Sexta-feira, Novembro 15, 2024

São João De Damasco (+ 730 d.C) e os Deuterocanônicos

João de Damasco, também conhecido como João Damasceno, foi um padre e monge sírio. Nasceu e cresceu em Damasco, mas passou a maior parte da sua vida adulta em Jerusalém. Sua lista de livros canônicos é dada em sua Obra “Exposição da Fé Ortodoxa”, que se segue:

… Observe, ainda, que há vinte e dois livros do Antigo Testamento, um para cada letra da língua hebraica. Porque há 22 cartas das quais cinco são duplas, e assim eles passam a ser 27. Para as letras Caph, Mem, Nun, Pe e Sade são duplos. E assim o número dos livros desta maneira é 22, mas é encontrado para ser 27 por causa da 5 duplas letras. Pois Rute se une a juízes, e os hebreus os contam como um livro: o primeiro e segundo livros de Reis são contados um: e por isso são o terceiro e quarto livro dos Reis, e também o primeiro e segundo Paralipômenos: o primeiro e segundo Esdras. Desta forma, então, os livros são reunidos em quatro Pentateuco e outros dois permanecem mais, para formar, assim, os livros Canônicos. Cinco deles são da Lei. Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio. Este que é o código da Lei, constitui o Pentateuco em primeiro lugar. Em seguida, vem outro Pentateuco, os chamados  Escritos, ou como são chamados por alguns, Hagiógrafos, que são os seguintes: Jesus o Filho de Nave[1], juízes, juntamente com Rute, Reis primeiro e segundo[2], que são um livro e  terceiro e Reis quarto[3], que são um livro, e os dois livros dos Paralipômenos que são um só livro[4]. Estes são o segundo Pentateuco. O terceiro Pentateuco são livros em verso. Jó, Salmos, Provérbios de Salomão, Eclesiastes de Salomão e o Cântico dos Cânticos de Salomão. O quarto Pentateuco são os livros proféticos, a saber: os doze profetas constituindo um livro, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel. Em seguida, vêm os dois livros de Esdras feitos em um, e Ester 

Há também o Panareto, que é a Sabedoria de Salomão, e a Sabedoria de Jesus, que foi publicado em hebraico pelo pai de Sirac, e depois traduzido para o grego por seu neto, Jesus, o Filho de Sirac. Estes são virtuosos e nobres, mas não são contados nem foram colocadas na arca. 

O Novo Testamento contém quatro evangelhos, um segundo Mateus, um de acordo com Marcos, um segundo Lucas, um segundo João: os Atos dos Apóstolos pelo evangelista Lucas: sete epístolas católicas. Uma de Tiago, duas de Pedro, três de João, uma de Judas: quatorze cartas do apóstolo Paulo: o Apocalipse de João Evangelista: os Cânones dos santos apóstolos, por Clemente.” (DAMASCENO, 730)

        Novamente, um padre, entre os séculos VII e VIII, que segue a mesma lógica de todos os outros. Em sua lista, por algum motivo, não cita todos os deuterocanônicos, mas, na prática, confirma serem eles Escrituras inspiradas por Deus.

          É verdade que a lista de livros dada por São João Damasceno não inclui os deuterocanônicos e apenas 3 deles são mencionados: Baruc, Sabedoria e Eclesiástico, enquanto aos dois últimos não considera como canônicos. Mas restaria ver qual o significado de Escritura Canônica para São João Damasceno, que muito provalmente não quer dizer “não inspirado”. Também a sua lista do Novo Testamento está maior. Ele cita o “cânone dos santos apóstolos” de Clemente. Isso com toda a certeza é a Didaqué; logo, sua lista parece não ser destinada a limitar-se somente aos livros aceitos como inspirados, mas, vai além disso. A Didaqué, obviamente, não é um livro do Novo Testamento e não é reconhecido por ninguém como inspirado.

Apesar de João Damasceno não citar os deuterocanônicos em sua lista, nas obras acessadas para compor este estudo, ele mesmo apresenta mais de uma dúzia de referências a trechos dos livros deuterocanônicos vistas a seguir.

E, portanto, é que no Antigo Testamento o uso de imagens não era comum. Mas, depois de Deus (João 1, 14, Tito 3, 4) nas suas entranhas de piedade tornou-se verdadeiro homem para nossa salvação, e não como Ele foi visto por Abraão na aparência de um homem, nem como ele foi visto pelos profetas, mas sendo verdadeiramente homem, e depois ele viveu sobre a terra e habitou entre os homens” (Baruc 3, 37) operou milagres, sofreu, foi crucificado, ressuscitou e foi levado de volta para o Céu, pois todas estas coisas realmente teve lugar e foram vistas pelos homens, elas foram escritas para a memória e instrução de nós que não estávamos vivos naquela época, a fim de que, embora não vimos, podemos ainda, ouvir e crer, obter a bênção do Senhor. (Exposição da fé ortodoxa, Livro IV, Capítulo XVI).

