Sábado, Maio 18, 2024

Erros graves do Vaticano II?

Erros graves do Vaticano II?

 

Afastada a possibilidade de heresias contidas nas doutrinas anunciadas pelo Concílio Vaticano II (leia aqui), vamos discutir se é possível a existência de erros graves no Magistério conciliar naquilo que é imposto com autoridade.

Muito se escreveu sobre a possibilidade de erros no Magistério meramente autêntico, veja aqui e aqui. Mas a pergunta que se coloca é se os referidos erros podem ser graves. Os tradicionalistas concluem que os erros no Magistério meramente autêntico podem ser graves, o que aplicam, naturalmente, ao magistério conciliar.

Prescindindo o tema da heresia (que já tratamos), seria possível existir erros no Concílio que contradigam o Magistério ordinário infalível? É possível o Magistério meramente autêntico ensinar algo que desvie o fiel da salvação? Isso também se aplica ao magistério de todos os bispos unidos ao Papa? Vejamos como os teólogos discutiram o assunto.

 

A infalível segurança

 

Muitos teólogos ensinaram que o magistério meramente autêntico possui “infalível segurança”, no sentido que é seguro para todos adotar a sua doutrina ensinada, e não é seguro recusar-se a adotá-la. Ou seja, ainda que a referida doutrina fosse falsa, não seria um erro grave que redundasse em pecado ou perdição para o fiel católico que a adere. O Cardeal Franzelin foi quem desenvolveu essa teoria, como nota Mons. Joseph Clifford Fenton em seu artigo A infalibilidade nas Encíclicas[1].

Cardeal Franzelin:

 “A Santa Sé Apostólica, a quem Deus confiou a custódia do Depósito e a injunção do dever e ofício de apascentar a Igreja inteira para a salvação das almas, pode prescrever opiniões teológicas (ou outras opiniões na medida em que sejam conexas às teológicas) como a serem seguidas, ou proscrevê-las como a não serem seguidas, não só com a intenção de decidir a verdade infalivelmente por sentença definitiva, mas também sem essa intenção e, sim, com a necessidade e intenção de, seja simplesmente seja com qualificações específicas, zelar pela segurança da doutrina católica (cf. Zaccaria, Antifebronius vindicatus, t. II, dissert. V, c. 2, n.1). Nesse tipo de declaração, muito embora não se tenha a verdade infalível da doutrina (pois, nessa hipótese, não há a intenção de decidir sobre ela), tem-se, porém, infalível segurança [infallibilis securitas]. Por segurança quero dizer ao mesmo tempo a segurança objetiva quanto à doutrina assim declarada (seja simplesmente, seja com certas qualificações), e a segurança subjetiva, pois é seguro para todos adotá-la, e não é seguro nem pode estar isento de violação da devida submissão ao Magistério divinamente constituído recusar-se a adotá-la. (Esses dois termos, verdade infalível e segurança infalível, não são idênticos, haja vista que, do contrário, nenhuma doutrina provável ou mais provável poderia ser dita sã e segura.)”  (Cardeal João Batista FRANZELIN, S.J., Tractatus de divina traditione et scriptura, 3.ed., Romae, ex typographia polyglotta S.C. de Propaganda Fide, 1882, p. 127. (Caput II, Thesis XII, scholion I, principium VII).)

Billot, após citar extensamente a explicação de Franzelin acima, diz:

“Se distingue entre os decretos nos quais se define infalivelmente uma verdade especulativa, e decretos nos quais se atende a segurança da doutrina sem chegar a definições formais… Promulgar um decreto no qual não se define uma verdade especulativa, mas que se olha a segurança de uma doutrina, não é outra coisa que estabelecer autenticamente que uma doutrina é segura; isto é, está de acordo com a regra de fé, pelo menos com aquela probabilidade que é suficiente para que alguém possa aceitar…  “Quando as Sagradas Congregações declaram que uma doutrina não pode ser ensinada com segurança, estamos obrigados a aceitar que esta doutrina é não digo errônea ou falsa ou coisa parecida, mas simplesmente “não segura”… E, se declararem que uma doutrina não pode ser negada com segurança, estamos obrigados a aceitar que tal doutrina é não somente segura, mas ainda, enquanto tal, deve ser seguida e aceitada. Contudo, falando com rigor, o que, neste momento não é seguro… pode mais tarde sê-lo, se caso a autoridade competente voltando a discutir a questão e pesadas novas razões tomar outra decisão… Nem mesmo, falando própria e formalmente, poderia dizer-se que a decisão posterior reforma a precedente, já que não há lugar a reforma… Posto que o que agora não é seguro, segundo o estado presente das razões, pode mais tarde vir a sê-lo com novas razões…” [L. BILLOT. De Ecclesia (ed 1927) p. 445-47]

The Dublin Review, vol. 83, julho de 1878

“Antes de entrar na questão que nos ocupa, e como uma preparação para a sua devida consideração, o Cardeal Franzelin estabelece o princípio de que a Santa Sé Apostólica tem o poder de prescrever opiniões teológicas ou opiniões relacionadas a teologia, a serem seguidas, ou determinar que sejam evitadas, e isto, também, não apenas com a intenção de decidir a verdade por uma sentença definitiva, mas mesmo sem tal intenção, a partir da necessidade que ela tem e da sua prerrogativa de velar pela segurança da doutrina católica, quer absolutamente, quer relativamente apenas a circunstâncias particulares. Ora, embora declarações desse tipo não impliquem em uma verdade infalível da doutrina, uma vez que que não há qualquer intenção de decidir definitivamente esta verdade, ainda há a segurança infalível, tanto objectivamente, no que tange ao ensino proposto e, subjetivamente, na medida em que é seguro para que todos o adotem; enquanto que recusar-se em adotá-lo não seria seguro, e seria uma violação da lei pelo qual os cristãos são obrigados a ser submissos à autoridade de ensino, que foi instituído por Deus. Nem pode afirmar-se razoavelmente que a verdade infalível e a segurança infalível em questões doutrinárias venham a ser uma e a mesma coisa, que uma não possa existir sem a outra, pois é óbvio, que um momento de reflexão seria suficiente para mostrar que uma teoria ou um ponto particular da doutrina pode ser infalivelmente segura sem ser uma uma verdade infalível. Opiniões, por exemplo, que são apenas prováveis, em maior ou menor grau, e não de todo ainda irrefutáveis, talvez sejam, como muitas vezes são, mais seguras. Certeza absoluta não é de forma alguma necessária para a segurança absoluta, o que uma certeza moral bem fundamentada pode frequentemente garantir. Tal é a importância desta distinção entre as proposições definidas do Soberano Pontífice ao se pronunciar ex cathedra e os demais decretos doutrinais, ordenando ou proibindo, que emanam da Santa Sé – uma distinção a se ter em mente, tanto no que se refere a verdade especulativa e a aplicação prática dos pronunciamentos – que aqueles que a negam seriam forçados, diz o Cardeal Franzelin, à absurda posição de considerar todos esses decretos, relacionados de forma alguma com a doutrina, como sendo definições ex cathedra. A história eclesiástica, o modo usual da Santa Sé de agir e a cuidadosa explicação do Concílio Vaticano I sobre o que realmente é uma definição ex cathedra, mostra como manifestamente falso isso seria. (Assent Due to Certain Papal Utterances)

