Segunda-feira, Maio 6, 2024

A revelação entre os cristãos separados

 

 

Deixando por ora a comunidade que se recolhe no verdadeiro rebanho de Cristo, a Igreja católica, diretamente vigiada pelo vigário de Cristo, é nos apresentado imediatamente – como a mais próxima ao rebanho – outra grande quantidade de almas: os cristãos separados. 

São Cristãos. Receberam o batismo de regeneração e levam impresso indelevelmente o selo de Jesus. Mas não são católicos. Divididos nas duas tristes famílias dos hereges e dos cismáticos, pode se calcular que chegam em conjunto a uns 320 milhões*. 

O que dizer de todos estes, quanto a possibilidade objetiva de conhecerem a revelação indispensável? 

Evidentemente, não tratamos de violar com nossos relances o secreto de sua sinceridade interior ou má fé. Isto escapa quase sempre a toda a comprovação humana. O santuário de cada consciência está fechado nessa rocha ciumenta onde somente raras vezes – através de rachaduras difíceis e incertas – pode o homem escrutar o seu próximo. Contudo, se tivéssemos que opinar sobre este último ponto, nos inclinaríamos vivamente a crer que muitos são completamente sinceros em sua posição religiosa, especialmente entre os que nasceram entre os próprios irmãos separados, foram batizados por eles e cresceram quase sem contado com a verdadeira Igreja. Aqui é bem fácil pensar que muitos sigam sendo hereges ou cismáticos com plena sinceridade, e tributem ao Senhor a forma religiosa que crêem que Ele quer, sendo assim leais consigo mesmos e com Deus. 

De modo que para estas almas sinceras buscamos sobretudo, o modo de descobrir o caminho que lhes faça possível a fé indispensável. Para os não sinceros, a falta de sinceridade é já uma resistência tal à graça que nos dispensa de buscar o que deverão fazer para ser mais iluminados por Deus. 

 

A notícia da revelação 


 

A questão da possibilidade da fé indispensável nos cristãos separados se resolve: basta-lhes com seu reduzido cristianismo. 

Haverá sido Nestório ou Eutiques, Lutero, Calvino ou Zuinglio, os que fizeram em pedaços a fé dos padres, mas salvaram os artigos de fé que são de necessidade de meio para a salvação. No cristianismo ferido das seitas, a grande massa dos cristãos separados tem ainda a possibilidade da fé que é indispensável para toda a humanidade; encontra o conhecimento do fato da revelação divina, e em particular do dogma de Deus remunerador. 

Se poderia objetar que alguns protestantes modernos alteraram totalmente a doutrina cristã, chegando a negar a própria personalidade de Deus, e assim se fizeram incapazes subjetivamente de um verdadeiro ato de fé. Mas é fácil responder que essas são exceções. E que, além disso, nem sequer em tais casos desaparece a possibilidade objetiva de conhecer a revelação de Deus, oferecida, todavia a essas mesmas almas com a esplêndida riqueza dos Evangelhos, e a possibilidade objetiva é a única que tratamos de estabelecer. 

Como conclusão, podemos dizer que a iniciação cristã poderá perfeitamente continuar dando frutos imensos de salvação nas almas sinceras, ainda com o pesado agravo de uma instrução herege. Não será, certamente, a seita a que salva, mas por meio dos homens da seita, vigiados pelo olhar de Deus, chegará às almas algo do que é da Igreja, algo que em si é católico, o mínimo indispensável. Algumas dessas almas conservarão talvez a graça recebida no batismo, e não perderão nunca. Outra voltarão a adquirir depois que a perderam, recorrendo aos sacramentos válidos da seita, ou com o ato de caridade que sua fé lhes faz possível. 

 

O tipo de certeza acerca da revelação 


 

A possibilidade de que os cristãos separados tenham com seu cristianismo a fé indispensável é um ponto fora de discussão entre os teólogos. E muitos destes não se preocupam nem sequer de compará-la com a discussão que temos agitado largamente de se é necessária para a fé tal certeza de preâmbulos que se funde em motivos válidos em si para procura-la, ou se, pelo contrário, pode bastar esse estado de certeza subjetiva não solidamente fundada, que chamamos certeza meramente relativa. 

Mas a nosso parecer é muito interessante seguir a esses teólogos que aproximam explicitamente as duas questões, e este é precisamente o momento de revisar a plena luz o que a seu tempo pode nos parecer quase o argumento mais forte para afirmar a suficiência da certeza meramente relativa. 

