Terça-feira, Maio 7, 2024

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 4)

Pe. Miguel Nicolau e Pe. José Sánchez Vaquero*

  

VALOR DOUTRINAL DO DECRETO SOBRE O ECUMENISMO

 Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 1)

 Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 2)

 Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 3)

Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 4)

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CAPÍTULO III


 

DAS IGREJAS E DAS COMUNIDADES ECLESIAIS SEPARADAS DE ROMA

 (nºs 13-24)


 

Duas categorias de separação (nº 13)


  

13. Fixamos a nossa atenção nas duas principais categorias de cisão que afetam a túnica inconsútil de Cristo.

As primeiras divisões tiveram lugar no Oriente, quer por contestação das fórmulas dogmáticas dos Concílios de Éfeso e Calcedônia, quer em tempo posterior, por ocasião da ruptura da comunhão eclesiástica entre os Patriarcados Orientais e a Sé Romana.

As outras surgiram, decorridos mais de quatro séculos, no Ocidente, resultantes dos acontecimentos que comumente se designam de Reforma. Desde então muitas Comunhões nacionais ou confessionais se separaram da Sé Romana. Entre as que conservam em parte as tradições e as estruturas católicas, ocupa lugar especial a Comunhão anglicana.

Estas diversas divisões, todavia, diferem muito entre si, não apenas em razão da origem, lugar e tempo, mas sobretudo pela natureza e gravidade dos problemas que dizem respeito à fé e à estrutura eclesiástica.

Por isso sem querer minimizar as diferenças entre os vários grupos cristãos e sem desconhecer os laços que entre eles existem não obstante a divisão, este Sagrado Concílio decide propor as seguintes considerações para uma prudente ação ecumênica.

 

A primeira categoria de cisões refere-se às IGREJAS DO ORIENTE. Estas separações tiveram lugar primeiramente por ocasião das declarações dogmáticas dos Concílios de Éfeso e Calcedônia.

Quando Nestório, Arcebispo de Constantinopla nos começos do século V, ensinou que em Jesus Cristo havia duas pessoas como havia duas naturezas, divina e humana e que por conseguinte Maria não era Mãe da pessoa divina (theotókos), a novidade da doutrina levantou a oposição do resto da Igreja. No Concílio ecumênico de Éfeso (431), definiu-se a unidade da pessoa em Cristo, conservando a sua dupla natureza, e Maria portanto era Mãe da única pessoa que há em Cristo, Mãe de Deus. Os partidários de Nestório fundaram anos depois a própria Igreja Nestoriana na Mesopotâmia e Pérsia. Hoje esta Igreja subsiste na Mesopotâmia e Kurdistán.

O Concílio ecumênico de Calcedônia celebrado no ano de 451, definiu contra Eutiques, Arquimandrita de Constantinopla as duas naturezas em Cristo, divina e humana. O “monofisismo” que a negava propagado por Eutiques era como uma ação exagerada contra o erro de Nestório, estendeu-se pela Armênia no século V e pela Síria, Egito e Abissínia no século VI. As Igrejas monofisistas constituíram assim uma nova divisão. Chamavam-se também Jacobitas do nome de Jacobo Bar Adai principal organizador.

Sobreveio em segundo lugar uma nova cisão, pela separação definitiva entre os Patriarcados orientais e a Sede Romana.

Prescindiremos das diversas rupturas ou cismas temporais entre a Igreja de Constantinopla e a Romana. Ainda que relativamente frequentes esses cismas, voltava contudo a restabelecer-se a paz e a concórdia. Referimo-nos aos chamados Cisma de Ario (343-379). Cisma de Arcádio e Teodósio o Jovem, na causa de S. João Crisóstomo (404-415); Cisma de Acaio (484-519); Cisma Monotelita (640-681); Primeiro cisma iconoclasta (726-787); Cisma Mequiano (806)-811); Segundo cisma iconoclasta (815-843).

De maior significado porém, foi o Cisma de Fócio, leigo eleito para a Sede de Constantinopla. Recebeu em breve espaço de tempo (5 dias) todas as ordens sagradas, a quem não quis reconhecer e aprovar o Papa S. Nicolau I (859-861). Depois de várias vicissitudes e desterro foi aprovado pelo Papa João VIII. Se as relações com Roma se foram esfriando a ruptura maior e definitiva data de metade do século XI.

Em 1043 Miguel Cerulário foi eleito Patriarca de Constantinopla e depois de diversas desavenças com Roma, os legados do Papa redigiram em Constantinopla uma bula de excomunhão que colocaram sobre o altar de Santa Sofia, no dia 16 de Julho de 1054.

Dissemos que a separação foi praticamente definitiva, porque ainda houve restauração posto que efémera, nos Concílios ecumênicos II de Lião (1274) e de Florença (1438-1445).

A outra categoria de divisões refere-se à RELIGIÃO DO OCIDENTE. Iniciaram-se com o movimento da Reforma protestante. De todas essas cisões separaram-se da Igreja Romana, as Igrejas nacionais reformadas, alemã ou luterana, calvinista na Suíça, anglicana na Inglaterra e outras divididas ou enumeradas segundo os próprios credos.

De entre todas, a Confissão anglicana é a que conserva mais semelhanças com as tradições, estruturas hierárquicas e ritos da Igreja Católica. Afirma-se que estas tradições permaneceram entre os anglicanos “em parte” devido à não validade das ordenações anglicanas[1].

No Decreto faz-se uma menção especial da comunhão anglicana porque assim o pediram muitos Padres na Aula Conciliar[2] posto que a confissão que manifesta maior ansiedade ecumênica é a luterana na Alemanha. Afirmava-se no esquema que a comunhão anglicana “sobressai” (praeeminet) em conservar estas estruturas, etc. Prescindiu-se porém de fazer um juízo de valor e meteu-se a frase “ocupa um lugar especial” (locum specialem tenet). Nem se vê tão pouco que os anglicanos superem neste particular aos velhos católicos[3].

Atendida portanto a não pequena adversidade entre as Igrejas separadas, tendo porém presentes ao laços de união que permanecem entre elas, o Concílio vai tratar separadamente, 1º) das Igrejas do Oriente; 2º) das Igrejas separadas no Ocidente.

 

I

CONSIDERAÇÃO PARTICULAR SOBRE AS IGREJAS ORIENTAIS

(nºs 14-18)


 

A melhor e mais autorizada apresentação que podemos fazer dos números 14-18 do Decreto é a que faz o próprio Secretariado da Unidade Cristã com a declaração oficial acerca do sentido geral da primeira parte do cap. III.

Diz assim: “O Nosso Secretariado ao preparar este texto, na hora em que a Igreja vai intensificar a sua ação ecumênica entre os cristãos do Oriente, quis que esta proclamasse a todo o mundo de forma clara e autêntica, e do mesmo modo para obter um conhecimento objetivo das causas da dolorosa separação entre o Oriente e o Ocidente, e com a intenção sincera de superar a divisão e restabelecer a unidade primitiva entre ambos. É necessário ter em conta que na realidade o Oriente e o Ocidente muitíssimas vezes encontraram divergências só na formulação diferente da mesma verdade dogmática, da mesma prática litúrgica e duma disciplina eclesiástica parecida…

Por isso o Secretariado ao dirigir a atenção de todos os cristãos para as Igrejas Orientais, quer colocar à vista de todo o mundo, de forma breve, porém clara e explícita, nos números 14-19 deste capítulo: a mentalidade dos orientais, a sua história, tradições litúrgicas, espiritualidade, disciplina eclesiástica e método próprio para apreender as realidade divinas”[4].

Trata-se portanto de concretizar as bases do diálogo ecumênico entre a Igreja Católica e as Igrejas Orientais que não mantém plena união com a Igreja Católica. No texto dos números 14-18 usa-se um duplo termo: “Igrejas Orientais” e “Igrejas do Oriente”. Por razões práticas aplica-se o primeiro às não unidas a Roma, para evitar repetição frequente do adjetivo “separadas”; e o segundo a todas em conjunto unidas e separadas[5].

 

Mentalidade e história própria dos Orientais (nº 14)


 

O primeiro milênio. Relações fraternas (nº 14 a)


 

14 a As Igrejas do Oriente e do Ocidente durante muitos séculos seguiram o seu próprio caminho unidas na comunhão fraterna da fé e da vida sacramental. Quando entre elas surgiam dissensões acerca da fé ou da disciplina, a Sé Romana moderava-as de comum consenso. O Sagrado Concílio compraz-se em recordar, entre outras coisas importantes que existem no Oriente muitas Igrejas particulares ou locais, entre as quais ocupam o primeiro lugar as Igrejas Patriarcais que se gloriam de ter origem nos próprios Apóstolos. Ora este motivo prevaleceu entre os Orientais e prevalece a solicitude e o interesse de conservar na comunhão da fé e da caridade, aquelas relações fraternas que devem vigorar entre as Igrejas locais, como entre irmãs.

 

Em todo o contexto do Vaticano II e desde que se começou a reviver a idéia da união entre as Igrejas Ortodoxas e a Igreja Católica, paira no ambiente continuamente a imagem do “primeiro milênio” do cristianismo. Olha-se por vezes como modelo, como ponto de orientação para a futura restauração da unidade.

A este respeito é eloquente o juízo que fazia o Arcebispo Melquita de Beirut Mons. Nabaa, numa conferência pronunciada na Semana da Unidade de 1962: “Quando se fala da união, ou melhor da reunião das Igrejas, é útil referir-se aos tempos gloriosos e santos da unidade da Igreja primitiva. Desde as origens até ao século XI, as Igrejas do Ocidente e as Igrejas do Oriente foram sempre uma só e a mesma Igreja. Durante dez longos séculos, viveram na unidade da fé e da caridade, na comunhão da mesma vida santa e luminosa. Mais ainda durante dez séculos o Ocidente e o Oriente lutaram juntos, para salvar a unidade e guardá-la indefectível. Nesta luta e na sua unidade tiveram as mesmas glórias, os mesmos santos os mesmos Doutores e Padres. Juntos, o Ocidente e o Oriente, durante dez séculos definiram e ensinaram a mesma fé, reuniram-se nos mesmos Concílios. E o Oriente, no Concílio de Calcedônia, proclamando que Pedro falou por Leão mostrou suficientemente consideração à autoridade de Pedro e dos seus sucessores na Igreja. Assim como o Ocidente ao defender as posições doutrinárias, de Atanásio, de Cirilo, de Basílio, e de Crisóstomo, manifestou claramente a sua união de fé com todo o Oriente cristão…

As divergências doutrinas vieram mais tarde, como uma justificação e uma ratificação dum fato triste já consumado”[6].

Com muito acerto pois, o Decreto coloca em primeiro lugar esta clara afirmação: “As Igrejas do Oriente e do Ocidente durante muitos séculos seguiram o seu próprio caminho, unidas na comunhão fraterna da fé e da vida sacramental”.

Esta pacífica marcha na unidade do primeiro milênio, não era obstáculo para as intervenções da autoridade romana. Pelo contrário porque o Oriente e o Ocidente caminhavam unidos, o Pontífice Romano era reclamado por todas as Igrejas Orientais nos transes mais difíceis de perigo para a fé ou disciplina geral. A história eclesiástica elucida-nos constantemente de modo especial através dos Concílios ecumênicos de Nicéia (325), Éfeso (431), Calcedônia (451), Constantinopla, etc. E nenhuma Igreja do Oriente se lembrava de discutir, ou afastar a “ação romana”, que o “Bispo de Roma” sempre exercia conscientemente como sucessor de Pedro. Neste sentido se deve entender a frase “quando entre elas surgiam dissensões acerca da fé ou da disciplina, a Sé Romana moderava-as de comum consenso”.

Outra afirmação importante deste primeiro parágrafo é a da “origem apostólica” das Igrejas do Oriente.

A ninguém é desconhecido que os Apóstolos fundaram mais Igrejas no Oriente que no Ocidente. Os Orientais sempre se gloriaram legitimamente disso. Agora o Concílio introduz duas ideias de grande conteúdo ecumênico, partindo “dessa origem apostólica”. A primeira é o “reconhecimento sincero e oficial” dessa apostolicidade, de modo que nunca mais o Oriente pode duvidar que a Igreja Católica não lhe reconhece uma das glórias mais puras que possui e possuirá sempre[7]. A segunda consiste na consideração dessa apostolicidade como “base de relações fraternas” entre as diversas Igrejas. Com o que, fica legitimamente explicada, a ampla autonomia em que viveram sempre as Igrejas do Oriente comparada com a estreita dependência que sempre tiveram as do Ocidente de Roma. Com esta afirmação conciliar fica fechado o caminho a muitos receios. Para o futuro nem os Orientais devem temer pela sua fraterna e histórica autonomia, nem os Ocidentais pretender que se lhes assemelhem em “tudo” no que diz respeito às relações com a Sede Romana.

É também digno de observação que a petição dum dos “modos” propostos à última hora e admitido pelo Secretariado, se introduziu no texto definitivo a menção das Igrejas patriarcais, que não estavam no esquema anterior. Com esta atitude desejou-se reconhecer a importância singular que corresponde a estas Igrejas, recordando-as explicitamente, ao menos uma vez[8].