Mons. Joseph Clifford Fenton:

“É, naturalmente, possível que a Igreja possa vir a modificar sua posição sobre algum detalhe de ensino apresentado como matéria não-infalível em uma encíclica papal. A natureza da auctoritas providentiae doctrinalis dentro da Igreja é tal, no entanto, que essa falibilidade estende relativamente a questões de pormenor ou de aplicação específica. O corpo de doutrina sobre os direitos e deveres de trabalho, sobre a Igreja e o Estado, ou sobre qualquer outro assunto tratado extensivamente em uma série de cartas papais direcionadas e normativa para toda a Igreja militante não poderia ser radicalmente ou completamente errada. A infalível de segurança que Cristo quer que seus discípulos gozem dentro de sua Igreja é totalmente incompatível com tal possibilidade.” (A autoridade doutrinal das encíclicas papais; Extrato reproduzido na American Ecclesiastical Review, Vol. CXXI, August, 1949, pp. 136-150).

“Franzelin julga que o Romano Pontífice pode mandar todos os católicos assentirem a uma dada proposição (quer diretamente, ou mediante condenação da afirmação contraditória), por uma ou outra de duas razões diferentes. Primeiro, o Santo Padre pode tencionar definir essa proposição infalivelmente como verdadeira ou como de fide. Além disso, ele pode querer meramente velar pela segurança da doutrina católica. O magistério da Igreja foi dotado do auxílio de Deus, razão pela qual o primeiro tipo de ensinamento apresenta verdade infalível, enquanto o segundo provê infalível segurança. Empregando a plenitude de seu poder, a Igreja docente opera como auctoritas infallibilitatis. Operando, não para definir, mas meramente para tomar aquelas medidas que ela considera necessárias para salvaguardar a fé, ela é a auctoritas providentiae doctrinalis. A esta auctoritas providentiae doctrinalis e aos ensinamentos que ela exprime, os fiéis devem a obediência do silêncio respeitoso e de um assentimento interno intelectual conforme o qual a proposição assim apresentada é aceita não como infalivelmente verdadeira mas segura, como garantida por aquela autoridade que é divinamente encarregada de zelar pela fé cristã.” (A Autoridade Doutrinal das Encíclicas Papais – Parte I, ag. 1949)

“A despeito dos modos de ver divergentes sobre a existência de ensinamento pontifício infalível em cartas encíclicas, há um ponto no qual todos os teólogos estão manifestamente de acordo. Todos eles estão convictos de que todos os católicos estão obrigados em consciência a prestar um assentimento religioso interior decisivo àquelas doutrinas que o Santo Padre ensina quando fala à universal Igreja de Deus na terra sem empregar o seu carisma da infalibilidade dado por Deus. Assim, prescindindo da questão de se se pode dizer que alguma encíclica individual ou algum grupo de encíclicas contêm ensinamento especificamente infalível, todos os teólogos estão de acordo que esse assentimento religioso deve ser concedido aos ensinamentos que o Soberano Pontífice inclui nestes documentos. Esse assentimento é devido, como notou Lercher, até que a Igreja possa preferir modificar o ensinamento anteriormente apresentado ou até que razões proporcionalmente graves para abandonar o ensinamento não-infalível contido num documento pontifício possam vir a lume. É evidente que toda e qualquer razão que fosse justificar o abandono de uma posição tomada em uma declaração pontifícia teria de ser realmente gravíssima. Mas fique definitivamente entendido que o dever do católico de aceitar os ensinamentos transmitidos nas encíclicas, mesmo quando o Santo Padre não propõe tais ensinamentos como parte de seu magistério infalível, não se alicerça somente nas sentenças dos teólogos. A autoridade que impõe essa obrigação é a do próprio Romano Pontífice. À responsabilidade do Santo Padre de cuidar das ovelhas do rebanho de Cristo, corresponde, por parte do efetivo da Igreja, a obrigação básica de seguir as diretrizes dele, nas matérias doutrinais bem como nas disciplinares. Nesse campo, Deus deu ao Santo Padre uma espécie de infalibilidade distinta do carisma da infalibilidade doutrinal em sentido estrito. Ele edificou e ordenou a Igreja de tal maneira, que aqueles que seguem as diretrizes dadas ao inteiro reino de Deus na terra nunca serão colocados em posição de arruinar-se espiritualmente mediante essa obediência. Nosso Senhor habita no interior de Sua Igreja de uma tal maneira, que aqueles que obedecem às diretivas disciplinares e doutrinais desta sociedade nunca podem achar-se desagradando a Deus mediante sua adesão aos ensinamentos e aos preceitos dados à Igreja militante universal. Logo, não pode haver razão válida nenhuma para discordar até mesmo da autoridade magisterial não-infalível do Vigário de Cristo na terra.(Mons. Joseph Clifford FENTON, A Autoridade Doutrinal das Encíclicas Papais – Parte I, agosto de 1949)

“Toda a atividade de ensino da Igreja universal de Deus na Terra é coberta pelo que os teólogos, depois de Franzelin, chamam de garantia de ‘infalível segurança’ como distinta da “infalível verdade'”. “E acrescenta:” O governo da Igreja universal do Santo Padre tem um tipo de infalibilidade prática, no sentido de que seria completamente impossível para um homem perder a alma por meio da obediência à legislação da Igreja universal militante do Novo Testamento”. (Igreja Católica e Salvação, 1958, pp. 90-94).

