Comunhão na mão
Damasus Winzen, O.S.B.
Qualquer apresentação que experimentasse defender o presente costume de dar a Santa Comunhão diretamente na boca do recebedor como o resultado de uma mais profunda e mais desenvolvida teologia do sacramento da Eucaristia não faz justiça à realidade histórica, a qual é muito mais complicada.
Um fator que certamente influenciou a atitude do clero e do povo com respeito a Eucaristia é a grande ênfase sobre a Eucaristia como um mysterium tremendum. Isso é muito evidente na Igreja de Antioquia no curso do século quinto, como nós podemos ver a partir dos escritos de Teodoro de Mopsuestia, quem em suas catequeses mistagógicas tenta ocupar seus ouvintes com um profundo senso de respeito, até mesmo de medo e terror, em face da Eucaristia. A Consagração bem como a Comunhão são momentos terríveis, as quais os fiéis assistem com medo e temendo. Falando sobre a recepção da Santa Comunhão ele explica que a visão de Isaías do anjo com o carvão em brasa indica claramente que os fiéis nunca deveriam ousar receber o sacramento sem a mediação de um padre, e que o próprio padre poderia tocar o sacramento unicamente por causa da graça espiritual que ele recebeu diretamente por meio de sua ordenação presbiteral. No momento da recepção eles mesmos devem se perguntar como um homem, mortal como ele é, sobrecarregado com pecado, poderia alguma vez ser digno de receber o corpo que é imortal, o qual está no paraíso, na mão de Deus, louvado e adorado por todos como Senhor e Rei. Portanto, até mesmo essa enfática acentuação de reverência não leva o autor demandar que a Eucaristia não deva ser dada nas mãos dos fiéis na recepção do sacramento, que era o costume em toda a parte.
O mesmo vale para Narses, o famoso mestre na escola de catequese de Edessa, e o fundador da escola de Nisibis. Ele iniciou aproximadamente uma década antes da morte de Teodoro, e ele seguiu as pegadas de Teodoro, com a mesma ênfase sobre a atitude de medo e tremor para padres e povo na presença da Eucaristia. O santuário é para ele um símbolo do Reino de Deus, e o altar é o símbolo do trono do Único Grande e Glorioso.
São João Crisóstomo é provavelmente o mais excepcional representativo dessa escola de pensamento. Em suas homilias ele nunca cessa de exortar os fiéis a receber esse terrível sacramento com medo e tremor. No entanto, a única conclusão prática que ele tira a partir desse ensinamento é que os fiéis não devem abordar o sacramento com suas mãos estendidas – mas sim de modo a preparar a mão esquerda o trono da mão direita e curvar esta última para receber o sacramento no espaço vazio da mão direita.
Nós encontramos o mesmo espírito na quinta homilia catequética de Cirilo de Jerusalém, por volta da metade do quarto século, e na liturgia do II Livro das Constituições Apostólica, usado no quarto século no Patriarcado de Antioquia. De fato, todos esses autores e documentos representam a tradição da Igreja de Antioquia, fortemente influenciada pelas tendências anti-Arianas, e por sua vez exercendo uma profunda influência sobre o desenvolvimento das liturgias de todas as Igrejas Orientais. O rito de oferecimento dos dons se tornou mais e mais uma entrada do Rei dos Reis, rodeado pelas hóstias invisíveis dos anjos, e desaparecendo atrás das portas do santuário, lugar sobre o trono do altar e separado da vista dos fiéis pela iconóstase.
É importante perceber que esta escola de pensamento, embora nunca leve a uma mudança do rito de receber a Comunhão na mão, não era de forma alguma a única forma de piedade litúrgica. No próprio Oriente, nunca foi compartilhada pelos Padres da Capadócia. Os escritos de Basílio, Gregório de Níssa, e Gregório de Nazianzo não contêm qualquer expressão desse temor, mas antes enfatiza o elemento de anthropophilia, da bondade amorosa e humanidade. O mesmo é verdadeiro do Egito com a Euchologion de Serapis de Thumis. Em todos esses círculos a ideia de aproximação e união e paz e relação amigável (homilis) prevalece. É, como todos sabemos, esta última "escola" que transformou, sob o pontificado de Pio X, toda a abordagem da Eucaristia na Igreja Católica Romana. Embora isso certamente tenha sido uma reação contra o que é chamado de Jansenismo do Ocidente, estava, no entanto, em completa harmonia com a tradição ocidental clássica de piedade eucarística. Isso fica muito evidente quando lemos os sermões de Santo Ambrósio nas duas coleções, De mysteriis e De sacramentis. Aqui a alma é a esposa de Cristo, a irmã do Senhor, e Cristo é o esposo e o irmão. É o elemento do amor que domina a piedade eucarística na tradição clássica ocidental.
