Domingo, Dezembro 22, 2024

ORDINES ROMANI: O RITO ROMANO DO SÉCULO VIII

Tradução de João Guilherme Pianezzola

Capítulo VI[1].

 

A Missa Romana

 

Ordines Romani[2] descreve-nos a Missa estacional[3] conforme celebrada pelo Papa em pessoa nas grandes assembleias litúrgicas para as quais eram convocados todo o clero e povo, e com relação às quais é tomado como certo a sua presença. Os sacerdotes, em suas igrejas titulares, nas igrejas e capelas dos cemitérios, nos oratórios dos monastérios, das diaconias e das casas privadas, estavam acostumados a celebrar de acordo com uma forma fundamentalmente igual a esta, porém sem o cerimonial solene. O cardeal-padre tinha a sua disposição apenas clérigos de uma ordem inferior – os acólitos – e era obrigado a responsabilizar-se por muitas funções que em uma Missa solene seriam designadas para os diáconos. A disparidade no cerimonial não era ocasionado pela diferença de categoria entre o padre e o diácono, porque isso normalmente acontecia quando o Papa não podia celebrar, e a Missa estacional era realizada por um simples sacerdote, e neste caso o cerimonial não era menos imponente e complicado do que se o próprio Papa estivesse presente. Não era, além do mais, o local da estação que fazia a diferença. Missas privadas podiam ser rezadas na basílica de S. Pedro, na basílica constantiniana de Latrão ou em Santa Maria Maggiore; e, em contrapartida, era costumeiro que a Missa estacional, com toda sua cerimônia, fosse celebrada em uma simples igreja presbiteral. Podemos dizer com segurança que todas essas igrejas, ou quase todas, tinham, pelo menos uma vez por ano, a honra de serem designadas para a Missa estacional. A diferença de localidade dependia do caráter da congregação. Às missas celebradas em capelas, cemitérios, igrejas presbiterais, ou até mesmo nas grandes basílicas, estavam presentes – excluindo nos dias estacionais – apenas uma congregação privada, consistindo de uma família, de uma corporação, dos habitantes de um bairro, ou qualquer tipo de associação de fiéis, sejam residentes ou peregrinos. A Missa rezada em tais ocasiões era privada. A Missa pública, isto é, a estacional, era aquela em que toda a Igreja romana era convocada a participar.

Esta Missa pública é aquela que está mais de acordo com o tipo primitivo da instituição, e por conta disso o seu estudo é o mais importante. Aquilo que encontramos descrito no Ordines dos séculos VIII ou IX implica um cerimonial que melhor corresponde com as exigências de uma data mais tardia do que com as de um tempo mais primitivo. A corte pontifícia, que desenvolveu-se consideravelmente, desempenhou nisso um papel importante. As diferentes classes do clero, arranjadas de acordo com as suas ordens e regiões, a corporação de cantores, os cruciferários locais, os governantes militares e civis, e, de fato, todo mundo, tinha sua parte nestas grandes cerimônias de culto. Eu deixarei de lado tudo do Ordo que tem a ver com este cerimonial solene, e me restringirei com aqueles ritos que são essenciais, e que são comuns à liturgia romana e a outras liturgias.

 

1. A entrada do ministro celebrante.

Uma vez reunida a congregação dos fiéis, os padres, acompanhados pelos bispos então em Roma, tomam seus lugares na abside da igreja, reservada para o clero superior. O pontífice e seus diáconos partem do secretarium, ou sacristia (que estava situada perto da entrada da igreja), e procedem para o altar. O Ordines os representa vestindo seus paramentos litúrgicos, e precedidos pelos subdiáconos, um dos quais balança um turíbulo[4] , e por sete acólitos que seguram velas. Durante essa procissão, o coro (schola cantorum) entoa a antífona ad introitum, originalmente composta por um salmo completo, ou, pelo menos, de várias partes de um salmo. Ela continuava a ser cantada até o pontífice chegar ao altar. Antes de o fazê-lo, porém, ele é abordado no caminho por um clérigo, que traz-lhe um fragmento de pão consagrado reservado de uma Missa anterior. Esta partícula eucarística tinha o propósito de ser depositada no cálice antes da cerimônia da “fração do pão”. Ao entrar no santuário o Papa dava o beijo da paz ao bispo e ao padre sêniores, e então a todos os diáconos. Ele logo em seguida passa a prostrar-se diante da santa mesa do altar. Alguns minutos antes dele ter chegado ali, o evangeliário foi solenemente trazido e colocado em cima do altar. Depois da prostração do Papa, os diáconos procedem dois a dois a beijar o altar nos seus lados. Também o pontífice aproxima-se, beija-o, assim como o livro com os evangelhos.

É difícil de assinalar uma data precisa para esta cerimônia. Em todos os ritos a entrada do ministro celebrante foi desde tempos primevos associada com certa pompa. Não erraremos muito, no entanto, se atribuirmos ao século V, no mais cedo, a maioria dos detalhes que acabaram de ser descritos.

 

2. Cantos introdutórios.

Kyrie eleison pode ser considerado um remanescente de uma antiga súplica litânica, ou o diálogo entre um dos ministros sagrados e toda a congregação. Esta forma de oração ocupa, como vimos, um espaço proeminente nas liturgias gregas. A Liturgia de Constantinopla, por exemplo, contém uma litania para ser rezada no início da Missa, antes da entrada dos celebrantes. Parece também que em Roma, em tempos antigos, ela formava a porção inicial da liturgia. Era habitual que no século VIII, nos dias de litania, isto é, nos dias em que o povo ia em procissão geral à igreja estacional, o povo não cantasse o Kyrie nem o Glória. O ofício na igreja começava diretamente com o Pax vobis seguido pela oração inicial. O Kyrie, igualmente, era omitido nos dias reservados para ordenações, porque em tais ocasiões a litania seria cantada após o gradual. Mesmo atualmente o Kyrie eleison na Missa da Vigília Pascal não é nada mais do que a conclusão da litania com a qual a Missa é começada[5]. São Gregório[6] afirma com autoridade que em seu tempo as palavras Kyrie eleison e Christe eleison eram acompanhadas, exceto nas Missas diárias, por outras fórmulas. Tais fórmulas constituíam, sem dúvida, uma litania mais ou menos elaborada.

