Sábado, Dezembro 21, 2024

Respondendo objeções sobre a unidade da Igreja Católica Romana

Os católicos sempre se orgulharam da unidade da Igreja Católica na profissão de sua fé. De fato, a unidade é uma nota da verdadeira Igreja de Cristo. Os católicos sempre demonstraram que só a Igreja Católica Romana cumpre tal requisito, não existindo entre as demais vertentes do cristianismo a referida unidade. No entanto, certos protestantes apresentam algumas objeções tanto em relação à afirmação de que a Igreja de Cristo deve brilhar na unidade da fé, quanto à alegação de que a Igreja Católica romana é una na fé. Vamos abordar essas objeções nesse artigo. Antes de tudo, é bom estudarmos a definição da referida Marca da Igreja de Cristo e apresentarmos as provas. 

Os teólogos explicam que a Igreja de Cristo há de ser una quanto ao governo, culto e fé. No artigo presente vamos estudar apenas o aspecto da unidade da fé.  

A unidade da fé, por sua vez, possui dois aspectos. Ela consiste na unidade material e formal. A unidade de fé material quer dizer que todos os católicos difundidos no mundo acreditam e professam (externamente) os mesmos dogmas, ao menos de maneira implícita[1]. A unidade formal quer dizer que todos os católicos estão dispostos a aceitar as verdades que forem definidas pelo Magistério eclesiástico. Nesse artigo trataremos mais do ponto de vista da unidade de fé material. Há unidade de fé, porque a pregação sempre é constante, porque todos professam os mesmos dogmas, porque há uma só regra visível, o magistério eclesiástico, que todos reconhecem.

 

Fundamento bíblico.

 

Essa unidade material da fé é um postulado da própria natureza da Igreja de Cristo. Ora, a Igreja é uma sociedade de crentes que possui a verdadeira e integral fé em Cristo.  Jesus Cristo disse:  “Ide, pois, e ensinai a todas as nações…    ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mat, 28 20). Se os apóstolos e os seus sucessores receberam a incumbência de ensinar TUDO o que Jesus prescreveu, não é razoável pensar que a divisão na fé (ainda que em pontos ditos não fundamentais) seja lícita, a menos que tal mandamento de Cristo seja vão ou não cumprido pela Igreja, o que é absurdo imaginar.

Jesus também ao Pai o que adiante segue: “Santificai-os na verdade… e por eles me santifico a mim mesmo, para que sejam também eles santificados na verdade”(Jo 17,19). Mas se a Igreja de Cristo não é una na fé foi em vão esta oração, o que é uma tolice imaginar.

São Paulo disse “Há um só corpo e um só Espírito… um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4, 4-5). Tais versos não são conciliáveis com uma visão de um corpo com diversas crenças contraditórias.

No mesmo capítulo, São Paulo falando sobre a hierarquia da Igreja e suas funções, comenta: “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores… para edificação do corpo de Cristo… até que todos cheguemos (isto é, todos os fiéis da história) à unidade da fé… para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente”. (Efésios 4, 11-14). São Paulo demonstra, assim, que é pela vontade de Cristo que deve ser preservada a unidade de fé na Igreja, e a conservação dessa unidade se dá por meio do ministério perpétuo, instituído por Cristo, dos pastores e doutores.

Em Atos 2, 42, lemos que os fiéis perseveravam na doutrina dos apóstolos, portanto, a sua unidade de fé da Igreja primitiva é manifesta.

Em Gálatas 1, 8, sq, lemos que São Paulo profere a pena de anátema (excomunhão) aquele apresentar outro Evangelho do que foi apresentado pelos apóstolos. Ora, se quem ensina algo diferente do que foi ensinado pelos apóstolos sobre o Evangelho está fora da Igreja de Cristo por óbvio esta Igreja há de ser una na fé.

 

Fundamento patrístico.

 

Os Padres da Igreja são claros sobre essa Marca da Igreja de Cristo, sem necessitar de comentário adicional nosso.