 Cônego Smith:

“Nos casos que estamos contemplando agora, ele não está sendo orientado sobre como aderir com a plenitude da certeza a uma doutrina que é divinamente garantida pela infalibilidade; mas ele está sendo avisado de que determinada proposição pode ser mantida com perfeita segurança, ao passo que sua contraditória está repleta de perigo para a fé; de que, nas circunstâncias e no estado presente do nosso conhecimento, esta ou aquela interpretação da Escritura não pode ser preterida com segurança; de que uma máxima filosófica em particular pode levar a sérios erros em questão de fé. E o católico deve afastar-se do perigo, do qual ele é autoritativamente alertado, curvando-se ao juízo da autoridade. Ele não deve ter dúvida, ele deve assentir. Logicamente implicada nessas decisões cautelares está uma verdade de ordem especulativa, quer ética ou dogmática. Mas, sobre essa verdade especulativa como tal, o decreto não se pronuncia; ele contempla meramente a questão da segurança.(“Must I Believe It?”, Clergy Review [“Tenho o Dever de Crer Nisso?”, Revista do Clero], anos 40).

Colección Completa de Encíclicas Pontificias 1830-1950 Tomo I. Preparada por las Facultades de Filosofía y Teología de San Miguel (Rep. Argentina) Editorial Guadalupe- Buenos Aires, 1952:

“A todas las decisiones doctrinales no infalibles, pero con carácter universal, dadas por el Sumo Pontífice o por las Congregaciones Romanas, debemos nuestro asentimiento religioso interno.

No basta un “obsequioso silencio”, se requiere una sincera adhesión interna, cuyo motivo formal es la autoridad suprema de la Iglesia en materia religiosa. Adhesión interna, es decir, de la mente y de la voluntad a la decisión del Papa o de la Congregación. Asentimiento religioso, porque sagrada es la autoridad de la Iglesia que se  resuelve en la autoridad del mismo Dios. Asentimiento firme, porque, como explica el Card. Franzelin, “aunque en estas declaraciones no se encuentre la verdad infalible de la doctrina, porque por hipótesis no se pretende dar una definición dogmática, hay en ellas, sin embargo, una infalible seguridad. Un tanto objetiva de la doctrina declarada… como subjetiva, en cuanto abrazarlas  es para todos “tutum” (es decir, conforme a la fe o las buenas costumbres) y no es “tutum” el rehusar admitirlas, ni puede hacerse sin violación de la debida sumisión a un Magisterio instituido por Dios” (De Divina Traditione et Scriptura, ed. 4, p. 118).

Todo ello es deducción inmediata de la Suprema autoridad de que goza el Romano Pontífice, y de la divina asistencia del Espíritu Santo a su Iglesia, asistencia que no se agota con el carisma de la infalibilidad de las definiciones pontificias.” (ESTUDIO DE LA INFALIBILIDAD SEGÚN LAS ENCÍCLICAS PONTIFICAS EN SU INTRODUCCIÓN DOGMÁTICA –  Colección Completa de Encíclicas Pontificias 1830-1950 Tomo I. Preparada por las Facultades de Filosofía y Teología de San Miguel (Rep. Argentina) Editorial Guadalupe- Buenos Aires, 1952.)

Jaime Echarri, S. I.:

“Nelas o Papa não exercita, sem dúvida, a suprema potestade de seu Magistério, pronunciando juízos dogmáticos irreformáveis. Nem sequer formam elas parte de seu Magistério ordinário a mesma plenitude que, por exemplo, as Encílicas. Assim, pois, a doutrina das Alocuções – sempre que estas não recolhem juízos de outro magistério mais pleno – exige certamente nosso assentimento, mas não absoluto nem irreformável. De sua parte parte não apresente se não uma doutrina “tuta”, isto é, segura, que no momento ao menos preserva aos fiéis de se exporem imprudentemente a errar” (Pio XII e a filosofia perene ante as ciências, “Salmanticensls”, 3 (1956). p. 323).

Frei Boaventura Kloppenburg:

“A maioria dos documentos doutrinários do Magistério, como as Encíclicas papais ou outros documentos semelhantes (Exortações, Cartas, Discursos, etc.) são desta categoria, para cuidar da boa e pura conservação do depósito da fé, para orientar prudentemente aos fiéis crentes nos mil problemas doutrinários com a que toda hora e em toda parte nos encontramos e nos quais, no momento, não interessa tanto a certeza quanto a segurança de uma doutrina. Assim por exemplo, Charles Journet ensina: “Não duvidamos em dizer que o Magistério propõe (os ensinamentos não definitivos) em virtude de uma assistência prática prudencial, que é verdadeira e propriamente infalível, de modo que nos da segurança da prudência em cada um de seus ensinamentos”. Os teólogos Cardeais Franzelin, Billot e outros de boa doutrina católica propõem idênticas teses.” (O Magistério Autêntico e os magistérios paralelos).

“Nos pronunciamentos doutrinários de ordem prática não se pretende (esta é a “mens) direta e primariamente um fim doutrinário absoluto e definitivo (ou a certeza duma verdade objetiva), mas uma finalidade prática e prudencial para determinadas circunstâncias (ou a seguridade de uma doutrina): Tal doutrina em tais circunstâncias e condições é mais segura, mais prudente (pode ser e mui provavelmente também é mais certa, mais verdadeira, mais de acordo com a realidade objetiva como tal; mas isto não se afirma). A doutrina assim proposta não é irreformável em si nem é infalivelmente certa. Teólogos de bom nome pensam que também nestes pronunciamentos prudenciais o Magistério Eclesiástico é infalível; quer dizer: é infalivelmente certo que em tal momento e tais circunstâncias tal doutrina ou atitude é mais segura. Damos então um assentimento de fé à seguridade (não necessariamente à certeza) de tal doutrina. A maioria dos pronunciamentos doutrinários do Magistério são desta segunda classe, para cuidar da boa e pura conservação do depósito da fé, para orientar prudentemente os fiéis nos mil problemas doutrinários, direta ou indiretamente religiosos, com que a toda hora e em toda parte nos defrontamos e nos quais, no momento, interessa não tanto a certeza quanto a seguridade de uma doutrina. O Cardeal Franzelin, no tratado De Divina Traditione (Roma 1896, p. 118), diz que a Igreja deve cuidar do depósito da fé “non unice exintentione definitiva sententia infallibiliter decidendi veritatem, sed etiam absque illa ex necessitate et intentione vel simpliciter vel pro determinatis adiunctis prospiciendi securitati doctrinae veritas infallibilis, quia hanc decidendi ex hypothesi no est intentio, est tamem infallibilis securitas”. Journet, na obra já citada, ensina: “Não duvidamos em dizer que o Magistério propõe [os ensinamentos não definitivos] em virtude duma assistência prática e prudencial, que é verdadeira e propriamente infalível, de modo que nos dá a segurança da prudência em cada um de seus ensinamentos.” Assim Billot e outros teólogos de bom nome. – Em tudo isso, todavia, convém não esquecê-lo nunca, o que é essencial e o que decide mesmo é assim chamada “mens Concilli”: Somente aquilo que os Conciliares intencionam propor e no sentido em que eles o entendem é e deve ser considerado como formalmente definido, proposto, determinado ou decretado pelo Concílio. E essa mens ou intenção deve constar positivamente. Assim, enquanto não se sabe com certeza que os Conciliares queriam propor alguma doutrina como definitiva ou irreformável, não só não temos nenhuma obrigação de aceitar tal doutrina como irreformável, mas também não devemos aceita-la como tal. Também esta regra pertence ao verdadeiro “sentire cum Ecclesia”. (Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 22, fasc. 3, Setembro de 1962, pp. 569-586).

