Foto Extraída do Livro “Inquisition” do doutor Edward Peters.
Tradução da descrição: “”L Mosheim História Michaelis Serveti (Helmstedt 1727). A execução de Miguel Servet se tornou o símbolo dos perigos de uma “Inquisição protestante “e foi usado por muitos adeptos de tolerância religiosa como um contraponto à Inquisição espanhola. Este frontispício da biografia de Mosheim retrata Servet – provavelmente de forma imprecisa – bem como sua execução, em Genebra.”
Miguel Servet ou Servetus, foi um médico espanhol nascido na cidade de Aragão. Este é um dos casos mais famosos, se não o mais famoso caso de um herege morto na Genebra dominada por Calvino.
Ele se tornou protestante, depois se tornou antitrinitariano. Foi condenado na França pela inquisição católica, embora não tenha sido executado ou sofrido alguma pena, em seu lugar foi queimado um boneco que simbolizava sua heresia. Servet foi para a cidade de Genebra na Suíça onde foi preso, julgado e executado a mando de Calvino.
O presente relato histórico está presente na obra “História da Igreja Cristã” de vários Volumes escritos pelo historiador protestante Philip Schaff disponível para ser consultada neste site calvinista, <http://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc8.iv.xvi.xiv.html>, <http://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc8.iv.xvi.xix.html>, <http://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc8.iv.xvi.xx.html>.
O caso de Miguel Servet
Por Philip Schaff
Historiador Protestante
§ 149. Servet foge para Genebra e é preso.
Ele [Servet] tomou o seu caminho para Genebra. Ele chegou lá depois de meados de Julho de 1553, sozinho e a pé, tendo deixado seu cavalo na fronteira francesa. Ele se hospedou na Auberge de la Rose, uma pequena pousada, nas margens do lago. Sua vestimenta e forma, sua corrente e anéis de ouro, chamavam atenção. Ao ser questionado por seu anfitrião se ele era casado, ele respondeu, como um cavaleiro alegre, que mulheres suficientes poderiam ser encontradas sem casar. Esta resposta frívola provocou suspeita de imoralidade, e isso foi usado no seu julgamento, mas injustamente, pois uma fratura impedia-o de casar e da libertinagem.
Ele permaneceu cerca de um mês e então pretendia ir para Zurique. Ele solicitou a seu hospedeiro o aluguel de um barco para transportá-lo pelo lago a alguma distância para o leste.
Mas antes de sua partida, ele foi a igreja, no domingo, dia 13 de agosto. Ele foi reconhecido e preso por um oficial da polícia em nome do Conselho.
Calvino foi responsável por esta prisão, como ele francamente e repetidamente reconheceu. Foi um erro fatal. Servet era estrangeiro e não havia cometido nenhum crime em Genebra. Calvino deveria ter permitido que ele calmamente prosseguisse em sua viagem pretendida. Por que então ele agiu de outra forma? Certamente não por maldade pessoal, nem outras razões egoístas; pois ele só aumentou a dificuldade de sua situação crítica, e correu o risco de ser derrotado para o partido Libertino que estava então no poder. Foi um erro de julgamento. Ele tinha a falsa impressão de que Servet tinha acabado de chegar de Veneza, o quartel general dos humanistas italianos e céticos, para propagar seus erros, em Genebra, e ele considerou que era seu dever fazer como que este homem tão perigoso fosse trazido ou a condenação e retratação, ou a punição merecida. Ele estava determinado a permanecer firme ou cair com o princípio da pureza da doutrina e disciplina. Rilliet justifica a prisão como uma medida necessária para a auto-defesa. “Sob pena de abdicação”, diz ele, “Calvino teve que fazer de tudo, em vez de deixar de lado, em Genebra, um homem a quem ele considera o maior inimigo da Reforma; e a posição crítica em que ele se viu no seio da República, foi um motivo a mais para remover, se fosse possível, o novo elemento de dissolução que a permanência livre de Servet teria criado …. Tolerar Servet impunemente em Genebra teria sido para Calvino o próprio exílio… Ele não tinha alternativa. O homem a quem uma acusação calvinista tinha causado a prisão, julgamento e condenação às chamas na França, não conseguiu encontrar asilo na cidade da qual a acusação tinha sido emitida.”
No dia 23 de Outubro, o Conselho reuniu-se para um exame cuidadoso das respostas das igrejas, mas não conseguiu chegar a uma decisão por conta da ausência de vários membros, especialmente Perrin, o principal Síndico, que fingiu doença. Servet falhou ao excitar qualquer simpatia entre o povo, e tinha ferido sua causa por sua conduta obstinada e desafiante. Os libertinos, que pretendiam usá-lo como uma ferramenta para fins políticos, foram desencorajados e intimidados pelo conselho de Berna, ao qual eles procuravam por proteção contra o regime odiado de Calvino.