 

Herança oriental no Ocidente (nº 14 b)


 

14 b. Não se deve esquecer que as Igrejas do Oriente têm desde a origem um tesouro do qual a Igreja do Ocidente herdou muitas coisas em liturgia, tradição espiritual e ordenação jurídica. Nem se deve subestimar o fato de que os dogmas fundamentais da fé cristã sobre a Trindade e o Verbo de Deus, encarnado da Virgem Maria, foram definidos em Concílios Ecumênicos celebrados no Oriente. Para perseverar esta fé muito sofreram e ainda sofrem aquelas Igrejas.

 

Eis aqui outras duas grandes verdades históricas: a) o Oriente comunicou ao Ocidente um rico tesouro cristão; b) o Oriente deu testemunho de Cristo com o seu sangue.

As riquezas cristãs recebidas no Ocidente chegaram através da liturgia, da vida espiritual, da disciplina canônica, e da teologia. E todas, pelo canal da unidade, nos tempos gloriosos da união. O Concílio não quer descer a mais pormenores. Porém nós podemos ilustrar um pouco mais esta afirmação. Quem ignora que as primeiras descrições do sacrifício da missa nos vieram da Didaché, de Santo Inácio de Antioquia, de S. Justino, das constituições de Hipólito, da Didascália, das Constituições Apostólicas, etc.?[9]. Quem ignora que chegaram também por esse meio, as primeiras e comuns orientações disciplinares, que se foram em seguida ajustando e completando nos Concílios ecumênicos que no primeiro milênio foram celebrados no Oriente? Ou quem poderá deixar de reconhecer a fecunda influência de tantos mestres do espírito que brilharam nas Igrejas do Oriente durante os séculos antigos e cujas normas ascéticas corriam nas mãos dos cristãos do Oriente e Ocidente? E sobretudo como se poderá esquecer que existiram no Oriente as duas grandes universidades cristãs de Alexandria e Antioquia que deram à Igreja os mais Santos Padres? Delas saíram e iluminaram toda a Igreja os grandes teólogos defensores da fé comum. A elas pertenciam Santo Atanásio, debelador intrépido do arianismo, S. Basílio, S. Gregório Nazianzeno, e S. Gregório Niceno triunfadores do arianismo, apolinarismo, e macedonianismo; S. João Crisóstomo, educador universal dos cristãos; S. Cirilo de Alexandria, vigia anti-nestoriana e tantos outros dos quatro pontos cardiais do Oriente cristão.

Por isso o Concílio Vaticano II deixou escrito com grande alegria: “É de máximo interesse o fato dos dogmas fundamentais da fé cristã… ficaram definidos em Concílios ecumênicos celebrados no Oriente”[10].

O testemunho de sangue dado pelo Oriente também é digno de ser reconhecido pelo Concílio: “Essas Igrejas sofreram e sofrem muito pela conservação da fé”.

Para muitos cristãos é um chamar a atenção, pois estão acostumados a ver somente as deficiências das Igrejas Orientais do segundo milênio. Na altura de valorizar as realidades existentes, podemos esquecer que a invasão árabe do séc. VII se estendeu por todo o Próximo Oriente; que a dominação turca se instalou em 1543 no coração da florescente Igreja de Bizâncio e aí submeteu a martírio povos inteiros (extermínio de gregos e armênios da Turquia); e ainda a presente dominação comunista que esmaga Igrejas tão poderosas como a “Santa Rússia”?

 

Circunstâncias da separação (nº 14 c)


 

14 c. A herança deixada pelos Apóstolos foi aceita de formas e modos diversos e desde as origens da Igreja cá e lá foi explicada de várias maneiras devido não só à diversidade de caráter, mas também às condições de vida. Tudo isto, além das causas externas e também por falta de mútua compreensão e caridade, deu lugar às separações.

 

O presente parágrafo aponta as causas que influíram nas separações entre o Oriente e o Ocidente. Estas causas são de caráter mais geral, pelo que se podem aplicar a qualquer das cisões que tiveram lugar: divisão nestoriana, monofisita, bizantina.

Influiu em primeiro lugar, “a diversidade e condições de vida”. Com efeito o cristianismo pregado pelos Apóstolos, germinou em povos de cultura muito diferente. O império Romano obteve uma certa unidade cultural no Oriente e Ocidente. Porém não se “romanizou” da mesma maneira, a parte ocidental e a oriental. Para os povos do Ocidente Roma foi uma primeira forma cultural única. Itália, Gália, Espanha, assimilaram plenamente a forma romana. Nos países do Oriente Roma porém não chegou a ser, nem a primeira, nem a única forma cultural. Aí pré-existiam já, as grandes culturas do Egito, da Assíria, da Grécia, que não permitiram a plena romanização. Surgiram pois, dois mundos diferentes, o romano ocidental e o romano oriental. E ainda no Oriente eram diferentes entre si os romanos do Egito, da Assíria, da Grécia. Consequentemente nasceram literaturas diferentes: latina, grega, siríaca, copta, armênia.

Influíram depois as “causas externas”.

Quando surgiram as controvérsias doutrinais do nestorianismo, monofisismo, monotelismo, iconosclasmo, etc., e se foram resolvendo nos Concílios ecumênicos, verificou-se que não só estavam em jogo as idéias, mas também os interesses raciais e as diversas tenções políticas. Assim nasceu a Igreja da Pérsia no séc. V em oposição com a Igreja Bizantina do Imperador, que perseguida nestorianos. De forma idêntica as Igrejas nacionais da Síria, do Egito, da Armênia, monofisistas, que perseguidas também por Bizâncio queriam sacudir a dominação do Bósforo. E assim se consolidou a ruptura de Constantinopla com Roma.

A todas estas causas se juntaram “as faltas de mútua compreensão e caridade”. Faltas que se em outros tempos era costume atribuí-las ao “outro” hoje são reconhecidas com exemplar humildade por ambas as partes. Neste sentido declarava o Secretariado da Unidade: “O cisma do tempo do Patriarca Cerulário pôde servir como exemplo do que se deve evitar no trato entre Oriente e Ocidente; em 1054 três meses depois da morte do Papa S. Leão IX, o Legado Pontifício, Cardeal Humberto, na sua famosa excomunhão lançada contra o Patriarca e seus seguidores, acusava-os sem razão alguma de todas as heresias conhecidas na Igreja e condenava-os precisamente por essas heresias; hoje consta pela história que em toda essa luta, nem sequer se chegou a tocar numa só verdade dogmática”[11].

Com o que fica dito neste número não se pretende esgotar todas as causas da separação. Não se excluem outras, como se reconheceu expressamente[12].

 

Atender às condições do Oriente (nº 14 d)


 

14 d. Em vista disto o Sagrado Concílio exorta a todos especialmente aos que pretendem dedicar-se à restauração da plena comunhão desejada entre as Igrejas Orientais e a Igreja Católica, a que tenham na devida consideração esta peculiar condição da origem do crescimento das Igrejas do Oriente e da índole das relações que vigoravam entre elas e a Sé Romana antes da separação. Formem uma apreciação reta de todos estes fatores. Cuidadosamente observadas, estas coisas contribuirão muito para o diálogo intencionado.

 

Duas conclusões encerram este número 14, as quais são mais importantes em ordem à futura unidade do Oriente cristão: a) os orientais devem ser aceitos com a sua própria personalidade, o seu próprio modo de ser e viver, contanto que não seja contrário ao que na Igreja é questão de fé e ainda mesmo que seja diferente do modo de ser e viver do Ocidente. Deve-se pois pôr em prática em conjunto a ação ecumênica do “mútuo conhecimento”, que assinala o nº 9 do Decreto do Ecumenismo que diz: “Convém conhecer o espírito dos irmãos separados… Os católicos adquiram um melhor conhecimento da doutrina e da história, da vida espiritual e cultural, da psicologia religiosa e da cultura própria dos irmãos”. b) A união que existia no primeiro milênio deve ser tida por modelo para o restabelecimento da unidade futura, o que com efeito já tínhamos apontado.

Devem atender estas conclusões: a) “todos os católicos”; b) porém “especialmente os que hão-de trabalhar para restabelecer a plena comunhão.

“Todos os católicos” é uma conseqüência da doutrina exposta pelo Concílio no número 5 do Decreto que comentamos: “o esforço por restabelecer a união corresponde a toda a Igreja tanto aos fiéis como aos pastores”.

Os que hão-de trabalhar por restabelecer a plena comunhão, explicita-se no Decreto das Igrejas Orientais, nº 6 que diz: “Os que por razão do cargo ou do ministério apostólico têm freqüente trato com as Igrejas Orientais, ou com os seus fiéis, sejam instruídos cuidadosamente no conhecimento e prática dos ritos, disciplina, doutrina, história e caráter dos orientais, segundo a importância do cargo que desempenham. Recomenda-se encarecidamente às ordens religiosas e associações do rito latino que trabalham nas regiões orientais, que estabeleçam para uma maior eficácia do apostolado casas ou também províncias do rito oriental, na medida do possível”[13].

 

A tradição litúrgica e espiritual dos orientais (nº 15)


 

Liturgia e Eucaristia (nº 15 a)


 

15 a. Também é conhecido de todos, com quanto amor os cristãos orientais celebram as cerimônias litúrgicas, sobretudo a celebração eucarística, fonte da vida da Igreja e penhor da futura glória, pela qual os fiéis unidos ao Bispo têm acesso a Deus Pai mediante o Filho, o Verbo encarnado, morto e glorificado na efusão do Espírito Santo, conseguem a comunhão com a Santíssima Trindade, “feitos participantes da natureza divina” (2 Ped. 1, 4). Por isso pela celebração da Eucaristia do Senhor, em cada uma dessas Igrejas, a Igreja de Deus é edificada e cresce[14], e pela concelebração se manifesta a comunhão entre elas.

 

Na primeira parte deste número 15 o Decreto fala da liturgia oriental. A liturgia entre os cristãos orientais revestiu-se de múltiplas formas históricas, idênticas e diferentes entre si, dando lugar ao que conhecemos com o nome de “ritos orientais”.

Estes ritos posto que possam contar-se até mais de uma dezena, com rigor histórico reduzem-se a cinco fundamentais, a saber bizantino, alexandrino, antioqueno, caldaico e armênio.

O rito bizantino próprio de Constantinopla formou-se com fortes influências das liturgias de Antioquia, do Ponto e de Jerusalém, predominando no Oriente desde o séc. V.

O rito alexandrino, nascido em Alexandria estendeu-se por todo o Egito romano e tomou uma forma particular na Etiópia.

O rito antioqueno, partindo de Antioquia a Grande (capital da província romana do Oriente), desenvolveu-se em três ramos diferentes: sírios, maronitas e malankarenses.

O rito caldaico, orginário da Mesopotâmia, estendeu-se também ao Malabar (Índia Ocidental).

Finalmente o rito armênio recebendo influências litúrgicas do Ponto, Antioquia, Bizâncio e Jerusalém, chegou a cristalizar em rito independente na nação armênia[15].

Os ritos orientais caracterizam-se pela sua antiguidade o seu esplendor e a sua piedade. Três qualidades que já Pio IX ponderava na sua carta, In Suprema Petri Apostoli Sede de 1848[16].

E o Cardeal Tisserant eminente orientalista apontava-as com estas palavras: “As orações das diversas liturgias orientais remontam aos primeiros séculos da era cristã e estão embebidas de venerável unção. A profundidade dos seus símbolos e a riqueza da sua doutrina teológica brindam os cristãos de qualquer tradição, matéria de edificação e meditação”[17].

Deve entender-se por antiguidade neste sentido, todos procedem da idade patrística. Além disso são de origem apostólica nos seus elementos primordiais. Não se pode demonstrar, ordinariamente, que foram composto pelo Apóstolo a que se atribuem, porém tal atribuição tem fundamento histórico, porque de fato, assinala os usos litúrgicos das igrejas fundadas pelos Apóstolos.

O esplendor dos ritos Orientais nasce principalmente das cerimônias externas e da abundante himnografia. As cerimônias externas revestem com freqüência grande solenidade na realização de procissões, concelebrações, etc. E os hinos exprimem eloquentemente o sentido religioso da assembléia litúrgica.

A piedade surge espontânea da mesma celebração. Os fiéis que assistem e os clérigos que dirigem, sentem-se como imersos numa intensa atmosfera religiosa. Entre uns e outros estabelece-se uma espécie de fervoroso contágio que é mantido e favorecido principalmente pela língua litúrgica que o povo entende com freqüência, e pelas mesmas atuações do diácono na sua função de intermediário.

“Consequentemente, diz o texto, pela celebração da Eucaristia do Senhor em cada uma destas Igrejas, edifica-se e cresce a Igreja de Deus”.

Esta frase encontrou dificuldade por parte de alguns Padres conciliares. Um perguntava: “Onde está o mal da separação se a Igreja de Deus se edifica e cresce pela liturgia das Igrejas separadas?” Ao qual respondeu o relator da primeira parte deste capítulo III: “A Igreja de Deus cresce e levanta-se com cada sacramento válida e licitamente, porque as almas recebem ou aumentam a graça de Cristo, Cabeça do Corpo místico. O que vale sobretudo da Eucaristia”[18]. A diferença entre “edificação da Igreja” na Igreja Católica e nas Igrejas orientais, por razão da celebração eucarística, “parece entrar no campo pertencente à ordem canônica, mais que à ordem sacramental enquanto tal”, afirmava o Secretariado respondendo a dificuldade semelhante à anterior[19].

Finalmente este parágrafo fala da concelebração. “Por ela manifesta-se a comunhão entre as Igrejas”.