 

O testemunho de Santo Irineu é explícito sobre essa unidade da fé: “Tendo, portanto, recebido esta pregação e esta fé, como dissemos  acima,  a Igreja, mesmo espalhada por todo o mundo, as guarda com cuidado, como se morasse numa só casa, e crê do mesmo modo, como se possuísse uma só alma e um só coração; unanimemente  as  prega,  ensina  e  entrega,  como  se  possuísse  uma  só  boca.  Assim, embora  pelo  mundo  sejam  diferentes  as  línguas,  o  conteúdo  da  tradição  é  um  só  e idêntico. As Igrejas fundadas na Germânia não crêem e não ensinam de modo diferente, nem as da Ibéria, nem as dos celtas, nem as do Oriente, nem as do Egito, nem as da Líbia, nem as estabelecidas no centro do mundo”. (Contra Heresias, L. 1, cap. 10)

Tertuliano diz: “Da mesma forma, fundaram igrejas em todas as cidades, das quais todas as outras igrejas, uma após a outra, derivaram a tradição da fé e as sementes da doutrina, e todos os dias as derivam, para que se tornem igrejas. De fato, é apenas por essa razão que elas poderão se considerar apostólicas, como filhas de igrejas apostólicas… Portanto, as igrejas, embora sejam tantas e tão grandes, compreendem apenas a única igreja primitiva (fundada) pelos apóstolos, da qual todas (brotam)”. (Sobre a prescrição dos hereges, 21)

São Cipriano também comenta: “Deus é um, Cristo é um, uma é a sua Igreja, uma a fé e o povo (cristão) é também um, aglutinado pela concórdia como na compacta unidade de um corpo. Esta unidade não pode ser quebrada. Um corpo não pode ser dividido, desarticulando as suas junturas. Não pode ser reduzido a pedaços, dilacerando e arranhando as suas vísceras. Tudo o que se separa do centro vital não pode continuar a viver ou a respirar porque fica privado do alimento indispensável à vida”. (Da unidade da Igreja, 23)

São João Crisóstomo comentando a carta aos Efésios diz: Cuida de não te arruinares, invejando um outro.  Deus  te  honrou  e  existia  para  isso,  o  profeta  para  profetizar  e  persuadir,  o evangelista  para  evangelizar,  e  o  pastor  e  o  doutor.  A  todos  se  confiara  uma  só incumbência. Não me fales de diferença de carismas; todos tinham uma só obra. De fato, se é idêntico o que acreditamos, há unidade” (Homilia 11).

Santo Agostinho diz: “Parece-te que disse algo muito agudo quando interpretas que o nome de Católica não significa uma comunhão universal, mas a observância de todos os divinos preceitos e de todos os sacramentos. Embora a Igreja chama-se Católica porque retém toda a verdade, enquanto que as diversas heresias retém uma só parte dessa verdade, quem te disse que nos apoiamos nesse nome de Católica para demonstrar que a Igreja está estendida por todas as nações, e não na promessa de Deus e nos manifestos oráculos da própria Verdade?”( (Carta 93, 23, 25). "Nada imundo ou perverso é fixado para ser contemplado ou imitado em igrejas cristãs, mas os preceitos do Deus verdadeiro são recomendados, seus milagres narrados, seus dons louvados ou seus benefícios implorados(…) A verdade não foi considerada contraditória com a razão" (A Cidade de Deus).

 

Objeção 1: Paulo relata diversas divisões na comunidade de Corinto (cf. 1 Cor 10 e 11), portanto, a igreja primitiva não era una na fé.

Resposta: Tratava-se de uma igreja nova à época, sem nenhuma direção de bispo, que estava com erros morais, rixas, partidarismos, pecados, escândalos e confusões relativos ao culto. Nada de erros em relação aos dogmas. Outra, São Paulo não está feliz com a divisão em Corinto, ele lamenta e ameaça de anátema se isso continuasse (cf. 2ª Coríntios XII-20 e 21; XIII-1 e 2 e 2ª Coríntios XIII-10). E também diz: “Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo que todos DIGAIS UMA MESMA COISA, e que não haja entre vós cismas; antes sejais perfeitos em um mesmo sentimento e EM UM MESMO PARECER” (1ª Coríntios I-10) Ou seja, o exemplo da igreja de Corinto só demonstra que a autoridade da Igreja não admitiu nunca divisões de opiniões no que se refere aos dogmas.

 

Objeção 2: A narrativa de Atos revela que houve divergência entre os cristãos sobre se os gentios deveriam observar os costumes judaicos, quanto à circuncisão e alimentação, logo a Igreja primitiva não era uma na fé.

Resposta: A divergência entre os cristãos se deu antes da definição do Concílio de Jerusalém, após o decidido todos concordaram com o parecer dos apóstolos. Como temos explicado, a unidade material da fé requer a concordância sobre dogmas definidos pela Igreja, não sobre pontos ainda controvertidos entre os fiéis.

 

Objeção 3: Orígenes relata que a Igreja era dividida em facções (cf. Contra Celso 3), detendo cada uma delas opiniões diversas, assim como, as escolas filosóficas antigamente, portanto, para este Padre da Igreja a igreja não era una na fé.