Dois Novos Fatores no Ocidente
A questão então surge por que no Ocidente, de todos os lugares, a Comunhão na boca tornou-se o costume oficial? A razão para esta mudança não pode ser apenas um aprofundamento do sentido de reverência a partir de uma compreensão teológica mais clara da presença eucarística. Vimos que esse sentimento de reverência atingiu em partes do Oriente uma intensidade que nunca obteve no Ocidente, e coexistiu o tempo todo com a recepção da Eucaristia na mão. Sem pretender dar uma resposta completa a esta pergunta, gostaria de chamar a atenção para dois fatores que parecem ter influenciado o desenvolvimento de uma atitude popular em relação à Eucaristia: um é a progressiva clericalização da liturgia; a outra é a compreensão naturalista da presença sacramental que se desenvolveu na Idade Média como uma reação contra o conceito simbolista da Eucaristia de Berengário.
A pesquisa decisiva foi feita pelo padre Peter Browe em uma série de artigos publicados em O. Casel's Liturgische Jarhbuch, Vol. IX (1930) sobre a "Elevação" na Missa; Vol. XIII (1935) em "Kommunionandacht"; Vol. XV (1941) "Mittelalterliche Kommunionriten". Todos esses artigos foram publicados depois num volume intitulado Die Verehrung der Eucharistie im Mittelater. Vê-se por estes artigos que, por um lado, a legislação eclesiástica provocou um crescente distanciamento entre o povo e o altar. Nas antigas ordenanças romanas a distribuição da Sagrada Comunhão se dá sob ambas as espécies de tal forma que o clero leva o Corpo e o Sangue de Cristo ao povo na nave. Este costume prevaleceu na missa papal até o século X. O Papa comungou em seu assento, onde também entregou o Corpo de Cristo aos bispos e sacerdotes. Então ele entrou na nave e deu a comunhão aos membros do senado romano e suas esposas. Então ele voltou ao santuário para distribuir a Comunhão ao baixo clero, enquanto ao mesmo tempo os sacerdotes iam ao povo. O costume das pessoas se aproximarem do altar já está estabelecido em muitas igrejas no Oriente e no Ocidente no século IV. Durou mais tempo na Gália, onde o Concílio de Tours (567) confirmou expressamente o direito do povo de entrar no santuário para receber a Sagrada Comunhão. Esta confirmação não teria sido declarada, se naquela época o costume não tivesse sido atacado.
De fato, já em meados do século IV, o Concílio de Laodicéia proibiu os leigos de entrar no santuário para a Comunhão. A principal razão foi a crescente desconfiança sobre a entrada de mulheres no santuário. Enquanto durante séculos a censura do Concílio de Laodicéia não foi observada na grande maioria das igrejas do Oriente e do Ocidente, eventualmente acabou prevalecendo a tendência de excluir os leigos de entrar no santuário na Missa. Temos decretos papais para este efeito a partir do século IX em Roma, e na Espanha decretos do século VI e VII, declarando que nem homens nem mulheres podiam entrar no santuário para a Santa Comunhão.
Na França encontramos decretos dos séculos VII e VIII proibindo apenas as mulheres de receber o sacramento no santuário. Essa distinção entre homens e mulheres foi mantida até os séculos XVII e XVIII, e em muitos lugares foi estendida também aos homens, especialmente onde os cancelli que separavam o santuário da nave cresciam em paredes sólidas, para que a distribuição da Comunhão ao povo fosse transferida para outro altar, fora do santuário.
De mãos dadas com essa remoção gradual das pessoas do santuário, veio outra legislação eclesiástica que limitava cada vez mais as possibilidades de os leigos receberem a Comunhão. Mulheres em menstruação foram excluídas por determinados momentos após o período menstrual. As pessoas casadas não podiam receber a Comunhão por vários dias depois de terem tido relações conjugais, ou eram aconselhadas a abster-se de relações conjugais uma semana antes de receber a Comunhão. Qualquer um também foi considerado incapaz de receber depois de ter tocado um cadáver. Todos esses decretos foram baseados nas leis de impureza do Antigo Testamento, que no início da Idade Média voltaram a ter força de lei. Em geral, as regras de penitência canônica emitidas pelos concílios locais no início da Idade Média restringiam enormemente a participação na Comunhão e forçavam as pessoas a se absterem da Comunhão por anos e anos.
No entanto, apesar de todo esse afastamento crescente da Eucaristia, o costume de receber a Comunhão em pé durou até os séculos XV e XVI. Devemos ter em mente que a cancelli entre o santuário e as pessoas não eram como as bancadas de comunhão que conhecemos, mas eram muito mais altas, de modo que as pessoas que recebiam por fora da cancelli tinham que ficar de pé. O mesmo também era exigido enquanto a Comunhão fosse recebida sob ambas as espécies. Era preciso ficar de pé para beber do cálice.
