Quarta-feira, Maio 8, 2024

Hipona e Cartago não tinham a mesma lista de livros de Trento? (Refutando a falácia sobre I e II Esdras da LXX)

 

 

Alegação protestante

 

“Hipona e Cartago foram concílios locais que não tiveram autoridade ecumênica. Em adição, podemos dizer que mesmo aqueles dois Concílios contradizem o Concílio de Trento em um ponto importante. Primeiramente, Hipona e Cartago declara que 1 Esdras e 2 Esdras são Canônicos. Eles estão referindo aqui à versão Septuaginta de 1 e 2 Esdras. Nesta versão 1 Esdras é uma adição apócrifa a Esdras enquanto 2 Esdras é a versão Judaica de Esdras -Neemias do cânon Judaico. O Concílio de Trento, entretanto declara que 1 Esdras é realmente o Esdras do cânon Judaico e 2 Esdras é Neemias do cânon Judaico. Trento omite a versão da Septuaginta de 1 Esdras.

Contraditoriamente, Hipona e Cartago declara que Salomão escreveu 5 livros do Antigo Testamento quando na realidade ele escreveu unicamente 3.”

 

Primeiro, mesmo que os Concílios de Cartago e de Hipona fossem ecumênicos, nenhum protestante os aceitaria. O Concílio de Éfeso, que foi Ecumênico, por exemplo, declarou Maria como Mãe de Deus, confirmando assim que Jesus era Deus desde sua concepção virginal, no entanto, alguns protestantes não aceitam essa declaração. Portanto, a desculpa de ser regional ou ecumênico é mais uma falsa tentativa de argumentar conta o Cânon Bíblico Cristão.

Segundo, dizer que Hipona e Cartago não tinham a mesma lista de Trento é mais uma das absurdas teses protestantes. Tal ideia foi formulada e propagada por polemistas protestantes americanos (sem qualquer base ou evidência histórica) os quais fazem alegações completamente contrárias aos mais notáveis historiadores protestantes.

Por exemplo, o protestante historiador Philip Schaff declara:

O concílio de Hipona em 393, e o terceiro (de acordo com outro acerto de contas o sexto), concílio de Cartago, em 397, sob a influência de Agostinho, que participou de ambos, fixou o cânone católico das Escrituras Sagradas, incluindo os apócrifos do Antigo Testamento e proibiu a leitura de outros livros nas igrejas, com exceção dos Atos dos Mártires em seus dias de memorial. Estes dois concílios africanos, com Agostinho, dão quarenta e quatro livros como os livros canônicos do Antigo Testamento, na seguinte ordem: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis (o dois de Samuel e os dois reis), dois livros de Paralipomena (Crônicas), Jó, Salmos, cinco livros de Salomão, os doze profetas menores, Isaías, Jeremias, Daniel, Ezequiel, Tobias, Judite, Ester, dois livros de Esdras, dois livros dos Macabeus. O cânon do Novo Testamento é o mesmo que o nosso. Esta decisão da Igreja de além mar no entanto, foi sujeita a ratificação, e recebeu a concordância da Sé Romana quando Inocêncio I e Gelásio I (414 d.C) repetiram o mesmo índice de livros bíblicos. Este cânone permaneceu intacto até o século XVI, e foi aprovada pelo concílio de Trento na sua quarta sessão.” (História da Igreja Cristã, vol. III, Cap. 9).

Assim, uma autoridade no meio protestante sobre o Cristianismo primitivo, e autor de uma das mais conhecidas traduções das obras dos Pais da Igreja para a língua inglesa, refuta esta alegação de que Trento teria um cânon diferente de Hipona e Cartago.

Qual a probabilidade de Philip Schaff que traduziu diversas obras primitivas, inclusive as atas de Hipona e Cartago, e compôs uma obra com diversos volumes sobre a história da Igreja, não se atentar para um fato tão importante como a exclusão de um livro? E ainda chegar a dizer que estes concílios tinham a mesma lista de Trento, descrevendo a lista e mencionando os 2 livros de Esdras passando despercebido que ali não eram só Esdras e Neemias, mas que havia outro livro que Trento retirou?

Outra fonte protestante que refuta os próprios acusadores protestantes é o Dicionário Oxford da Igreja Cristã que se refere ao sínodo anterior a Hipona e Cartago, o sínodo de Roma no ano 382:

Um concílio, provavelmente, realizado em Roma em 382 sob S. Dâmaso deu uma lista completa dos livros Canônicos tanto do Antigo Testamento quanto do Novo Testamento (também conhecido como o “Decreto Gelasiano” porque foi reproduzido por Gelásio em 495), que é idêntico à lista dada em Trento. (2 ª ed, editado por FL Cross & Livingstone EA, Oxford University Press, 1983, p.232).

