Terça-feira, Dezembro 3, 2024

Concílio Vaticano II e a unidade de fé da Igreja

“Ora, esta unidade da fé no mundo inteiro não existe mais, não existe mais catolicidade. Existem tantas igrejas católicas quantos bispos e dioceses. Cada um possui sua maneira de ver, de pensar, de pregar, de passar o catecismo. Não existe mais catolicidade”. (Mons. Marcel Lefebvre, A Visibilidade da Igreja e a Situação Atual, Le Sel de la Terre, de 2002)”

“E a pergunta deixava clara a tragédia causada pelo Vaticano II: depois desse Concílio surgiram tantas divisões entre os católicos, nasceram tantos tipos diferentes e tantos modos diversos de ser católico, que a definição normal já não diz nada para as pessoas comuns. Ficou necessário acrescentar um outro adjetivo à expressão da única religião e da única fé verdadeiras. E o acréscimo necessário para se definir qual a religião católica que se tem, demonstra que se perdeu a unidade da Fé”. (Orlando Fedeli, Concílio Vaticano II: Unidade e divisão)

Outro ponto da doutrina católica que os tradicionalistas e sedevacantistas fazem vistas grossas é a nota de unidade (de fé) da Igreja ou infalibilidade passiva da Igreja. Eles tendem a dizer que a totalidade moral dos fiéis, sem pertinácia, passou a acreditar em doutrinas que contradizem dogmas definidos no passado. O que, no entanto, é uma negação da infalibilidade da Igreja universal e é o mesmo que dizer que a Igreja deixou de ser una na fé.

Sobre a unidade de fé material da Igreja

 

Os credos dos concílios ecumênicos professam que a Igreja de Cristo é una. Os teólogos explicam que a Igreja de Cristo há de ser una quanto ao governo, culto e fé. A unidade da fé, por sua vez, possui dois aspectos. Ela consiste na unidade formal e material. A unidade formal quer dizer que todos os católicos estão dispostos a aceitar as verdades que forem definidas pelo Magistério eclesiástico. A unidade de fé material, no entanto, quer dizer que todos os católicos difundidos no mundo acreditam e professam (externamente) os mesmos dogmas, ao menos de maneira implícita. É justamente esse último aspecto que os tradicionalistas e sedevacantistas ignoram ao dizer que a maioria dos fiéis está crendo (sem pertinácia) em heresias.

São Roberto Bellarmino é bem claro sobre essa característica da verdadeira Igreja de Cristo: 

“todos os católicos, dispersos pelo mundo inteiro, acreditam as mesmas coisas sobre todos os dogmas de fé”. (De Notis Ecclesiae ✠ On the Marks of the Church St. Robert Bellarmine, S.J. Doctor of the Church Translated from the Latin of the 1857 Naples edition by Ryan Grant Mediatrix Press MMXV).

Na mesma obra acima referida, São Roberto Bellarmino apresenta uma objeção protestante sobre uma suposta divisão doutrinária entre católicos tomistas e scotistas. São Roberto Bellarmino responde que “tomistas e scotistas não discordam, a menos que seja naqueles assuntos que não pertencem à fé, como Santo Agostinho diz sobre as dissensões dos professores em seu tempo; e por isso eles e todo católico sempre se sujeitam à definição da Igreja. Portanto, embora pareçam se opor com palavras, no entanto, no próprio assunto, todos concordam em questões de fé”.

P. Mannens:

“A unidade da fé consiste em que os fiéis estendidos pelo mundo creiam e professem ao menos implicitamente todas e as mesmas verdades que a Igreja propõe para serem cridas. Esta unidade inclui:  o consenso de todos nas mesmas verdades, o que se chama unidade material; e a adesão de todos ao mesmo princípio que determina o consenso, que é o magistério eclesiástico, e esta adesão se chama unidade formal. Portanto, a unidade de fé não implica somente o fato do consenso mas também o direito ou princípio pelo qual se produz e conserva perpetuamente este fato”. (P. Mannens, Teologiae Dogmaticas Institutiones, Tomus I, 1920, p. 356).

Tanquerey falando sobre a unidade de fé da Igreja também diz:

“Não se pode objetar as controvérsias que existem entre os teólogos e as ordens religiosas, pois não são sobre dogmas que os apóstolos “nos ensinam a guardar” (Synopsis Theologiae Dofmaticae Fundamentalis, T. I, pp. 512-513).