Novas Formas de Piedade Eucarística
Enquanto a legislação da Igreja contribuiu para a crescente clivagem entre o povo e a Eucaristia, a devoção do povo tentou preencher a lacuna por meio de novas formas de piedade eucarística. Olhar para o sacramento era a forma mais popular de compensar as dificuldades de recebê-lo, e a teologia pastoral medieval promovia esse desejo do povo de ver a Hóstia com mais generosidade. A festa de Corpus Christi serviu a esse propósito. "Ostensórios" especiais foram construídos para "expor" o Santíssimo Sacramento. Os sacerdotes recebiam remunerações especiais para levantar a Hóstia logo após a consagração, e os sinos indicavam ao povo o momento em que essa oportunidade lhes era concedida. Todo o acento da devoção popular deslocou-se para o fato da presença real de Cristo na Hóstia, e o sentido principal da Missa era levar o Senhor do céu à terra. Sua presença no sacramento sozinho era o fato santificador. Inúmeras lendas iam de boca em boca para provar o fato do poder mágico do sacramento, e as pessoas tentavam se apossar de uma Hóstia consagrada como o meio mais poderoso de curar todos os tipos de doenças ou de obter proteção contra o fogo ou contra o mau-olhado, ou para a frutificação dos campos.
Toda essa superstição tornou necessário que a autoridade eclesiástica legislasse para a proteção do sacramento contra tal abuso, e a maneira mais fácil de fazer isso era impedir que o povo se apoderasse da Sagrada Espécie. Enquanto prevalecesse o costume de entregar o pão consagrado nas mãos dos fiéis, o clero tinha que se preocupar que as pessoas lavassem as mãos antes de receber. Então, quando se tratava das mulheres, o clero ficou ainda mais nervoso em entregá-lo em suas mãos, porque as mulheres eram consideradas mais "impuras" do que os homens, de modo que homens santos como Cesário de Arles recomendavam que fossem entregues lenços especiais para resguardar as espécies sagradas. Mas com todas essas precauções ainda não se tinha certeza de que o povo não escondia o sacramento para levá-lo para casa como um amuleto mais poderoso (em vez de comê-lo), o que, sob a impacto de uma legislação estrita parecia ser uma coisa muito perigosa. O lógico então era dar a Comunhão direto na boca.
Esses poucos pontos poderiam ser adicionados. As duas obras clássicas de Adold Franz: Die Messe im Mittelaltar e Kirchliche Benedikitionen im Mittelaltar fornecem o material de base mais completo para mostrar que o recebimento da Comunhão na Igreja Ocidental se desenvolveu não tanto sob a influência de uma teologia aprofundada, mas sob a pressão de ter que proteger o sacramento contra uma piedade bastante materialista por parte das massas incultas, cada vez mais e mais afastadas do verdadeiro sentido da presença eucarística.
Nossa Presente Situação
A história das Igrejas Orientais mostra que o sentimento de reverência não entra em conflito com a recepção da Sagrada Comunhão à mão. No que diz respeito a nós, na Igreja Romana, um sentimento de reverência pela Eucaristia que cercaria o sacramento com um sentimento de medo e temor ou terror não é próprio de nossa atitude tradicional em relação a este sacramento, nem está em harmonia com o legislação e a nova atitude em relação a este sacramento que foi promovida por São Pio X e foi consideravelmente re-enfatizada pelo Concílio Vaticano II. Este ensinamento dá ênfase à Eucaristia como manifestação do Amor de Deus por nós como vínculo de união entre os católicos.
Certamente não é sem fundamento na história que os leigos hoje encontram a alimentação da Eucaristia na boca como um sinal externo de serem considerados cristãos de segunda ou terceira classe. Este é especialmente o caso, porque é tão óbvio que os leigos médios hoje são muito mais educados no real significado da Eucaristia. Eles também são, portanto, muito menos propensos à tentação de usar as espécies consagradas para fins supersticiosos. Não se pode enfatizar constantemente sua maturidade e depois tratá-los como crianças, pedindo-lhes que recebam a Eucaristia de uma maneira que é obviamente ditada por um senso de suspeita e medo da profanação do sacramento pelas mãos do povo.
O recebimento da Eucaristia pelas mãos não deve ser considerado meramente como uma tentativa ansiosa de não ofender o recém-descoberto senso de dignidade que os leigos têm de si mesmos como pertencentes a uma "raça sacerdotal". Também está mais de acordo com o espírito do sacramento, que não é de medo, mas de união íntima, como irmãos e irmãs. O significado do sagrado não é a sua "intocabilidade", pelo menos não no contexto cristão, mas o amor e a união que são mais bem servidos na comunhão manual.
