Jerônimo de Stridon (ou do latim: Eusebius Sophronius Hieronymus) viveu entre os séculos IV e V. Nasceu em Stridon, uma cidade nos confins da Dalmácia e Pannonia, por volta do ano 340 d.C ; morreu em Belém, em 30 de setembro de 420. Foi para Roma por volta de 360 onde foi secretário do Papa Damaso. A pedido deste começou a traduzir a Vulgata Latina (Tradução das Escrituras do original para o Latim) . Em 11 de dezembro de 384, o Papa Damaso morreu, então, ele se mudou para o Oriente, onde fundou dois mosteiros e lá pôde continuar seu trabalho de tradução da vulgata.
Ele é o escritor primitivo mais frequentemente usado por protestantes para afirmarem que os pais negavam a inspiração dos deuterocanônicos. Sua atitude em relação aos deuterocanônicos é, realmente, à primeira vista, a mais dura entre os Padres, porém, em contrapartida, ele é o que mais os citou em seus escritos. Por isso, é necessário verificar todos esses escritos para saber qual o seu real pensamento em relação a esses livros. Alguns trechos de suas obras que são utilizados para poderem sustentar a alegação que ele os rejeitava são:
“Este prefácio das para as escrituras [Samuel e Reis] podem servir como um ‘elmo’ introdutório para todos os livros os quais nós agora transcrevemos do Hebraico para o Latim de modo que possamos ter certeza de que aqueles que não são encontrados em nossa lista devem ser colocados entre os escritos apócrifos. Sabedoria, o Livro de Sirac, e Judite, e Tobias e o Pastor não são Canônicos. O primeiro livro de Macabeus eu encontrei em hebraico, o segundo em grego, como pode ser demonstrado de alto estilo” (Prefácio de Samuel e Reis, ano de 391).
Outro:
“Nós temos o autêntico livro de Jesus, Filho de Sirac [Eclesiástico], e outro trabalho pseudoepígrafo, intitulado Sabedoria de Salomão. Eu encontrei o primeiro no hebraico, com o título, ‘parábolas’, não eclesiástico como nas versões latinas […] O segundo de forma alguma se encontra nos textos hebraicos, e seu estilo aproxima-se de eloquência grega: um número de escritores antigos afirma que é um trabalho do Judeu Fílon. Consequentemente, apenas como a Igreja lê Tobias, e os livros dos Macabeus, mas não são admitidos no cânon das Escrituras; a Igreja permite que estes 2 volumes sejam lidos, para a edificação das pessoas, não para darem suporte à autoridade das doutrinas eclesiásticas” (Prefácio aos escritos de Salomão, Ano de 393).
Jerônimo diz, especificamente, que os deuterocanônicos não estão contidos no cânon das Escrituras e até que eles não eram usados para a doutrina. Perceba, ainda, que ele não coloca o livro de Baruc entre estes livros. Esses discursos são, no máximo, do ano 394 d.C e não figuram o que ele pensou e relatou em toda a sua vida.
O caso de Atanásio, que falou liturgicamente, não se aplica a ele; o que mais parece se encaixar é o caso de Orígenes, o qual não cita os deuterocanônicos por questões de disputas e conciliações com o cânon Judaico.
A mente de Jerônimo era dividida em dois princípios. Por convicção e educação, ele era um cristão moldado pela tradição cristã, porém, seus estudos superiores lhe tinham feito em certo sentido judeu. A beleza singular da língua hebraica e o conhecimento mais profundo da substância da antiga Lei (possuído apenas por hebraístas) fê-lo tecer comentários desagradáveis sobre os livros rejeitados pelos judeus. Então, seus testemunhos oscilaram entre a sua reverência pela Tradição cristã, que aceitava os deuterocanônicos, seu respeito pelo Hebraico e um embaraço ao citar os livros não aceitos pelos judeus. (BREEN, 1897)
Segundo J.N.D Kelly, um dos maiores e mais conhecidos patrologistas protestantes, as razões pelas quais São Jerônimo citou, na teoria, os deuterocanônicos como não canônicos, eram por questões táticas e pelo seu embaraço ao citar livros não aceitos pelos judeus:
“Em outros lugares, embora admitindo que a Igreja lê livros como Sabedoria e Eclesiástico que são estritamente não Canônicos, ele insiste na sua utilização somente ‘para edificar o povo, não para a comprovação das doutrinas da Igreja’. Esta foi a atitude que, com concessões temporárias por razões táticas ou outras, ele manteve para o resto da sua vida – na teoria pelo menos, pois na prática ele continuou a citá-los como se fossem Escritura. De novo o que o moveu foi principalmente o embaraço que sentia ao ter que argumentar com Judeus com base em livros que eles rejeitaram, ou mesmo (por exemplo, as histórias de Susana, ou de Bel e o Dragão) que achavam francamente ridículos.”(KELLY, 2000)
Portanto, na teoria, citava-os como não canônicos, mas, na prática, citava-os como Escritura. No final do relato, Kelly ainda menciona o motivo por que São Jerônimo cita esses livros como não pertencentes ao cânon das Escrituras:
“o que o moveu foi principalmente o embaraço que sentia ao ter que argumentar com Judeus com base em livros que eles rejeitaram, ou mesmo (por exemplo, as histórias de Susana, ou de Bel e o Dragão) que achavam francamente ridículos.”