Perrone:

“Quando dizemos unidade de fé e de doutrina, falamos de doutrinas dogmáticas acerca das quais têm os católicos não somente a unidade mas a identidade: as dissensões ou controvérsias versam todas sobre opiniões que a autoridade não decidiu ainda”. (El protestantismo y la regra de fe, vol. 1, p. 364).

Pe. Joseph Mors:

Obj. 1. Na igreja católica romana gravíssimas eram as controvérsias acerca das próprias verdades reveladas, v. g., sacramentos, infalibilidade do papa, imaculada concepção. Logo nenhuma unidade de fé.

Resp. D. ant. Antes da proposição definitiva por parte do magistério eclesiástico, tr. ant; após, n. ant”. (P. Ioseph Mors, De Ecclesia Christi, tomus II, 1955, p. 252)

Assim, nunca se aceitou a hipótese de surgir uma controvérsia dentro do catolicismo sobre dogmas definidos, pois tal hipótese seria contrária à Nota da Unidade da Igreja.

 

Obscurecimento geral e infalibilidade passiva

 

O Sínodo de Pistoya (1786) defendeu a tese de que “nestes últimos séculos disseminou-se um obscurecimento generalizado das verdades mais importantes concernentes à religião, que são a base da fé e dos ensinamentos morais de Jesus Cristo” (Decreto da Graça, da predestinação, e do fundamento da Moral, § I. Sessão III do Sínodo de Pistóia).

Eis como o principal teólogo desse sínodo, Pietro Tamburini, ensinava essa proposição – no sentido que era possível a maioria da Igreja negar uma verdade de fé:

 “Estes pontos de doutrina não são por vezes reconhecidos por revelados se não por um certo número de fiéis seguidores da tradição, em comparação tidos como falsos ou duvidosos para um maior número de católicos. É evidente que o número daqueles que seguem a verdade e a doutrina da Igreja pode em certas matérias e em certos tempos ser o menor. Onde é que Deus prometeu que a verdade seria sempre ensinada pelo maior número? Antes muitas vezes tem predito escuridões e agitações com que deve gemer a Igreja. Era por ventura o maior número que nos tempos mais próximos de nós seguia a doutrina da Escritura e da Tradição sobre os justos juízos da hierarquia? Era o maior número que seguia as santas regras da Moral evangélica contra as máximas licenciosas dos Probabilistas? Era o maior número que propugnava pelos sagrados direitos da Graça de Jesus Cristo? Era o maior número que se opunha às relaxações dos atricionistas?” (Análise do livro das Prescrições de Tertuliano… Análise do livro das Prescrições de Tertuliano…p.50).

Essa tese, contudo, foi condenada como herética pela Auctorem fidei de Pio VI.

Os teólogos explicam que embora possa surgir um certo obscurecimento sobre verdades reveladas ainda não definidas, é impossível que surjam em relação a dogmas definidos pela Igreja (ao menos no sentido de sua negação), pois o corpo dos fiéis adere ao menos implicitamente às definições numa infalibilidade passiva.

Cardeal Giacinto Sigismondo Gerdi refuta um teólogo que se opunha a Auctorem fidei:

“Na promessa de Cristo inclui aqui Bossuet junto a Sagrada Ceia a confissão da fé pela profissão dos fiéis na Comunhão exterior, e interior com Jesus Cristo, e entre eles sob a condução do Ministério Eclesiástico sempre, e sem interrupção assistido por Cristo. Ora uma fé, que se confessa em comunhão com Jesus Cristo é fora de dúvida a verdadeira fé; e se esta fé há de ser professada em comunhão exterior dos fiéis entre si até o fim dos séculos, aqui é excluída abertamente a possibilidade de um obscurecimento geral, que não pode estar com a exterior confissão da fé professada na universalidade, ou como diz em outro lugar (Nota minha: Bossuet diz), na totalidade dos fiéis, unidos na comunhão sob a condução do ministério eclesiástico. Além disso, se esta perpétua exterior profissão da verdadeira fé não pode manter-se na Igreja senão por meio do ensinamento do Ministério Eclesiástico instituído por Cristo, deve para tal efeito durar perpetuamente, igualmente fica excluída a possibilidade de um abuso geral desse Ministério no ensinamento confiado por Cristo, afim que se conservasse perpetuamente a profissão exterior da fé na totalidade da Sua Igreja” (Esame de’motivi della opposizione fatta da Monsignor Vescovo di Noli alla pubblicazione della bolla Auctorem fidei, pp 86-87: https://goo.gl/fQi0eN)

