VALOR DOUTRINAL DO DECRETO
Miguel Nicolau, S. J.
Perito conciliar, Prof. de Teologia na Pont. Universidade de Salamanca.
Pediu alguém na Aula Conciliar[1], que, em vez de um Decreto, se elaborasse uma Constituição, dando como motivo que o esquema não se limitava a dar diretrizes práticas, mas continha princípios gerais, de caráter doutrinal. E, com efeito, há tais princípios doutrinais no capítulo I, que se intitula, Sobre os princípios católicos do ecumenismo. Não prevaleceu, contudo, tal proposta. A razão parece-nos estar em que o esquema, no seu conjunto, era de tendência mais prática e disciplinar, embora tenha uma parte, expressamente doutrinal. Nem tão-pouco esta parte doutrinal, possuía uma extensão capaz de dar o tom a todo o esquema. Temos, por conseguinte, diante de nós, um Decreto disciplinar para toda a Igreja, em que estão também inseridos alguns princípios doutrinais.
É sabido que, nos decretos disciplinares que obrigam a toda a Igreja, não pode haver erro contra a fé e os bons costumes, no que prescrevem à Igreja universal. A razão é clara. Pois, nesse caso, erraria toda a Igreja, cumprindo uma ordem que seria contra a fé ou a recta Moral. A infalibilidade que é própria desses decretos disciplinares universais, não significa que a prescrição seja a melhor que poderia prescrever-se, nem mesmo que o que se ordena não tenha inconvenientes, na ordem dos meios, para atingir um fim. A infalibilidade refere-se, estritamente, à bondade moral do que se manda; isto é, que não há nisso nenhum erro contra a fé e os bons costumes. Mas o espírito obediente e dócil dos fiéis facilmente aceitará como útil e conveniente, para o bem espiritual da Igreja, o que se prescreve. Mais ainda, se com tão grande unanimidade moral, quase unanimidade física, o prescreve um Concílio Ecumênico tão numeroso e autorizado.
É fácil deduzir, do que fica dito, que o presente Decreto do ecumenismo é certamente infalível no que prescreve a toda a Igreja, uma vez que o que se manda, não contém, sem dúvida, nada, contra a fé e os bons costumes. Também pensaremos com obediência dócil e humildade, que o que se prescreve, é, além disso, conveniente para o bem de toda a Cristandade e esforçar-nos-emos para pô-lo em prática. A doutrina que necessariamente está contida ou implicada nesses preceitos do Decreto, participará também da certeza e infalibilidade que lhes correspondem.
Quanto à doutrina que, de um modo, quer explícito quer implícito, se ensina no documento conciliar, não é intenção do Concílio – como já se fez notar expressamente antes de ser votada a Constituição Litúrgica[2] – apresentá-la, agora, como definição conciliar do Vaticano II, pois essa intenção não se fez constar. Fica, portanto, tal doutrina no mesmo grau de certeza, ou verdade definida, que já teve por outros títulos e documentos. Agora, em virtude deste documento, trata-se somente de verdades que, explícita ou implicitamente, ensina o Vaticano II, e as impõe autenticamente, ao assentimento dos fiéis, se pela natureza dessas verdades ou pelo contexto e modo de dizê-las, consta que as quer impor. Nesse caso, trata-se de verdades que, em Teologia, se classificam de doutrina católica, isto é, serão verdades que se ensinam e impõem a toda a Igreja Católica, prescindindo se, por outros títulos, têm qualificação superior como de fé.
O que é fácil de admitir, é a exímia autoridade moral que corresponde a um documento, como o presente, fonte da mais pura doutrina ecumênica, que todos os fiéis receberão com aquele zelo e docilidade que os anima a dar à Igreja a sua verdadeira face e conduzi-la a uma unidade visível, cada vez mais purificada, plena e perfeita.
[1] Mons. PONT Y GOL, Bispo de Segorbe, La Documentation Catholique, 61 (1964) 54.
[2] Antes da votação definitiva na Sessão solene de 4 de Dezembro de 1963, comunicou-se aos Padres que a “Sessão não pretende proceder a uma definição dogmática; se algum dia o Concílio tivesse de promulgar alguma definição os Padres seriam disso avisados, expressamente, e o texto viria redigido de modo adequado…”. L.‘Osservatore Romano de 30 de Novembro de 1963, p. 3.
Fonte: DECRETO DO ECUMENISMO DO CONCÍLIO VATICANO II – Texto e comentário teológico e pastoral. Livraria Apostolado da Imprensa, 1966.
PARA CITAR
NICOLAU, Pe. Miguel. Valor doutrinal do Decreto sobre o Ecumenismo – Miguel Nicolau – Disponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/705-valor-doutrinal-do-decreto-sobre-o-ecumenismo-miguel-nicolau >. Desde: 04/07/2014.