Também a Enciclopédia Católica afirma:
“São Jerônimo, enquanto rejeitando na teoria, estes livros que ele não encontrou, em seu manuscrito hebraico, consentiu em traduzir Judite[…]” (ENCICLOPÉDIA CATÓLICA, 1907)
Tanto historiadores protestantes quanto católicos reconhecem que a sua suposta negação da inspiração dos deuterocanônicos, era apenas teórica, pois, na prática, isso era diferente.
O leitor deve se perguntar: se ele aceitava os livros por que ele fez tais comentários sobre os livros? A resposta dada pelo historiador J.N.D Kelly, já nos dar uma boa ideia do porquê. Porém, para melhor responder esta questão, e evidenciar o pensamento e opinião de S. Jerônimo em relação a estes livros, faremos uma “cronologia” (a tabela cronologica pode ser vista aqui) de seus escritos que será divida da seguinte forma:
1- Escritos de 370 a 380 d.C
2- Escritos de 381 a 390 d.C
3- Escritos de 391 a 400 d.C
4- Escritos de 401 a 410 d.C
5- Escritos de 411 a 420 d.C (ano de sua morte)
Desta forma e com as inúmeras evidências que serão apresentadas, o leitor poderá adentrar a fundo no pensamento de São Jerônimo, e saber o porquê que ele fez tais comentários.
1 – ESCRITOS DE 370 A 380 D.C
O primeiro escrito de Jerônimo data de 369 d.C, foi um comentário místico sobre o livro do profeta Obadias em Roma. Sua primeira carta foi escrita no ano seguinte já em Aquileia. Nesta primeira década não temos nenhuma citação ou ponto importante sobre são Jerônimo e o cânon bíblico, apenas nos anos de 374 e 375, quando já estava em Antioquia faz algumas menções aos livros deuterocanônicos em suas cartas, como pode ser visto abaixo:
“Quão afortunados cobertura que abriga para nós a mãe mártir dos Macabeus todos cingidos com coroas”. (Epístola 7 – Para Cromácio, Jovino e Eusébio (Loeb) 374 d.C)
“E se ele não é perfeito, quando ele prometeu a Deus que ele seria perfeito, esta segunda promessa era uma mentira. Agora, ‘a boca que acusa com injustiça arrasta a alma à morte’ (Sabedoria 1, 11)” (Epístola 14, 6 – 375 d.C)
Até esta data usava os livros normalmente sem qualquer contestação ou comentário sobre.
2 – ESCRITOS DE 381 A 390
No ano 380, Jerônimo se dirigiu a Constantinopla, passando nesta cidade 2 anos, e logo após, retornou a Roma, onde ficou até 385 d.C e escreveu diversas de suas cartas nas quais ele menciona diversas vezes os deuterocanônicos como Escrituras:
2. 1 – Ano 384 d.C
“Daniel também poderia ter comida de ricos servida a ele de mesa do rei, mas um pequeno-almoço, que Habacuque trouxe, que deve, me parece, ter sido, mas comida do campo Portanto, ele foi chamado de ‘o homem de desejos’, porque ele se recusou a comer o pão do desejo ou beber o vinho da lascívia. A partir das Escrituras podemos coletar inúmeras respostas divinas condenando a gula e aprovando a comida simples. (Daniel 14)“ (Carta 22, 9-10 a Eustóquio – ano 384 d.C).
Aqui chama a parte deuterocanônica de Daniel de Escritura.
“ainda a nossa alegria não se deve esquecer o limite definido pela Escritura, e não devemos ficar muito longe da fronteira da nossa luta. Seus presentes, de fato, lembram-me do Volume Sagrado, pois nele Ezequiel adorna Jerusalém com braceletes, (Ezequiel 16, 11) Baruc recebe cartas de Jeremias (Baruc 6) e o Espírito Santo desce na forma de uma pomba no batismo de Cristo (Mateus. 3, 16)” (A Eustóquio, Epístola XXXI, 2 – Ano 384 d.C).
Jerônimo cita, em referência às Escrituras, o “Volume Sagrado”. Em seguida, ele menciona três passagens de Ezequiel, Baruc e Mateus. Ele se refere às cartas (plural) de Jeremias a Baruc, uma vez em Jeremias 36, e outra vez em Baruc 6. Assim, para Jerônimo, Baruc é claramente Escritura, e ele é um dos autores do “Volume Sagrado”, a Bíblia.