Na prática, a Comunhão à mão aceleraria o tempo necessário para a distribuição da Comunhão. A nova forma de pão de verdade que agora está sendo sugerida para uso em nossos dias torna muito mais difícil alimentar diretamente na boca do receptor e torna o recebimento manual da maneira mais segura. Sempre que o cálice é administrado ao povo, deve-se permitir que o próprio povo tome o cálice, pois isso já é feito em muitas comunidades religiosas. A posição em pé, que praticamente se tornou um costume universal, também dificulta a manutenção do costume de alimentar-se pela boca, que de fato, em grande parte, era utilizado pelo costume de ajoelhar-se na recepção. da Eucaristia. O alto cantelli desapareceu para permitir que as pessoas praticassem o novo costume de se ajoelhar na recepção do sacramento. Eles foram substituídos por "grades de altar" baixos. Isso ocorreu durante o período da Contra-Reforma, após o Concílio de Trento. E esse costume, por sua vez, exigia a colocação da Hóstia, que naquela época havia se reduzido a uma pequena hóstia, bem na língua do receptor. No entanto, com costumes como esses, é difícil estabelecer uma ordem clara de desenvolvimento. Geralmente é que o "clima" geral começa a mudar, e os ajustes que então ocorrem raramente são ditados apenas pela coerência lógica, como se pode ver claramente na execução prática da linha geral prescrita para a reforma litúrgica do Vaticano II, ou seja, que simplifique e clarifique os ritos da Missa em harmonia com o seu significado evidente de refeição sacrificial. Deste processo, a recepção manual da Sagrada Comunhão seria uma parte orgânica.
Formas de Compartilhar a Eucaristia
A redação para esta seção foi escolhida pelo esquema. Nas discussões atuais sobre o que se torna a mecânica de receber a Sagrada Comunhão, pode envolver palavras que não fazem justiça às atitudes que precisam ser exploradas antes que qualquer meio prático seja empregado para transmitir eles. Ouvimos falar de "auto-comunhção" ou "recepção manual" quando o assunto surge. Se optarmos por discutir uma maneira de compartilhar a Eucaristia no altar, o ônus dessa ação sagrada recai sobre ambas as partes envolvidas. De uma forma muito fundamental: Cristo é a Hóstia e os fiéis recebem como convidados nesta sagrada ceia. As atitudes do sacerdote que preside e dos fiéis que recebem na Celebração Eucarística devem ser regidas por este simples fato. Na atual prática, dois extremos podem ser observados que tendem a criar uma falsa imagem dos papéis do sacerdote e do povo. A prática de fazer com que as pessoas se aproximem sem qualquer significação pessoal de seu papel como aquele que recebe parece ser um extremo, embora seja talvez o mais comumente vivenciado atualmente. Ficar com a língua estendida não é um gesto humano normal, muito menos bonito. É um gesto que se conduz à passividade mecânica e tem em si uma marca do infantil por parte de quem o recebe. Por outro lado, notou-se que alguns padres, talvez em um esforço equivocado de envolver os leigos, depois de comungarem no altar, retiraram-se para a cadeira do presidente e permitiram que o povo viesse ao altar e servir ou auto-comungar. Isto faz da Eucaristia uma ceia de bufe que é contrária a qualquer tradição litúrgica e valor de sinal humano.
Se nos concentrarmos em um modo de compartilhar a Eucaristia que está enraizado em uma tradição escriturística e está ao mesmo tempo atento à dignidade tanto do sacramento quanto dos participantes, essas duas possibilidades parecem se apresentar.
Em primeiro lugar, o sacerdote pode oferecer o pão eucarístico em uma patena adequada para que o povo possa estender a mão e tomá-lo com as próprias mãos. Isso retém a interação direta do sacerdote e do povo e significa o papel de cada um com alguma clareza. O padre ainda proclamaria "O Corpo de Cristo" à medida que cada pessoa se aproximasse.
Em segundo lugar, o sacerdote pode levantar e proclamar "O Corpo de Cristo" com cada pedaço de pão antes de colocá-lo na mão estendida da pessoa. Há aqui uma interação mais pessoal que parece favorecer esse método. As mãos, colocadas da esquerda para a direita e levantadas num gesto de acolhimento, abertas e à espera, exigem um envolvimento e uma escolha pessoal que, se não inerentemente mais claro, é pelo menos mais belo e digno do que um gesto semelhante com a língua. tura com a língua. Do ponto de vista da catequese e da estética, este simples gesto de acolhimento presta-se a integrar-se com a atitude básica de quem recebe e parece decorrer de tal atitude de forma bastante natural. A fluidez do movimento é importante e a posição sugerida, a mão esquerda sobre a direita (supondo uma pessoa destra) permite que a mão direita coloque o pão na boca com uma facilidade natural. Um movimento mais uniforme e rápido de todos os comungantes também é facilitado pelo padre colocando o pão na mão, mas, mais importante, permite que a proclamação "O Corpo de Cristo" signifique "para você" e pode servir para enfatizar novamente o papel do sacerdote como aquele que está ali como o Cristo que serviu.