A concelebração foi sempre muito estimada pelos orientais. É de esperar que o reconhecimento que aqui se faz da prática oriental como sinal de unidade, e o aumento que tomou esta prática no Ocidente com o Vaticano II contribuam cada vez mais, para a aproximação desejada, para a futura união cristã[20].

“A concelebração ou celebração conjunta foi considerada como bela expressão da unidade do sacerdócio. Os sacerdotes unidos fraternalmente e com o mesmo poder de sacrificar que foi concedido a todos, atualizam duma maneira unânime e não separada.

Aqui se vê como o sacrifício eucarístico e Cristo vítima reúnem à sua volta a comunidade cristã, ao Corpo místico, nos seus diferentes graus e hierarquias, o bispo ou celebrante principal, os sacerdotes de segundo grau que atuam com o seu poder concecratório, e os fiéis que se associam ao sacrifício dos sacerdotes. A Eucaristia assim celebrada, une visivelmente todos a Cristo e é a expressão da unidade do Corpo místico. Porque na verdade formam um Corpo todos os que participam do mesmo sacrifício.

Trazendo à memória recordações históricas primitiva da Igreja, um bispo que vem a uma comunidade que não é a sua e concelebra com o bispo e com este presbítero, reconhece e afirma de fato que aí está o verdadeiro e autêntico sacrifício de Cristo e da Igreja. Deseja “intercomunicar” com eles e não o faria se fossem hereges ou excomungados. Reconhece assim que aqui está o verdadeiro Corpo místico de Cristo e a concelebração exprime este reconhecimento e unidade.

Assim o bispo e o presbítero que admitem um bispo ou sacerdote estranho na concelebração, reconhecem a sua união com a verdadeira Igreja e querem exprimi-la com a participação no mesmo sacrifício e no mesmo cálice. Somos um Corpo porque participamos dum mesmo pão e dum mesmo cálice”[21].

 

Culto de Maria e dos Santos (nº 15 b)


 

15 b Neste culto litúrgico os Orientais engrandecem com belíssimos hinos a Maria sempre Virgem, que o Concílio Ecumênico de Éfeso solenemente proclamou Mãe Santíssima de Deus, para que se reconhecesse verdadeira e propriamente a Cristo como Filho de Deus e filho do homem segundo as Escrituras. Honram também a muitos santos, entre os quais Padres da Igreja Universal.

 

Eis outro campo predileto do ecumenismo oriental – ocidental: o culto e veneração da Santíssima Virgem e dos Santos, especialmente dos Padres da Igreja Universal.

Nas Igrejas do Oriente esteve sempre muito viva a devoção à Santíssima Virgem Maria. Nos tempos antigos o Concílio ecumênico de Éfeso (431) definiu solenemente a sua divina maternidade, sendo calorosamente recebida pelo povo. Na Idade Média os melhores teólogos bizantinos foram eminentes mariólogos. E na Idade Moderna a Theotókos continua a presidir a toda a vida cristã dos orientais segundo demonstra a sua rica iconografia mariana.

O culto dos santos encontrou também entre os orientais os seus melhores defensores. Na luta iconoclasta triunfou absolutamente a fé popular, apoiada e definida pelos melhores santos daquela época. S. João Damasceno é o porta bandeira desta campanha.

Sem dúvida que o Concílio, ao apontar estes valores nos ortodoxos está como lançando aos católicos, um apelo à comunicação com eles através do culto de Maria e dos santos. Parece-nos que aqui existe um grande poder de união. Primeiro, porque todos colocados, orientais e ocidentais debaixo dos mesmos patronos celestiais, especialmente debaixo da maternal e comum proteção da Theotókos serão todos conduzidos ao termo da “plena união”. E além disso a veneração comum dos mesmos Padres há-de proporcionar ensinamentos de unidade aos que se orgulham de ser filhos e herdeiros em Cristo das duas doutrinas. Nesta linha poderiam contribuir para o ecumenismo futuro a troca devocional de imagens orientais e ocidentais e as traduções para línguas modernas dos Padres da Igreja antiga.

 

Sacramentos e comunicação “in sacris” (nº 15 c)


 

15 c. Como essas Igrejas, embora separadas têm verdadeiros sacramentos, e sobretudo em virtude da sucessão apostólica, o Sacerdócio e a Eucaristia, ainda se unem mais intimamente conosco. Por isso, alguma comunicação in sacris não só é possível mas até aconselhável dadas as oportunas circunstâncias e com aprovação da autoridade eclesiástica.

 

“Aconselha-se alguma comunicação nas funções sagradas”. O sentido deste conselho deve entender-se segundo o que está estabelecido pelo Concílio Vaticano II em outros dois lugares paralelos. Primeiro no cap. II do Decreto do Ecumenismo nº 8, onde como se recordará se diz explicitamente: “Esta comunicação no sagrado depende sobretudo de dois princípios: da significação da unidade da Igreja e da participação dos meios da graça. A significação da unidade proíbe de ordinário a comunicação. A obtenção da graça, recomenda-a algumas vezes. A autoridade episcopal local determinará prudentemente o modo de trabalhar em concreto, tendo em conta as circunstâncias de tempo, lugar, pessoas, a não ser que a Conferência episcopal, segundo os próprios estatutos ou a Santa Sé, provejam de outro modo”.

O segundo – já expusemos acima nº 8 – é o Decreto das Igrejas Orientais, nos nº 27, 28 e 29 nos quais se admite que tendo em conta os princípios já citados os dois anteriores, podem-se administrar os sacramentos da penitência, eucaristia, e extrema-unção dos enfermos, aos orientais que de boa fé vivem separados da Igreja Católica, contanto que os peçam espontaneamente e estejam bem preparados. Além disso poderiam também os católicos pedir os sacramentos a ministros acatólicos, sempre que o aconselhe a necessidade ou um verdadeiro proveito espiritual e não seja possível física ou moralmente encontrar um sacerdote católico[22].

“supostos estes mesmos princípios, permite-se a comunicação nas funções, coisas e lugares sagrados entre os católicos e os irmãos separados orientais, sempre que haja alguma causa justa”[23].

Esta maneira mais suave de comunicação nas coisas sagradas com os irmãos das Igrejas Orientais separadas confia-se à vigilância e prudência dos hierarcas de cada lugar, na forma que antes já ficou exposta[24].

Como se vê, no Decreto do Ecumenismo, trata-se dos princípios gerais da comunicação no sagrado, princípios válidos que se podem aplicar a todas as comunidades separadas do Oriente e do Ocidente. O Decreto das Igrejas Orientais refere-se ao caso concreto das Igrejas Ortodoxas do Oriente. O que ficou estabelecido é de muito maior simpatia para elas, já que possuem verdadeiros sacramentos e em virtude da sucessão apostólica, sobretudo o sacerdócio e a Eucaristia une-os estreitamente conosco.

“Acerca da sucessão apostólica” que neste número se atribui aos Orientais, 97 Padres pediram que se omitissem estas palavras outros propuseram, em lugar de “por sucessão apostólica”, dizer: “por sucessão sacramental” ou ainda “por uma sucessão não interrompida” ou “por sucessão episcopal” ou fórmula parecida. As razões aduzidas pelo primeiro grupo de Padres eram mera consagração episcopal válida e que em sentido próprio e formal, não há sucessão apostólica sem comunhão com o sucessor de Pedro.

O secretariado reconheceu que a sucessão apostólica, não supõe somente uma sucessão histórica na linha sacramental, mas também uma plena fidelidade doutrinal e a devida comunhão com o sucessor de Pedro. Porém confessava o mesmo Secretariado que era muito difícil exprimir cada uma destas coisas neste lugar, e que além disso pelo contexto já aparecia claramente que neste lugar se trata dum poder sacramental válido, poder que recebido dos Apóstolos nunca se perdeu posteriormente depois da separação[25].

Este é, pois o verdadeiro sentido das palavras “por sucessão apostólica” que neste número se atribui aos Orientais ortodoxos.

Acerca da comunicação in sacris são várias as emendas apresentadas pelos Padres, neste lugar, para que não se aconselhasse, ou se suprimisse, ou ao menos se pusessem condições restritivas a esta comunicação no sagrado, que poderia criar confusão e indiferentismo, impedir a reconciliação dos cismáticos e parece contrária à prática de muitos séculos da Igreja. O Secretariado julgou oportuno ajuntar as palavras, e “com aprovação da autoridade eclesiástica” que não estavam no esquema anterior e passaram assim ao texto definitivo. Por “a autoridade eclesiástica” entende-se a autoridade de que se fala no capítulo II, nº 8, deste mesmo Decreto segundo a fórmula emendada e definitiva[26].

 

Monaquismo cristão (nº 15 d)


 

15 d. No Oriente também se encontram as riquezas das tradições espirituais, que o monaquismo de modo especial expressou. Com efeito desde os gloriosos tempos dos Santos Padres floresceu no Oriente aquela elevada espiritualidade monástica, que de lá se difundiu para o Ocidente e da qual a vida religiosa dos latinos se originou para o Ocidente e da qual a vida religiosa dos latinos se originou como a sua fonte e em seguida, sem cessar recebeu novo vigor. Recomenda-se por isso vivamente que os Católicos se acheguem com muita freqüência a estas riquezas espirituais dos Padres do Oriente que elevam o homem todo à contemplação do divino.

 

O Oriente foi o berço do monaquismo cristão. Já na Idade antiga os monges do Oriente contavam-se aos milhares. No Egito, Palestina, Síria, e Ponto surgiram tradições monásticas, consagradas por Santo Antão, S. Pacómio, Santo Hilário e S. Basílio o Grande. Nas suas regras beberam os melhores cristãos orientais as essências mais puras da perfeição ascética. O deserto e a contemplação eram propostos no Oriente pelos Santos Padres como ideal de vida cristã. S. João Crisóstomo, por exemplo, falando como Deus educou o povo Hebreu diz: “Deus mesmo os tomou a sós no deserto e aí, como num mosteiro, foi moldando as suas almas”[27].

Na Idade Média acentuou-se mais a influência monacal da vida oriental. Influiu por uma parte, a nova situação política que criaram as invasões árabes, e por outra a mesma força da instituição monástica transmitida às novas gerações. Como casos sobressalentes podem citar-se, o Monte Líbano que imprimiu caráter de monge a todos os Maronitas, e o Monte Athos que concentrou numerosas colônias orantes de monges bizantinos de toda a procedência.

Na Idade Moderna, o monaquismo oriental proliferou abundantemente nas estepes e soledades de “Santa Rússia” imprimindo o seu selo de virtudes monacais (simplicidade, humildade, pobreza, caridade) em todos os cristãos eslavos.

Este patrimônio tão rico em virtudes evangélicas, que salvou o Oriente separados de perigosas heresias e que foi transmitido em íntima conexão com o patrimônio litúrgico, é o que agora o Concílio Vaticano II recomenda encarecidamente que seja conhecido e participado pelos católicos, porque por ele “todo o homem é elevado à contemplação do divino”.

São patentes no Ocidente os influxos desta poderosa vida monacal dos Orientais. S. Bento reconhece na sua Regra, a importância das fontes monásticas orientais, e expressamente menciona as Vidas dos Padres e a Regra de S. Basílio. Também em outras ordens aparece o influxo do monaquismo oriental. Os escritores ascéticos e tratadistas da vida religiosa, como o popular P. Afonso Rodrigues no seu Exercício de perfeição e virtudes cristãs, recorrem com freqüência às fontes do Oriente para receber ou ilustrar a própria doutrina ascética.

Como dizia Pio XII, aos participantes no Congresso sobre o Monaquismo do Oriente (Roma, 11 de Abril de 1958): “O monaquismo oriental, conservando preciosos caracteres específicos, está na origem de outras formas de monaquismo cristãos e a sua influência volta-se a encontrar mais a miúdo, em todas as grandes Ordens religiosas”[28].

Por este motivo, não se admitiu uma emenda que pretendia restringir ao tempo dos Santos Padres o florescimento e o influxo da espiritualidade monástica oriental. Reconhece-se que ainda hoje esta espiritualidade tem vigor e exerce influxo em nós mesmos[29].

Por outra parte tão pouco se pretende afirmar “que toda a espiritualidade monástica ocidental tenha a sua origem no monaquismo oriental. Basta que alguma vez a espiritualidade monástica ocidental recebesse força do monaquismo oriental, o que foi sempre verdadeiro como ainda hoje sucede”. Assim afirmava o Secretariado reconhecendo a parte de verdade que havia em quem opunha ao texto conciliar que “no Ocidente surgiram novas Regras de religiosos que se distinguem totalmente do monaquismo oriental e também do primitivo monaquismo ocidental”[30]

 

Venerar o patrimônio antigo (nº 15)


 

15 e. É de máxima importância, para guardar fielmente a plenitude da tradição cristã e realizar a reconciliação dos Cristãos orientais e ocidentais, conhecer, venerar, conservar e fomentar o riquíssimo patrimônio litúrgico e espiritual dos Orientais.

 

Este último parágrafo do nº 15 é a conclusão lógica das afirmações anteriores.

O rico patrimônio litúrgico e espiritual deve ser aproveitado para a unidade, porque serve para “conservar fielmente a plenitude da tradição cristã”. Para o futuro pois os ocidentais que trabalham com os orientais não devem empenhar-se em impor espiritualidades ocidentais no que estas tem de caráter acidental, sublinhando, ou acentuando uns meios, ou fins próximos com freqüência a outros[31]. De modo idêntico não deverão “latinizar” os ritos do Oriente, porque em lugar de enriquecimento, alcançariam empobrecimento na Santa Igreja, mas devem, “conhecer, venerar, conservar e fomentar o riquíssimo patrimônio litúrgico e espiritual dos orientais”.