Joaquín AI. Alonso, C. AI. F:

“A autenticidade do magistério da Igreja tem seu fundamento na autoridade comunicada de Cristo; daí que nossa obediência ao magistério seja uma obediência ao mesmo Cristo. Por isso se chama “religiosa”, isto é, de tipo “sobrenatural”, fundada na fé que prestamos a instituição divina da Igreja. E tem que ser interior, porque se vincula ao mesmo Deus, que penetra os corações; por isso se diz no n. 25 [da Lumen Gentium]: “de vontade e entendimento”. Contudo a distinção entre magistério “infalível” e “autêntico” também afeta a própria ordem da verdade, já que no magistério infalível “nos falamos com uma assistência toda especial” pela que o Espírito Santo assiste a sua Igreja para que, quando proponha algo como definitivo, não possa errar. De outra forma, no magistério meramente “autêntico”, o magistério é assistido pelo Espírito Santo somente com uma assistência geral segundo a qual procede “com segurança” nos juízos. Esta segurança afeta, certamente, também a ordem da verdade, mas está dirigida sobretudo a ordem da prudência de governo. Billot expressou tudo isso com suma claridade, e para confirmar autoritativamente o que acabamos de dizer, traduzimos o seguinte: “Se distingue entre os decretos nos quais se define infalivelmente uma verdade especulativa, e decretos nos quais se atende a segurança da doutrina sem chegar a definições formais… Promulgar um decreto no qual não se define uma verdade especulativa, mas que se olha a segurança de uma doutrina, não é outra coisa que estabelecer autenticamente que uma doutrina é segura; isto é, está de acordo com a regra de fé, pelo menos com aquela probabilidade que é suficiente para que alguém possa aceitar..” E Billot segue logo expondo o caso das Congregações Romanas com a mesma claridade: “Quando as Sagradas Congregações declaram que uma doutrina não pode ser ensinada com segurança, estamos obrigados a aceitar que esta doutrina é não digo errônea ou falsa ou coisa parecida, mas simplesmente “não segura”… E, se declararem que uma doutrina não pode ser negada com segurança, estamos obrigados a aceitar que tal doutrina é não somente segura, mas ainda, enquanto tal, deve ser seguida e aceitada. Contudo, falando com rigor, o que, neste momento não é seguro… pode mais tarde sê-lo, se caso a autoridade competente voltando a discutir a questão e pesadas novas razões tomar outra decisão…
Nem mesmo, falando própria e formalmente, poderia dizer-se que a decisão posterior reforma a precedente, já que não há lugar a reforma…
Posto que o que agora não é seguro, segundo o estado presente das razões, pode mais tarde vir a sê-lo com novas razões…” [L. BILLOT. De Ecclesia (ed 1927) p. 445-47]  Pois bem, pensamos que esta doutrina pode e deve se aplicar ao magistério meramente “autêntico’ que este Concílio Vaticano II intenta expressamente exercer.” (Concílio Vaticano II, comentários a Constituição sobre a Igreja, ano 1966, Constituição hierárquica da Igreja, p. 340-341).

 

Padre Antonio Royo Marín:

“Limitamo-nos única e exclusivamente a expor de uma maneira sistemática e ordenada a doutrina oficial da Igreja através dos Concílios e dos Papas, desde os tempos apostólicos até o Concílio Vaticano II e os ensinamentos de Paulo VI e João Paulo II. Desta maneira, o leitor cristão pode saber com toda segurança e certeza, sem medo algum de equivocar-se, a que deve ater-se em matéria de fé e moralidade cristãs. Porque, embora, seja evidente que nem todos os ensinamentos dos Concílios e dos Papas sejam dogmas de fpe, todos são normas seguras e certas para que alguém não se desvie do caminho da verdade que conduz a Deus”. (A fé da Igreja, p. 18)

Outros teólogos que falaram sobre a impossibilidade de erros graves no Magistério meramente autêntico:

F. Hurth:

“É preciso sustentar firmemente que uma solene decisão tomada pela suprema Autoridade, em matéria de tão grande importância para a vida da Igreja, escapa, no que toca ao seu conteúdo essencial, a toda a possibilidade de erro: um erro seria inconciliável com a assistência do Espírito Santo e com a promessa do Senhor: Ecce ego vobiscum sum omnibus diebus. (Contenuto e significato della Costitutioni apostolica sopra gli ordini sacri (Conteúdo e significado da Constituição Apostólica Sobre as Ordens Sagradas), em: Civiltà cattolica, XCIX, 1948, 2, p. 623.]).

Pe. Thomas J. Harte:

“Há um outro aspecto importante da distinção entre o poder de ensino extraordinário e ordinário do Papa que ainda necessita ser considerado. É uma doutrina da fé católica que quando o Santo Padre fala ex cathedra, ou infalivelmente, ele é guiado pelo Espírito Santo, e que não há possibilidade de um erro ser cometido em questões de fé e moral em tais declarações. Não existe tal garantia de inspiração e orientação divina direta para declarações não-infalíveis individuais da Santa Sé. Devemos, portanto, concluir que os Papas podem cometer erros, como qualquer mortal, quando, no exercício de seu poder Magisterial ordinário, ensinam sobre questões sociais? Os teólogos parecem concordar que, embora a garantia de infalibilidade se aplique em seu sentido mais estrito apenas ao exercício do magistério extraordinário, ou seja, a pronunciamentos ex cathedra, ainda assim, no exercício dos seus poderes do Magistério ordinário, o Papa tem a proteção e orientação do Espírito Santo, pelo menos na medida em que Deus Todo Poderoso não lhe permitiria cometer um erro grave no ensino à Igreja universal. Eles argumentam que esta providencial proteção é necessária para que a Santa Sé cumpra sua missão divinamente outorgada na condução dos homens, com segurança e certeza, ao seu destino eterno. Portanto, o ensino claro e certo dos papas em questões sociais é para ser tomado como a única doutrina verdadeira nos pontos contemplados.” (Princípios sociais papais: A Guide and Digest, Fr. Thomas J. Harte, C.Ss.R., Ph.D., Bruce Publishing Co., 1956).