Um fator que certamente influenciou a atitude do clero e do povo com respeito a Eucaristia é a grande ênfase sobre a Eucaristia como um mysterium tremendum. Isso é muito evidente na Igreja de Antioquia no curso do século quinto, como nós podemos ver a partir dos escritos de Teodoro de Mopsuestia, quem em suas catequeses mistagógicas tenta ocupar seus ouvintes com um profundo senso de respeito, até mesmo de medo e terror, em face da Eucaristia. A Consagração bem como a Comunhão são momentos terríveis, as quais os fiéis assistem com medo e temendo. Falando sobre a recepção da Santa Comunhão ele explica que a visão de Isaías do anjo com o carvão em brasa indica claramente que os fiéis nunca deveriam ousar receber o sacramento sem a mediação de um padre, e que o próprio padre poderia tocar o sacramento unicamente por causa da graça espiritual que ele recebeu diretamente por meio de sua ordenação presbiteral. No momento da recepção eles mesmos devem se perguntar como um homem, mortal como ele é, sobrecarregado com pecado, poderia alguma vez ser digno de receber o corpo que é imortal, o qual está no paraíso, na mão de Deus, louvado e adorado por todos como Senhor e Rei. Portanto, até mesmo essa enfática acentuação de reverência não leva o autor demandar que a Eucaristia não deva ser dada nas mãos dos fiéis na recepção do sacramento, que era o costume em toda a parte.
O mesmo vale para Narses, o famoso mestre na escola de catequese de Edessa, e o fundador da escola de Nisibis. Ele iniciou aproximadamente uma década antes da morte de Teodoro, e ele seguiu as pegadas de Teodoro, com a mesma ênfase sobre a atitude de medo e tremor para padres e povo na presença da Eucaristia. O santuário é para ele um símbolo do Reino de Deus, e o altar é o símbolo do trono do Único Grande e Glorioso.
São João Crisóstomo é provavelmente o mais excepcional representativo dessa escola de pensamento. Em suas homilias ele nunca cessa de exortar os fiéis a receber esse terrível sacramento com medo e tremor. No entanto, a única conclusão prática que ele tira a partir desse ensinamento é que os fiéis não devem abordar o sacramento com suas mãos estendidas – mas sim de modo a preparar a mão esquerda o trono da mão direita e curvar esta última para receber o sacramento no espaço vazio da mão direita.
Nós encontramos o mesmo espírito na quinta homilia catequética de Cirilo de Jerusalém, por volta da metade do quarto século, e na liturgia do II Livro das Constituições Apostólica, usado no quarto século no Patriarcado de Antioquia. De fato, todos esses autores e documentos representam a tradição da Igreja de Antioquia, fortemente influenciada pelas tendências anti-Arianas, e por sua vez exercendo uma profunda influência sobre o desenvolvimento das liturgias de todas as Igrejas Orientais. O rito de oferecimento dos dons se tornou mais e mais uma entrada do Rei dos Reis, rodeado pelas hóstias invisíveis dos anjos, e desaparecendo atrás das portas do santuário, lugar sobre o trono do altar e separado da vista dos fiéis pela iconóstase.
É importante perceber que esta escola de pensamento, embora nunca leve a uma mudança do rito de receber a Comunhão na mão, não era de forma alguma a única forma de piedade litúrgica. No próprio Oriente, nunca foi compartilhada pelos Padres da Capadócia. Os escritos de Basílio, Gregório de Níssa, e Gregório de Nazianzo não contêm qualquer expressão desse temor, mas antes enfatiza o elemento de anthropophilia, da bondade amorosa e humanidade. O mesmo é verdadeiro do Egito com a Euchologion de Serapis de Thumis. Em todos esses círculos a ideia de aproximação e união e paz e relação amigável (homilis) prevalece. É, como todos sabemos, esta última "escola" que transformou, sob o pontificado de Pio X, toda a abordagem da Eucaristia na Igreja Católica Romana. Embora isso certamente tenha sido uma reação contra o que é chamado de Jansenismo do Ocidente, estava, no entanto, em completa harmonia com a tradição ocidental clássica de piedade eucarística. Isso fica muito evidente quando lemos os sermões de Santo Ambrósio nas duas coleções, De mysteriis e De sacramentis. Aqui a alma é a esposa de Cristo, a irmã do Senhor, e Cristo é o esposo e o irmão. É o elemento do amor que domina a piedade eucarística na tradição clássica ocidental.
