreendidos em PL 1-96, mais um volume de índices. O empreendimento editorial de J. P. Migne continua sendo ainda hoje um ponto de referência seguro para todas as coleções sucessivas que se propõe reeditar os textos patrísticos com os critérios elaborados pela filologia clássica, que a partir, sobretudo, da primeira metade do Oitocentos, na Alemanha, alcançou gradualmente sua plena floração científica.

A primeira de tais coleções é o Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum (CSEL), conhecido também como Corpus Vindobonense. Foi de fato a Academia imperial das ciências de Viena que constituiu, em 1864, uma comissão para a publicação de um Corpus de textos criticamente corretos dos Padres latinos. O “volume de abertura” do corpus foi o Suplício Severo de C. Halm em 1866. Naturalmente a adequação crítica se manifestou só gradualmente, pouco a pouco, à medida que vinham a lume as publicações ainda em curso. Hoje o Corpus, que superou uma centena de volumes, continua a fornecer prestigiosas edições de antigos escritores eclesiásticos latinos, também de autores importantes como Ambrósio, Jerônimo e Agostinho.

Sempre em ambiente alemão, por iniciativa da Academia Real Prussiana das Ciências, foi encaminhada em 1897 para Berlim uma coleção de edições críticas dos escritores cristãos gregos, intitulada precisamente Die griechischen Schrifsteller der ersten drei Jahrhunderte (GCS), ainda em andamento: é o conhecido como Corpus Berolinense, no qual foram depois publicados também textos posteriores aos primeiros três séculos, e que, consequentemente, modificaram seu título para Die griechischen christlichen Schrifitsteller der ersten Jahrhunderte. Chegou também a cerca de oitenta volumes, mesmo que as publicações tenham sido retardadas devido à Segunda Guerra Mundial e às sucessivas vicissitudes políticas e econômicas da República Democrática Alemã. Em todo caso, os trinta anos que decorreram entre os inícios do CSEL e os do GCS não passaram em vão. O progresso da filologia aplicada aos antigos textos cristãos se fez decisivamente sentir. Assim, o nível dos volumes GCS aparece medianamente superior em relação à homóloga coleção latina.

No entanto, em 1882, A. von Harnack (1851-1930: sobretudo a ele o Corpus Berolinense deve seu início) fundara com o amigo O. von Gebhardt os Texte und Untersuchungen zur Geschichte der altchristlichen Literatur (TU), uma coleção para a publicação dos resultados das pesquisas patrísticas sobre a vertente histórica, mas também sobre a vertente filológica, na qual encontraram lugar admiráveis edições críticas da antiga literatura cristã. A coleção, ainda em andamento, compreende cerca de 150 volumes que enriquecem o Corpus Berolinense. O mesmo Harnack publicou em TU, como subsídio dos GCS, a Geschichte der altchristlichen Literatur bis Eusebius, que constitui um repertório completo dos textos cristãos em língua grega e latina, dos quais são examinadas atribuições e cronologia. A primeira parte em dois volumes foi publicada em Lipsia em 1893, e a segunda, dividida em outros dois volumes, também em Lipsia entre 1896 e 1904.

No início dos Novecentos foram encaminhadas outras importantes coleções, quase para realizar os sonhos que tinham acariciado o abade Migne também para os textos cristãos orientais. Pioneiro foi, nesse campo, o orientalista francês R. Graffin (1858-1941), que entre 1897 e 1926 publicou em Paris três volumes de uma Patrologia Orientalis (PO), que esteve aos cuidados de F. Nau e do neto F. Graffin, ainda em andamento e enriquecida com meia centena de volumes publicados.

No mesmo 1903 alguns orientalistas de diversas nacionalidades encaminharam para Louvain o Corpus Scriptorum Christianorum Orientalium (CSCO), também ele em andamento, e chegou também a compreender mais de 580 volumes. A coleção, logo mantida pelas universidades católicas de Louvain e Washington (e que em parte foi publicada também em Paris e Roma), foi subdividida em séries e compreende no início os textos árabes e etíopes, estendendo-se progressivamente aos coptas (desde 1906), siríacos (desde 1907), e finalmente georgianos (desde 1950) e armênios (desde 1953), com uma série dedicada desde 1950 a subsídios como concordâncias, léxicos e estudos.