Grande tarefa a que se abre aqui e tarefa de grande alcance unionístico. Se os tratadistas espirituais do Ocidente descobrissem e divulgassem para o mundo católico os tesouros espirituais de Macário o Grande, Evágrio do Ponto, S. João Clímaco, S. Máximo Confessor e de tantos autores espirituais da Grécia e Rússia e ao mesmo tempo os orientais fizessem o mesmo com os místicos do Ocidente, depressa a cristandade voltaria aos tempos de S. Basílio e S. Bento, quando as regras monásticas duns, inspiravam as dos outros.

 

A disciplina própria dos Orientais (nº 16)


 

16. Além do mais, desde os primeiros tempos, as Igrejas do Oriente seguiam as disciplinas próprias, sancionadas pelos Santos Padres e Concílios mesmo Ecumênicos. Longe de obstar à unidade da Igreja, certa diversidade de costumes e usos, como acima se lembrou, antes aumenta-lhe o decoro e contribui não pouco para cumprir sua missão. Portanto o Sagrado Concílio para tirar toda a dúvida, declara que as Igrejas do Oriente, lembradas da necessária unidade de toda a Igreja, têm a faculdade de se governar segundo as disciplinas próprias, mais acomodadas à índole dos seus fiéis e mais aptas a tender ao bem das almas. A observância perfeita deste tradicional princípio, nem sempre, respeitado, é condição prévia indispensável para o restabelecimento da união.

 

Eis um ponto delicado para a reconstrução da unidade entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente, a disciplina própria dos orientais.

Por “disciplina” entende-se aqui todo o “conjunto de normas jurídicas, instituições, pelas quais se regem as Igrejas do Oriente e que não são de origem divina, mas eclesiástica”.

O Concílio ao considerar este ponto, parte de um fato eloqüente: “As Igrejas do Oriente tiveram desde o princípio a sua disciplina própria”. O fato tem grande força, porque este ocorreu permanecendo a unidade entre Oriente e Ocidente e por acordo dos Santos Padres e dos Concílios Ecumênicos. Mas ainda, diríamos nós, sucedeu que os Romanos Pontífices acudiram frequentemente a defender a disciplina do Oriente, quando esta se viu atacada por intromissões eclesiásticas ou civis. Além disso costumava acudir, por apelo dos mesmos hierarcas do Oriente.

Este fato para o Concílio não só foi legítimo, mas deu brilho à unidade e ajudou a Igreja a cumprir melhor a sua própria missão pastoral.

Portanto o Concílio proclama solenemente um princípio fundamental: “O direito que têm os orientais de se governar segundo a sua própria disciplina”. Princípio que foi formulado pelo Vaticano II com plena advertência e intencionalmente, como nos dá a entender a seguinte declaração do Secretariado da Unidade: “Muitos Padres queriam que se afirmasse com maior força e clareza o direito dos orientais de se governar, segundo a sua própria disciplina. Esta declaração não se pode considerar como uma mera concessão que se outorga, mas o reconhecimento dum princípio fundamental… Desta maneira o Concílio declara solenemente um princípio enunciado muitas vezes pelos Papas. Parecia muito útil fazê-lo, com o fim de que se pratique em todas as parte”[32].

É o princípio que o Concílio formula com vigor, para conseguir dois objetivos concretos de urgência: a) que os latinos, desistam finalmente do seu afã de “latinizar” a disciplina oriental; b) que os ortodoxos deponham todo o receio da sinceridade da Igreja Católica neste assunto.

O primeiro objetivo supõe um esforço muito grande de humildade da parte de tantos missionários e sacerdotes do Ocidente, que pensavam fazer bem às Igrejas do Oriente “latinizando” as suas instituições. Este fato ocorreu com frequência na Idade Média, quando os latinos fundaram o seu império entre os gregos. Teve lugar depois nas Igrejas Orientais Unidas e nos nossos tempos modernos, ao tratar Roma de codificar a disciplina oriental. Tudo isto aconteceu, apesar das declarações generosas de Pontífices tão insignes como Leão XIII, que se inclinou repetidamente pelo apreço e respeito de tudo o que era legitimamente oriental[33].

O segundo, só se poderá obter com o minucioso cumprimento do primeiro. A Ortodoxia tem receio das chamadas “intromissões romanas” desde que faltou a unidade. Às vezes por abusivas atuações latinas, por vezes pela má vontade de gregos e latinos, ou então por ignorância dos responsáveis de Roma ou por excessiva sensibilidade e auto apreciação dos “direitos orientais”.

Conseguir ambos os objetivos é hoje de necessidade imperiosa, na mente do Concílio, se queremos falar de unidade futura entre o Oriente e o Ocidente.

Devemos notar que no texto definitivo deste número se fala de um “direito” (facultas) que têm os Orientais, de se reger segundo os seus próprios regulamentos[34].

Pertence às emendas introduzidas à última hora por sugestão do Sumo Pontífice, sobre o texto do esquema anterior, o qual falava de um “direito e obrigação” (ius et officium habere).

Não há dúvida que a expressão definitiva e última é atenuada e ao admitir o “direito” a reger-se segundo a própria índole, reconhece-lhes a liberdade para mudar a própria disciplina. É uma formulação que se deseja em duas emendas, e que o Secretariado ao princípio não admitiu[35].

 

Caráter próprio dos orientais na exposição dos mistérios (nº17)


 

17 a. O que acima foi dito acerca da legítima diversidade, apraz declarar também com relação à diversidade na enunciação teológica das doutrinas. Com efeito, na investigação da verdade revelada o Oriente e o Ocidente serviram-se de métodos e modos diferentes para conhecer e exprimir os mistérios divinos. Não admira, pois, que alguns aspectos do mistério revelado, às vezes sejam captados e expostos mais claramente por uns, que por outros. De forma que deve dizer-se que aquelas várias fórmulas teológicas, em vez de se oporem, antes não raras vezes mutuamente se completam. Quanto às autênticas tradições teológicas dos Orientais, deve reconhecer-se que elas estão eximiamente radicadas nas Sagradas Escrituras, são alimentadas e expressas na vida litúrgica, nutridas pela viva tradição apostólica e pelos escritos dos Padres Orientais e dos autores espirituais, promovem a instituição reta da vida cristã, e tendem mesmo a uma plena visão da verdade cristã.

 

O Concílio aborda neste número o problema da doutrina. Problema dificílimo como todos sabem. Neste campo os caminhos da unidade são difíceis de descobrir, porque a “verdade não admite concessões”. E não as admite para a Igreja Católica nem para as Igrejas Ortodoxas.

Porém os Padres conciliares descobriram um raio de esperança. A luz vem novamente dos resplendores do primeiro milênio da unidade cristã. Por isso o Concílio fala das autênticas tradições teológicas dos Orientais e não pretende condenar erros nem produzir confusões, como temiam alguns Padres e o exprimiram nas suas emendas[36].

Na Igreja Antiga formaram-se duas teologias, a teologia dos Padres Orientais e a teologia dos Padres Ocidentais, uns e outros investigaram e expuseram a mesma verdade revelada com métodos e fórmulas diferentes, mas não contrárias.

Poderia se oferecer como exemplo a Pneumatologia. Enquanto os Padres gregos exprimiram que o Espírito Santo procede do Pai e do Filho com a fórmula, Spiritus Sanctus qui procedit a Patre per Filium (o Espírito Santo que procede do Pai pelo Filho), os Latinos usam a outra, Spiritus Sanctus qui procedit a Patreet Filio (Filioque) (o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho). E no dogma Trinitário a investigação teológica latina procedeu da consideração da unidade à Trindade, enquanto a teologia grega preferiu fazê-lo da Trindade à unidade. Além disso, esta dualidade teológica, dentro da única dogmática, sobretudo metodologicamente foi um fato histórico na mesma Igreja Oriental com as Escolas de Alexandria e Antioquia. Dois métodos teológicos diferentes: Alexandria simpatizava com o platonismo, Antioquia seguia mais o aristotelismo; Alexandria preferia mais o sentido alegórico na interpretação da Sagrada Escritura, Antioquia o literal; Alexandria fixava-se, sobretudo na “divindade” de Cristo, Antioquia na “humanidade”; Alexandria favorecia a contemplação, Antioquia a ascese; Alexandria desprezava a forma literária, Antioquia cultivava-a com esmero.

Nos tempos medievais a diversa expressão teológica e a diversa metodologia acentuavam-se ainda mais: a escolástica latina e a teologia palatina de Bizâncio eram duas teologias muito distintas, ainda que nem sempre contrárias.

E atualmente repete-se o fenómeno: os modernos teólogos ortodoxos (Alivizatos, Loskii, Meyendorff, Afanassiev…) seguem método teológico diferente dos nossos teólogos católicos, nem sempre defendendo doutrinas contrárias[37].

Estamos, pois, firmes no mesmo princípio ecumênico, repetidos nos números 4, 14 e 16 do Decreto do Ecumenismo.

“Na Igreja, diz o nº4, guardando-se a unidade no necessário, todos conservarão a devida liberdade, mesmo na elaboração teológica da verdade revelada”.

“A herança transmitida pelos Apóstolos, nº14, foi recebida de diferentes formas e maneiras, e desde as mesmas origens da Igreja, foi explicada ora de uma, ora de oura maneira”.

“As Igrejas Orientais, nº16, desde os primeiros tempos seguiam as disciplinas próprias sancionadas pelos Santos Padres e Concílios inclusive ecumênicos”.

Princípio firme que deve afugentar temores nos católicos, pois podia ocorrer legitimamente que “alguns aspectos do mistério revelado, se tenha por vezes apanhado melhor e exposto com mais clareza por uns, que por outros”. A história da Teologia nos oferece alguns exemplos a este respeito e hoje mesmo os ensinamentos do Vaticano II no-lo demonstram. Assim nesta linha é evidente que, enquanto a Igreja Ocidental formulou com toda a precisão o sentido da suprema autoridade da Igreja, a Igreja Oriental acentuou mais o aspecto “colegialidade episcopal”. O que não diz “oposição”, mas “complemento” e “perfeição”.

Tudo isto é lógico se temos em conta as fontes e os canais da Teologia oriental. Porque primeiramente, “as autênticas tradições teológicas dos Orientais radicam na Sagrada Escritura”. Portanto, “fomentam-se e exprimem-se com a vida litúrgica, nutrem-se da viva tradição apostólica e dos ensinamentos dos Padres Orientais”.

Uma prova da verdade desta afirmação são as reações violentas do pensamento teológico oriental dos primeiros tempos, ou então dos atuais, diante das influências de ideias estranhas à Escritura, à Liturgia e à Patrística.

Entre outras citamos, a luta contra o gnosticismo (influenciado de cosmogonia babilônica e filosofia helénica); as condenações de Ario, Macedônio, Apolinário, Nestório, Eutiques; as respostas antiprotestantes dos sínodos ortodoxos dos séculos XVII (Constantinopla 1638; sínodo Jassense, 1642; Jerusalém, 1672) e a renovação teológica de Protasov na Rússia, em 1830, apoiada numa volta às fontes patrísticas[38].

Não se deve crer, no entanto, que o Concílio Vaticano II ensina que entre as doutrinas dos Ortodoxos Orientais e as dos Católicos somente há “complemento” e mútua perfeição e nunca “oposição”. Não seria esta a mente do Concílio, como o prova; 1° quando falou das tradições autênticas teológicas dos orientais; 2° uma emenda introduzida à última hora no texto definitivo pela qual se suaviza o que se dizia no esquema anterior. Afirmava-se que as fórmulas teológicas do Oriente e do Ocidente, “em vez de se oporem, se completam entre si”. Porém tornou-se mais suave e aclarou-se o sentido, introduzindo “não raras vezes”, (non raro) se completam[39].

Toda esta doutrina do primeiro parágrafo, n.º 17, coincide plenamente com o que João XXIII propunha na abertura do Concílio Vaticano II, que uma coisa é a verdade revelada, que se deve conservar sempre intacta, e outra a forma humana de a apresentar.

Por isso o Secretariado explicava a razão do parágrafo do modo seguinte: “O fim deste número é assentar a legitimidade de métodos diferentes, na busca e exposição da verdade revelada. Além disso recorda-se com este número que sobre a base da herança comum, o Oriente  e o Ocidente elaboram exposições teológicas que cada um estima como próprias”[40].

Pio XII declarou numa encíclica de 1944, com palavras bem ponderadas a estima em que devemos ter as coisas do Oriente. “Convém que se tenha na devida estima tudo o que para os Orientais foi como patrimônio peculiar transmitido pelos seus maiores, tudo o que se refere á Sagrada Liturgia e às ordens hierárquicas, como o que se refere às outras maneiras de ser da vida cristã, contanto que concordem plenamente com a genuína fé religiosa e com as retas normas de moralidade. Porque é necessário que para cada um dos povos do rito oriental haja uma liberdade legítima em todas as coisas que dependem da sua própria história e do seu caráter e maneira de ser, liberdade, que por outra parte não se seve separar, da verdadeira e íntegra doutrina de Jesus Cristo”[41].

 

Os orientais unidos (n.º 17 b)


 

17 b. Agradecendo a Deus que numerosos filhos orientais da Igreja Católica que guardam este patrimônio e desejam vivê-lo mais pura e plenamente já vivem em plena união com os irmãos que cultivam a tradição ocidental, este Sagrado Concílio, declara que todo esse patrimônio espiritual e litúrgico, disciplinar e teológico, em suas diversas tradições, faz parte da plena catolicidade e apostolicidade da Igreja.