A Litania dos Santos utilizada nos tempos atuais preservou esta antiga forma de oração dialogada assim como era costumeiramente rezada na Igreja Romana. Ela foi, sem dúvida, sujeita a consideráveis desenvolvimentos, especialmente em sua primeira parte que contém a invocação dos santos. Porém a conclusão, onde acontece a resposta Te rogamus audi nos conserva, de certo modo, um aspecto primitivo, e possui grande semelhança com as petições das litanias usadas na Igreja grega. Embora o mais antigo texto em que ela aparece remonte apenas ao século VIII, é provável que seja muito mais antiga.

É evidente, além do mais, que o lugar designado para o Kyrie eleison na litania romana não é o mesmo nas igrejas orientais. Na litania romana ele ocorre no início e no fim, e é dito alternadamente pelo chantre e pela congregação. No Oriente, em contrapartida, o Kyrie formava a resposta do povo para as petições da litania diaconal. São Gregório já era consciente desta diferença[7] . A fórmula Te rogamus audi nos, no entanto, não podia ser omitida, já que ela ocupa na litania romana o mesmo lugar que o Kyrie eleison ocupa na grega. Outro lugar devia ser buscado para esta última. É um tanto peculiar que o Kyrie, que é de uma data posterior em Roma do que a litania, iria ser até agora preservado na Missa, ao passo que a litania, um serviço mais antigo, foi quase completamente eliminada.

Gloria in excelsis. – Este hino, como o Kyrie, é de origem grega. Encontramo-lo, de uma forma ligeiramente distinta, nas Constituições Apostólicas (vii. 47), e nos apêndices da Bíblia no final do Codex Alexandrinus, que pertence ao século V. Era um hino matutino, fazia parte do ofício das Matinas e não à liturgia propriamente dita. Foi originalmente introduzida em Roma na primeira Missa da Natividade, que era celebrada antes do amanhecer. O Papa Símaco estendeu seu uso aos domingos e nas festas de mártires[8], mas apenas no caso de Missas episcopais; padres eram autorizados a rezá-lo apenas no dia da Páscoa, quando eles eram considerados como celebrantes no lugar do Papa ausente, ou no dia de sua primeira performance das funções sacerdotais.[9]

 

3. A oração inicial.

Após saudar a congregação, o celebrante chama-os à prece durante a oração introdutória, que era chamada de collecta, porque era rezada assim que todo o povo estivesse reunido. Esta é a primeira das três “orações coletivas” permitidas na Missa romana. As outras duas são a oração super oblata (secreta), e aquela chamada de post communio.

 

4. As leituras e o canto dos salmos.

Desde o início do século VI eram feitas apenas duas leituras em Roma, quais sejam, a da Epístola e do Evangelho. A primeira era extraída às vezes do Antigo Testamento e às vezes do Novo (excetuando os quatro evangelhos), porém com mais frequência das epístolas de S. Paulo, ou das epístolas gerais.

Originalmente, contudo, as leituras eram mais numerosas. No uso presente[10], de fato, alguns traços ainda podem ser encontrados das leituras proféticas, que agora desapareceram quase completamente. Esta forma de leitura, com efeito, é ainda empregada em certos dias – por exemplo, nas Têmporas durante a Quaresma. A marca mais característica dessa sua presença é o arranjo dos cantos entre a Epístola e o Evangelho, que ocorriam sempre em pares, um psalmus responsorius, ou responsorial, que é chamado de Gradual, e o Alleluia, ao qual ainda é adicionado um verso de um outro salmo. Durante a Quaresma e outros períodos penitenciais, e nas Missas fúnebres, o Alleluia é substituído por um salmo, com uma melodia de caráter especial, chamado de Psalmus tractus, ou tracto. Há, em todo caso, um segundo canto após o gradual. Qual o motivo desta dupla ocorrência de cantos? A razão ocorre-nos se considerarmos que nas poucas Missas que preservaram as leituras proféticas, o gradual é cantado entre esta leitura e a Epístola, enquanto o Alleluia, ou o tracto, é usado entre a Epístola e o Evangelho. Os dois cantos eram, no princípio, portanto, inseridos respectivamente entre as leituras, porém quando a primeira destas foi removida, ambos os cantos foram unidos para serem cantadas entre a Epístola e o Evangelho.

A supressão da leitura profética deve ter acontecido em Roma no desenrolar do século V, e durante mais ou menos o mesmo período ela sofreu tratamento similar em Constantinopla. A liturgia da Armênia, que é uma forma antiga da liturgia bizantina, ainda retém as três leituras, porém nos mais antigos livros do rito bizantino que chegaram até nós não encontra-se mais do que duas leituras.

Eu já demonstrei que a prática do canto de salmos entre as leituras na Missa é tão antiga quanto as próprias leituras, e que ambas remontam diretamente aos serviços religiosos da sinagoga judaica. Na liturgia cristã estes salmos constituem a mais antiga e solene representação do saltério davídico. Nós devemos tomar cuidado para não colocá-los no mesmo nível que os outros cantos litúrgicos, os do IntroitoOfertório e Comunhão, que foram posteriormente introduzidos, e então simplesmente para ocupar ocupar algum espaço e enriquecer de alguma forma as longas cerimônias. O gradual e cantos similares possuíam um valor intrínseco, e durante o tempo em que eles eram cantados não havia nada mais acontecendo ao mesmo tempo. O gradual era o antigo canto dos salmos, que na Igreja primitiva se alternava com as lições da sagrada escritura.