Os protestantes deverão entrar em acordo sobre quem está certo: o renomado dicionário de Oxford, e um dos melhores historiadores protestantes do Cristianismo primitivo, Phillip Schaff, ou os formuladores dessa tese?

A seguir veremos como é impossível Hipona e Cartago terem tido um lista diferente da de Trento. A nomenclatura Latina dos vários livros de Esdras é:

I Esdras = Esdras

II Esdras = Neemias

III Esdras = I Esdras (da LXX, Apócrifo)

IV Esdras = II Esdras (chamado assim pelos protestantes)

Na Septuaginta (LXX):

I Esdras = Apócrifo

II Esdras = Esdras e Neemias (em um só)

III Esdras = Apócrifo.

É bastante claro, bem antes de Trento, o que a Igreja Católica aceitava. Qualquer um que já tiver conhecido a Bíblia de Gutenberg entende que o cânon, bem antes de Trento, entendia os dois livros de Esdras serem “Esdras e Neemias.” Isso ficou claro no Concílio de Florença, que confirmou o cânon do século IV, como já visto no capítulo anterior.

Essa falsa afirmação, portanto, não tem nenhuma base sólida. Eles não fornecem nenhuma evidência de sua pretensão. Nem Hipona, nem Cartago estavam se referindo a I Esdras da LXX (apócrifo) ou II Esdras da LXX (Esdras e Neemias). Pelo contrário, o Concílio de Hipona e o de Cartago relatam “os 2 livros de Esdras”, por isso, essa tese é bastante insustentável, uma vez que eles não têm como provar que esses 2 Concílios estavam se referindo a I e II Esdras, conforme a Septuaginta.

Além disso, se houvesse uma remota chance desses Concílios estarem falando sobre I e II Esdras conforme a LXX, I Esdras não é um “outro” livro da Bíblia, mas uma revisão não canonizada de diferentes livros já canonizados. Esse livro é constituído por Esdras que ambos, protestantes e católicos, têm como canônico, uma parte de II Crônicas e uma parte de Neemias, além de alguns versos adicionais não encontrados em qualquer livro canônico.

Assim, I Esdras da LXX é uma revisão de II Esdras da própria LXX. Por que seriam ambos canonizados? Tudo o que tem em I Esdras já está presente em 2 Crônicas, Esdras e Neemias e todos esses estão no cânon das Escrituras. Então, por que adicionar uma revisão diferente que os duplicou, adicionando alguns versos apócrifos a eles? Por que alguém iria concluir que Hipona teria canonizado Esdras e Neemias como um livro de Esdras e também canonizar outra revisão de Crônicas, Esdras e Neemias? Não faz nenhum sentido. No entanto, apesar da falta de provas, essa reivindicação bastante estranha é defendida por alguns protestantes, contrariando as outras fontes protestantes também citadas.

Também, argumentam que a divisão de I Esdras como sendo o Livro de Esdras que temos hoje, e de II Esdras como Neemias não é mencionada antes de São Jerônimo e que este mesmo santo formulou essa divisão na sua Vulgata. Tão falsa é essa alegação, que Santo Agostinho, antes mesmo de Jerônimo, refere- se a esses dois livros de Esdras, dizendo que o segundo é simplesmente uma continuação do primeiro.

… os dois de Esdras, os quais parecem continuar a história que termina com os livros de Reis e Crônicas..” (Em Doutrina Cristã, Livro II, cap. 8).

Aqui, I Esdras da Vulgata (Esdras) e Esdras II da Vulgata (Neemias) se encaixam, perfeitamente, na descrição do próprio Agostinho. No entanto, I Esdras da LXX (parte de Crônicas mais as de Esdras e Neemias), seguido de II Esdras da LXX (Esdras e Neemias), não se encaixa em tal descrição, pois I Esdras (LXX) é nada mais do que uma variante e não uma continuação, sem inspiração, de livros já canonizados.

Para poder ajudar a entender em que consiste o apócrifo I Esdras da LXX, segue o que seu conteúdo traz:

I Esdras 1 (LXX) = II Crônicas 35, 1 à II Crônicas 36, 21

Essa é a duplicação do conteúdo já encontrado em II Crônicas.