 

Duas coisas se devem notar para a conveniente explicação deste parágrafo: a) o patrimônio oriental pertence a plena catolicidade e apostolicidade;b) o significado atual das Igrejas Católicas Orientais.

O sentido de “pertencer à plena catolicidade e apostolicidade”, torna-se mais claro com os seguintes textos paralelos: “As divisões entre os cristãos impedem que a Igreja realize a plenitude da catolicidade que lhe é própria, nos filhos que certamente lhe pertencem pelo batismo, porém estão separados da sua plena comunhão. E além disso é mais difícil à mesma Igreja manifestar na realidade concreta da vida a plenitude da catolicidade sob todos os aspecto” (nº 4). “Em virtude desta catolicidade cada uma das partes apresenta os seus dons às outras, e a toda a Igreja, de forma que o todo e cada um dos elementos se aumentam com todos os que mutuamente se comunicam e tendem à plenitude da unidade. Portanto o povo de Deus não só congrega pessoas de diversas regiões, mas integra em si mesmo os diversos elementos”[42].

As Igrejas Orientais Católicas recebem do Concílio um reconhecimento dos sofrimentos  que lhes tem exigido, a unidade, uma garantia da sua futura existência e uma missão a cumprir em ordem à futura unidade.

Os sofrimentos que padeceram e ainda padecem, vieram e ainda vem de ambas as partes cristãs. Os católicos latinos com frequência, acusam-nos de pouca fidelidade à unidade católica. E os ortodoxos na palavra “uniatas” vêem uma traição às tradições orientais, uma vez que os seus compatriotas mantêm a união com Roma.

Por isso afirmava o Sínodo Melquita, do Patriarca Máximos IV, celebrado antes da terceira sessão conciliar: “Os latinos não crêem na nossa fé católica, ainda que a tenhamos defendido durante séculos à custa de mil sacrifícios. Porém é certo que o catolicismo não representa para nós o que eles nos querem impor. Nós queremos ser católicos e orientais ao mesmo tempo. Esta é a única fórmula ecumênica”[43].

A garantia da sua futura existência está patente nesta frase: “dando graças a Deus, porque muitos Orientais filhos da Igreja Católica… vivem já em comunhão perfeita com os irmãos que praticam a tradição ocidental”. A possibilidade e existências destas Igrejas dentro da unidade católica é a maior prova da sinceridade do Concílio ao proclamar afirmativamente o princípio “respeito para com as peculiaridades do Oriente”. Eis o ideal, chegar a ser a um tempo “orientais e católicos”.

A missão da unidade que compete aos Orientais plenamente unidos sobressai mais, no Decreto das Igrejas Orientais, n.º 24: “Corresponde às Igrejas Orientais na comunhão com a Sede Apostólica Romana a missão especial de fomentar a unidade de todos os cristãos, sobretudo dos orientais, segundo os princípios do Decreto, De O ecumenismo deste Santo Concílio. Esta sua atividade será primeiramente através da oração, os exemplos de vida, a exata fidelidade às antigas tradições orientais, um mútuo e melhor conhecimento, a colaboração e a fraternal estima de coisas e pessoas”[44].

 

Conclusão (n.º 18)


 

18. Tendo bem considerado tudo o que precede, este Sagrado Concílio renova o que foi declarado pelos Sagrados Concílios anteriores e também pelos Pontífices Romanos, a saber, para restaurar e conservar a comunhão e a unidade é preciso “não impor nenhum outro encargo além do necessário” (At. 15,28). Deseja também veemente que nos vários institutos e formas de vida da Igreja se invidem todos os esforços para uma gradual concretização desta unidade, sobretudo pela oração, por um diálogo fraterno á volta da doutrina e das urgentes necessidades da missão pastoral de hoje. Recomenda de igual modo aos Pastores e fiéis da Igreja Católica cultivar boas relações com aqueles que já não vivem no Oriente, mas longe da Pátria, para que cresça a colaboração fraterna com eles no espírito de caridade, tendo posto de parte todo o espírito de controvérsia e emulação. E se esta causa for promovida com todo o entusiasmo, o Sagrado Concílio espera que demolida a parede que divide a Igreja ocidental da oriental se faça uma única morada, firmada na pedra angular, Cristo Jesus, que fará de ambas uma só[45].

 

O que o Concílio anuncia aqui em primeiro lugar é a vontade decidida de não tornar difícil a união entre a Igreja Católica e as Igrejas do Oriente. Usa as palavras que usaram os Apóstolos no Primeiro Concílio de Jerusalém para com os gentios que entravam no Cristianismo, aos quais, alguns, os judaizantes, queriam submeter a diversas práticas do judaísmo antigo. “Não impôr nenhum encargo além do necessário” (At. 15,28), reduzindo  tudo a um mínimo necessário. É o que agora insinua o Vaticano II, o que já estava declarado pelos Concílios anteriores e pelos Papas; somente se há-de exigir o imprescindível para manter a unidade da fé íntegra e total. Não é que a profissão da verdade na verdadeira fé tenha em si uma razão de peso ou carga, porém o mudar de posição ou de religião pode sim, ter razão psicologicamente de algo custoso ou penoso.

Desta forma se pode responder a uma da emendas ou “modos” propostos contra a expressão de “fardo” contida neste número[46].

Por outra parte, o Decreto sobre as Igrejas Orientais, etá cheio dos mesmos pensamentos (n.º 25): “Aos Orientais separados, diz, que movidos pelo Espírito Santo, vêm a unidade católica , não se lhes exija mais , que o que exige a simples profissão da fé católica. E por ser entre eles válido o sacerdócio, os clérigos orientais que vêm à unidade católica podem exercer a sua própria ordem, segundo as normas que estabeleça a autoridade competente”[47].    

Para conseguir pouco a pouco esta comunhão e unidade, é desejo do Concílio que já desde agora se dirijam a eles todos os esforços, dentro das várias instituições e formas de vida eclesial. A oração é, destes esforços, de eficácia nunca suficientemente ponderada, àcerca da qual já falamos (nº 8 a). Deseja-se também o diálogo fraterno àcerca dos pontos doutrinais, porém deste diálogo também já nos ocupamos acima (nº 4 b, II). Finalmente o “diálogo àcerca das necessidades dos cristãos no mundo de hoje”. É o que se entende por “necessidades urgentes do encargo pastoral no nosso tempo”[48].  

Não se fala neste número de “obras de apostolado” para evitar a ambiguidade, o que se poderia entender de proselitismo[49]. Muito menos se restringe a colaboração com os Orientais  a assuntos temporais. Deseja-se que a colaboração fraterna  se estenda  progressivamente às solicitudes pastorais[50].

Por último essa colaboração fraterna encomenta-se também nas relações com os cristãos  que vivem fora do Oriente (os que residem da América e nos países da Europa ocidental etc.), para que se proceda em espírito de caridade, evitando todo o espírito de discórdia e prejudicial emulação.

Se alguns Padres desejavam neste n.º 18, uma conclusão ou conclusões mais concretas e alguns recomendavam propósitos mais determinados, como de estudos especiais, renovação de instituição clerical, comissões permanentes, etc., pareceu ao Secretariado que destes e parecidos assuntos se devia tratar melhor no Diretório que se preparava. A redação última deste número pretendia imprimir nos espíritos alguma ajuda, para que os propósitos mais particulares, obtenham bom resultado para a desejada unidade[51].

O Concílio termina este número repetindo palavras de esperança, que toma do Concílio Florentino[52]. Caia o muro que separa a Igreja ocidental da oriental, isto é “tudo o que impede a união perfeita”[53] e que não haja mais que uma só murada, firmada na pedra angular, Cristo Jesus. 

 

IGREJAS E COMUNIDADES DO OCIDENTE SEPARADAS (N° 19-23)


 

União secular (n°19)


 

19. As Igrejas e comunidades eclesiais, que se separaram da Sé Apostólica Romana, ou naquela grave situação iniciada no Ocidente já pelos fins da Idade Média, ou em tempos posteriores, continuam unidas à Igreja Católica por uma afinidade de laços e relações particulares devido à contínua convivência do povo cristão na comunhão eclesiástica durante os séculos anteriores.

Com efeito estas Igrejas e comunidades eclesiais têm diversas origens e diferentes convicções em matéria de doutrina e vida espiritual, por isso diferem não só de nós mas também entre si consideravelmente, é pois uma tarefa difícil descrevê-las de modo adequado pelo que não queremos aqui empreender tal trabalho.

Embora o movimento ecumênico e o desejo da paz com a Igreja católica ainda não sejam universais, contudo temos a esperança de que no futuro cresçam pouco a pouco em todos, o sentido ecumênico e a estima mútua.

É preciso contudo reconhecer que entre estas Igrejas e Comunidades e a Igreja católica existem discrepâncias consideráveis, não só de índole histórica, sociológica, psicológica, cultural, mas sobretudo de interpretação da verdade revelada. Para que mais facilmente, não obstante estas diferenças, se possa estabelecer o diálogo ecumênico, queremos nas seguintes linhas expor alguns pontos que podem e devem ser o fundamento e o estímulo deste diálogo.

 

A separação destas Igrejas iniciou-se no final da Idade Média, com as ideias que propagaram os partidários de João Wicleff e João Hus, condenadas no Concílio ecumênico de Constança (1915-1919). Mais adiante e duma forma mais imediata, as opiniões de Martinho Lutero, condenadas pelo Papa Leão X (1520), e o chamado movimento de Protesto e de Reforma, que se seguiu, trouxeram uma cisão depois de 15 séculos de união com a Igreja Romana. Existem por conseguinte estreitos vínculos da Igreja Romana com estas Igrejas, pela contínua comunhão durante os séculos passados. Tantos séculos de união não podem não ter deixado, pelo menos algum sinal e o seu alento de esperança.

O Concílio não pretende descrever a maneira de ser destas comunidades, pelo fato de serem numerosas e sobretudo, é a razão que se indica, pela sua mesma diversidade entre si. Diversidade que se resume na diversidade de origem, diversidade de doutrina e diversidade de vida espiritual. É certo que esta diversidade de doutrina em pontos fundamentais, não pode ser uma recomendação para estas Igrejas, pois a verdade é una e imutável, e não se encontra na variedade como se exprimia João Jacob Benigno Bossuet no seu discurso sobre as variações protestantes. Porém o Concílio não traga agora nem tratamos nós de pôr em relevo estas variações e diversidades. Trata-se unicamente, de dar a razão da dificuldade de descrever estas confissões duma maneira adequada.

Com efeito, o movimento ecumênico e o desejo de paz com a Igreja católica, não prosperou em todas estas confissões, porém o Concílio espera que cresça a mútua estima e o sentido de ecumenismo. Contribuirá sem dúvida, para o aumento desta paz com a Igreja e o espírito sinceramente ecumênico, o abandono do chamado ”proselitismo”, sobretudo onde Cristo já foi pregado. Por proselitismo, entende-se aqui, servir-se de dinheiro e vantagens temporais com o povo simples, ou em geral utilizar meios inconvenientes para impôr a propaganda da confissão. Tudo isto não pode fomentar a paz entre as confissões cristãs. Pelo contrário fomenta a confusão nos simples e a indiferença religiosa. A este propósito afirma-se que o Conselho Mundial das Igrejas no Congresso de Nova Delhi se declarou contrário ao Proselitismo, e que por outro lado as confissões que praticam o proselitismo, não participam do movimento ecumênico[54].

O Decreto reconhece que existem grandes diferenças entre estas Igrejas e Comunidades, e a Igreja Católica, sobretudo na maneira como interpretam a verdade revelada. Basta recordar o princípio do livre exame da Bíblia que foi para muitos norma de interpretação. Além doutras discrepâncias de carácter histórico e sociológico sobre a origem da ”Reforma” e das separações das Igrejas, e das diferenças psicológicas e culturais devidas, à geografia não latina em que se costumam encontrar tais Igrejas.

No entanto, deseja-se de ambas as partes o diálogo ecumênico e o Decreto passa a assinalar diversos pontos de vista e de consideração.

 

Bases para o diálogo: a) A pessoa e obra de Cristo (n° 20)


 

20. A nossa atenção dirige-se primeiramente, aos cristãos que reconhecem publicamente a  Jesus Cristo como Deus e Senhor, único Mediador entre Deus e os homens, para glória do Deus único, Pai, e Filho e Espírito Santo. Sabemos que existem graves divergências com respeito à doutrina da Igreja Católica, também sobre Cristo Verbo de Deus encarnado, sobre a obra da redenção, e por conseguinte sobre o mistério da Igreja e sobre a função de Maria na obra da salvação. Alegramo-nos, contudo, vendo que os irmãos separados tendem para Cristo como fonte e centro da comunhão eclesiástica. Movidos pelo desejo de união com Cristo, são impelidos a buscar cada vez mais a unidade e a darem igualmente em toda parte, entre os povos o testemunho da sua fé.

 

Temos de ter presente, para o diálogo com os protestantes, que segundo o Congresso de Nova Delhi (1961), movidos dum desejo de união cada vez maior com Cristo e com os cristãos, buscam em Cristo o centro da unidade e o ímã que os atraia a todos. E com toda a razão e justiça. O Concílio alegra-se, diz expressamente, de ver que os irmãos separados olham Cristo como a fonte e centro da comunhão eclesiástica. E querem dar, em todas as partes testemunho desta fé.