Dois Novos Fatores no Ocidente
A questão então surge por que no Ocidente, de todos os lugares, a Comunhão na boca tornou-se o costume oficial? A razão para esta mudança não pode ser apenas um aprofundamento do sentido de reverência a partir de uma compreensão teológica mais clara da presença eucarística. Vimos que esse sentimento de reverência atingiu em partes do Oriente uma intensidade que nunca obteve no Ocidente, e coexistiu o tempo todo com a recepção da Eucaristia na mão. Sem pretender dar uma resposta completa a esta pergunta, gostaria de chamar a atenção para dois fatores que parecem ter influenciado o desenvolvimento de uma atitude popular em relação à Eucaristia: um é a progressiva clericalização da liturgia; a outra é a compreensão naturalista da presença sacramental que se desenvolveu na Idade Média como uma reação contra o conceito simbolista da Eucaristia de Berengário.
A pesquisa decisiva foi feita pelo padre Peter Browe em uma série de artigos publicados em O. Casel's Liturgische Jarhbuch, Vol. IX (1930) sobre a "Elevação" na Missa; Vol. XIII (1935) em "Kommunionandacht"; Vol. XV (1941) "Mittelalterliche Kommunionriten". Todos esses artigos foram publicados depois num volume intitulado Die Verehrung der Eucharistie im Mittelater. Vê-se por estes artigos que, por um lado, a legislação eclesiástica provocou um crescente distanciamento entre o povo e o altar. Nas antigas ordenanças romanas a distribuição da Sagrada Comunhão se dá sob ambas as espécies de tal forma que o clero leva o Corpo e o Sangue de Cristo ao povo na nave. Este costume prevaleceu na missa papal até o século X. O Papa comungou em seu assento, onde também entregou o Corpo de Cristo aos bispos e sacerdotes. Então ele entrou na nave e deu a comunhão aos membros do senado romano e suas esposas. Então ele voltou ao santuário para distribuir a Comunhão ao baixo clero, enquanto ao mesmo tempo os sacerdotes iam ao povo. O costume das pessoas se aproximarem do altar já está estabelecido em muitas igrejas no Oriente e no Ocidente no século IV. Durou mais tempo na Gália, onde o Concílio de Tours (567) confirmou expressamente o direito do povo de entrar no santuário para receber a Sagrada Comunhão. Esta confirmação não teria sido declarada, se naquela época o costume não tivesse sido atacado.
De fato, já em meados do século IV, o Concílio de Laodicéia proibiu os leigos de entrar no santuário para a Comunhão. A principal razão foi a crescente desconfiança sobre a entrada de mulheres no santuário. Enquanto durante séculos a censura do Concílio de Laodicéia não foi observada na grande maioria das igrejas do Oriente e do Ocidente, eventualmente acabou prevalecendo a tendência de excluir os leigos de entrar no santuário na Missa. Temos decretos papais para este efeito a partir do século IX em Roma, e na Espanha decretos do século VI e VII, declarando que nem homens nem mulheres podiam entrar no santuário para a Santa Comunhão.
Na França encontramos decretos dos séculos VII e VIII proibindo apenas as mulheres de receber o sacramento no santuário. Essa distinção entre homens e mulheres foi mantida até os séculos XVII e XVIII, e em muitos lugares foi estendida também aos homens, especialmente onde os cancelli que separavam o santuário da nave cresciam em paredes sólidas, para que a distribuição da Comunhão ao povo fosse transferida para outro altar, fora do santuário.
De mãos dadas com essa remoção gradual das pessoas do santuário, veio outra legislação eclesiástica que limitava cada vez mais as possibilidades de os leigos receberem a Comunhão. Mulheres em menstruação foram excluídas por determinados momentos após o período menstrual. As pessoas casadas não podiam receber a Comunhão por vários dias depois de terem tido relações conjugais, ou eram aconselhadas a abster-se de relações conjugais uma semana antes de receber a Comunhão. Qualquer um também foi considerado incapaz de receber depois de ter tocado um cadáver. Todos esses decretos foram baseados nas leis de impureza do Antigo Testamento, que no início da Idade Média voltaram a ter força de lei. Em geral, as regras de penitência canônica emitidas pelos concílios locais no início da Idade Média restringiam enormemente a participação na Comunhão e forçavam as pessoas a se absterem da Comunhão por anos e anos.
No entanto, apesar de todo esse afastamento crescente da Eucaristia, o costume de receber a Comunhão em pé durou até os séculos XV e XVI. Devemos ter em mente que a cancelli entre o santuário e as pessoas não eram como as bancadas de comunhão que conhecemos, mas eram muito mais altas, de modo que as pessoas que recebiam por fora da cancelli tinham que ficar de pé. O mesmo também era exigido enquanto a Comunhão fosse recebida sob ambas as espécies. Era preciso ficar de pé para beber do cálice.