O gradual, como foi dito, era assim chamado porque era cantado no gradus, ou ambão, onde também eram feitas as leituras, sempre por um único cantor, e o ofício do coro era restringido a executar apenas a frase musical final desse salmo. Os outros cantos eram executados in plano pelo coro, ou schola cantorum. Era também comum, até o tempo de São Gregório, que o gradual e suas adições deveriam ser cantados como o Evangelho, ou seja, apenas pelos diáconos; e esta função tinha uma especial importância no ministério da ordem diaconal. Menção a isto frequentemente aparece em epitáfios antigos:

“Psallere et in populis volui modulante propheta

sic merui plebem Christi retinere sacerdos”,

diz um bispo, explicando desta maneira como os fiéis, tendo sido arrebatados pelo seu canto, elevaram-no ao episcopado. Nós lemos também no epitáfio do diácono Redemptus, um contemporâneo do Papa Dâmaso: –

“Dulcia nectareo promebat mella canore

prophetam celebrans placido modulamine senem”;

e na do arquidiácono Deusdedit (século V): –

“Hic levitarum primus in ordine vivens

Davitici cantor carminis iste fuit”;

e na do arquidiácono Sabinus (século V): –

“[Ast eg]o qui voce psalmos modulantus et arte

[dive]rsis cecini verba sacreta sonis”

Logo, a posse de uma boa voz e de um amplo conhecimento de música era condição necessária para tornar-se um diácono. Contudo, na busca deste conhecimento, muitas outras coisas essenciais eram negligenciadas. São Gregório buscou afastar este mal pela supressão do monopólio dos diáconos com relação ao canto dos salmos. Porém, se o gradual não mais veio a ser cantado pelos diáconos, ele continuou a ser executado de forma solo.

As leituras eram antigamente prefaciadas por uma chamada ao silêncio, do qual o formulário é preservado na ordem cerimonial chamada de “Abertura dos Ouvidos”, ou “Traditio Symboli”, uma das cerimônias preparatórias do batismo. Os diáconos diziam em uma voz alta: State cum silentioaudientes intente!

Após as leituras nós deveríamos encontrar a homilia, todavia, ela parece ter caído em desuso em Roma numa data muito antiga. São Gregório, e São Leão antes dele, foram os únicos dos primeiros papas que deixaram homilias, ou que, de fato, aparentam tê-las pregado. As homilias de São Leão são, além do mais, curtas e restritas a certos festivais mais solenes. Os sacerdotes de Roma não tinham qualquer autoridade para pregar, e os papas olhavam de soslaio para a permissão concedida a seu clero por outros bispos. Sozomeno, que escreveu pelo tempo do Papa Sisto III, nos diz que ninguém pregava em Roma.

Não há traço algum a ser encontrado nos livros litúrgicos do século VIII sobre a dispensa dos catecúmenos e penitentes. Isto se deve ao fato de que eles foram escritos num tempo em que a disciplina concernente aos catecúmenos e penitentes já tinha sido amplamente modificada. Já não haviam mais catecúmenos adultos, e penitentes públicos eram normalmente trancafiados em monastérios. Os antigos formulários da missa cathecumenorum e da missa paenitentium foram, contudo, preservados a despeito disso, e ocorrem respectivamente na administração do batismo já referido por São Gregório num de seus diálogos. No dia da “Abertura dos Ouvidos” o diácono dispensava os candidatos ao batismo com as palavras Cathecumeni recedantSi quis cathecumenus est recedat! Omnes cathecumeni exeant foras! São Gregório relata-nos[11] que duas monjas, que haviam sido excomungadas por São Bento, foram enterradas numa certa igreja, e toda vez que o diácono assim clamava, em toda Missa celebrada ali, durante as palavras Si quis non communicat, det locum! a sua mãe adotiva costumava vê-las a levantar-se de seus túmulos para sair do local sagrado. A maneira em que São Gregório explica Cumque… EX MORE diaconus clamaret, parece indicar que essa forma de dispensa, ou uma equivalente a essa, era ainda usada em seu tempo, isto é, no final do século VI.

 

5. A oração dos fiéis.

Depois que a Missa dos catecúmenos[12] chegava ao fim, começava a Missa dos fiéis.[13] O bispo, tendo uma vez mais saudado a congregação com as palavras Dominus vobiscum, chamava-os para orar: Oremus! É curioso como essa exortação era tão estéril nos resultados no século VIII quanto é nos dias de hoje. Ninguém realmente rezava. O Papa e seus assistentes procediam a coletar as oferendas do povo e do clero, o coro executava algum canto ou outro, porém nenhuma oração era fornecida pelos livros litúrgicos, e não havia rubrica sugerindo que alguma oração devia ser dita em privado ou em segredo neste momento. Há aqui, portanto, um hiato; algo desapareceu, e este algo não é nada mais do que a “Oração dos Fiéis”, que, em todas as demais liturgias, ocorre neste espaço de tempo.

Eu estou inclinado a acreditar que este processo de desaparecimento não está de todo completo, e que a forma usada em tempos antigos na Igreja Romana ainda está preservada na sequência de orações solenes empregadas na Sexta-feira Santa.