Segundo esta declaração de Nova Delhi, os cristãos ali unidos confessam abertamente a Jesus Cristo como Senhor e único Mediador entre Deus e os homens, para glória dum só Deus, pai, Filho e Espírito Santo[55]. Insistiu-se numa das emendas apresentadas ao Decreto, em que se falava daqueles cristãos que reconhecem expressamente a Cristo como Deus, e por isso se colocou explicitamente no texto definitivo que primeiramente (in primis) se fala dos cristãos que abertamente confessam que Jesus Cristo é Deus e Senhor… O Secretariado era da opinião que os cristãos que negam a divindade de Jesus Cristo são cristãos somente num sentido muito analógico. Recebeu a adição proposta, para reconhecer no mesmo texto do Decreto que a profissão da divindade de Cristo, se encontra entre os irmãos separados[56].

Com efeito não é pouco o que aqui se afirma. Embora seja verdade haver diferenças não pequenas, a respeito da Igreja católica, na maneira de entender a encarnação do Verbo de Deus e a sua obra de redenção e justificação, o mesmo se diga do papel e mistério de Maria e da Igreja nesta obra de salvação.    

 

b) A Sagrada Escritura (n°21)


 

21O amor e a veneração e o quase culto das Sagradas Escrituras levam nossos irmãos a um constante e cuidadoso estudo da Bíblia, pois o Evangelho é a ”força de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu primeiro, mas também do grego” (Rom. 1,16).

Invocando o Espírito Santo, nas próprias Sagradas Escrituras, procuram a Deus, que lhes fala em Cristo prenunciado pelos profetas Verbo de Deus por nós encarnado. Nelas contemplam a vida de Cristo e o que o Divino Mestre ensinou e realizou para a salvação dos homens, sobretudo os mistérios da sua morte e ressurreição.

Mas, enquanto os cristãos de nós separados afirmam a autoridade divina dos Livros Sagrados, pensam diferentemente de nós, cada um de modo diverso, sobre a relação entre as Escrituras e a Igreja, na qual segundo a fé católica, o magistério autêntico tem lugar peculiar na exposição e pregação da Palavra de Deus escrita.

No entanto as Sagradas Letras, no próprio diálogo são instrumentos preciosos na poderosa mão de Deus para a consecução daquela unidade que o Salvador apresenta a todos os homens.

 

Outra base do diálogo é a ”palavra de Deus”, as Sagradas Escrituras que a contém. Se a palavra autorizada dum personagem, sempre pode ser o primeiro fundamento que se põe ou admite para uma mútua inteligência, com quanta mais razão se se trata da ”palavra de Deus”. Com efeito todos sabem que ”Deus é o autor principal dos livros Sagrados”, quem os inspirou e quem se serviu dos homens para escrever como autores racionais. Este ponto, tanto o admitem os católicos como as confissões protestantes.

Além disso entre muitos protestantes foi característico um amor particular e notável veneração à palavra de Deus escrita, que fez florescer entre eles em não poucas partes os estudos bíblicos.

Talvez, porque dados os seus princípios, não atendendo tanto à Tradição e Magistério da Igreja, se dedicaram unicamente ao estudo direto do texto sagrado. Para os católicos o Magistério autêntico da Igreja é quem nos certifica, primeiro onde está a palavra de Deus escrita, ou seja, quais são os livros verdadeiramente inspirados por Deus. O critério fácil e universal para o conhecer, a respeito de todos os livros sagrados (não só a respeito de alguns) e apto para todos os públicos (não só para os eruditos e científicos), é a Tradição autoritária da Igreja que nos transmite autenticamente o Magistério oficial[57]. Além de nos dar a conhecer quais são os livros sagrados genuínos, este Magistério interpreta-os com autoridade e julga acerca das diversas interpretações que se podem oferecer, quer a base de exegeses e critérios internos a livros e textos sagrados, quer a base de autoridades externas e Padres que se aduzam a favor duma interpretação. ”Toca à Igreja segundo os ensinamentos dos Concílios, Tridentino e Vaticano I[58], julgar do verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Escrituras”[59].

Para os católicos a Sagrada Escritura deve ser julgada e exposta À luz da Tradição viva da Igreja que nos transmite duma maneira também viva o Magistério autêntico. É certo, contudo, que hoje em dia, vai ganhando terreno entre os protestantes o apreço e o uso da Tradição. E entre os católicos cresceu mais o usa da Bíblia e o trabalho científico de interpretação, promovido pelas encíclicas Papai de Leão XIII, Providentísssimus Deus (1893), Bento XV Spiritus Paraclitus (1920) e Pio XII Divino afflante (1943) e pelo movimento bíblico de muitas nações.

Tudo isto faz estreitar mais os laços e aumentar as possibilidades dum mútuo entendimento entre católicos e protestantes. Pois na Bíblia contemplam a vida e os mistérios de Cristo, e a sua morte e ressurreição, tudo o que Cristo realizou e ensinou para nossa salvação, como se Cristo lhes falasse.

O critério de interpretação de Bíblia foi para não poucos protestantes (prescindindo dos chamados protestantes liberais, que unicamente utilizam critérios de ordem natural), o que ficou conhecido  com o nome de ”testemunho interno do Espírito Santo”. E assim muitos protestantes antigos acreditavam, como Calvino[60], que ao ouvir a leitura da Bíblia e a pregação, o Espírito Santo lhes dava testemunho interno da verdade revelada[61].

Por isso, como diz o texto definitivo do Decreto, os protestantes, ”invocando o Espírito Santo, buscam nas mesmas Sagradas Escrituras a Deus o qual como que lhes fala em Cristo, prenunciado pelos profetas Verbo de Deus encarnado por nós”[62]. É interessante notar que se acabou por admitir o que se tirara duma emenda. Esta emenda propunha suprimir as palavras Spiritu Sancto movente, para não parecer que se aprovava a doutrina protestante do testemunho interno[63].

Outra emenda pretendia mudar o inveniunt (encontram) do esquema anterior, pelo quaerunt (buscam). Rejeitada pelo Secretariado, passou contudo, ao texto definitivo[64]. A intervenção da última hora do Sumo Pontífice sugerindo algumas emendas, explica, pois certas mudanças. Contudo, não houve a mais pequena intenção de ferir ou ofender os irmãos separados, como declarou o Cardeal Bea. Não se trata de negar que os irmãos separados estejam, em geral, sob a orientação do Espírito Santo (o que se afirma explicitamente no mesmo Decreto em outro lugar), e muito menos quando realizam ação tão santa, como é ler a Escritura[65]. Ao mudar o ”encontram a Deus” por ”buscam a Deus”, não se pretendeu afirmar que ”buscam em vão a Deus” sem o encontrar, como afirmou uma revista protestante[66], mas unicamente se quis exprimir a possibilidade de não o encontrar  devido a impedimentos subjetivos, o que também se aplica aos católicos. Por último a expressão ”buscam a Deus como quelhes fala…” (quasi sibi loquentem), não tem um sentido meramente afirmativo, como a quem lhes fala, afirmando o fato. Uma expressão parecida Jn. 1,14: ”como que é o Unigênito do Pai (quasi Unigeniti a Patre)”[67].

E assim o Evangelho, ou a mensagem gozosa de Cristo é ”força de Deus para a salvação, para todo o crente” (Rm  1,16).

 

O batismo e os sacramentos (n°22)


  

22. Pelo sacramento do Batismo, sempre que for retamente administrado, segundo a instituição do Senhor e recebido com a devida disposição de alma, o homem é verdadeiramente incorporado a Cristo crucificado, e glorificado e regenerado para o consórcio da vida divina, segundo as palavras do Apóstolo: ”Com Ele fostes sepultados no batismo e n’Ele do mesmo modo fostes ressuscitados pela fé no poder de Deus, que O ressuscitou dos mortos” (Col. 2,112)[68].

O Batismo, portanto, constitui o vínculo sacramental da unidade que liga todos os que foram regenerados por ele. Contudo o batismo, por sim mesmo é somente um princípio e um começo, porque todo ele se dirige à consecução da plenitude da vida em Cristo. Por isso o batismo se ordena à completa profissão de fé, à plena incorporação no instituto da salvação, tal como o próprio Cristo o quis e à total inserção na comunhão eucarística.

Embora falte às Comunidades eclesiais de nós separadas a unidade plena conosco, proveniente do batismo, e embora creiamos que elas não tenham conservado a genuína e íntegra substância do Mistério Eucarístico sobretudo por causa da falta do sacramento da Ordem, contudo, quando comemoram na Santa Ceia a morte e a ressurreição do Senhor, confessam que na comunhão de Cristo se significa, a vida, e esperam o Seu glorioso advento. Pelo que, é necessário que se torne como objeto do diálogo a doutrina sobre a Ceia do Senhor, sobre os outros sacramentos e sobre os ministérios da Igreja.

 

Também aqui há uma base e uma matéria para o diálogo.

Base para o diálogo é a realidade do sacramento do batismo se se recebeu válida e frutuosamente. Com o batismo, há uma inserção no mistério de Cristo morto, sepultado e ressuscitado. Este simbolismo era próprio do batismo de imersão administrado comumente na primitiva Igreja, submergindo-se na água batismal e saindo regenerados para a nova vida divina da graça. S. Paulo alude a este rito, quando escreve aos Colossenses: ”Com Cristo fostes sepultados no batismo, e n’Ele fostes também ressuscitados pela fé no poder de Deus, que o ressuscitou de entre os mortos” (Col. 2,12). Com efeito, esta passagem de S. Paulo não é isolada. Encontramos o mesmo pensamento em Rom. 6,4 ”Com Ele fomos sepultados pelo batismo para participar na sua morte; para que como Ele ressuscitou de entre os mortos para a glória do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova”.

Estes efeitos que são comuns para todos os cristãos, qualquer que seja a sua comunidade religiosa, exigem no entanto, que o batismo seja administrado, segundo Cristo o institui, isto é pressupõe a administração válida do sacramento, sem faltar nem a matéria (ablução), nem a forma (consagração à Santíssima Trindade), nem a intenção e tudo aquilo que Cristo estabeleceu como necessário. Requere-se também num adulto a devida disposição de espírito e o desejo e receber tal sacramento (para a validade e caráter sacramental) e com o arrependimento dos pecados (para o fruto da graça santificante que se espera). Com estas condições o sacramento do batismo produz o seu fruto e é fundamento da estima que deve reinar entre todos os regenerados.

Note-se contudo, que o Concílio ao afirmar, que com este batismo o homem se ”incorpora” (incorporatur) a Cristo crucificado e glorificado, não se pretende ensinar que forma parte do Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja. Recorde-se o que ficou dito acima a este propósito (art. 3,a).

Se o batismo no entanto, é um laço de unidade entre os cristãos, contudo não é um começo. O batismo é como um gérmen ou um impulso de vida. E como gérmen ou impulso tende a um desenvolvimento ulterior e a uma plenitude de vida, à plenitude da vida em Cristo. Incumbe ao homem cooperar para chegar a esta plenitude.

O batismo é o ”sacramento da fé”, pois nos adultos pressupõe para desejá-lo e recebê-lo, a fé. É a primeira coisa que a Igreja pede ao candidato no batismo, a fé[69]. O batismo também introduz no mundo da fé e da vida teologal. Tende por natureza, a chegar à plenitude desta vida, e portanto à plena profissão de fé, isto é, à total e íntegra profissão de fé segundo Cristo a manifestou. Do mesmo modo tende à incorporação plena nas estruturas da salvação, como Cristo as desejou. O movimento inicial do batismo não pode parar na posição estática, é dinâmico e deve ser fiel à sua força interior. Nós os católicos dizemos também que no batismo há um voto ou desejo da Eucaristia, portanto sendo impulso de vida, tende a desenvolver uma vida forte e perfeita, e esta consegue-se com a Eucaristia[70].

No entanto, a “substância genuína e íntegra do mistério eucarístico”[71], não se dá, segundo cremos, nestas comunidades protestantes separadas. Esta falta do mistério eucarístico íntegro é uma das razões por que não existe entre elas e nós a plena união que deveria resultar do batismo. As outras razões que dificultam a realização da unidade é a diversidade da fé em muitos pontos, sobretudo eclesiais relativos ao Primado do Sucessor de Pedro e ao seu Magistério autêntico e infalível em questões de fé quando fala ex cathedra. Igualmente em pontos relativos à interpretação das Sagradas Escrituras, mediante a tradição e Magistério da Igreja, sobre os sete sacramentos propriamente ditos, sacrifício da Missa, sem querer agora enumerar todos os motivos doutrinais de dissenção. Consequência desta diversidade de fé com os protestantes é a diversidade no governo das Igrejas e na vida sacramental e cultual.

Esta diversidade sacramental e cultual provém principalmente, pois não se excluem outras razões[72], de que muitos não admitem, fora do sacerdócio comum e universal de todos os cristãos (I Ped. 2,5,9-10; Apoc. 1,6;5,10), um sacerdócio externo e ministerial de vigários de Cristo para realizar em Seu nome e como Seus instrumentos, as realidades santificadas sacramentais, e os sacrifício eucarístico que Ele mandou que repetissem, anunciando a morte do Senhor, até à sua vinda (Lc. 22, 19; I Cor. 11, 24-26). Nos anglicanos contudo, interrompeu-se esta validade sacramental do sacerdócio, pois como já dissemos, num largo período de mais de 100 anos, excluiu-se a intenção de fazer o mesmo que fazia ou expressão que indicasse suficiente e convenientemente que cargo sacerdotal se tinha intenção de conferir o Espírito Santo[73]. Porém, poder-se-ia admitir como exceção que os “velhos-católicos” tenham conservado o sacramento da Ordem[74].