Resposta: Orígenes não diz que a Igreja era dividida em opiniões e facções, mas que os cristãos, como um gênero, eram divididos em facções e opiniões. Nesse gênero, inclui cristãos heréticos e cismáticos. Orígenes respondia a um pagão que alegava que os cristãos se dividiam em seitas, uma após outra… Assim, a intenção de Orígenes era demonstrar que essas divisões no cristianismo lato sensu não comprovavam a falsidade da doutrina de Cristo. Como prova de divisão no começo do cristianismo Orígenes cita o caso de Himeneu e Fileto e seus seguidores que negavam a ressurreição futura. Ora, Himeneu, Fileto e seus seguidores são considerados como desviados da verdade, que perverteram a fé de muitos (cf. 2 Timóteo 2.16-18). Portanto, não faziam parte da Igreja de Cristo. A propósito em todo o texto Orígenes chama as facções de “heresias” (“Em resposta a isso, dizemos que heresias de diferentes tipos…”; “surgiram heresias, que receberam seus nomes daqueles indivíduos que admiravam”). No livro 5, falará abertamente de heréticos (Valentianianos, ebionitas, etc) que “existem entre nós”, concedendo a premissa de Celso sobre a divisão do cristianismo, concluindo ao final “o que isso serve como acusação contra aqueles que pertencem à Igreja e a quem Celso denominou "os da multidão?”.

 

Objeção 4: Santo Irineu relata que houve divisão entre os cristãos na questão da comemoração da festa da Páscoa e forma de guardar o jejum, logo a Igreja antiga não era una.

Resposta: Essa divisão trata de questões de costumes e disciplina e não dogmas de fé. O próprio Santo Irineu diz: “o desacordo quanto ao jejum confirma o acordo quanto à fé." (citado por Eusébio em História Eclesiástica, L. V, XXIV, 13).

 

Objeção 5: Houve séria divergência entre cristãos sobre a questão de rebatizar os heréticos, inclusive o próprio Cipriano defendia tal posição contra Estevão, logo a Igreja antiga não era una na fé.

Resposta: Papa Estevão não definiu como verdade de fé que não é preciso rebatizar os hereges, embora mandasse não torná-los a batizar. Portanto, não houve divisão sobre dogmas de fé. É claro que São Cipriano errou, mas morreu como mártir, “de modo que qualquer nuvem que tinham obscurecido o brilho de sua mente foi expulsa pelo sol brilhante de seu sangue glorioso”. (Santo Agostinho, De bapt I, xviii, 28). Além disso, sobre a utilização dos donatistas da autoridade de Cipriano com relação ao rebatismo de hereges, Santo Agostinho explica que este teria mudado de posição se um concílio da Igreja universal tivesse decidido a questão: “Portanto, considerem os donatistas o que está patente a todos: se deve seguir-se a autoridade de Cipriano, mais deve se seguir em conservar a unidade do que em mudar o costume da Igreja. Se se deve prestar atenção a seu concílio, a este se deverá antepor-se um concílio posterior da Igreja universal, da qual se considerava membro fiel, e admoestava frequentemente para que todos lhe imitem na conservação da unidade do corpo”. (Tratado sobre o batismo, L 2, 14)

 

Objeção 6: A unidade da Igreja de Cristo diz respeito apenas aos pontos “fundamentais” e não aos “não fundamentos”, em que as comunidades podem divergir. Logo, as igrejas evangélicas possuem unidade na fé, pois concordam sobre a divindade de Cristo, Trindade, salvação pela fé, etc.

Resposta: Essa distinção de pontos de fé fundamentais e não fundamentais, criada por Calvino, não encontra amparo nas Sagradas Escrituras nem nos Padres da Igreja. Simão o Mago foi considerado apartado da Igreja de Cristo, mas seu crime (ao menos no que consta nas Escrituras) era tentar comprar o poder de conceder o Espírito Santo, conforme Atos 8. A simonia não parece contrariar algum dogma central da revelação. Não é comparável a negação da Trindade, por exemplo. Santo Agostinho disse que Tertuliano foi considerado herege por condenar as segundas núpcias, isto certamente não é um dogma central (cf. As Heresias, 86). E é evidente que para Santo Agostinho os hereges não fazem parte da Igreja (cf. De Fide et Symbolo , cap. 10 e Tract. 3, in epistolam Ioannis: "Todos os hereges, todos os cismáticos, saíram de nós, isto é, eles saíram da Igreja").