Digno de nota é a explicação do Padre Calderón (FSSPX) sobre o assunto:

“Não há praticamente diferença entre uma opinião duvidosa e a proposição de um problema; basta saber que algo é opinião e não certeza, sem necessidade de lucubrar muito acerca do grau de probabilidade que tenha; e, o que agora mais nos importa, tampouco tem demasiada importância distinguir o magistério ex cathedra do magistério simplesmente autêntico que se aproxima dele em certeza, porque, se aquele tem certeza infalível, este tem tanta, que o teólogo não pode pôr em dúvida sua sentença. Por essa razão, os Papas e os Concílios nunca se preocuparam em esclarecer se falam estritamente ex cathedra: se se pronunciam com solenidade e firmeza para toda a Igreja, os fiéis podem ter absoluta certeza de que não há erro algum que tenha importância em tal matéria. Exemplo. O Concílio de Florença, XVII ecumênico sob Eugênio IV, exige dos armênios a aceitação de certos pontos de doutrina sobre os sacramentos. Entre outras coisas, diz: “O sexto sacramento é o da ordem, cuja matéria é aquilo por cuja entrega se confere a ordem: assim o presbiterado se dá pela entrega do cálice com vinho e da pátena com pão”. Discutiu-se entre os teólogos se a matéria da ordem era a entrega dos instrumentos, ou a imposição das mãos por parte do bispo. Pio XII terminou por definir que é a imposição das mãos. Equivocou-se o Concílio? O Cardeal Billot disse que a declaração é infalível, enquanto o Cardeal van Rossum disse que não é ensinamento definitivo, que não é infalível e que nisso se equivocou o Concílio. Este Cardeal defende bem a opinião de que não é declaração infalível, mas, como lhe objetaram bons teólogos, é pecado gravíssimo dizer que se cometeu um erro em matéria tão importante, num ato de tanta solenidade e com tão graves consequências para a fé dos armênios. No pior dos casos, a afirmação do Concílio pode ser considerada menos exata – na medida em que não refere explicitamente que, além dos instrumentos, é necessária a imposição das mãos –, mas nunca totalmente falsa. Quando Pio XII resolve a questão, não deixa aparecer a menor sombra de dúvida acerca das determinações do Concílio de Florença. (A Candeia Debaixo do Alqueire).

A objeção tradicionalista contra a “infalível segurança” se reduz a dizer que a tese de Franzelin foi abandonada geralmente pelos teólogos. Mas de quais teólogos estão falando? O Padre Thomas Harte disse em 1956 que essa tese aparentemente era comum entre os teólogos de seu tempo. De fato, há um problema acidental na tese de Franzelin, que foi abandonado pelos teólogos. O erro é dizer que a autoridade de providência doutrinal dentro da Igreja Católica se referia apenas doutrinas apresentadas como seguras ou não seguras. Isso foi rechaçado pelos teólogos, posteriormente, pois o poder doutrinal inclui também ensinamentos que devem ser sustentados como verdadeiros e moralmente certos pelos fiéis. Mas é algo meramente acidental para o tema que discutimos. Mons. Fenton usou a tese essencial de Franzelin em toda sua obra, contudo, também apontou esse erro:

“Tal como o descreveu o Cardeal Franzelin, a autoridade providencial doutrinal (a fonte da infalibilidade de segurança dentro da Igreja Católica) se referia a doutrinas que podem ou não ser sustentadas com segurança pelos fiéis. Contudo, o Pe. Salaverri coincide com Palmieri e De Groot ao ensinar que este poder doutrinal verdadeiramente autêntico embora não-infalível da Santa Sé, pode incluir ensinamentos não meramente como seguros, mas como verdadeiros e moralmente certos. Pareceria que nisso está perfeitamente certo”. (A infalibilidade nas Encíclicas, American Ecclesiastical Review, CXXVIII (1953), pag. 177-198).

Podemos encontrar alguns poucos teólogos que se afastaram da tese da infalível segurança, aparentemente comum entre os teólogos até o Concílio

Padre Cartechini parece implicar que Honório de fato ensinou em seu magistério que em Cristo existia uma só vontade (o que na época seria um erro grave, dado que ele mesmo foi condenado por concílios, posteriormente):

“Quando o romano pontífice não manifesta a vontade de definir alguma doutrina, ainda que a recorde e também se lhe sirva, não pode se dizer que fale daquela doutrina ex cathedra. A infalibilidade é, sim, um privilégio sobrenatural, mas o uso desse depende da livre atividade de quem goza desse tal privilégio. Com este princípio vem defendido o Papa Honório I da acusação de haver ensinado a opinião que em Cristo existia uma só vontade. Ele certamente se serve desta doutrina e talvez indiretamente a afirma, mas não manifesta indubitavelmente a vontade de defini-la e de propô-la por isso como matéria de fé (D. 251-252)”. (DALL’OPINIONE AL DOMMA).

Matthias Scheeben entendia que era possível um Papa ensinar uma heresia:

“A indefectibilidade da Igreja ou da verdade na Igreja supõe naturalmente a indefectibilidade do corpo ensinante em si mesmo e de sua ação externa. Mas ela é essencialmente outra no chefe que no CONJUNTO dos membros do corpo ensinante…. É igualmente possível que o papa, sem que a ação de sua autoridade seja interrompida, professe, ENSINE OU ATESTE EXTRA JUDICIUM UMA FALSIDADE OU UMA HERESIA; embora seja incompatível com a autenticidade permanente do testemunho universal dos bispos, que todos os bispos, mesmo extra judicium, atestem, ensinem ou professem um erro ou mesmo uma heresia”. (Matthias Scheeben, La théologie dogmatique, 1877, p. 152)

Padre E. Sylvester Berry:

 “O Concílio declarou o Romano Pontífice pessoalmente infalível ao falar oficialmente como chefe da Igreja universal, mas deixou intocada a questão se o Papa em sua capacidade privada, ou em sua qualidade oficial como bispo, primaz ou patriarca, pode cair em heresia ou ensinar heresia. Alguns teólogos afirmam que sim. Straub cita Adriano II e Inocêncio III como favoráveis a esta opinião. ” (A Igreja de Cristo: Um Tratado Apologético e Dogmático, 1955, p. 273)

O cardeal Journet reformulou a tese da infalível segurança, dizendo que um ato sozinho não está garantido por ela (cf. abaixo).