Essa citação é do mesmo livro IV, na Exposição da fé Ortodoxa” capítulo XVII, no qual ele dá a lista dos livros e não inclui os deuterocanônicos. No entanto, no capítulo XVI, que é apenas uma página antes do capítulo XVII, ele se refere a eventos bíblicos e, ao falar de Jesus, ele se refere a Baruc na sua descrição.

No capítulo XVIII da mesma obra, ele novamente se refere a Baruc bem no meio de outras passagens bíblicas, sem fazer nenhuma distinção entre os livros, colocando todos em pé de igualdade:

Alguns, mais uma vez, tem um sentido profético, e destes alguns estão no tempo futuro: por exemplo, Ele virá abertamente, (Salmo 50, 3) e este de Zacarias, eis que o teu rei vem a ti (Zacarias 9, 9) e este de Miquéias, eis que o Senhor sairá do Seu lugar, descerá e andará sobre cumes da terra. (Miquéias 1, 3) Mas outros, embora futuro, são colocados no pretérito, como, por exemplo, Este é o nosso Deus: “Por isso Ele foi visto sobre a terra e habitou entre os homens(Baruc 3, 37) e O Senhor me criou, como primícia de suas obras (Provérbios 8, 22),  e portanto Deus, teu Deus, te ungiu com o óleo de alegria, como a nenhum dos teus companheiros (Salmo 45, 7) (Ibidem, Livro IV, 18)

Nesse trecho, o Santo está mostrando como livros do Antigo Testamento que falam de Jesus e como se cumpre o que está escrito neles; alguns no passado, e alguns no sentido profético futuro. Cita Zacarias, Miqueias, Provérbios, Salmos e bem no meio de todos esses livros, Baruc; novamente da mesma maneira, colocando-o no mesmo nível e confirmando que Jesus é profetizado por Baruc.

A divina Escritura também diz que ‘as almas dos justos estão na mão de Deus’ (Sabedoria 3, 1) e a morte não pode lançar mão deles.” (Ibidem, Livro IV, 15).

João Damasceno cita diretamente Sabedoria como “A divina Escritura”. À citação explícita da Sabedoria como Escritura Divina não é necessário nenhum comentário.

O segundo nome de Deus é Θεός, derivado θέειν, para executar, porque Ele cursos através de todas as coisas, ou de αἴθειν, para queimar: Porque Deus é um fogo que consome todos os males (Deuteronômio 4, 24): ou de θεᾶσθαι, porque Ele é que tudo vê (II Macabeus 9, 5.): pois nada pode escapar dele, e sobre tudo o que Ele guarda. Pois Ele viu todas as coisas antes que elas fossem, mantendo-as eternamente em seus pensamentos, e cada uma conforme o seu pensamento voluntário e atemporal, o que constitui predeterminação, imagem e padrão, passam a existir no momento pré-determinado.” (Ibidem, Livro I, Capítulo 5).

Aqui ele trata da imensidão de Deus e prova a sua onisciência (Refere-se a Deus como o que tudo vê”). Esse termo específico não é referido a Deus em nenhum outro livro da Bíblia, somente em II Macabeus. Exatamente com esse termo, ele prova a onisciência divina, doutrina fundamental.

Novamente, ele chama Baruc de Sagrada Escritura:

E, embora a Sagrada Escritura diga, ‘por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo da alegria’ (Salmo 14:7), é de se observar que a Sagrada Escritura frequentemente usa o tempo passado em vez do futuro, como por exemplo, aqui:depois ele foi visto sobre a terra e habitou entre os homens.’ (Baruc 3, 38). Pois Deus ainda não tivesse sido visto nem habitado entre os homens, quando isso foi dito. E aqui novamente:Junto aos rios de Babilônia, ali nos sentamos, sim chorou.’ (Salmo 137, 1) Pois estas coisas ainda não tinham acontecido, (Fé Ortodoxa, 4 6).

Esse é mais um Pai que não cita os deuterocanônicos em sua lista, mas, como vimos, têm-nos como inspirados por Deus e usa-os para comprovação de doutrinas. Prova-se, assim, mais uma vez, que o “cânon” a que ele se refere não é a lista completa e exclusiva das Escrituras.


[1] Josué

[2] I e II Samuel

[3] I e II Reis

[4] I e II Crônicas

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