No século VIII essas orações eram ditas, não apenas na Sexta-feira, mas também na Quarta-feira durante a Semana Santa. Não há nada em seu conteúdo que as conecte especialmente com as solenidades da Paixão e da Páscoa. Há orações pelas necessidades ordinárias da Igreja, pela paz, pelos bispos, por toda hierarquia até aos confessores (ascetae), virgens, e viúvas; pelo imperador romano e pelos doentes, pobres, cativos, viajantes, navegadores; pelos hereges, cismáticos, judeus e pagãos. Estas são as mesmas petições que encontramos, frequentemente repetidas, nas liturgias diárias da Igreja Oriental. Sou da opinião de que, portanto, estas orações outrora faziam parte da Missa Romana ordinária, e que elas eram rezadas após as leituras, isto é, no lugar em que elas continuaram a ser recitadas na Quarta e Sexta-feiras da Semana Santa.[14]

 

6. O Ofertório

Se a Liturgia de Roma foi privada em uma data precoce da Oração dos Fiéis, ela ainda preservou no século IX, em compensação, a oração da oblação, que desapareceu em uma data precoce de todas as demais liturgias. Os fiéis, incluindo não somente os leigos, mas também os sacerdotes e demais clérigos, em conjunto com o próprio Papa, traziam cada um suas ofertas de pão e de vinho. O Papa em pessoa, assistido pelos bispos e sacerdotes, recebia os pães; o arquidiácono e seus colegas traziam as amulae, ou frascos de vinho. Esta distinção de funções era observada através de toda a cerimônia, isto é, sendo as espécies de vinho consideradas como pertencentes à competência particular dos diáconos.

Durante o ofertório, o coro cantava um salmo responsorial, chamado de Offertorium. Este canto é de uso antiquíssimo, e foi introduzido em Cartago enquanto Santo Agostinho ainda estava vivo. Como é o caso com todas as novidades, esta introdução foi adversamente criticada. Um certo Hilário, um indivíduo da categoria de um tribuno (vir tribunitius), causou tanto rebuliço sobre o assunto que foi pedido ao Bispo de Hipona que escrevesse um tratado para refutá-lo. Foi a ocasião do livro, agora perdido, chamado Contra Hilar[i]um, em que o célebre doutor escreveu morem qui tunc esse apud Carthaginem coeperat, ut hymni ad altare dicerentur de Psalmorum libro, sive ante oblationem, sive cum distruburetur populo quod fuisset oblatum.

O [canto do] Ofertório nos dias de hoje consiste de somente um verso sem resposta, mas nos antigos antifonários ele apresenta uma forma maior e mais complicada.

Tendo sido feitas as ofertas, o arquidiácono escolhe dentre os pães aqueles que serão utilizados na comunhão, e coloca-os sobre o altar. Ele posiciona no altar também o recipiente (scyphus) contendo o vinho para a comunhão dos fiéis, os dois pães oferecidos pelo próprio Papa, e por último o cálice que, juntamente com estes dois pães, servirão para a comunhão do pontífice e do alto clero. Ele toma cuidado para derramar dentro deste cálice, junto com o vinho oferecido pelo Papa, um pouco daquele oferecido pelos sacerdotes e diáconos, e daquele que está contido no scyphus que representa a oferta dos fiéis. Ele adiciona, por último, uma pequena quantidade de água.

Nenhuma oração acompanha estas cerimônias. O Papa toma parte nelas, porém permanece sentado durante todo o tempo em seu trono no fim da abside. As orações do ofertório agora em uso não são indicadas pelos livros antigos. Elas são, no entanto, contrapartes completas, no que diz respeito ao significado, daquelas utilizadas pelos sacerdotes gregos, e, sem dúvida, também pelos sacerdotes galicanos, antes do início da Missa na mesa da Prothesis.

 

7. A oração consacratória

Enquanto está acontecendo a preparação das oblatas em cima do altar, de acordo com o costume romano, e durante o decorrer da Missa, não há espaço para a entrada solene com as oblatas previamente preparadas, conforme os ritos oriental e galicano. Também o beijo da paz e a leitura dos dípticos são afastados para um momento posterior. Assim que o arquidiácono termina de posicionar os pães e cálices sobre o altar para serem consagrados, o Papa, após lavar as mãos, procede para o altar e começa com as orações consacratórias. Primeiramente, ele convoca os fiéis a juntar-se em oração, naquilo que é a segunda das duas orações collectas da Missa Romana, e é conhecida pela alcunha de super oblata, ou Secreta. É precedida por um invitatório especial: Orate, fratres, ut meum ac vestrum sacrificium acceptabile fiat apud Deum patrem omnipotentem. A oração que a esta se sucede, e que no início era meramente a conclusão da oração oferecida em silêncio pelos fiéis, era dita em voz baixa, por isso seu nome: Secreta. Era determinada por uma eufonia, isto é, por uma finalização em nota aguda, ao que um Amen era respondido.