É certíssimo que alguns cristãos estão por completo em condições de alcançar, ainda dentro da seita, uma certeza absoluta sobre o fato da revelação divina. Os prodígios de Cristo, as profecias verificadas em Cristo e as pronunciadas por Ele e realizadas através dos séculos, são milagres perfeitamente notórios até mesmo para alguém que esteja separado da Igreja católica; por razão que é bem possível que esse veja com certeza plena a origem divina das revelações trazidas por Cristo e conservadas pela seita em seus elementos indispensáveis. Neste caso, o ato indispensável de fé de um cristão não católico seria plenamente sólido e invulnerável enquanto à invulnerabilidade que depende do melhor conhecimento dos preâmbulos. 

Por essa mesma razão é também certo que muitos cristãos separados poderão alcançar uma certeza relativa sobre o fato da revelação, entendendo a relatividade unicamente no modo imperfeito de conhecer os motivos em si válidos. Na realidade, este caso não difere do anterior além da imperfeição do conhecimento que se põe em lugar daquele conhecimento pleno e perfeito que ali se supunha; e portanto, é claro que poderá se verificar; já que, se os não católicos é possível o conhecimento perfeito do fato da revelação, o mesmo sucederá e será, inclusive, mais frequentemente possível um conhecimento meramente refinado, Também aqui é a fé evidentemente possível. 

Mas além destes dois grandes grupos de casos da solução fácil, há um terceiro menos fácil e que merece atenção especial. É o caso dessas crianças e desses rudes, que nas seitas separadas (como em qualquer outro movimento religioso) recebem instrução em matéria religiosa unicamente pelo caminho da autoridade, sem se advertir pessoalmente os motivos em que seus mestres fundam suas afirmações. Como podem estes emitir o ato de fé, entre os cristãos não católicos? 

Se para o ato de fé basta uma certeza meramente relativa do fato das revelações, estes homens simples poderão emiti-lo evidentemente e ser verdadeiramente crentes. Com efeito, o ensinamento da mãe ou do pastor tem grande peso para eles, e bastará, geralmente, para produzir a firme e tranquila persuasão de que Deus revelou realmente as verdades fundamentais, ainda que seja um ensinamento completamente privado (segundo os princípios de muitas seitas) e certamente não esteja conectado de modo algum com o ensinamento da Igreja. 

Por outro lado, se para o ato de fé se requer uma certeza dos preâmbulos fundada em motivos válidos em si mesmos, dificilmente se poderá escapar desta alternativa: ou se dirá que todos esses seres simples percebem ao menos em certo modo, no ensinamento de outro, os sinais que objetivamente levam selo da revelação cristã (milagres e profecias), ou se negará que muitos deles possam crer com verdadeiro ato de fé. Então as duas partes dessa alternativa nos parecem duras de aceitar. O primeiro parece uma solução artificiosa, pensada sobre a mesa de estudo, sem ter em conta uma experiência que fala de modo muito diferente. O segundo parece uma solução demasiada rígida e contrária ao sentido geral dos teólogos. 

A suficiência da certeza meramente relativa aparece, pois, não pouco comprovada por este caminho. Entre os cristãos separados a fé indispensável é possível para a opinião comum, e parece que isto possa valer igualmente para as crianças e para os não instruídos; mas esta última possibilidade parece que inclui praticamente a afirmação de que a fé é possível também no caso em que o fato da revelação conste através de motivos que, considerados em si, não seriam dignos de despertar um estado de certeza. 

 

Seja com for da discussão anterior, não ficará mal terminar aqui com uma observação breve, como um parêntese em nosso caminho. 

Com essa observação queremos destacar algum de tantos benefícios que temos recebido por nossa educação católica. Entre nós, e só entre nós, o mero ensinamento da mãe ou do pároco são capazes de por si para dar aos menos cultos uma certeza plena acerca do fato da revelação, porque somente entre nós esse ensinamento se apresente como porta-voz do magistério autêntico da Igreja, que em seu caso está conectado essencialmente com um perene milagre: o milagre próprio da Igreja. 

Poderão cair sobre nós tempestades de dúvidas, mas sempre teremos a nossa disposição os motivos de credibilidade, unidos além disso ao poderoso fôlego da graça que no íntimo de nosso coração nos convida a estar seguros… 

 

* O leitor atine-se para a época  em que a obra foi escrita.

 

FONTE


LOMBARDI, Pe. Ricardo. La Salvacion del que no tiene fe, editorial Herder, ano 1953, p. 252-257.

 

PARA CITAR 


LOMBARDI, Pe. Ricardo. A revelação entre os cristãos separados – Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/737-a-revelacao-entre-os-cristaos-separados>. Desde: 29/10/2014. Tradução: SDS.

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