Chegamos assim ao coração do século XX. Em seu complexo – por motivos concomitantes de ordem histórica e cultural – isso assinalou uma verdadeira “floração” de coleções patrísticas. Entre elas, talvez, a mais famosa e difundida é representada pelas Sources Chrétiennes (SC), iniciada em 1942 pelos jesuítas H. de Lubac, J. Daniélou, V. Fontoynont e C. Mondésert. No início ela compreendia só traduções franceseas, mas estas bem cedo foram providas por textos originais, criticamente revistos e enriquecidos por traduções e comentários. A coleção continua a fornecer edições preciosas também de escritores medievais, como Bernardo de Claraval, e chegaram já aos quinhentos volumes. Dessa mesma coleção germinaram, primeiramente, a série das Heuvres de Philon D’Alexandrie em 36 volumes (1962-1992: reproduz o texto crítico da edição berlinense que esteve aos cuidados de L. Cohn, P. Wendland, S. Reiter) e, portanto, de 1990 uma coleção análoga com as obras de Flávio Josefo.

Para completar o quadro das mais importantes coleções patrísticas do Novecentos, é necessário acrescentar que já em 1954, com dois poderosos tomos dedicados à obra de Tertuliano, começava suas publicações o Corpus Christianoru (CC). A progressão muito lenta das duas grandes coleções de Viena e Berlim, de fato, induzira os beneditinos da abadia belga de Steenbrugge a projetar, depois da Segunda Guerra Mundial, um “novo Migne”. Por iniciativa, sobretudo de Dom E. Dekkers (1915-1988), a coleção, publicada em Turnhout, cresceu assaz rapidamente, superando os 350 volumes no total. A series latina (CCL) foi reforçada a partir de 1966 por uma continuatio medievalis (CCCM), e também, a partir de 1977, por uma series graeca (CCG); e finalmente a partir de 1983, por uma series apocryphorum (CCA). A coleção é acompanhada por utilíssimos instrumentos, tanto por aqueles de tipo tradicional (como repertórios, bibliografias e índices escriturísticos), quanto por aqueles adequados às novas tecnologias para o arquivamento e tratamento informático dos textos.

Entre os instrumentos é necessário citar ao menos duas claves (grega e latina) para o encontro das edições dos textos patrísticos e para uma primeira orientação crítica sobre eles. Trata-se dos cinco volumes da Claves Patrum Graecorum (Turnhout 1974-1987), aos cuidados de M. Geerard, com um volume de suplemento publicado em 1988; e da terceira edição da Claves Patrum Latinorum (Steenbrugge 1995), cuidada desde a primeira edição (1951) por E. Dekkers.

Numerosíssimas são finalmente as coleções que apresentam os antigos textos cristãos traduzidos para a língua vulgar. Já no século XIX os expoentes do “Movimento de Oxford”, acima citado, iniciaram a Library of the Fathers (1838), que durou mais de meio século. No século XX – também por causa do conhecimento sempre mais carente do latim e do grego – os antigos textos cristãos foram traduzidos para as principais línguas modernas e publicados em diversas sedes.

Entre as coleções italianas, importantes também pela presença de textos críticos revistos ou até mesmo novos, são a Corona Patrum, retomada em 1975 depois da primeira série (a Corona Patrum Salesiana) iniciada em Turim em 1934 (para ela foram indicados a Traditio Christiana  e os  Strumenti dela Corona Patrum); a Biblioteca Patristica, surgida em 1984 por iniciativa sobretudo de M. Naldini, e Scrittori greci e latini da Fondazione Lorenzo Valla, que desde 1974 acolhem autores clássicos e cristãos. Se se quisesse prescindir da edição crítica do texto original, seriam então numerosíssimas as coleções patrísticas que se poderiam citar: a mais difundida é a Collana di testi patristici, fundada em Roma por A. Quacquarelli, que se encaminha já para além dos duzentos volumes.

É necessário reconhecer, todavia, que –devido também suas instâncias de edições críticas sempre mais rigorosas e refinadas – as coleções posteriores a Migne não conseguiram, nem mesmo em seu conjunto, igualá-lo na coleta de textos. Assim, PL e PG continuam sendo o sistema de referências mais cômodo (tanto mais que PL está já inteiramente disponível também em suporte informático), embora na busca especializada o recurso a Migne seja considerado já obsoleto, e por isso deve ser evitado nos lugares em que estiver disponível uma edição mais recente e confiável.

BIBLIOGRAFIA

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FONTE


 

Literatura patrística / sob a direção de Angelo di Bernardino, Giorgio Fedalto, Manlio Simonetti; [tradução José Joaquim Sobral]. São Paulo: Editora Ave-Maria, 2010. pp. 393 – 397.

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