A esta altura tem início a oração eucarística que corresponde à Anaphora das liturgias gregas. É dividida pela oração do Sanctus em duas partes de duração desigual, sendo a primeira, cantada em tom alto, chamada de Prefácio, e a segunda, recitada em voz baixa, chamada de Canon. A Anaphora romana possui testemunho de sua grande antiguidade. A forma presente já existia, palavra por palavra, no início do século VII. São Gregório deu-lhe seu toque final, adicionando à oração Hanc igitur as seguintes palavras: diesque nostros in tua pace disponas, atque ab eterna damnatione nos eripi et in electorum tuorum jubeas grege numerari. O autor do Liber Pontificalis, que data do início do século VI, fala do Canon como já possuindo uma forma fixa e conteúdo conhecido. Ele sugere também que já estava em uso há um bom tempo, pois o relaciona com São Leão Magno (440-461), que teria adicionado algumas palavras a esta oração. Porém nós podemos ir além, e mostrar conclusivamente que a oração a que São Leão adicionou quatro palavras já estava em uso no tempo do Papa Dâmaso. A prova pode ser encontrada em uma crítica enviada a ele pelo autor das Questiones Veteris et Novi Testamenti, que era um contemporâneo de Dâmaso. Na confusa teologia deste escritor, Melquisedeque é identificado com o Espírito Santo, e, enquanto é ainda reconhecido como o sumo-sacerdote de Deus, o sacerdócio de Melquisedeque é considerado inferior ao de Cristo: Similiter et Spiritus sanctus quasi antistes sacerdos apellatus est excelsi Dei, non summus, sicut nostri in oblatione praesumuntQuia quamvis unius substantiae Christus et Spiritus sanctus, uniuscujusque tamen ordo observandus est. As palavras non summus sicut nostri in oblatione praesumunt têm evidentemente em vista a forma da Epiclese romana: summus sacerdos tuus Melchisedech.

Encontramos, além do mais, em uma obra não muito posterior ao tempo do Papa Dâmaso – o De Sacramentis de pseudo-Ambrósio –, largas porções do Cânon romano. Apesar de não podermos atribuí-lo uma data precisa, ou dar o nome de seu autor, parece, na minha opinião, ter sido escrito em uma igreja da Itália setentrional, onde o uso romano foi combinado com o de Milão, provavelmente em Ravena. Pois ele assume que a população das vilas ainda é composta de pagãos e cristãos, e como é, além do mais, parcialmente emprestado de uma obra similar de Santo Ambrósio, nós não podemos errar muito em fixar a sua data em algum tempo próximo ao ano 400. As porções do Cânon romano que nele aparecem são como se segue[15]:

Vis scire quia verbis caelestibus consecratur? Accipe quae sunt verba. Dicit sacerdos: Fuc nobis, inquit, hanc oblationem ascriptam, ratam, rationabilem, acceptabilem, quod figura est corporis et sanguinis Iesu Christi. Qui pridie quam pateretur, in sanctis manibus suis accepit panem, respexit in caelum ad te, sancte Pater omnipotens, aeterne Deus, gratias agens, benedixit, fregit, fractumque apostolis suis et discipulis suis tradidit, dicens: “Accipite et edite ex hox omnes: hoc est enim corpus meum, quod pro multis confingetur.” Similiter etiam calicem postquam caenatum est, pridie quam pateretur, accepit, respexit in caelum ad te, sancte Pater omnipotens, aeterne Deus, gratias agens, benedixit, apostolis suis et discipulis suis tradidit, dicens: “Accipite et bibite ex hoc omnes: hic est enim sanguis meus. . . Quoties cumque hoc faceretis, toties commemorationem mei facietis, donec iterum adveniam”.

Et sacerdos dicit: Ergo memores gloriosissimae ejus passionis et ab inferis resurrectionis et in caelum ascensionis, offerimus tibi hanc immaculatam hostiam, hunc panem sanctum et calicem vitae aeterne; et petimus et precamur, ut hanc oblationem suscipias in sublimi altari tuo per manus angelorum tuorum, sicut suscipire dignatus es munera pueri tui justi Abel et sacrificium patriarchae nostri Abrahae et quod tibi obtulit summus sacerdos Melchisedech.

Este texto, conquanto não corresponda palavra por palavra, concorda muito proximamente com o presente Cânon romano da conclusão do formulário dos dípticos até à conclusão da Epiclesis. Contudo, retornemos às nossas considerações a respeito da Anaphora romana.

Após a injunção para que se levantem os corações a Deus, e para que a Ele se rendam graças[16], o padre celebrante continua: Vere dignum et justum est, etc. No Sacramentário de Adriano, esta forma, quer dizer, o Prefácio, admite apenas um pequeno número de variações para grandes festas. Previamente estas variações eram muito mais numerosas. Coletaríamos do Sacramentário Leonino aquele improviso, ou pelo menos a intercalação de certas sentenças previamente compostas pelo sacerdote celebrante, estavam ainda em prática no século VI. O Prefácio termina com uma atribuição à glória de Deus, e o Sanctus.

Após o Sanctus, o Cânon romano, ao invés de proceder diretamente para o relato da Última Ceia, intercala a longa passagem apropriada à enumeração das pessoas em nome das quais a oblação é feita – toda a Igreja Católica, o Papa (ou, se a ocasião requerir, o bispo da localidade), todos os bispos ortodoxos; e finalmente, como representando a Comunhão dos Santos, todos os justos que já atingiram a beatitude celeste – a Virgem Maria, os Apóstolos, os seus sucessores Papas, mártires, e demais santos. A oblação é então feita por toda a família cristã, e é pedido a Deus para que aceite-a, e para que transforme-a no Corpo e Sangue de Cristo.

*Os textos existentes para esta parte do Cânon encerram fórmulas que são definitivamente fixas, contudo, porém, ainda não tinham sido fornecidas adições com o fim de comemorar a festa do dia ou de enumerar certas pessoas ou classes de pessoas. Portanto, não há dúvidas de que os nomes dos quatros patriarcas do Oriente, e possivelmente de certos primazes ocidentais, eram formalmente mencionados durante o Te igitur após o nome do Romano Pontífice. O Memento, que o segue, admite uma quebra ou espaço disponível em que muitos nomes e petições poderiam ser adicionadas. Com relação à oração que tem início no Communicantes, o Sacramentário de Adriano fornece variações apropriadas para a solenidade do dia. Posteriormente na mesma oração, a lista dos Papas, agora reduzidos aos três primeiros (Lino, Cleto e Clemente) deve ter contido o nome de todos eles. Não é impossível que o antigo catálogo pontifical, do qual se têm relíquias no Martirológio Hieronimiano, tenha sido extraído de alguma cópia do Cânon. Os nomes dos mártires que seguem são também meramente uma seleção: as igrejas que adotaram o liturgia romana gozavam do direito de completar esta lista adicionando a ela os nomes dos seus próprios santos. Finalmente, o Hanc igitur admite a inserção nas festas da Páscoa e Pentecostes uma comemoração pelos recém-batizados. Formalmente os nomes dos candidatos para o batismo eram nesse lugar recitados nos dias do escrutínio, enquanto os dos padrinhos e madrinhas tinham lugar no Memento. Adições similares eram feitas em Missas para ordenações.