Destaca-se que Gerdi foi membro da Comissão de cardeais criada por Pio VI para redigir o texto definitivo da bula Auctorem fidei. Cf. http://www.treccani.it/enciclopedia/giacinto-sigismondo-gerdil_(Dizionario-Biografico)/

Cardeal Franzelin sobre a matéria diz:

“Segue-se então o terceiro estágio, quando por meio de um juízo solene do Magistério autêntico ou, de outro modo, por um firme consenso estabelece-se como certo que um dogma é revelado e a questão saneada passa em entendimento católico explícito e em pregação eclesiástica pública. Havendo consenso manifesto e pregação explícita e eloquente, já não pode haver dentro da Igreja lugar para dissensão ou obscurecimento deste dogma. Com efeito, a Bula Auctorem Fidei em seu primeiro cânon condenou como herética a proposição do Sínodo de Pistóia que afirmava: “Nos últimos séculos, disseminou-se um obscurecimento generalizado das verdades mais importantes concernentes à religião, que são a base da fé e dos ensinamentos morais de Jesus Cristo”. (Tractatus de divina traditione et scriptura, Roma, 1870, pp. 245-246).

“Toda a Igreja, Reino da verdade, não pode cair na heresia formal nem na heresia material, negando positivamente o que é revelado ou afirmando como revelado o que não é revelado, por causa da promessa do Espírito da verdade (Espírito Santo), que permanece sempre com ela. Por essa mesma razão e por causa da promessa da unidade perene, cujo centro e vínculo visível é o R. Pontífice, toda a Igreja, corpo de Cristo, nunca pode se separar de sua Cabeça, nem em razão de um cisma formal ou material. Se algum vez pareceu ocorrer uma separação da Igreja inteira, como é dito nos últimos anos de Pedro de Luna (Bento XIII), isso não foi uma deserção de um pontífice legítimo, privando-o de seu poder, o que não pode acontecer, mas sim um verdadeiro sinal de que ele nunca foi um pontífice verdadeiramente legítimo. E por esse motivo muitas pessoas, a fim de explicar os atos dos encontros de Pisa e Constança, disseram como um axioma “um papa dúbio não é papa”. Mas isso está certo apenas na medida em que a Igreja se separa por causa da dúvida, mas não se pode admitir que surjam dúvidas e secessões depois que um Pontífice legítimo é constituído, mesmo na maioria dos membros da Igreja…” (Theses de Ecclesia Christi, Romae) É por isso que é impossível que uma doutrina revelada, após ter sido unanimemente defendida e explicitamente professada entre os sucessores dos apóstolos, venha a ser negada no interior da Igreja. 

“É por isso que é impossível que uma doutrina revelada, após ter sido unanimemente defendida e explicitamente professada entre os sucessores dos apóstolos, venha a ser negada no interior da Igreja. E reciprocamente, é impossível que uma doutrina, após ter sido negada e condenada unanimemente, seja defendida. Mas pode acontecer da unanimidade perfeita ocorrer após uma doutrina ter suscitado opiniões diferentes”. (De divina traditione, Roma (4ª ed.), 1896, tese 9, 2º corolário, p. 82)

Pe. Sisto Cartechini:

É evidente que isso não pode ter acontecido com o dogma propriamente dito, isto é, com a doutrina revelada e já proposta como um artigo de fé, que não pode sofrer tais mutações ou obscurecimentos… Muitos, na verdade, daqueles que chamamos autores e testemunhas da nossa fé, escreveram em torno de vários dogmas, especialmente da Trindade, de modo diverso de nós, e portanto, no Tratado da Trindade coloca-se uma tese para escusá-los. Assim, também depois do cisma do Ocidente, muitos católicos também ensinavam que o concílio está acima do papa, o que agora é heresia. Trata-se de dar uma explicação deste fato e como isso é possível na Igreja infalível. A resposta é esta: os erros teológicos que encontramos na história eclesiástica, que, aliás, não são universais em toda a Igreja, consideramos: ou as consequências (consectária) de alguns dogmas, ou o modo de exprimir-se a cerca do mesmo, ou se observam com a substância, se trata só de alguma verdade que também não é um dogma explicitamente proposto para crer. Assim, os antigos apologistas falavam em um modo menos direto do Filho de Deus, quando o dogma da consubstancialidade não estava ainda proposto; e falavam menos diretamente, não só sobre as consequências ou derivações, mas também sobre a própria essência do dogma. O mesmo diga-se da linguagem de certos doutores sobre a Imaculada. Porém observado que também, que com aqueles que erraram, de fato, admitiram a doutrina depois, em seguida, definida, aceitando aquelas coisas que, então, foram explícitas e nas quais se continham de modo implícito a doutrina mais tarde definida. Assim, aqueles apologistas, admitindo a divindade do Filho, admitiram implicitamente a consubstancialidade, porque duas pessoas não podem ser ambas Deus, se não têm numericamente a mesma natureza. Assim Santo Tomás admitia implicitamente a Imaculada Conceição pelo fato de que admitiu explicitamente que Maria era a mãe de Deus, cheia de graça, porque neste conceito se contém tanto Mãe quanto imaculada. Logo, podem sofrer um obscurecimento também das verdades reveladas, mas somente aqueles que ainda não são dogmas, isto é, que não são propostos pela Igreja como dogmas de fé; e tal obscurecimento nunca pode ser universal em toda a Igreja, de modo que em toda a Igreja ensina-se uma doutrina contrária à revelação”. (Dall’Opinione al Domma, Valore delle note theologiche, ano 1953, p. 109-110).

Dom Fernando Ocáriz:

“Quando se trata de verdades infalivelmente ensinadas pelo Magistério, a infalibilidade do sensus fidei do Povo de Deus significa que na Igreja não pode faltar o assentimento a estas verdades[nota]”

Nota: Por isso, já Pio VI condenou como herética a proposição do Sínodo de Pistóia segundo a qual, postremis hisce saeculis sparsam esse generalem obscurationem super veritates gravioris momenti, spectantes ad religionem, et quae sunt basis fidei et moralis doctrinae Iesu Christi (Pio VI, Const. Auctorem fidei, 28-VIII-1794: DS 2601). (Teología fundamental, p. 83)

O Bispo Vicent  Ferrer Gasser no Concílio Vaticano I em 11 de julho de 1870 em sua Relatio diz:

“Finalmente, não separamos o Papa, ainda que minimamente, do consentimento da Igreja, conquanto este consentimento não seja estabelecido como condição que lhe seja antecedente ou conseqüente. Nós não seríamos capazes de separar o Papa do consentimento da Igreja, porque esse consentimento jamais lhe faltaria. Com efeito, uma vez que acreditamos que o Papa é infalível por meio da assistência divina, por esta mesma razão, também acreditamos que o consentimento da Igreja não irá faltar às suas definições, uma vez que não é possível acontecer que o corpo episcopal esteja separado de sua cabeça, bem como não é possível que a Igreja universal seja capaz de falhar. Pois é impossível que obscuridade geral seja difundida no que diz respeito às verdades mais importantes que tocam a religião, como manteve o Sínodo de Pistóia.” (O’Connor 43-44; Mansi, col. 1213-1214).

Padre M. R. Gagnebet (discípulo do Padre Garrigou-Lagrange), citando Mons. Gasser, explica:

 “Mas ele teve o cuidado de acrescentar que às definições infalíveis do Papa não faltarão o assentimento da Igreja tanto do corpo dos Pastores quanto do conjunto dos fiéis. Pois o Espírito que assiste o Papa para definir a verdade revelada assiste também toda a Igreja para fazer aderir à verdade divina… Essas explicações muito claras do Mons. Gasser inspiram os últimos retoques feitos no texto conciliar no último momento sobre os pontos que nos interessam”. (L’Infaillibilité du Pape et le consentement de l’Eglise au Vatican I, Angelicum, Vol. 47, No. 3 (Iul. – Sept. 1970), pp. 267-307).