A sessão plena do Conselho no dia 26, ao qual todos os conselheiros foram chamados sobre a fé de seu juramento, decidiu o destino do infeliz prisioneiro, mas não sem uma discussão tempestuosa. Amy Perrin presidiu e fez um último esforço em favor de Servet. Num primeiro momento, insistiu em sua absolvição, o que teria sido equivalente a expulsão de Calvino e um triunfo permanente do partido em oposição a ele. Sendo frustrado, ele propôs, como outra alternativa, que Servet, de acordo com seus próprios desejos, fosse transferido para o Conselho dos duzentos. Mas essa proposta também foi rejeitada. Ele estava influenciado pela paixão política e não por simpatia com a heresia ou por amor a tolerância, que tinha muito poucos defensores naquele momento. Quando ele percebeu que a maioria do Conselho estava inclinado a uma sentença de morte, ele deixou o Senado com alguns outros.
O Conselho não tinha dúvidas de sua jurisdição no caso; ele tinha que respeitar o acórdão unânime das Igrejas, o horror público da heresia e blasfêmia, e as leis imperiais da cristandade, que foram objeto de recurso pelo procurador-geral. A decisão foi unânime. Até mesmo o desejo de Calvino de substituir o fogo pela espada anulado, e a prática papal do auto-da-fé seguida, embora sem a zombaria solene de um festival religioso.
Os juízes, depois de enumerar os crimes de Servet, tais como chamar a santa trindade de um monstro de três cabeças, blasfemar contra o Filho de Deus, negando o batismo infantil como uma invenção do diabo e da bruxaria, atacando a fé cristã, e depois de mencionar que ele havia sido condenado e queimado em efígie em Viena, e persistiu durante a sua permanência em Genebra nos seus erros vis e detestáveis, chamou todos os verdadeiros cristãos de Triteistas, ateus, feiticeiros, deixando de lado todos os protestos e correções com uma obstinação maliciosa e perversa, pronunciaram a sentença temida:
“Condenamos-te, Miguel Servet, a ser preso, e levado a localidade de Champel, há de ser preso a uma estaca e queimado vivo, juntamente com teu livro, tanto o que foi escrito por tua mão quanto o que foi impresso, até mesmo o teu corpo seja reduzido a cinzas, e assim tu terminar os teus dias para fornecer um exemplo para outros que queiram cometer similares erros”
“E nós ordenamos ao nosso tenente que se certifique que esta nossa presente sentença seja executada.”
Rilliet, que publicou o relatório oficial do julgamento no interesse da história, sem simpatia especial com Calvino, diz que a sentença de condenação é “odiosa diante de nossa consciência, mas estava apenas de acordo com a lei.” Demos graças a Deus que essas leis não cristãs e bárbaras estão abolidas para sempre.
Calvino comunicou a Farel no dia 26 de outubro, um breve resumo do resultado, no qual ele diz:
“O mensageiro voltou das Igrejas suíças. Elas são unânimes em declarar que Servet renovou agora esses erros ímpios com que Satanás anteriormente perturbou a Igreja, e que ele é um monstro que não deve ser tolerado. Aqueles de Basileia são criteriosos. Os zuriquenses são os mais veementes de todos… Os de Schaffhausen concordam. À uma carta apropriada da Bernese é anexado uma do Senado em que eles estimulam muito. Caesar, o comediante [assim ele sarcasticamente chamava Perrin], depois de fingir estar doente durante três dias, foi a assembléia, a fim de libertar esse desgraçado [Servet] da punição. Nem teve vergonha de pedir que o caso fosse submetido ao Conselho dos duzentos. No entanto, Servet foi sem discordância condenado. Ele será levado ao castigo amanhã. Nós nos esforçamos para alterar o modo de sua morte, mas em vão. Porque não tivemos êxito, eu adiarei a narração até vê-lo.”
Esta carta chega a Farrell em seu caminho a Genebra, onde chegou no mesmo dia, a tempo de ouvir a sentença de condenação. Ele tinha vindo a pedido de Calvino, para realizar os últimos deveres pastorais ao prisioneiro, que não poderiam ser muito bem feitos por qualquer um dos pastores de Genebra.
§ 155. A Execução de Servet. 27 de Outubro de 1553.
Farel, em uma carta a Ambrosius Blarer, de dezembro de 1553, preservada na biblioteca de São Gall, e copiada na Thesaurus Hottingerianus da biblioteca da cidade de Zurique, dá conta dos últimos momentos e execução de Servet. Ver Henry, vol. III. Beilage, pp. 72-75. Calvino, no início de sua “Defesa”, Opera, VIII. 460, refere-se a seu ultimo encontro com Servet na prisão no dia da sua morte.