I Esdras 2, 1-15 (LXX) = Esdras 1, 1-11

I Esdras 2, 16-26 (LXX) = Esdras 4, 7-24

Aqui, I Esdras (LXX) começa a duplicar substancialmente o material encontrado em Esdras, que está incluído em II Esdras (LXX).

I Esdras 3, 1 a 5, 6 (LXX) são versos que não têm paralelo em qualquer parte do Antigo Testamento. É apócrifa.

I Esdras 5, 7-73 (LXX) = Esdras 4, 1-5 2 a

I Esdras 6, 1 a 7, 15 (LXX) = Esdras 5, 1 à 6, 22

I Esdras 8, 1 – 67 (LXX) = Esdras 7, 1 à 8, 36

I Esdras 8, 68 – 90 (LXX) = Esdras 9

I Esdras 8, 91 a 9, 36 (LXX) = Esdras 10

Aqui, tem-se a duplicação de Esdras, que está contida também em II Esdras (LXX). Assim, não faria nenhum sentido canonizar a mesma coisa duas vezes.

I Esdras 9, 37 – 55 (LXX) = Neemias. 7, 73 à 8, 12

Aqui, I Esdras (LXX) começa a duplicar o conteúdo encontrado no capítulo 7 e 8 de Neemias, que também é encontrado em II Esdras (LXX).

Assim, os acontecimentos históricos discutidos no apócrifo I Esdras (LXX) são paralelos aos eventos em Esdras e Neemias, com exceção do capítulo 1 que vem de II Crônicas 35, 1 – 36, 21.

De que forma poderiam I Esdras (LXX) e II Esdras (LXX) serem considerado os supostos “dois livros de Esdras” canonizados em  Hipona e Cartago, se de acordo com Agostinho de Hipona esses dois livros “parecem mais como uma continuação da história contínua regular que termina com os livros dos Reis e Crônicas”? I Esdras (LXX) não segue para II Esdras (LXX), mas I Esdras da Vulgata (Esdras) e II Esdras (Neemias), sim.

A partir de outra fonte protestante temos a seguinte conclusão:

Na Septuaginta, Esdras e Neemias são chamado Esdras B, enquanto um livro apócrifo de Esdras é chamado Esdras A. Nos catálogos dos escritos do Antigo Testamento que nos foi transmitido pelos pais (Orígenes, Cirilo, Melito, Jerônimo e do Concílio de Laodiceia) nosso Esdras é chamado de I Esdras e Neemias de II Esdras e o apócrifo grego de Esdras de III Esdras;” (The International Standard Bible Encyclopedia, Esdras e Neemias).

Além disso, São Cirilo de Jerusalém descreveu I Esdras e II Esdras corretamente, dizendo: “o primeiro e segundo de Esdras são contados em um.” (Leituras Catequéticas, IV, 33). Assim, Esdras e Neemias, que são equivalentes a “primeiro e segundo Esdras”, são contados como um pelos hebreus. Os hebreus não contavam Esdras A da LXX “como um” com Esdras B da LXX, nem Orígenes, nem Jerônimo, que também estudou em Jerusalém, contrariando, assim, o que os protestantes afirmam, que a divisão de Esdras e Neemias em dois livros separados se originou com a Vulgata de São Jerônimo no final do IV e início do século V, e provando que veio de muito antes, entre os antigos manuscritos em latim e gregos.

Por último, essa acusação ainda diz que “Contraditoriamente, Hipona e Cartago declara que Salomão escreveu 5 livros do Antigo Testamento quando na realidade ele escreveu unicamente 3”. Esse pensamento demonstra total desconhecimento histórico, como também deixa claro que o formulador da acusação desconhece que Sabedoria e Eclesiástico também eram considerados de autoria de Salomão, ou seja, os livros escritos por Salomão eram tidos como cinco: Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria, Cânticos e Provérbios. Portanto, não há nenhuma contradição nos cânones desses Concílios.

 

BIBLIOGRAFIA


 

RODRIGUES, Rafael. Manual de Defesa dos Livros Deuterocanônicos. 1a edição. Salvador. BA: Clube dos Autores, 2012.

BREEN A. E. A General and Critical Introduction to the Holly Scripture. New York: John P. Smith Printing, 1897.

 

PARA CITAR


RODRIGUES, Rafael. Hipona e Cartago não tinha a mesma lista de livros de Trento? (Refutando a falácia sobre I e II Esdras da LXX)). Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/630-hipona-e-cartago-nao-tinha-a-mesma-lista-de-trento-refutando-a-falacia-sobre-i-e-ii-esdras-da-lxx> Desde: 06/01/2013

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