Também diz:

“À sua definição o assentimento de todos os Pastores é prometido, bem como a adesão de todos os fiéis”. (L’Infaillibilité du Pape et le consentement de l’Eglise au Vatican I: II, Angelicum, Vol. 47, No. 4 (Oct. – Dec. 1970), pp. 428-455)

“Um obscurecimento momentâneo e parcial relativo à uma verdade não ainda definida pode se produzir numa parte mais ou menos grande da Igreja. Assim no tempo do Arianismo um grande número de bispos foram infectados pela heresia”. (L’Infaillibilité du Pape et le consentement de l’Eglise au Vatican I, Angelicum, Vol. 47, No. 3 (Iul. – Sept. 1970), pp. 267-307).

No mesmo sentido Dom Prosper Guéranger diz:

“Em virtude das promessas de Jesus Cristo, é possível que o corpo docente de Cristo (o Papa e os bispos definindo simultaneamente), seja infalível; porque o salvador o prometeu. É possível que o Pontífice Romano definindo do alto de sua cátedra seja infalível; porque o salvador o prometeu. É possível que o corpo episcopal, quando o Papa define sozinho, adira à sentença numa infalibilidade passiva; porque o Salvador prometeu à sua Igreja a permanência. Finalmente ele faz com que a Igreja ensinada nunca fique sem a verdade professada, antes e depois da definição; Porque o Salvador prometeu manter os seus fieis na verdade até a consumação dos séculos. Não, não há, nunca houve, não pode haver definição de fé que não seja acolhida pelo consentimento da Igreja” (Réponse aux dernières objections contre la définition de l’infaillibilité du pontife romain, ano 1870, p. 9)

O cardeal Franzelin diz que mesmo na vacância da Sé Apostólica permanece no corpo dos fiéis a infalibilidade passiva:

Certamente, permanece na Igreja não somente a indefectibilidade em crer (chamada de infalibilidade passiva), como também a infalibilidade em proclamar a verdade que já foi revelada e suficientemente proposta à crença católica, mesmo enquanto ela [a Igreja] está temporariamente enlutada pelo seu cabeça visível, de modo que nem todo corpo da Igreja na sua crença nem todo Episcopado no seu ensinamento podem apartar-se da fé transmitida e cair em heresia, porque essa permanência do Espírito da verdade na Igreja, reino e esposa e corpo de Cristo, está incluída na própria promessa e instituição da indefectibilidade da Igreja para todos os dias até à consumação do mundo”. (Theses de Ecclesia Christi, Romae 1907, p. 221-223).

Zubizarreta diz o mesmo:

“Durante a sede vacante [a Igreja] fica privada por um tempo de seu cabeça visível, mas mantém os privilégios junto com a indefectibilidade e infalibilidade tanto passiva ou in credendo no corpo dos fiéis, como ativa ou in docendo no corpo dos bispos, contudo sem a faculdade de definir nenhum dogma novo ainda não declarado” (Theologia dogmatico scholastica, vol. 1, p. 462).

Mauro Cappellari (Gregório XVI) diz que a Igreja discente nunca deixa de aderir às definições dos Papas, isso se chama infalibilidade passiva:

“Mas a infalibilidade deve ser na Igreja definiente perpétua e duradoura até a consumação dos séculos; logo também deve ser perpétua e duradoura até a consumação dos séculos dita concorrência da união da Igreja com o Papa, da qual depende a infalibilidade da própria Igreja. Disto se segue que quando seja preciso definir algum ponto de fé, se poderá dizer com tanta verdade, mesmo antes da positiva e explícita concorrência de que temos falado, que esta infalivelmente não faltará, como se pode dizer que a Igreja será infalível em definir aquele ponto e não cairá em erro. Mas se é certo que tratando-se de definir um ponto de fé nunca faltará o concurso da união da Igreja com o Papa” (El Triunfo de la Santa Sede y de la Iglesia: contra los ataques de los novadores).

Mons. Joseph Clifford Fenton fala desse ponto ao explicar sobre o erro galicano:

“Os teólogos galicanos sustentavam que as definições emitidas pelo Santo Padre deviam ser aceitas como absolutamente irrevogáveis, como declarações precisas sobre fé ou moral que de modo algum estavam sujeitas a qualquer reconsideração ou revisão futura, precisamente porque a Igreja universal de Deus na terra recebeu e professou sua aceitação desses pronunciamentos do Santo Padre. Apesar das assustadoras inconsistências inerentes ao seu sistema politicamente motivado, esses teólogos reconheceram o fato de que a verdadeira Igreja militante de Jesus Cristo, o reino de Deus na terra, está e deve estar unida por laços doutrinários, sacramentais e governamentais com o Romano Pontífice. Assim, eles estavam bem cientes do fato de que o que ele ensina definitivamente no campo da fé ou da moral é realmente acreditado por toda a Igreja Católica“. (Anwers to Questions, Papal Infallibility before 1870, The American Ecclesiastical Review, August, 1952, p. 134-135)