A possibilidade de heresia num magistério conciliar já restou afastada num artigo anterior. Mas se o tradicionalista quiser insistir, com esses poucos teólogos, que há erros graves (não heréticos) no magistério autêntico do CVII? Vamos então conceder, em vista do argumento, que é possível que o magistério meramente autêntico ensine um erro grave e que a maior parte dos teólogos se enganou sobre a matéria. Isso seria o mesmo para doutrinas propostas pelo colégio dos bispos num concílio ecumênico, aceitas universalmente pelos fiéis e ensinadas por uma sucessão de Papas e bispos por quase 60 anos? Parece que não. Vejamos:

 

A infalível segurança explicada por Journet

 

Embora Journet ensine que um ato isolado do Papa não está garantido pela infalível segurança, ele ensina que uma doutrina do magistério meramente autêntico repetida com certa constância e já introduzida geralmente para a Igreja universal, certamente está garantida pela infalível segurança:

“2. A existência de uma Autoridade Prudential. Que o magistério doutrinal/doutrinário, para além da sua missão principal, que é a de definir certas verdades com autoridade absoluta e irrevogável, tem uma missão secundária, que é ensinar outras verdades com uma autoridade prudencial e de forma não irrevogável, é um ponto da doutrina sem dúvida. […] 3 Se é uma questão de ensinamentos universalmente e constantemente propostos aos fiéis e com frequência lembrados pela Igreja; se, de modo mais geral, é um caso de ensinamentos que a Igreja tem a intenção de envolver a autoridade prudencial que ela tem para apascentar as ovelhas de Cristo, para determinar o que é capaz de trazer as mentes mais perto ou afastá-los da fé, não devemos hesitar em dizer que o magistério propõe-los em virtude de uma assistência prática prudencial que é verdadeira e propriamente infalível, para que possamos ter a certeza da prudência de cada um desses ensinamentos, e, por conseguinte praticamente seguro de sua verdade intrínseca e especulativa. Para adotar uma frase de Franzelin, se ainda existe como verdade não infalível e irrevogável, “veritas infallibilis”, existe, no entanto, uma certeza infalível “infallibilis securitas”. Tal como, por exemplo, são as prescrições lembrando que a Sagrada Escritura deve ser interpretada à luz dos Padres e Doutores; a lei do Código determinando professores nos seminários para ensinar filosofia e teologia em conformidade com o método; a doutrina e os princípios do Doutor Angélico; o juízo pelo qual um servo de Deus é declarado beato; etc…(THE CHURCH OF THE WORD INCARNATE (Chapter VII), II, B 2)

Dificilmente se poderá dizer que os ensinamentos do Concílio Vaticano II não entram nessa categoria de doutrinas propostas universalmente para os fiéis e reconhecidas por sua unanimidade moral. Um concílio ecumênico, por sua própria definição, é uma expressão da Igreja universal. Além disso, as doutrinas do Concílio Vaticano II foram propostas e reafirmadas pelo magistério de uma sucessão de Papas há quase 60 anos! Portanto, não se poderá falar em erro grave nas doutrinas ensinadas com autoridade pelo CVII se seguimos tal tese. Mas não paramos por aqui….

 

A infalibilidade global do magistério não infalível

 

O Padre Penido explica que os ensinamentos não infalíveis são, em conjunto, sempre santificantes e verídicos, razão pela qual fala em infalibilidade global:

“Em relação ao Magistério eclesiástico, a ÚNICA atitude condizente com a qualidade de católico é a obediência aquiescente. Quando a Igreja propõe a fé, podemos chamar essa obediência de ‘teologal’, porque, de fato, obedecemos imediatamente a Deus. (A Igreja, já foi dito, é mensageira e não autora da Revelação). Quando aceitamos o ensinamento não infalível, poderia nossa obediência ser denominada ‘eclesiástica’, pois então é a própria autoridade da Igreja que motiva nosso assentimento. Não mais ouvimos a voz do Esposo, senão a da Esposa (porém da Esposa guiada pelo Esposo). E embora o Magistério possa errar neste ou naquele caso particular, podemos todavia atribuir-lhe uma infalibilidade ‘global’, porque, em conjunto, tais decisões são verídicas e santificantes. Cristo Jesus está com a Igreja não apenas quando ela define o dogma e a moral, senão ‘todos os dias’ (Mt 28, 20). Muito melhor do que ‘obediência eclesiástica’, diríamos ‘docilidade filial’.” (Iniciação teológica – vol. I: O mistério da Igreja, 2.ed., Petrópolis: Vozes, 1956, p. 300).

“Possível é o erro, em compensação, no que se refere a decisões menos importantes e gerais. Porém, ainda aqui devemos crer que a ‘assistência’ divina não falta. As diretivas eclesiásticas serão acertadas, o mais das vezes. Já aludimos a certa ‘infalibilidade global’, entendendo por aí que o governo da Igreja é de tal forma dirigido pelo Espírito Santo que, em conjunto, leva ao estabelecimento do Reino de Deus sobre a terra, em que pesem os enganos ou deficiências pessoais deste ou daquele hierarca. A crença na ‘assistência’ do Espírito Santo confere a nossa obediência de fiéis um caráter religioso. Obedecendo aos pastores, obedecemos ao Espírito que os constitui Bispos, para governarem a Igreja de Deus (At 20, 28). Mas podem errar? – Seja. Em última análise, Deus saberá tirar o bem do mal. De qualquer forma foi Deus servido permitir aquele erro.” (Ibid., p. 308)

“O Magistério quando não ensina com autoridade imediatamente divina mas com simples autoridade PASTORAL, não é absolutamente infalível v. g. o Papa falando sem intenção de definir. Devemos a tais ensinamentos, não já adesão de fé mas assentimento interno, filial, por ser tal magistério também assistido pelo Espírito Santo, embora não de maneira absoluta. Maior ou menor a obrigação de assentir, segundo o Magistério urge mais ou menos a aceitação da verdade ou a repulsa do erro. Em conjunto, tais decisões da Igreja são verídicas e santificantes.” (Ibid., p. 324).

Os tradicionalistas estão prontos para dizer que os documentos do CVII são, em conjunto, verídicos e santificantes?

 

A infalibilidade de uma doutrina depois de ser admitida e ensinada em toda a Igreja

 

Muitos teólogos entendem que uma doutrina admitida e ensinada por toda a Igreja certamente não contém erro.