A prática dos Padres da Igreja sempre foi considerar como herege e apartado da Igreja, mesmo aqueles que não negavam dogmas fundamentais:
“Nada poderia ser mais perigoso do que esses hereges que, conservando em tudo o mais a integridade da doutrina, por uma só palavra, como que por uma gota de veneno, corrompem a pureza e a simplicidade da fé que recebemos da tradição dominical, e depois apostólica” (Auctor Tractatus de Fide Orthodoxa contra Arianos)

Santo Agostinho diz que heresias podem desenvolver-se, e que, se alguém aderir a uma só delas, por isso mesmo se separa da unidade católica. Diz ele: “Do fato de alguém não crer esses erros (a saber, as heresias que ele acaba de enumerar), não se segue deva crer-se e dizer-se cristão católico. Porque pode haver, podem surgir outras heresias que não estejam mencionadas nesta obra, e todo aquele que abraçasse uma delas deixaria de ser cristão católico” (De Haeresibus, n. 88).

E, apesar da formalidade da teoria de Calvino, os evangélicos vivem se acusando de heresias por discordarem entre si sobre existência do inferno, imortalidade da alma, predestinação, ministério de mulheres, etc, o que demonstra que nem mesmo eles crêem, na prática, na divisão proposta por Calvino.

 

Objeção 7: Houve grande controvérsia entre os católicos com relação a doutrina da Imaculada conceição, infalibilidade papal, superioridade do Papa sobre o concílio, etc.

Resposta: As controvérsias podem existir antes da definição da Igreja, não após a definição[2]. Sto. Agostinho se refere a controvérsias de teólogos em seu tempo (cf. Contra Juliano, livro 1). Depois que um Concílio ecumênico ou um papa define um ponto de fé até então controvertido, os católicos conformam o seu entendimento ao que foi ensinado pela Igreja numa infalibilidade passiva. Antes da definição, os católicos crêem nos mesmos dados revelados ao menos de maneira implícita, seja porque tal verdade está contida em outro dogma, seja porque todos estão dispostos a ceder em caso de definição dogmática. Nesse sentido, o Padre Garrigou-Lagrange explica: "Enquanto a outros dogmas, como a infalibilidade do Papa ou a Imaculada Conceição, que não eram objeto de fé explícita desde os primeiros tempos, houve trânsito não de confuso ao distinto, mas do obscuro ao distinto. A infalibilidade do Papa estava contida obscuramente no dogma da infalibilidade da Igreja e no do primado dos sucessores de São Pedro. Igualmente a Imaculada Conceição estava contida na plenitude da graça atribuída pelo arcanjo Gabriel a Maria. (…) Do mesmo modo, como disse Leibnitz (Nouv, Ess., I. II, c. 29), o vulgar tem um conhecimento obscuro das diversas espécies de plantas, o jardineiro tem um conhecimento claro das mesmas, o botânico um conhecimento distinto." (Pe. Réginald Garrigou-Lagrange, O Sentido Comum – A Filosofia do Ser e as Fórmulas Dogmáticas,  Buenos Aires, 1944, p. 251, nota 1).

 


[1] "a) Unitas fidei in eo consistit, ut fideles per orbem diffusi saltem implicite credant ac profiteantur omnes et easdem veritates, quas Ecclesia credendas proponit. Haec itaque unitas duo complecitur: consensum omnium in easdem veritates, qui consensus dicitur unitatis materialis; et adhaesionem omnium eidem principio consensum determinanti, quod est magisterium ecclesiasticum, et haec adhaesio vocatur unitatis formalis. Quare unitas fidei non tantum importat factum consensus, sed etiam jus, seu principium a quo illud factum perpetuo producitur et conservatur". (P. Mannens, Teologiae Dogmaticas Institutiones, Tomus I, 1920, p. 356)

"1) Unitas fidei postulat, ut idem doceatur atque idem credatur, ut igitur a) omnibus temporibus ibisque terrarum eadem doctrina a magisterio authentico proponatur, et b) omnia membra Ecclesiae hanc fidem externe profiteantur. Non autem requiriur fides explicita in omnes et singulas veritates revelatas; neque excluduntur controversiae theologicae de rebus nondum definitive propositis, dum modo omnes parati sint ad eas veritates admittendas, quae a magisterio authentico ut tenendae proponuntur. Ergo requiritur et sufficit, ut omnes sequantur eandem regulam fidei". (P. Ioseph Mors, De Ecclesia Christi, tomus II, 1955, pp. 218-219)

[2] "Obi. 1. In ecclesia romano-catholica decursu temporis gravissimae erant controversiae circa ipsas veritates revelatas, v. g. sacramenta, infallibilitatem papae, immaculatam conceptionem. Ergo nulla unitatas fidei.
Resp. D. ant. Ante definitivam per magisterium ecclesiasticum propositionem, tr. ant.; postea, n. ant." (P. Ioseph Mors, De Ecclesia Christi, tomus II, 1955, p. 252)

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