Novas Formas de Piedade Eucarística
Enquanto a legislação da Igreja contribuiu para a crescente clivagem entre o povo e a Eucaristia, a devoção do povo tentou preencher a lacuna por meio de novas formas de piedade eucarística. Olhar para o sacramento era a forma mais popular de compensar as dificuldades de recebê-lo, e a teologia pastoral medieval promovia esse desejo do povo de ver a Hóstia com mais generosidade. A festa de Corpus Christi serviu a esse propósito. "Ostensórios" especiais foram construídos para "expor" o Santíssimo Sacramento. Os sacerdotes recebiam remunerações especiais para levantar a Hóstia logo após a consagração, e os sinos indicavam ao povo o momento em que essa oportunidade lhes era concedida. Todo o acento da devoção popular deslocou-se para o fato da presença real de Cristo na Hóstia, e o sentido principal da Missa era levar o Senhor do céu à terra. Sua presença no sacramento sozinho era o fato santificador. Inúmeras lendas iam de boca em boca para provar o fato do poder mágico do sacramento, e as pessoas tentavam se apossar de uma Hóstia consagrada como o meio mais poderoso de curar todos os tipos de doenças ou de obter proteção contra o fogo ou contra o mau-olhado, ou para a frutificação dos campos.
Toda essa superstição tornou necessário que a autoridade eclesiástica legislasse para a proteção do sacramento contra tal abuso, e a maneira mais fácil de fazer isso era impedir que o povo se apoderasse da Sagrada Espécie. Enquanto prevalecesse o costume de entregar o pão consagrado nas mãos dos fiéis, o clero tinha que se preocupar que as pessoas lavassem as mãos antes de receber. Então, quando se tratava das mulheres, o clero ficou ainda mais nervoso em entregá-lo em suas mãos, porque as mulheres eram consideradas mais "impuras" do que os homens, de modo que homens santos como Cesário de Arles recomendavam que fossem entregues lenços especiais para resguardar as espécies sagradas. Mas com todas essas precauções ainda não se tinha certeza de que o povo não escondia o sacramento para levá-lo para casa como um amuleto mais poderoso (em vez de comê-lo), o que, sob a impacto de uma legislação estrita parecia ser uma coisa muito perigosa. O lógico então era dar a Comunhão direto na boca.
Esses poucos pontos poderiam ser adicionados. As duas obras clássicas de Adold Franz: Die Messe im Mittelaltar e Kirchliche Benedikitionen im Mittelaltar fornecem o material de base mais completo para mostrar que o recebimento da Comunhão na Igreja Ocidental se desenvolveu não tanto sob a influência de uma teologia aprofundada, mas sob a pressão de ter que proteger o sacramento contra uma piedade bastante materialista por parte das massas incultas, cada vez mais e mais afastadas do verdadeiro sentido da presença eucarística.
Nossa Presente Situação
A história das Igrejas Orientais mostra que o sentimento de reverência não entra em conflito com a recepção da Sagrada Comunhão à mão. No que diz respeito a nós, na Igreja Romana, um sentimento de reverência pela Eucaristia que cercaria o sacramento com um sentimento de medo e temor ou terror não é próprio de nossa atitude tradicional em relação a este sacramento, nem está em harmonia com o legislação e a nova atitude em relação a este sacramento que foi promovida por São Pio X e foi consideravelmente re-enfatizada pelo Concílio Vaticano II. Este ensinamento dá ênfase à Eucaristia como manifestação do Amor de Deus por nós como vínculo de união entre os católicos.
Certamente não é sem fundamento na história que os leigos hoje encontram a alimentação da Eucaristia na boca como um sinal externo de serem considerados cristãos de segunda ou terceira classe. Este é especialmente o caso, porque é tão óbvio que os leigos médios hoje são muito mais educados no real significado da Eucaristia. Eles também são, portanto, muito menos propensos à tentação de usar as espécies consagradas para fins supersticiosos. Não se pode enfatizar constantemente sua maturidade e depois tratá-los como crianças, pedindo-lhes que recebam a Eucaristia de uma maneira que é obviamente ditada por um senso de suspeita e medo da profanação do sacramento pelas mãos do povo.
O recebimento da Eucaristia pelas mãos não deve ser considerado meramente como uma tentativa ansiosa de não ofender o recém-descoberto senso de dignidade que os leigos têm de si mesmos como pertencentes a uma "raça sacerdotal". Também está mais de acordo com o espírito do sacramento, que não é de medo, mas de união íntima, como irmãos e irmãs. O significado do sagrado não é a sua "intocabilidade", pelo menos não no contexto cristão, mas o amor e a união que são mais bem servidos na comunhão manual.