Toda esta parte corresponde em sua totalidade com a récita dos dípticos prescritos nas liturgias galicanas e orientais, mas que são posicionados nestas liturgias antes do começo do Prefácio. Esta disposição pode parecer a mais natural, enquanto podemos talvez admitir que aquela outra [após o Prefácio] não é de todo primitiva. É, ao mesmo tempo, tido por certo que desde o começo do século V a ordem do Cânon romano já era aquela que temos hoje em dia. O formulário final, de fato, em toda esta série de enumerações e que é, nomeadamente, aquela que aparece antes do Qui pridie, já é encontrada no De Sacramentis, em termos quase idênticos com a da presente Quam oblationem. A carta do Papa Inocêncio I à Docêncio assume, além do mais, que a récita dos dípticos ocupava em Roma já em 416 o mesmo lugar que ocupa hoje.

A narrativa da instituição (Qui pridie) e a Anamnesis (Unde et memores), que a segue, não apresentam nada de peculiar. O mesmo pode ser dito a respeito da Epiclesis. A porção do Cânon é como se segue:

Supra quae (as oblações) propitio ac sereno vultu respicere digneris et accepta habere, sicuti accepta habere dignatus es munera pueri tui justi Abel et sacrificium patriarchae nostri Abrahae, et quod tibi obtulit summus sacerdos tuus Melchisedech [sanctum sacrificium, immaculatam hostiam]. Supplices te rogamus, omnipotens Deus, jube haec perferri per manus sancti angeli tui in sublime altare tuum, in conspectu divinae majestatis tuae, ut quotquot ex hac altaris participatione sacrosanctum Filii tui corpus et sanguinem sumpserimus, omni benedictione caelesti et gratia repleamur.

Esta oração está longe de exibir a precisão das fórmulas gregas, em que há uma menção específica da graça pela qual se reza, isto é, a intervenção do Espírito Santo para efetuar a transformação do pão e do vinho no Corpo e Sangue de Jesus Cristo. É verdade, mesmo assim, que (1) esta prece ocupa, em relação ao assunto-questão e à conexão lógica da fórmula, o exato lugar da Epiclese grega; e (2) também é uma oração a Deus pela sua intervenção no mistério, porém enquanto as liturgias gregas usam termos claros e precisos, a liturgia romana encarna o seu significado de maneiras simbólicas. Ora para que o anjo do Senhor possa levar a oblação do altar visível e levá-la para o mais alto céu, para o altar invisível, diante do santuário da Divina Majestade. Essa transferência simbólica tem um sentido contrário ao das fórmulas gregas; envolve não a descida do Espírito Santo sobre as oblações, mas a sua elevação ao céu pelo anjo de Deus. Porém, nos dois casos igualmente é após que a oblação é trazida e participada na Virtude Divina que ela é então chamada de Corpo e Sangue de Cristo.

As orações que seguem correspondem com a Grande Intercessão das liturgias gregas, e ocupam o mesmo lugar daquelas do rito siríaco-bizantino. É certo que a sua forma foi muito reduzida. Começa pela comemoração dos fiéis defuntos (Memento) para os quais se pede a beatitude eterna. Depois segue com a oração pelos que ainda estão vivos (Nobis quoque) através da menção dos santos em cuja companhia se deseja que [os vivos] sejam admitidos. Após esta oração “…largitor admitte, per Christum Dominum nostrum”, há aparentemente um hiato. O texto continua: “per quem haec omnia, Domine, semper bona creas, sanctificas, benedicis et praestas nobis”. É bastante claro que as palavras haec omnia bona não fazem referência ao que imediatamente as precedem; se levarmos em conta a palavra omnia, além do mais, fica difícil fazê-la aplicar-se à oblação consagrada. A explicação mais fácil para esta questão é que havia previamente aqui uma menção de frutos da terra, com uma enumeração de vários tipos – trigo, vinho, azeite, etc. Esta visão é confirmada, além do mais, pelo fato de que a bênção de alimentos adquiriu um espaço neste ponto na Missa em certos dias como, por exemplo, a bebida composta por água, leite e mel que era dada aos neófitos na Páscoa e Pentecostes. Acrescento aqui a fórmula desta bênção, de acordo com o Sacramentário Leonino, para a primeira Missa de Pentecostes:

Benedic, Domine, et has tuas creaturas fontis, mellis et lactis et pota famulos tuos ex hoc fonte aquae vitae perennis qui est Spiritus veritatis, et enutri eos de hoc lacte et melle, quemadmodum patribus nostris Abraham, Isaac et Jacob [promisisti] introducere et eos in terram promissionis, terram fluentem melle et lacte. Conjunge ergo famulos tuos, Domine, Spiritui sancto, sicut conjuctum est hoc mel et lac, quo caelestis terrenaeque substantiae significatur unitio in Christo Jesu Domino nostro, per quem haec omnia, etc.

Era também neste lugar que feijões recém colhidos eram abençoados no dia da Ascensão, e as uvas novas no dia de São Sisto (6 de agosto).