The Dublin Review, vol. 67 (1886):

“a prerrogativa de infalibilidade passiva da Igreja importará, que os católicos nunca podem ser unânimes em manter qualquer opinião que contradiga a verdade revelada ou conduza por conseqüência legítima a essa contradição“.

H. Mazzella:

“Da infalibilidade passiva ou ‘in credendo’. Não é necessário demonstrar a existência desta infalibilidade, porque basta concluir das palavras: Mostramos que a Igreja é una com unidade de fé; apostólica com apostolicidade de doutrina; indefectível em suas propriedades e dotes constitutivos. Pois bem, se a Igreja toda pudesse errar na fé ou em crer como divinamente revelado o que não é revelado, ou negando o que seja revelado o que o é, a Igreja incorreria em defecção na unidade, na apostolicidade, etc. Ergo. Por isso se diz dela (Oséias 2): Então te desposarei comigo na fé, te desposarei comigo para a eternidade.” (H. Mazzella, Praelectiones scholastico-dogmaticae, vol. I, 6ª Ed., Torino 1937, p. 450)

Padre Francisco Marín-Sola:

“Tampoco debe confundirse el consentimiento común de los fieles, cuando es consecuente con una definición del magisterio solemne u ordinario de la Iglesia, con ese mismo consentimiento cuando es antecedente a toda definición o enseñanza de la Iglesia. El primero versa sobre una verdad ya definida y es, por lo tanto, infalible, como lo es la definición. El segundo versa sobre una verdad no todavía definida ni enseñada y no puede fundarse, por lo tanto, sino en una de dos cosas : o en el raciocinio especulativo de la teología, o en el sentido intuitivo y experimental de la fe : cosas ambas en absoluto falibles mientras no intervenga la definición del magisterio solemne u ordinario de la Iglesia, al cual únicamente está prometida y ligada la asistencia divina o infalibilidad. (P. Francisco Marín-Sola OP, La evolución homogénea del dogma católico, BAC 1952, c. 4, secc. 5, p. 408-410).

Vale referir que quando os teólogos falam em “todos os católicos”, “toda a Igreja”, “corpo dos fiéis”, “todos os fiéis”, etc., não é uma totalidade física, mas uma totalidade moral que é considerada, como é patente pelo contexto.

O Padre Álvaro Calderón (FSSPX) reconhece a força desses argumentos, mas ele pretende se esquivar dizendo que a infalibilidade passiva da Igreja é uma consequência da infalibilidade ativa da Igreja docente, como o efeito é da causa, para daí concluir: se a hierarquia deixa de ensinar em nome de Cristo, os fiéis já não seriam infalíveis ao crer e, portanto, poderiam crer em erros e se afastar das definições do passado.

Basta responder que a unidade da fé da Igreja é uma nota essencial ou necessária da verdadeira Igreja, e não somente suficiente. Assim, é impossível que a totalidade moral dos fiéis deixe de aderir às definições dos Papas, sob qualquer circunstância. Se a infalibilidade passiva deve existir como efeito da infalibilidade ativa e se, por hipótese, desapareceria no caso em que a Igreja docente decidisse não mais ensinar em nome de Cristo, então isso é uma prova que jamais a Igreja docente deixará de ensinar em nome de Cristo, jamais suspenderá a sua infalibilidade ativa.

A infalibilidade ativa é deduzida a partir da infalibilidade passiva, que é considerada, portanto, absoluta. Vejamos:

“tudo o que temos dito da infalibilidade da Igreja in credendo é a prova de sua infalibilidade in docendo”. (Billuart, De Fide, éd. Lyon-París, 1853, t. V, 108a)

“De que maneira vai argumentar Billuart? Estabelece a prova da infalibilidade in docendo partindo do que expôs em relação à infalibilidade in credendo. Se pudesse equivocar-se a Igreja representada em seus pastores, diz, disso se seguiria que poderia equivocar-se o conjunto dos fiéis, ou, o que é mesmo, a Igreja como assembléia de todos os fiéis – posto que os fiéis tem o dever de escutar a seus pastores – o que é falso”. (Gustavo Thils, 1972, La infalibilidad pontificia, Sal Terrae, p. 32).