Na prática, a Comunhão à mão aceleraria o tempo necessário para a distribuição da Comunhão. A nova forma de pão de verdade que agora está sendo sugerida para uso em nossos dias torna muito mais difícil alimentar diretamente na boca do receptor e torna o recebimento manual da maneira mais segura. Sempre que o cálice é administrado ao povo, deve-se permitir que o próprio povo tome o cálice, pois isso já é feito em muitas comunidades religiosas. A posição em pé, que praticamente se tornou um costume universal, também dificulta a manutenção do costume de alimentar-se pela boca, que de fato, em grande parte, era utilizado pelo costume de ajoelhar-se na recepção. da Eucaristia. O alto cantelli desapareceu para permitir que as pessoas praticassem o novo costume de se ajoelhar na recepção do sacramento. Eles foram substituídos por "grades de altar" baixos. Isso ocorreu durante o período da Contra-Reforma, após o Concílio de Trento. E esse costume, por sua vez, exigia a colocação da Hóstia, que naquela época havia se reduzido a uma pequena hóstia, bem na língua do receptor. No entanto, com costumes como esses, é difícil estabelecer uma ordem clara de desenvolvimento. Geralmente é que o "clima" geral começa a mudar, e os ajustes que então ocorrem raramente são ditados apenas pela coerência lógica, como se pode ver claramente na execução prática da linha geral prescrita para a reforma litúrgica do Vaticano II, ou seja, que simplifique e clarifique os ritos da Missa em harmonia com o seu significado evidente de refeição sacrificial. Deste processo, a recepção manual da Sagrada Comunhão seria uma parte orgânica.
Formas de Compartilhar a Eucaristia
A redação para esta seção foi escolhida pelo esquema. Nas discussões atuais sobre o que se torna a mecânica de receber a Sagrada Comunhão, pode envolver palavras que não fazem justiça às atitudes que precisam ser exploradas antes que qualquer meio prático seja empregado para transmitir eles. Ouvimos falar de "auto-comunhção" ou "recepção manual" quando o assunto surge. Se optarmos por discutir uma maneira de compartilhar a Eucaristia no altar, o ônus dessa ação sagrada recai sobre ambas as partes envolvidas. De uma forma muito fundamental: Cristo é a Hóstia e os fiéis recebem como convidados nesta sagrada ceia. As atitudes do sacerdote que preside e dos fiéis que recebem na Celebração Eucarística devem ser regidas por este simples fato. Na atual prática, dois extremos podem ser observados que tendem a criar uma falsa imagem dos papéis do sacerdote e do povo. A prática de fazer com que as pessoas se aproximem sem qualquer significação pessoal de seu papel como aquele que recebe parece ser um extremo, embora seja talvez o mais comumente vivenciado atualmente. Ficar com a língua estendida não é um gesto humano normal, muito menos bonito. É um gesto que se conduz à passividade mecânica e tem em si uma marca do infantil por parte de quem o recebe. Por outro lado, notou-se que alguns padres, talvez em um esforço equivocado de envolver os leigos, depois de comungarem no altar, retiraram-se para a cadeira do presidente e permitiram que o povo viesse ao altar e servir ou auto-comungar. Isto faz da Eucaristia uma ceia de bufe que é contrária a qualquer tradição litúrgica e valor de sinal humano.
Se nos concentrarmos em um modo de compartilhar a Eucaristia que está enraizado em uma tradição escriturística e está ao mesmo tempo atento à dignidade tanto do sacramento quanto dos participantes, essas duas possibilidades parecem se apresentar.
Em primeiro lugar, o sacerdote pode oferecer o pão eucarístico em uma patena adequada para que o povo possa estender a mão e tomá-lo com as próprias mãos. Isso retém a interação direta do sacerdote e do povo e significa o papel de cada um com alguma clareza. O padre ainda proclamaria "O Corpo de Cristo" à medida que cada pessoa se aproximasse.
Em segundo lugar, o sacerdote pode levantar e proclamar "O Corpo de Cristo" com cada pedaço de pão antes de colocá-lo na mão estendida da pessoa. Há aqui uma interação mais pessoal que parece favorecer esse método. As mãos, colocadas da esquerda para a direita e levantadas num gesto de acolhimento, abertas e à espera, exigem um envolvimento e uma escolha pessoal que, se não inerentemente mais claro, é pelo menos mais belo e digno do que um gesto semelhante com a língua. tura com a língua. Do ponto de vista da catequese e da estética, este simples gesto de acolhimento presta-se a integrar-se com a atitude básica de quem recebe e parece decorrer de tal atitude de forma bastante natural. A fluidez do movimento é importante e a posição sugerida, a mão esquerda sobre a direita (supondo uma pessoa destra) permite que a mão direita coloque o pão na boca com uma facilidade natural. Um movimento mais uniforme e rápido de todos os comungantes também é facilitado pelo padre colocando o pão na mão, mas, mais importante, permite que a proclamação "O Corpo de Cristo" signifique "para você" e pode servir para enfatizar novamente o papel do sacerdote como aquele que está ali como o Cristo que serviu.
FONTE: The Homiletic and Pastoral Review, january, 1971, pp. 298-304.