Segue a tradução da intervenção do Cardeal Journet, da terça-feira, 21 de setembro de 1965, em favor da Declaração sobre a Liberdade Religiosa. Esta intervenção teve força para influenciar pois, a despeito da divisão dos Padres Conciliares sobre esta questão, o texto pôde ser votado em 07 de dezembro de 1965.
Ele foi professor toda a sua vida no seminário de Fribourg, na Suíça. Teólogo discreto, mas transformar sua vez mística e política. “Místico”, porque sua obra teológica jamais rompeu com uma contemplação nota da mente profunda, e escreveu muitos tratados teológicos e obras de vocação espiritual. “Política”, porque ele refletiu muito sobre a questão do Mal, sobretudo no que concerne a grave questão dos regimes totalitário. Ninguém nunca pôs em dúvida sua ortodoxia e competência teológica.
Veneráveis Padres,
Nesta questão sobre a liberdade religiosa, existe entre nós, de uma parte, uma fundamental unidade doutrinal e, de outra parte, as divergências que nascem sobretudo de preocupações pastorais de numerosos Padres.
Estas divergências, ao que parece, poderiam ser reduzidas, em grande medida, se melhor sublinhássemos alguns temas que se seguem e que já estão no esquema da própria Constituição:
1. A pessoa humana pertence simultaneamente a duas ordens sociais: a saber, a ordem das coisas temporais e da sociedade política, e da ordem espiritual, ou seja, a ordem do Evangelho e da Igreja.
2. No âmbito da ordem das coisas temporais, devemos dizer que a pessoa humana, se bem que sob um aspecto ela faça parte da sociedade civil, transcende toda a ordem política porque ela é ordenada para o bem perfeito e definitivo, a Deus que o criou. Portanto, neste segundo aspecto, a pessoa humana:
– é livre no que diz respeito à sociedade civil como um todo;
– mas ela deverá prestar contas a Deus por cada opção.
3. O homem que erra ou que está em pecado, ou aquele cuja consciência seja errônea, não deixa de ser uma pessoa humana e deve ser considerado como tal pela sociedade política à qual ele pertence. Não poderá ser compelido por esta sociedade política a cometer atos externos que suscetíveis de destruir a verdadeira paz. Em contrapartida, este homem um dia terá que prestar contas diante de Deus da culpabilidade ou não-culpabilidade de sua própria consciência.
4. A sociedade civil também tem o dever de manifestar publicamente a honra que ela reserva à Deus. Portanto, o próprio poder civil não pode ignorar as diversas famílias religiosas presentes na cidade, e é o seu dever de a elas recorrer para que Deus seja dignamente honrado por todos.
5. O precedente concerne aos direitos das pessoas humanas. Mas os cristãos sabem que, além desta ordem, a Igreja, pela própria vontade de Deus e de Cristo, possui o direito sobrenatural e inviolável para pregar livremente o Evangelho a toda criatura. Os apóstolos e os mártires morreram em testemunho desta liberdade.
6. Os pastores da Igreja, desde a época de Constantino e até antes, recorreram mais de uma vez ao braço secular para defender os direitos dos fiéis e para salvaguardara ordem temporal e política do que se chamava de cristandade. No entanto, precisamente sob a influência da pregação do Evangelho, a distinção entre as coisas temporais e as coisas espirituais tornou-se gradualmente mais explícita e hoje é claro para todos.
Portanto, o princípio doutrinário de que as coisas temporais estão subordinadas às coisas espirituais não é abolido, mas encontra um novo modo de aplicação, que é opor-se aos erros pelas armas da inteligência, e não pelas armas de guerra.
Se não me engano, todos estes temas já estão contidos na declaração sobre a liberdade religiosa. Talvez eles poderiam ser melhor esclarecidos. Todas estas razões me fazem da atual declaração merecedora, ao meu ver, de plena aprovação.”
J’ai dit et je vous remercie de votre attention.C. Journet, Intervention du 21 septembre 1965, citéen R. Latala –J. Rime (éd.), Liberté religieuse et Église catholique, Fribourg (Suisse), Academic Press, 2009, p. 34-35.
Texto em latim: Acta Synodalia Sacrosancti Concilii Vaticani II, vol. IV/1, Citédu Vatican, Typis Polyglottis Vaticanis, p. 424-425.
PARA CITAR
Cardeal Journet e a liberdade religiosa – Disponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/liberdade-religiosa/755-cardeal-journet-e-a-liberdade-religiosa >. Desde: 05/01/2015. Tradução: JDJ