“Esta infalibilidade, chamada passiva, consiste que o corpo da Igreja, enquanto que abarca a todos os fiéis, não pode ser induzido a erro. Desta infalibilidade se deduz também na Igreja a infalibilidade ativa, já que não poderia permanecer intacta a primeira se o sagrado magistério não houvesse recebido o privilégio de transmitir a doutrina… sem enganar-se nem enganar a outros”. (Mons. Place, bispo de Marsella, projeto de constituição, cap. IV De Ecclesiae infallibilitate – M. 51, 927C).

Dom Gasser argumenta a partir da indefectibilidade da Igreja universal para demonstrar que o Romano Pontífice não pode errar em suas definições. Pois do contrário, a Igreja universal cairia em erro. “Tota igitur Ecclesia errare posset sequens determinationem Papae si Papa in tali definitione posset errare”. (Gasser, Coll. Lac. col. 391).
 

Todos esses exemplos nos mostram que na Teologia se considerou a infalibilidade da crença dos fiéis como algo absoluto, sem exceção, e a partir dela se argumentou a favor da infalibilidade papal e da infalibilidade ativa.

Além disso, o pressuposto do Padre Calderón é uma negação da atuação DIRETA de Cristo e do Espírito Santo para preservar o corpo dos fiéis pela infalibilidade passiva. Sem dúvida, a infalibilidade passiva existe como efeito da infalibilidade ativa da Igreja docente. Contudo, a concordância do conjunto é garantida por Deus NÃO SOMENTE através da ação do Magistério, MAS TAMBÉM DIRETAMENTE pelo influxo permanente do Cristo e do Espírito Santo sobre todo o Corpo Místico. O teólogo clássico pré-conciliar Matthias Joseph Scheeben diz claramente: “Podemos até dizer, em certo sentido, que pertence [a infalibilidade] ao corpo dos fiéis também DIRETAMENTE, mais DIRETAMENTE  até mesmo que ao corpo docente”. E ainda: “É ele, o Espírito Santo, que livra do erro o corpo dos fiéis, agindo DIRETAMENTE neles”. (Dogmatique (trad. Bélet), t. I, p. 147).

Se a tese do Padre Calderón fosse correta, ocorreria o absurdo de Deus preservar os fiéis do erro, apesar da hierarquia…. e não, como pretende Calderón, do corpo dos fiéis errar por conta da ausência da atuação do Magistério… Mas não foi assim que Deus predispôs a relação orgânica entre as Igrejas docente e discente no Corpo Místico. Deus não quer que o povo fiel se mantenha na verdadeira fé independentemente e apesar da Igreja docente. É por esse mesmo fato que jamais a hierarquia deixará de ser ativo instrumento do munus docendi, como explicou Franzelin.

Vale reiterar alguns pontos: essa tese não é uma opinião teológica, mas é de fé, pois a unidade da Igreja não é passível de disputa. Além disso, ela encontra confirmação na bula infalível de Pio VI, Acutorem fidei, que condena como herética a tese de obscurecimento geral na Igreja. Ademais, a Lumen gentium ensinou esse ponto, fazendo referência a Mons. Gasser depois em nota: “A estas definições nunca pode faltar o assentimento da Igreja, graças à acção do Espírito Santo, que conserva e faz progredir na unidade da fé todo o rebanho de Cristo”. E mais: essa tese não vai contra a realidade, pois não exclui grandes crises na Igreja. Com efeito, uma verdade revelada, mesmo de fé divina e católica, pode sofrer obscurecimento, como talvez ocorreu no tempo do arianismo. Um dogma definido pode cair no esquecimento, estando presente apenas numa crença implícita dos fiéis. A maioria dos fiéis pode crer em erros doutrinários, sobre pontos ainda não definidos pela Igreja. Uma parcela significativa dos fiéis pode cair em heresia formal ou apostasia (não é isso que São João Paulo II chama de apostasia silenciosa?). O que se exclui é uma controvérsia ou uma negação dos católicos sobre pontos de fé definidos.

 
 

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