 

Padre Miguel Nicolau:

“32. INFALIBILIDADE DE UMA DOUTRINA DO MAGISTÉRIO ORDINÁRIO, DEPOIS DE SER ADMITIDA E ENSINADA EM TODA A IGREJA.
Se os autores não estão de acordo para falar de infalibilidade absoluta de uma doutrina no momento em que se propõe pelo magistério ordinário do Papa, cremos contudo, que se poderá falar da tal infalibilidade absoluta em um momento e sinal posterior, isto é, desde que tal doutrina (que, por hipótese, é de fé e costumes; não é profana) se estendeu por toda a Igreja e foi aceita por todos. A razão, desta infalibilidade, que chamaremos conseqüente, é que a Igreja não pode errar em doutrina de fé e costumes. E uma vez que esta doutrina se apossou da consciência dos fiéis, podemos ver nisso uma sinal de sua certeza absoluta, isto é, de sua infalibilidade. Então o critério de sua infalibilidade absoluta se adverte e se reconhece, não no ato do magistério ordinário, mas nas conseqüências deste magistério. Ocorre então de uma maneira parecida ao que expressava Pio XII em uma alocução aos bispos (30 de outubro de 1950) sobre as doutrinas que se crêem na Igreja universal: “Si enim Catholica Ecclesia universa neque fallere neque falli potest, cum divinus eius Conditor, qui veritas est, Apostolis edixerit: “Ecce ego vobiscum sum omnibus diebus, usque ad consummationem saeculi”; inde omnino consequitur, han veritatem, quam sacri Antistites eorumque populi firmíssima mente credunt, divinitus esse revelatam…” (AAS 42 (1950) 775). 33. O que se pode prever prudencialmente, pelo que toca as doutrinas que o Papa quer impor a toda a Igreja com seu magistério ordinário, é que serão aceitadas por Ela toda e, portanto, prudencialmente, enquanto não absolutamente, se pode afirmar sua certeza e infalibilidade. Por sua própria natureza são estas doutrinas destinadas a criar na Igreja uma unidade de pensamento na fé e, diríamos, são doutrinas a ser conhecidas como infalíveis, uma vez que tenham sido aceitadas em toda a Igreja.” (Magistério “ordinário” no Papa e nos Bispos: Salmanticensis, ISSN 0036-3537, Vol. 9, Fasc. 3, 1962 , p. 468-9).

O Padre Gagnebet diz que a doutrina da colegialidade do Concílio Vaticano II é teologicamente certa e infalível:

“Aqueles que fundamentam sua negação do ensino documental, sustentando que ele não tem infalibilidade, parecem esquecer que a doutrina católica contém ensino que é certo, fora do objeto de uma proposição infalível. O Concílio recente propôs a doutrina da colegialidade como um ensino certo e contido nas Escrituras, embora não a propusesse como uma doutrina definida para ser acreditada como uma verdade da fé divina. Sem dúvida, é uma doutrina infalível, mas nunca foi definida, uma vez que o Conselho se absteve de promulgar novos dogmas de fé. Quem negaria que, ao desdobrar essa doutrina, o Concílio recebeu assistência divina?” (THE AUTHORITY OF THE ENCYCLICAL HUMANAE VITAE, 1968 L’Osservatore Romano)

O Padre De Guibert sobre autoridade do Syllabus diz:

“Ora houve desde o início um documento do magistério ordinário da maior autoridade, porém, tendo sido recebido hoje na Igreja, desde há meio século, como norma doutrinária, não se vê o que lhe possa faltar, para que já se considere como contendo um juízo infalível deste magistério ordinário” (De Christi Ecclesia, ano 1926, p. 247. Trad.br: Pe. Ze).

De Guibert cita Mazzella, Scheeben, De Groot e Straub que usam o mesmo argumento em relação ao Syllabus. Nada falta para aplicar essa teoria para as doutrinas do CVII.

 

A falha do magistério autêntico nunca induzirá a erro a unanimidade dos fiéis

 

Os teólogos que admitem um erro no magistério meramente autêntico entendem que a unanimidade dos bispos e fiéis não seria induzida no referido erro:

Lercher:

“Se o Romano Pontífice obriga – com autoridade, mas não a maior possível – a todos a assentir a algo como verdadeiro, não parece ser infalível de jure, nem é necessário dizer: o Espírito Santo nunca permitirá que tal decreto seja errôneo.

Certamente, o Espírito Santo nunca permitirá que, por tal decreto, a Igreja seja levada ao erro. O modo pelo qual o erro é excluído consiste, mais provavelmente, na assistência do Espírito Santo dada à cabeça da Igreja, pela qual tal decreto errôneo é evitado. Todavia, absolutamente falando, não repugna que o erro seja excluído pelo Espírito Santo pelo fato de que os súditos percebam o erro e cessem de assentir internamente ao decreto. (…)” (Institutiones Theologiae Dogmaticae. Herder. 4ª Editio, 1945, Vol. I pp. 297 et 298).

Dom Paul Nau:

“Em cada caso, sem dúvida, um apelo ao Soberano Pontífice mesmo permanece teoricamente possível, uma divergência momentânea pode se manifestar. Fora o caso do juízo solene, uma só afirmação não é necessariamente, só por ela em si, representativa de uma doutrina, o ensino pontifical não está comprometido inteiramente. Mas se se trata do assunto diretamente visado numa Carta encíclica, especialmente se esta insere-se num conjunto e uma continuidade, se ela é objeto de uma advertência e de uma insistência, como acontece geralmente para as grandes Cartas doutrinais, doravante nenhuma dúvida é possível sobre o conteúdo autêntico do ensinamento pontifical. Em seguida, negar aderir, cessar de aderir por uma comunhão estreita de pensamento, é necessariamente quebrar a união de doutrina, é introduzir a dualidade na fé.

Como admitir então para este ensinamento, ao menos neste conjunto que acabamos de definir, a possibilidade de apartar-se da verdade e de equivocar-se sobre a regra da fé? Suposta, com efeito, esta impossível hipótese, ou o erro não seria percebido, os bispos todos, ao menos negligenciariam revelar-lhe, e é a Igreja inteira que será em breve perdida e pelo próprio Centro da unidade; ou então, para permanecer fiéis à verdade, para nela manter suas ovelhas, os pastores deveriam romper esta unidade, afastar o seu ensino do ensino de Roma. Estaríamos nas antípodas da tradição que liga irrevogavelmente a segurança da doutrina com a comunhão realizada a voltado do Pontífice romano. Tanto num caso como no outro, uma contradição seria dada às promessas divinas: Pedro já não seria mais a rocha donde a Igreja sustenta sua unidade, ou então teria cessado de ser o fundamento seguro de sua fé. A conclusão se impõe desde já, é preciso reconhecer o privilégio da inerrância a um ensino em que a fé depende estreitamente e em que Deus mesmo, Verdade primeira, fez-se garante. Sem dúvida, com todo rigor dos termos, a palavra infalibilidade só deve ser pronunciada à propósito do conjunto do qual acabamos de fazer alusão; portanto cada um dos atos que o compõem deveriam também, beneficiar de assistência divina na medida em que ele contribui para assegurar, por sua parte, a unidade doutrinal da Igreja”. (Les encycliques, essai sur l’autorité de leur enseignement, 1952).