Benedic, Domine, et has fruges novas fabae, etc.

Benedic, Domine, et hos fructus novos uvae, etc.

Finalmente, era neste instante em que o azeite para a unção dos enfermos era abençoado, e ainda o é, na Quinta-feira Santa. Não há dúvida, portanto, de que a fórmula per quem haec omnia era originalmente precedida em ocasiões ordinárias por uma oração pelos frutos da terra. Isso fornece mais um exemplo da semelhança entre o Cânon romano e a porção correspondente das liturgias gregas e orientais.

 

8. A fração do pão

Tendo terminado o Cânon, segue o Pater noster. De acordo com um costume universal, há um curto prefácio introdutório e, ao fim, uma elaboração daquela última petição (Libera nos).

Antes do tempo de São Gregório Magno, a fração do pão vinha imediatamente após o Cânon. Foi ele quem transferiu o Pater noster para a localização atual, baseando-se no fato de que seria muito inapropriado de que a fórmula do Cânon – o trabalho de algum estudioso desconhecido – deveria ser recitado sozinho sobre a oblação, às expensas da oração composta pelo Próprio Senhor. Essa transposição, apesar da defesa que faz São Gregório da acusação de ter seguido alguma autoridade externa em sua decisão de introduzir neste local o Pater, ela teve o efeito de trazer o uso romano em conformidade com o de Constantinopla.

A cerimônia que se segue é aparentemente complicada. Começa com o beijo da paz, que é localizado imediatamente após a saudação Pax Domini sit semper vobiscum. O Papa deita dentro do cálice o fragmento de pão consagrado que lhe foi trazido no início da Missa; ele então fraciona ao meio uma de suas duas próprias oblatae, e posiciona uma das metades em cima do altar. Não chegamos ainda à fração do pão propriamente chamada, mas enquanto todos os pães que estão sobre o altar que serão destinadas à Comunhão logo serão removidos, e é de costume que se observe a prescrição dum missarum solemnia pereguntur, altare sine sacrificio non sit, aquele meio pão consagrado posicionado em cima do altar pelo Papa é mantido ali para manter esta ideia de permanência.

Era muito importante na Igreja Romana que o ritual da Comunhão expressasse de forma clara e impactante a unidade eclesial. Daí explica-se o costume do fermentum, ou seja, o envio de pão consagrado da Missa do bispo para os padres cuja missão era celebrar no Tituli; daí também a significância do rito do Sancta, isto é, de colocar dentro do cálice durante o Pax Domini um fragmento de pão consagrado da Missa precedente e trazido no início da Missa presente. Portanto, em todas as igrejas de Roma, e em cada assembleia lá reunida para o culto litúrgico passado ou presente, havia sempre o mesmo Sacrifício, a mesma Eucaristia, a mesma Comunhão. Portanto, de forma a mostrar claramente que o pão fracionado e distribuído ao povo era aquele mesmo que fora consagrado sobre o altar, um fragmento era permitido permanecer sobre a mesa sagrada.

A outra metade da primeira oblata e a segunda inteira eram posicionados na patena e trazidos diante do Papa, que, após o Pax Domini, já havia retornado ao seu trono. Quanto aos outros pães consagrados, os acólitos ficavam encarregados pelo arquidiácono de levá-los aos demais bispos e padres, que levavam-nos em sacos de linho suspensos pelo pescoço. Em seguida, havia a fração do pão por todo o presbyterium. O Papa também participava, porém apenas através dos diáconos agindo como intermediadores, cujo ofício era fracionar a oblata e a demi-oblata (metade) em cima da patena. Desde o tempo do Papa Sérgio (687-701) esta cerimônia era acompanhada pelo canto do Agnus Dei. É provável que antes do tempo de São Gregório o Pater noster era rezado aqui, ou seja, após a fração.

 

9. A Comunhão

Tendo ocorrido o ritual da fração, os diáconos apresentavam a patena ao Papa, da qual ele pegava um fragmento, separando uma porção e comungando o restante. Ele então punha a porção separada dentro do cálice que o arquidiácono, tendo-o trazido do altar, segura diante dele. Este é o rito da Commixtio. A seguir, o Papa bebia do cálice segurado pelo arquidiácono.

Vinha então a comunhão do clero superior. Os bispos e padres aproximavam-se do Papa, que punha nas mãos de cada um uma porção tirada da patena. Eles então procediam para o altar, um a um, e colocavam sobre ele suas mãos em posse da partícula consagrada, consumindo-a em seguida. Os diáconos faziam o mesmo logo depois. O arquidiácono trazia o cálice de volta ao altar e entregava-o nas mãos do bispo sênior presente que, após ter bebido dele, entregava-o aos demais bispos, e então aos padres e diáconos. A comunhão da congregação vinha em seguida. O Papa, os bispos e os padres distribuíam a Eucaristia sob a espécie de pão. O arquidiácono, acompanhando o Papa, e os demais diáconos acompanhando os bispos e padres, administravam-na no cálice sob a espécie de vinho. Como o cálice do Papa era usado somente para a comunhão do clero superior, o arquidiácono tomava cuidado para derramar de antemão dentro dos cálices que continham o vinho consagrado para a comunhão do povo, uma pequena quantidade do vinho do cálice do Papa e, mais tarde, o que restava nele da comunhão dos bispos, padres e diáconos. A intenção era mostrar que todos bebiam da mesma bebida espiritual, apesar de não ser de um mesmo recipiente. O rito da Commixtio, tendo sido performado pelo Papa no cálice principal, é repetido pelos bispos e padres em todos os outros cálices, dos quais os fiéis comungavam sob a espécie de vinho.