Quando Servet, na manhã seguinte, ouviu a sentença inesperada da morte, ele ficou horrorizado e se comportou como um louco. Ele soltou gemidos, e clamou em alta voz em espanhol: “Misericórdia, misericórdia!”
O venerável ancião Farel visitou-o na prisão às sete horas da manhã, e permaneceu com ele até a hora de sua morte. Ele tentou convencê-lo de seu erro. Servet pediu-lhe para citar uma única passagem bíblica onde Cristo foi chamado de “Filho de Deus” antes de sua encarnação. Farel não podia satisfazê-lo. Ele teve um ultimo encontro com Calvino, do qual o último nos relata. Servet, orgulhoso como era, humildemente pediu o seu perdão. Calvino protestou que nunca teve qualquer disputa pessoal contra ele. “Dezesseis anos atrás”, ele disse, “Eu não poupei dores em Paris para ganhá-lo ao nosso Senhor. Você, então, evitava a luz. Eu não deixei de exortar-vos por cartas, mas tudo em vão. Você amontoa sobre mim, não sei o quanto de fúria ou de raiva. Mas quanto ao resto, eu passei por aquilo que me diz respeito. Pense em vez de clamar pela misericórdia de Deus, contra quem blasfemou”. Este discurso não teve mais efeito do que a exortação de Farel e Calvino deixou a sala em obediência, como ele diz, conforme a ordem de Paulo (Tit. 3, 10, 11), a retirar-se de um herege auto-condenado. Servet parecia tão leve e humilde quanto parecia corajoso e arrogante, mas não mudou sua convicção.
Às onze horas, no dia 27 de outubro, Servet foi levado da prisão para os portões da Prefeitura para ouvir a sentença lida da varanda pelo Senhor Síndico Darlod. Quando ouviu as últimas palavras, ele caiu de joelhos e exclamou: “A espada em misericórdia e não incêndio ou eu posso perder minha alma em desespero!”. Ele protestou que, se ele tivesse pecado, foi por ignorância. Farel o levantou e disse: “confessa o teu crime, e Deus tenha piedade de sua alma.” Servet respondeu: “Eu não sou culpado; Eu não mereço a morte.” Então ele bateu no peito, invocou a Deus o perdão, confessou Cristo como seu Salvador, e pediu a Deus que perdoasse os seus acusadores.
Na pequena viagem até o local da execução, Farel novamente tentou obter uma confissão, mas Servet ficou em silêncio. Ele mostrou a coragem e consistência de um mártir nestes últimos momentos terríveis.
Champel é um pouco ao sul de Genebra, com uma bela vista sobre um dos mais belos paraísos da natureza. Havia uma pilha funeral preparada escondida em parte pelas folhas outonais das árvores de carvalho. O senhor tenente e o arauto a cavalo, ambos vestidos com a insígnia de seu cargo, chegaram com o homem condenado e o pastor idoso, seguido por uma pequena procissão de espectadores. Farel convida Servet para solicitar as orações do povo e unir suas orações com as deles. Servet obedece em silêncio. O carrasco prende-o por correntes de ferro, coloca uma coroa de folhas cobertas de enxofre em sua cabeça, e coloca o livro ao seu lado. A visão da tocha flamejante tirou dele um grito agudo de “Misericórdias” em sua língua nativa. Os espectadores ficaram estremecidos. As chamas logo alcançaram-no e consumiram o seu corpo mortal no quadragésimo quarto ano de sua vida irregular. No último momento, ouviram ele orar, na fumaça e agonia, em alta voz: “Jesus Cristo, Filho do Deus eterno, tem misericórdia de mim!”
Isto era ao mesmo tempo uma confissão de sua fé e de seu erro. Ele não poderia ser induzido, diz Farel, a confessar que Cristo era o Filho eterno de Deus.
A tragédia terminou quando o relógio de São Pedro bateu a meia-noite. As pessoas tranquilamente se dispersaram para as suas casas. Farel voltou imediatamente para Neuchâtel, mesmo sem recorrer a Calvino. O assunto era doloroso demais para ser discutido.
A consciência e de piedade daquela época aprovava execução, e deixava pouco espaço para as emoções de compaixão. Mas duzentos anos depois, um ilustre estudioso e ministro de Genebra ecoou os sentimentos de seus concidadãos, quando disse: “Quisera Deus que pudéssemos extinguir este pira funerária com nossas lágrimas.” Dr. Henry, o biógrafo admirador de Calvino, imagina um júri imparcial cristão do século XIX montado em Champel, que pronunciaria o julgamento sobre Calvino, “não culpado”; e Servet, “culpado, com circunstâncias atenuantes”.
As chamas de Champel consumiram a intolerância de Calvino, bem como a heresia de Servet.
History of the Christian Church, Volume VIII: Modern Christianity. The Swiss Reformation.