Ao celebrar a Ceia do Senhor, os protestantes comemoram é certo o que Cristo fez com os Apóstolos. Nesta ceia e ágape vêem muitos uma semelhança ou figura da união com Cristo e com os outros cristãos. Comemoram com efeito, a sua morte e ressurreição, e além disso querem participar nela com a comunhão e esperam também a sua vinda escatológica. Ainda que alguns admitam, com Lutero, a presença de Cristo no momento da comunhão[75] outros no entanto, só querem ver uma  presença de Cristo, não a “verdadeira, real e substancial” como a definiu o Concílio Tridentino[76], mas em sinal, ou símbolo, ou em recordação e memória de Cristo (Carlostadio, Zwinglio, Ecolampádio, e em geral os “sacramentários”). Outros porém, em figura, ou metáfora (Wicleff, Hus), ou em força e virtude (Calvino e muitos anglicanos), que no momento da comunhão desce Cristo glorioso, que está no céu. Como se vê esta presença de Cristo é muito diferente da que admitem os católicos e tem admitido a Igreja deste o princípio, apoiada nas palavras de Cristo ao instituir a Eucaristia, segundo as referem os sinótipos e S. Paulo; confirmadas pela promessa desta carne e sangue de vida, segundo a descreve S. João no sermão eucarístico (sobretudo Jo. 6, 48-58); reforçadas pelas de S. Paulo que faz responsável e réu do Corpo e Sangue do Senhor aquele que o comer indignamente (I Cor. 11, 27-29). Tudo isso segundo o perpétuo sentir da Igreja tanto na Tradição e doutrina dos Santos Padres[77], como nos documentos do Magistério[78].

Para muitos protestantes (“sacramentários”) Cristo está presente na Ceia pela contemplação da fé, e comem-no e alimenta-se d’Ele, enquanto pela meditação contemplam os seus mistérios.

Há protestantes que vêem na Ceia de Cristo um puro fato simbólico, que significa o amor do Senhor aos seus Apóstolos, ou a morte violenta de Cristo. Para outros este símbolo é dinâmico e eficaz, para produzir santidade nos discípulos, quer pela promessa da presença do Mestre (Harnack), quer pela mútua caridade fraterna, quer pela nova aliança entre Deus e o seu povo.

Outros querem ver na Ceia uma alusão à ceia futura escatológica, que já se aproximaria, segundo querem interpretar o pensamento de Jesus (cf. Lc. 22, 16-18).

As opiniões protestantes sobre a Santa Missa, sacrifício dos católicos, exigiriam larga explicação.

Se insistimos em expor as doutrinas protestantes sobre a Eucaristia, é para que se verifique a dificuldade, porém mantém a possibilidade de entabolar diálogo com eles sobre este ponto. A diversidade de pareceres torna mais necessário este diálogo sobre a Ceia do Senhor, sobre os outros Sacramentos[79] e em geral sobre o culto cristão e os “ministérios”, ou “diaconias” e serviço aos outros dentro da Igreja.

 

Pontos dignos de louvor (nº 23)


 

23. A vida cristã destes irmãos alimentam-se da fé em Cristo e é fortalecida pela graça do batismo, e com a palavra de Deus ouvida. Manifesta-se na oração privada, na meditação bíblica, na vida familiar cristã, no culto da comunidade reunida para o louvor de Deus. Aliás o seu culto apresenta por vezes notáveis elementos da antiga liturgia comum.

Sua fé em Cristo produz frutos de louvou e ação de graças pelos benefícios recebidos de Deus, existe também entre eles um vivo sentindo de justiça e uma sincera caridade para com o próximo. Esta fé ativa produziu não poucas instituições para aliviar a miséria espiritual e corporal, promover a educação da juventude, tornar mais humanas as condições sociais da vida e estabelecer por toda a parte a paz.

E ainda que, em assuntos morais muitos dentre os cristãos nem sempre entendem o Evangelho do mesmo modo que os Católicos, nem admitem as mesmas soluções para os problemas mais complicados da sociedade moderna, querem no entanto, como nós aderir à palavra de Cristo como fonte da virtude cristã e obedecer ao preceito do Apóstolo; “Tudo quanto fizerdes por palavra ou por obra, fazei tudo em nome do Senhor Jesus Cristo, dando graças a Deus Pai por Ele” (Col. 3. 17). Daqui pode surgir o diálogo ecumênico sobre a aplicação moral do Evangelho.

 

Se queremos buscar o que nos une com estes cristãos separados de nós, encontraremos a maneira como eles procuram viver e vivem a vida com Cristo. A sua vida e maneira de se conduzir, quer alimentar-se e alimenta-se da fé. Recordemos que o “ justo vive da fé” (Heb.10, 38), e eles têm a fé em Cristo que sustenta.

Além disso ouvem a palavra de Deus escrita, que permanece nas Sagradas Escrituras e a palavra de Deus pregada, pois admitem a pregação dos seus pastores. A esta leitura da Bíblia e a esta pregação, se junta com frequência a meditação bíblica que é uma maneira de eles e receber o seu influxo saudável. Alguém pensou que os próprios Exercícios de Santo Inácio poderiam acomodar-se aos protestantes, nas coisas que têm de mais universal para todos, sem ser necessário fazer confissão geral nem receber a Eucaristia. Tratar-se-ia de se submeter somente ao Espírito do Senhor e da Igreja, pelo menos não recusar nem contradizer a este Espírito e que se fiquem na busca da verdade no que é comum a eles e a nós.[80]

A vida de oração em particular, e a oração na comunidade reunida, para louvar a Deus, é outra fonte de graça, para agradar a Deus, que conservam os protestantes na própria vida. E no seu “serviço religioso” aparece em certas ocasiões algo comum com a antiga liturgia da Igreja, com a liturgia da palavra, que se chegou a chamar missa dos catecúmenos.

Da fé em Cristo brotam frutos de louvor a Deus e de ação de graças muito sinceras pelos benefícios recebidos.

Não é nada estranho, que uma autêntica vida de piedade e honradez, sinceridade e lealdade, sobriedade e austeridade, floresça em muitas famílias protestantes. Ajunte-se um sentindo de justiça e uma caridade sincera com o próximo. A fé não permanece só teórica ou platônica, mas poderia muitas vezes qualificar-se como a qualificava S. Paulo, uma fé que “atua pela caridade”[81]. É portanto uma fé ativa, que produziu associações para remediar a miséria espiritual e corporal do próximo, numa palavra para exercitar as obras de misericórdia. Entre estas contam-se a educação da juventude, que promovem os protestantes com as suas escolas e centros de ensino, os seus esforços por tornar mais humanas as condições de vida social, sobretudo nos países subdesenvolvidos, e também para conservar a paz mundial. Todas estas obras de beneficência são indício muitas vezes, dum espírito humano bem cultivado, e também dum autêntico espírito cristão.

É verdade que em pontos de Moral, v. gr. Sobre o controle da natalidade, etc., nem sempre há plena concordância com os católicos no modo de entender a lei divina e de solucionar os muito difíceis problemas do nosso tempo. É fonte da esperança para o futuro a vontade sincera que muitos manifestam de seguir a palavra de Cristo, manifestada na Bíblia. O Concílio entre outros, recorda o seguinte texto, precioso de S. Paulo: “Tudo o que fizerdes por palavra ou por obra fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus Pai por Ele” (Col. 3, 17).

É outro ponto de arranque para diálogo. Louvou-se, anteriormente, o que se pode e deve louvar em muitos deles, ainda que nem todos procedam desta maneira, como também nem todos os católicos procedem.[82]

 

EPÍLOGO


 

Confiança no futuro (n.º 24)


 

24.  Expostas brevemente as condições segundo as quais se pode exercer a ação ecumênica e os princípios pelos quais se deve reger, olhamos com confiança para o futuro. Este Sagrado Concílio exorta os fiéis a se absterem de qualquer zelo superficial, ou imprudente que possa prejudicar o verdadeiro progresso da unidade. A sua ação ecumênica não pode ser senão plena e sinceramente católica, isto é, fiel á verdade que recebemos dos Apóstolos e dos Padres, conforme à fé que a Igreja católica sempre professou e ao mesmo tempo tendente àquela plenitude pela qual o Senhor quer que cresça o Seu Corpo no decurso dos tempos.

Este Sagrado Concílio deseja ardentemente que as iniciativas dos filhos da Igreja católica unidas às dos irmãos separados se desenvolvam, sem que se ponham obstáculos aos futuros impulsos do Espírito Santo. Além disso o Concílio declara estar consciente de que este santo propósito de reconciliar todos os cristãos na unidade de uma só e única Igreja de Cristo excede as forças e as capacidades humanas. Por isso coloca inteiramente a sua esperança na oração de Cristo pela Igreja, no amor do Pai para conosco e na virtude do Espírito Santo. “E a esperança não será confundida, pois o amor de Deus se derramou em nossos corações por virtude do Espírito Santo que nos foi dado” (Rom. 5, 5).

 

O Concílio expôs os princípios que hão-de dirigir a ação ecumênica (cap. I); explicou em que deve consistir esta ação (cap. II); tratou mais em particular dos pontos de contato e de diálogo com as Igrejas separadas do oriente e com os protestantes (cap. III). Agora ao terminar este Decreto, propõe alguns avisos.

Que se abstenham os católicos de toda a superficialidade e de todo o zelo imprudente que pode impedir a causa da união. Pensamos em irenismos que em grande escala são prejudiciais e acentuam a divisão; pensamos na ligeireza das palavras e zelo intemperante e impaciente, falho de longanimidade e daquela paciência, que são frutos do Espírito Santo e indicam quando o zelo que nos move, é autenticamente de Deus e por Deus.

A verdadeira ação ecumênica tem que ser, diz o Concílio, plena e sinceramente católica e explica-o assim: “Fiel à verdade que recebemos dos Apóstolos e dos Padres e conforme com a fé que a Igreja católica sempre professou”. Não pode haver compromissos nem claudicações com a verdade recebida e professada durante tantos séculos na Igreja. Trata-se de dar de novo valor  à Tradição e à imutabilidade dos dogmas. Se por um lado parece que é fechar um caminho de convergência, Deus no entanto é poderoso, para realizar esta convergência por outra via que desconhecemos. Porém não pode ser menos grato a Deus e de atrair a sua benevolência, mostrar-nos fiéis à sua Palavra e ao ensinamentos dos Padres e dos Mestres postos por Deus.

A ação ecumênica, continua o Decreto, deve tender àquela plenitude, pela qual o Senhor deseja que o Seu Corpo místico cresça no decurso dos tempos (cfr. Ef. 4, 13). O que parece que é excitar o zelo e o interesse em promover a união.

Deseja, além disso, o Concílio que avancem conjuntamente as obras começadas pelos católicos e pelos irmãos separados. Se a ação ecumênica de uns e outros é do Espírito Santo, como crê o Concílio, não lhe devemos por obstáculos, posto que é obra de Deus, nem precaver-se, ou fazer um juízo antecipado das moções do Espírito Santo. Incumbe ao homem prudente e ao direto prudente não adiantar-se ao Espírito, mas observar os seus impulsos e moções e ajudá-las docilmente. A Igreja seguindo o convite e a direção do Espírito fará mais, que inventando ou investigando próprios caminhos.

 

Oração e sacrifício


 

O Concílio tem consciência da dificuldade do seu empenho de reconciliar a todos os cristãos na Igreja uma e única de Cristo (repete-o para terminar). É obra sobrenatural que supera as forças humanas, recordo-o Paulo VI na audiência de 20 de janeiro de 1965.

Porém o Concílio Vaticano II coloca a sua confiança na oração eficaz de Cristo pela sua Igreja (Jn. 17, 20), no amor do Pai para conosco (cfr. Jn. 16,27), e na força poderosa do Espírito. Termina com os alentos de esperança que não fica confundida (cfr. Rom. 5,5).

Mais acima vão indicados diferentes meios para a unidade, julgados sob o ponto de vista teológico, em ordem a obter a unidade visível da Igreja.

Porém esse trabalho é muito difícil. E se esperássemos a união de nossos projetos e meios, nos sentiríamos condenados ao fracasso, como já acima repetimos (n°8 a) e agora queremos insistir para terminar.

No entanto, “tudo é possível ao que crê” (Mt. 9,22), ao que ora com fé e confiança, fiado na palavra do Senhor. Trata-se de um desejo que responde ao desejo do Senhor: a unidade dos que creem n’Ele. E o pedimos em nome do Senhor, reunidos em seu nome (cfr. Jn. 16,23; Mt 18,20)… Os sacrifícios em favor da unidade, a renovação da vida autenticamente cristã, a oração unânime dos cristãos com Maria, a Mãe de Jesus (Act. 1,14), hão-de mover o Coração deDeus, afim de que torne possível o que aos homens é impossível.

A comunidade protestante de Taizé, vai também por este caminho de oração e sacrifício, dando testemunho dum amor universal. Reconhece que o seu plano de ecumenismo é provisório, pois não sabe o que trará o futuro. Provisório, procurando cumprir a vontade de Deus de cada dia, na espera do futuro.