Antes da comunhão do povo, o arquidiácono anuncia o dia e local da próxima Estação. Havia um objetivo para a escolha deste momento específico para tal anúncio. Aqueles que não comungavam eram acostumados a ir embora antes do início do rito da Comunhão. Enquanto os fiéis estavam comungando, o coro entoava a antífona ad communionem. Atualmente, ela é cantada após a comunhão e é restrita somente ao hino, que é cantado uma vez somente. Porém os livros litúrgicos do século IX ainda pressupõem aqui uma antífona real, o salmo cantado tanto em parte quanto totalmente, variando conforme o tempo que dura o próprio ato do rito da Comunhão. Era terminada pela doxologia Gloria Patri etc., e a antífona era então repetida. Este canto, como o do ofertório, deve datar do fim do século IV.

Tendo chegado o fim da Comunhão, o Papa retorna ao altar e saúda a congregação, convidando-os a se reunirem em ação de graças para a post communio. É a terceira das orações coletivas da Missa Romana, e é seguida por uma saudação final, em que o diácono anuncia a dispensa com uma fórmula especial: Ite missa est. A procissão é então reformada na mesma ordem em que entrou, e enquanto procede para o sacrarium o Papa abençoa sucessivamente os diferentes grupos do clero e fieis que encontra pelo caminho.

 

NOTAS:

[1] Duchesne, L. The Christian worship: its origin and evolution.

[2] Ou Ordo Romanus Primus. Ordinário, sacramental ou documento datado de por volta do século VIII que descreve o ritual litúrgico da Igreja de Roma em um estágio consideravelmente “puro” e original, porém suficientemente desenvolvido.

[3] Uma Missa estacional é quando o Bispo (neste caso o próprio Papa), na qualidade de sumo-sacerdote do seu rebanho, celebra a Eucaristia, mormente na igreja catedral, rodeado do seu presbitério e ministros.

[4] Julgando pelo Ordines e demais livros litúrgicos, assim como por inventários de mobílias de igrejas que encontramos no Liber Pontificalis, o incensário portátil (turíbulo) era usado em Roma, até o século IX, apenas em procissões. O caminho que a procissão deveria seguir era então adocicado pelo aroma da fumaça do turíbulo. Contudo, para o incensamento do altar, da igreja ou do clero, tal coisa nunca é mencionada.

[5] Esta correlação entre o Kyrie e a Litania é ainda claramente manifestada no Ordines do século XII.

[6] Papa São Gregório Magno. Ep. ix. 12 (26): “In quotidianis missis aliqua quae dici solent tecemus, tantummodo Kyrie eleison et Christe eleison dicimus, ut in his deprecationis vocibus paulo diutius occupemur.”

[7] Concílio de Vaison (529), c.3: “Et quia tam in sede apostolica quam etiam per totas orientales atque Italie provincias dulcis et nimium salutaris consuetudo est intromissa ut Kyrie eleison frequentius cum grandi affectu et compunctione dicantur”, etc. O Concílio concordou com a introdução deste costume nas Igrejas da província de Arles, onde ainda era desconhecido. A palavra intromissa não pode ter a ver com as igrejas orientais, as quais, como sabemos, usavam o Kyrie desde tempos antigos. A construção do Cânon está, neste ponto, um tanto incompleta, mas é claro que o Concílio de Vaison considerou o Kyrie então em uso em Roma e na Itália (Milão) como uma importação de data um tanto recente. 

[8] Lib. Pontif., vol. i. p. 129 e 263.

[9] Ord. Rom. i. 25. Cf. o Ordo do manuscrito de Saint-Amand no capítulo concernente à ordenação de sacerdotes.

[10] Isto é, antes da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, que reintroduziu a terceira leitura (a primeira), a do Antigo Testamento.

[11] Dial., ii. 23.

[12] Isto é, a primeira parte da Missa, antes daquela com o sacrifício eucarístico.

[13] O costume de cantar o Credo neste momento na Missa não foi introduzida em Roma até a primeira metade do século XII. Bernon, Abade de Reicheneu, relata que em sua presença o imperador Henrique II induziu o Papa Bento VIII (1012-1024) a adotar este costume; antes, todavia, isto era um costume desconhecido por toda a Igreja Romana (De off. Missae, c. 2; Migne, Pat. Lat., vol. cxlii. p. 1060).

[14] As orações usadas agora entre o Evangelho e a homilia, chamadas de Orações do Praeconium, correspondem com esta antiga oração dos fiéis.

[15] De Sacram., iv. 5; Migne, Pat. Lat., vol. xvi. p. 443. Pamelius, um cônego de Bruges, em sua obra entitulada Liturgica Latinorum (vol. i. p. 301), publicada em Colônia em 1571, introduz este fragmento no meio das orações da Missa Ambrosiana e, por causa disso, tem sido comumente citado como sendo o “Cânon ambrosiano”. Nunca houve, de fato, um Cânon ambrosiano. Antes da adoção do Cânon romano em Milão, as orações consacratórias lá eram de conteúdo variável, como nos livros galicanos. Quando o Cânon romano foi adotado, foi segundo a fórmula em uso no século VII, com a adição introduzida por São Gregório I. A Missa Ambrosiana de Pamelius é, em muitos aspectos, um texto artificial construído pelo próprio autor. Não é encontrada em nenhum manuscrito do Rito Ambrosiano.

[16] O Sursum corda é atestado por São Cipriano (De Domin. Oratione, 31): “Adeo et sacerdos ante orationem praefatione praemissa parat fratrum dicendo: Sursum corda, ut, dum respondet plebs Habemus at Dominum, admoreamur”, etc. Estes versículos já aparecem na “Tradição Apostólica” de Hipólito. 

 

FONTE: Duchesne, L. The Christian worship: its origin and evolution.

 

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