Francis Sullivan:


“Por outra parte, sendo toda a Igreja indefectível na fé, é dever de Deus impedir que o magistério da Santa Sé induza a Igreja inteira à aceitação de uma doutrina errónea em matéria de fé e de costumes. E, não sendo de maneira nenhuma possível que a Igreja toda não receba uma doutrina que seja proposta pela Santa Sé como sua por uma longa e constante tradição, parece que deve dizer-se que o magistério ordinário dos Romanos Pontífices goza de uma assistência tal que impede que uma doutrina menos correta, uma vez divulgada, se torne doutrina constante e tradicional da Santa Sé. Mas tal assistência, se deve ser admitida, não é, todavia, aquela que é própria do Romano Pontífice, quando define uma doutrina acerca da fé e dos costumes, a qual torna cada juízo imune de erro e por si mesmo irreformável. Ora esta é a infalibilidade que negamos que deve ser proclamada a respeito do magistério ordinário do Pontífice”. (Francis Sullivan, A Igreja, I Questões de teologia fundamental, 1963, pp. 345-346. Tradução Pe. Ze)

“(2) A assistência divina que torna o magistério imune de erro é um dom extraordinário de Deus, que só parece dever afirmar-se no caso de ocorrerem razões verdadeiramente convincentes para se dizer isto. Sobretudo deve dizer-se que Deus não pode permitir que a Santa Sé induza toda a Igreja em erro a respeito da fé. No entanto, parece ser possível que o Pontífice, ensinando de modo ordinário, profira uma sentença que depois venha a ser corrigida, contanto que com isso a Igreja inteira não seja induzida em erro. Em tal caso, basta a assistência divina que procura fazer com que o erro seja corrigido, antes de ser de uma maneira geral aceite pela Igreja, e que impede que uma doutrina errónea se torne doutrina tradicional da Santa Sé”. (Ibid., 350. Tradução Pe. Ze)

“Deus, assistindo perpetuamente a sua Igreja, confere infalibilidade a todo o exercício do magistério que, se errasse, levaria a própria Igreja ao erro acerca da fé. E com certeza que, se todo o episcopado disperso pelo mundo, juntamente com o Romano Pontífice, consentisse na proposição de uma doutrina errónea a ser acolhida pelos fiéis, toda a Igreja seria levada para o erro; portanto, Deus preserva o tal magistério ordinário e universal do erro, ou confere-lhe infalibilidade. Mas não consegue que isso seja demonstrado, no que se refere ao exercício apenas do magistério ordinário do Pontífice, porque o erro neste magistério poderia ser corrigido antes que a Igreja inteira fosse levada ao erro”. (Ibid., p 351. Tradução Pe. Ze)

Padre Miguel Ángel Fuentes (IVE):

“Por outra parte, dado que a própria Igreja universal é indefectível na fé, Deus deve impedir que o Magistério ordinário da Igreja induza a toda a Igreja a receber uma doutrina errônea em coisas de fé e moral. E como seria quase impossível que toda a Igreja não receba a doutrina que a Santa Sé propusesse como sua em uma larga e constante tradição, parece que haveria que dizer que o Magistério ordinário dos Papas goza de tal assistência que impeça que uma doutrina menos reta, talvez pronunciada uma vez, se faça doutrina constante e tradicional da Santa Sé”. (De ver ecclesia, El magistério del romano pontífice)

“E, na realidade, parece difícil salvar a infalibilidade do magistério do Papa Libério, Vigílio e Honório, se se estende a outros atos distintos do de definir solenemente. A assistência divina que faz ao magistério imune ao erro é um dom extraordinário de Deus, que não parece que se deva afirmar se não se dão razões verdadeiramente convincentes para afirma-lo. Parece que possa suceder que o Papa, falando de modo ordinário, profira uma sentença que depois deve ser corrigida, sem que por isso toda a Igreja seja induzida em erro. Em tal caso, basta a assistência divina que procure que o erro seja corrigido antes que seja recebido geralmente na Igreja, e que impeça que a doutrina errônea se faça doutrina tradicional da Santa Sé”.

Mas, sem dúvida, as doutrinas conciliares foram reconhecidas pela unanimidade moral dos fiéis.

Assim, por qualquer ângulo que se contemple a questão, vemos que a possibilidade de erros no magistério meramente autêntico não é uma prova cabal sobre a possibilidade de erros ou de erros graves nas doutrinas do Concílio Vaticano II (naquilo que demanda o assentimento dos fiéis). Todos os teólogos que admitem a possibilidade de erros no magistério, certamente, recusariam aceitar que suas obras sejam usadas, indiscriminadamente, pelos tradicionalistas, sem demais distinções..

Dom Paul Nau fala, inclusive, de uma infalibilidade ao Magistério ordinário do Papa se houve certa continuidade, lembrete e retorno sobre o mesmo ensinamento. Quanto tempo seria preciso aguardar? Quantas repetições seriam necessárias? Tudo leva a crer que não precisamos falar de algo muito longo na visão do teólogo. Dom Paul Nau cita como exemplo Pio XI que na Ubi Arcano qualifica como modernismo a atitude dos que recusam a aceitar os ensinamentos de Leão XII, Pio X e Bento XV. Nos pontificados de Leão XIII até Bento XV temos 43 anos. Até a Ubi Arcano de Pio XI temos 44 anos. Dom Paul Nau ainda cita Pio XI na Divini Redemptoris que na condenação ao erro do comunismo ateu faz referência explícita aos ensinamentos passados de Pio IX e Leão XIII. De Leão XIII até a Divini Redemptoris de Pio XI temos 58 anos. Outro exemplo é tomado na Quanta Cura de Pio IX em que se faz referência a precedentes Cartas desde Pio VIII até o próprio Pio IX. Desde Pio VIII até a Quanta Cura de Pio IX temos 34 anos.

 


[1] American Ecclesiastical Review, CXXVIII (1953), pag. 177-198.

 

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