“O ecumenismo é um acontecimento providencial para deitar abaixo barreiras seculares e dissipar a noite que se estende sobre o mundo. Posto que veio a noite, Deus mostra-nos estrelas, que não havíamos notado até agora, para dirigir nossos passos até à aurora daquele dia, quando ele será revelado ao mundo pela união de todos os cristãos”[83].

 



* O Pe. José Sánchez somente é autor da primeira parte do capítulo terceiro, o qual trata das Igrejas Orientais.

[1] Assim o declarou Leão XIII, na sua Carta Apostolicae curae (13 de Setembro de 1896) pela falta de significação apropriada para o ofício presbiterial e para o ofício episcopal nas palavras da forma; defeito que não se corrigiu durante muitos anos, quando já a legítima e válida hierarquia se tinha extinguido. A este defeito de forma, do sacramento juntou-se o defeito da intenção. Cfr. DENZINGER, Enchiridion symbolorum, nº 1963-1966.

[2]Modi III, p. 6, nº 11-12.

[3]Modi III, pp. 6-7, nº 12, 14.

[4]Relatio super Schema emendatum de Oecumenismo, 1964, pp. 10-11 (Relatio super caput III, pars I, a Reverendíssimo Maximo Hermaniuk)

[5] Cfr. Schema decreti de Oecumenismo, fasc. 2 (enviado a 3 de Julho de 1964), Typis polyglottis Vaticanis 1964, p. (23) 63, B, 2.

[6]La Documentation Catholique, 59 (1962) 748-749.

[7] Cfr. Leão XIII, Orientalium dignitas (30 de Novembro de 1894): “Inde enim- vero, dum sua praecipuis Orientis Ecclesiis apostolica origo testatior constat, apparet simul et enitet earumdem cum Eomana usque ab exordiis summa coniunctio”. AAS 27 (1894-1895) 258.

[8] Cfr. Modi III, p. 8, nº 1.

[9] Cfr. B. ALTANER, Patrologia, edc. 4, pp. 67-75.

[10] Para informação sobre os Padres orientais, cfr. K. QUASTEN, Patrologia, Madrid 1962 (A idade de ouro na literatura patrística grega).

[11] Relatio super Schema emendatum de Oecumenismo, 1964, p. 11.

[12] V. gr. admitiu-se pelo Secretariado, respondendo a uma emenda, que assinalava como causa a persistência no erro, que não ficavam excluídas esta nem outras razões. Cf. Modi III, p. 12, nº 12.

[13] AAS 57 (1965) 78.

[14] Cfr. S. IOANNES CHRUSPSTOMUS, In Ioannem Homelia XVLI, PG 59, 260-262.

[15] Cfr. JOSÉ SÁNCHEZ VAQUERO, El Oriente próximo y la unidad Cristiana, Barcelona, 1962, pp. 12-18.

[16] Acta Pii IX, tom. I, pars, I, Romae 1854, pp. 81-82.

[17] NICOLÁS LIESEL, Las liturgias de la Iglesia oriental, Madrid, 1959, p. 7.

[18] Relatio super Schema emendatum de Oecumenismo, 1964, pp. 11-12 (Relat. a Hermaniuk).

[19] Cfr. Modi III, pp. 13-15, nº 4-6, sobretudo no nº 6, donde tomamos as últimas palavras.

[20] Cfr. Constituição sobre a Sagrada Liturgia, nº 57.

[21] M. NICOLAU, Problemas del Concilio Vaticano II, Madrid 1963, c. 5 (La concelebración eucarística), pp. 160-161; cfr. R. RAHNER,Dogmatische Bemerkungen uber die Frage der Konzelebration, “Muncher Theolog. Zeitschrift”, 6 (1955) 99.

[22] Decreto sobre as Igrejas Orientais, nº 27, AAS 57 (1965) 84. O Documento leva aqui uma nota que já antes transcrevemos no nº 8, nota 22.

[23] Ibid., nº 28, AAS 57 (1965) 84. A nota que o documento leva veja-se antes no nº 8, nota 23.

[24] Ibid., nº 29, AAS 57 (1965) 85. Já antes mais acima, no comentário ao nº 8 do Decreto, ficou transcrito integralmente o documento.

[25] Modi III, p. 15, nº 8.

[26] Cfr. Modi III, pp. 15-17, nº 10-16.

[27] Contra los impugnadores de la vida monástica, lib. 3, nº 6; edic. BAC, Obras de San Juán Crisóstomo, Tratados Ascéticos, Madrid 1958, p. 465; MG 47, 358.

[28] AAS 50 (1958) 285.

[29] Modi III, p. 17, nº 17.

[30] Modi III, p. 17, nº 18.

[31] Sobre a diferença entre escolas espirituais, mais amplamente, M. NICOLAU, Laicado y santidad eclesial…, Madrid 1964, c. 6, p. 113-120.

[32] Schema decreti de Oecumenismo, fasc. 2, 1964, p. (24) 64, 6.

[33]“Paestantissimum id esse existimamus ad incolumitatem disciplinae Orientalium propriae, cui valde semper tribuimus animam curasque adiicere… Siquidem in rituum orientalium conservatione plus inest quam credit possit momenti. Augusta enim, qua varia ea rituum genera nobilitantur, antiquitas, ET praeclaro est ornamento Ecclesiae omni, et fidei catholicae divinam unitatem affirmat”, Orientalium dignitas, AAS 27 (1894-1895) 258.

Do mesmo Leão XIII, no Motu próprio Auspicia rerum (19 de Março de 1896): “Quippe rei catholicae valde nimirum interest eam omnibus tolli ac dilui opinionem, quae quosdam ex Orientalibus antehac tenuit, perinde ac si ipsorum iure, de privilegilis, de rituali consuetudine vellent Latini detractum quidquam aut deminitum”, AAS 28 (1895-1896) 589.

[34]  AAS 57 (1965) 103.

[35]Modi III, pp. 18-19, nº 3 e 6.

[36]Modi III, pp. 20-21, nº 2-5.

[37]  MEYENDORFF, L’Eglise orthodoxe bier et aujourd’bui, Paris, edic, duSeuil, 1960.

[38] Cfr. Ntc. LADOMERSKI, Theologiaorientalis, Roma 1953; MAURITIUS GORDILLO, Compendium theologiae orientalis, Romae 1950.

[39] Existem algumas emendas não aceitas pelo Secretariado, que se referem a este mesmo sentido e limitação com que se aprovou o texto definitivo, Modi III, p. 21, nº 6-7.

[40] Schema decreti de Oecumenismo, fasc. 2, 1964, p. (24) 64, 7.

[41] Litt. encycl. Orientalis Ecclesiae decus (9 de Abril de 1944), AAS 36 (1944) 137-138.

[42] Constituição do Vaticano II sobre a Igreja, nº 13, AAS 57 (1965) 17-18.

[43] T. JIMÉNEZ URRESTI, Decreto do ecumenismo, p. 41.

[44] AAS 57 (1965) 83.

[45] Cfr. Conc. Florentinum, Sess. VI (1439). Definitio Laetentur caeli; MANSE 31, 1026.

[46] Modi III, p. 23, nº 1.

[47] Aas 57 (1965) pp. 83-84.

[48] Cfr. Modi III, p. 23, nº 4.

[49] Ibid., nº 3.

[50] Ibid., nº 5.

[51] Cfr. Schema decreti de Oecumenismo, fasc. 2, 1964, p. (24) 64, 8.

[52] Sessão 6 (1439) Laetantur caeli, Mansi, SS. Conc. 31, 1026 E: Conciliorum oecumenicorum decreta, Herder, 1962, p. 500.

[53] Cfr. Modi III, p. 24, nº 8.

[54] Modi III, p.23, n°6.

[55] Cfr., Nouvelle Delhi 1961. Edit. Delàchaux et Niestlé, Neuchatel-Paris, 1962, p. 147.

[56] Modi III, p.27, n° 2.

[57] Cfr., v. gr. M. Nicolau, De sacra Scriptura, Sacrae Theologiae Summa, vol I (Madrid 1962), Trat. 3, n°43-55.

[58] Denzinger, Enchiridion symbolorum, n° 786, 995, 1788.

[59] Cfr., v. Gr. exposto duma forma mais ampla M. Nicolau, De Sacra Scriptura, ibid., n°231-243. Da maneira como se conhece ”o sentido que reteve e retém a Santa Madre Igreja”. ibid., n°244-266.

[60] Instituitiones christianae religionis, lib. I, c. 6-7; cfr De inspiratione S. Scripturae, n° 215.

[61] Cfr., WILHELMUS WITAKER (1595), Disputatio de S. Scriptura contra bulus temporis papistas, Cantabrigiae 1588, q. 3; Pro auctoritate atque autopistia S. Scriturae… Cantabrigiae 1594, lib. 1 (cfr PESCH, De inspiratione S. Scripturae, n°265, n°226). J. SLAVICEK, escreveu sobre o critério protestante de interpretação da Escritura, Et atestimonium Spiritus Sanctis como critério de interpretatión: XIII Semana Bíblica española (1952), Madrid 1953, pp, 49-70.

[62] O texto anterior dizia: ”Spiritu Sancto movente, in ipsis Sacris Scripturis Deum inveniunt sibi loquentem in Christo…”. Como se vê não se quis afirmar conciliarmente que o Espírito Santo move a isto; nem que de fato encontram a Deus que lhes fala, mas que buscam a Deus.

[63] Modi III, p. 28, n°4.

[64] Cfr., ibid., p. 28 n°5.

[65] Cfr., A. BEA, Realizaciones del Concilio por la unión de los cristianos, ”Razón y Fe” 171 (1965, I) 253.

[66] Boll. Del Cons. Fed. Delle Chiese Evangeliche in Italia, n°21, p.8.

[67] Cfr., I Ped. 1, 14: ”quasi filii oboedientiae”. Cfr., G.CAPRILE, Aspetti positivi della terza sessione conciliare, ”La Civiltá Cattolica”, 116 (1965, I) pp. 332-333.

[68] Cfr. Rom. 6,4.

[69] No rito do batismo: “Que pedes à Igreja…? A fé. Que te dá a fé? A vida eterna”.

[70] Cfr., S. TOMÁS, Summa Theologica, 3. q. 65, a. 3.

[71] Antes dizia-se no esquema a realidade plena eucarística: “Plenam realitatem eucharisticam non servaverint”. Estas palavras suscitaram muita oposição pela sua ambigüidade. Pois, dizia-se nas emendas propostas, por falta de ordem sagrada, não há plena nem meia realidade da Eucaristia, mas só um sinal ineficaz (13 Padres), todas as vezes que os protestantes não admitem a real presença de Cristo nem o seu sacrifício real eucarístico. Acusava-se o esquema de irenismo, que por outra parte não queria admitir (115 Padres). Alguém dizia que a realidade ou é, ou não é, e que não há uma Eucaristia semi-real, e que se muitos bispos não entendiam esta palavra “plena”, como a entenderia o povo? Era enfim fonte de confusão (1 Padre). O Secretariado insistia na sua resposta que muitos protestantes admitem “alguma presença” de Cristo na Eucaristia e só cedia em propor que se lesse “plenam realitatem Mysterii eucharistici”. Cfr. Modi III, pp. 21-32, nº 11-12. Por intervenção superior do Romano Pontífice, propôs-se antes da última votação que em lugar de dizer “plena realidade da Eucaristia”, se dissesse que os protestantes, segundo cremos não guardaram a genuína e íntegra substância do Mistério eucarístico”.

[72]Cfr. Modi III, p. 30, nº 6.

[73] Cfr., LEÃO XIII, Epist. Apostolicas curae (1896): DENZINGER, Enchiridion symbolorum, nº 1963-1966; supra, nº 13, nota 1.

[74] Cfr. Modi III, p. 31, nº 8.

[75] Entende-a e explica-a, porque a divindade de Cristo comunica, diz, à sua humanidade o atributo da ubicuidade; e por isso encontra-se no pão no momento da comunhão.

[76] Sessão 13 (11 de Outubro de 1551), Decretum de SS. Eucharistia, c. 1, cn. 1: DENZINGER, Ench. Symbolorum, nº 883.

[77] Veja-se, por exemplo, em ROUET DE JUORNEL, Enchiridion Patristicum, o Indice teológico, nº 483 sg.

[78] Veja-se DENZINGER, Ench. Symbolorum, nº 355, 414, 424, 430, 574ª, 583, 698, 873ª-893, 997, 1469, 2318…

[79] Esta adição sobre “os outros sacramentos” foi uma emenda da última hora, admitida, porque no culto a função latrêutica é posta em evidência mais claramente., Modi III, p. 33, nº 17. Os sacramentos têm função primariamente soteriológica.

[80] JERÓNIMO NADAL, Orationis observationes, n.º 228, Roma 1964, p. 100;

[81] “Fides quae per caritatem operatur ( energoumene) : Gal. 3, 6

[82] Cfr, Modi II, p, 34, nº I.

[83]Mons. Garrone (de Toulouse), La Documentation Catholique, 61 (1964) 42.

 

 

FONTE 


DECRETO DO ECUMENISMO DO CONCÍLIO VATICANO II – Texto e comentário teológico e pastoral. Livraria Apostolado da Imprensa, 1966.

 

PARA CITAR 


NICOLAU, Pe. Miguel. Comentário teológico e pastoral ao Decreto sobre o Ecumenismo (parte 4) – Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/758-comentario-teologico-e-pastoral-ao-decreto-sobre-o-ecumenismo-parte-4 >. Desde: 17/01/2015.

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