Em Agosto de 385 d.C ele deixa Roma e vai para Antioquia, onde chega em Dezembro deste mesmo ano. Após deixar Antioquia no ano seguinte viaja da palestina ao Egito, volta e se estabelece em Belém. Durantes estes anos, escreve cartas e comentários aos livros bíblicos citando os livros deuterocanônicos, normalmente como Escrituras:
2.2 – Ano 388 d.C
“E é isso que está escrito no livro de Tobias: ‘É bom manter oculto o segredo do rei… ’ (Tobias 12, 7)” (Comentário em Eclesiastes 8).
“Sobre o [Espírito Santo] em outro lugar está escrito: ‘Vosso espírito incorruptível está em todos. (Sabedoria 12, 1)’” (Comentário sobre Gálatas, Livro I – 2, 3).
“Certamente dizemos a Deus: ‘Porque amais tudo que existe, e não odiais nada do que fizestes, porquanto, se o odiásseis, não o teríeis feito de modo algum.’(Sabedoria 11, 24)” (Comentário a Carta aos Efésios, livro I – 1, 6)
Como visto, até Jerônimo chegar a Belém, para retomar seu trabalho de tradução da vulgata, onde ainda estava longe da influência do texto massorético e da escola judaica, ele sempre citou os livros deuterocanônicos normalmente e como escrituras sagradas. O problema começa quando ele se estabelece em Belém.
3 – ESCRITOS DE 391 A 400
Já na palestina, quando Jerônimo entra em contato como texto Massorético que o fez acreditar que somente os livros que ele pode achar em hebraico eram inspirados, então começa a tecer, em teoria ,comentários depreciativos em relação aos outros livros, como pode ser lido seu prefácio aos livros dos Reis no ano 391 d.C, apenas alguns anos após sua chegada em Belém:
3.1 – 391 d.C
“E assim há também vinte e dois livros do Antigo Testamento, ou seja, cinco de Moisés, oito dos profetas, nove dos Hagiógrafos, embora alguns incluam Rute e Kinote (Lamentações) entre os Hagiografos, e acho que estes livros devem ser contados separadamente, devemos, portanto, têm vinte e quatro livros da antiga lei. E estes o Apocalipse de João representa pelos vinte e quatro anciãos, que adoram o Cordeiro, e com olhares baixos oferecer suas coroas, ao mesmo tempo em sua presença estão os quatro seres viventes com olhos por diante e por trás, ou seja, olhar para o passado e no futuro, e com a voz incansável chorando, Santo, Santo, Santo, Senhor Deus Todo-Poderoso, que eras, e é, e está por vir.
Este prefácio das para as escrituras podem servir como um ‘elmo’ introdutório para todos os livros os quais nós agora transcrevemos do Hebraico para o Latim de modo que possamos ter certeza de que aqueles que não são encontrados em nossa lista devem ser colocados entre os escritos apócrifos. Sabedoria, o Livro de Sirac, e Judite, e Tobias e o Pastor não são Canônicos. O primeiro livro de Macabeus eu encontrei em hebraico, o segundo em grego, como pode ser demonstrado pelo próprio estilo.”.(Prefácio de Samuel e Reis, ano de 391).
É fato importante a notar a não inclusão de Baruc entre estes livros. Dois anos mais tarde em seu prefácio aos livros de Salomão, volta a chamar os livros disputados como não canônicos:
3.2 393 d.C
“Existe também o Panaretus, o livro de Jesus o filho de Siraque, e outro pseudoepígrafo que é chamando a Sabedoria de Salomão. O primeiro eu encontrei em Hebraico, não chamado Eclesiástico, como os latinos, mas Parábolas; o segundo não está em nenhum lugar com os Hebreus, e o próprio estilo parece da eloquência grega, e alguns dos antigos escritores tem descrito como sendo de Fílon o Judeu. Portanto, como a Igreja lê os livros de Judite e Tobias e Macabeus, mas não os recebe entre as Escrituras canónicas, assim também lê Sabedoria e Eclesiástico para a edificação do povo, não como autoridade para a confirmação dos dogmas eclesiais.” (Prefácio aos escritos de Salomão. ano 393 d.C)
Apesar de nestes anos, nos seus prefácios, falar contra os livros, na prática continuou citando os livros normalmente:
“‘Não dê teu cetro’, diz Ester, ‘a eles que não são nada’-. Isto é, aos ídolos e demônios E certamente eles eram ídolos e demônios a quem rezou para que ela e os dela não fossem entregues.” (Carta 48, a Pamáquio. 393 d.C)
“Como nas boas obras é Deus quem lhes traz a perfeição, pois não é do que quer, nem do que corre, mas de Deus que se compadece e dá-nos ajuda para que possamos ser capazes de alcançar a meta: então em coisas ímpias e pecadoras, as sementes dentro de nós dão o impulso, e estes são trazidos à maturidade pelo demônio. Quando ele vê que estamos construindo sobre o fundamento de Cristo com feno, madeira, palha, então ele se aplica no jogo. Vamos, então, construir com ouro, prata, pedras preciosas, e ele não vai se aventurar a tentar-nos: apesar de mesmo assim não há certeza e posse segura. Pois o leão espreita a emboscada para matar os inocentes. ‘ Os vasos do oleiro são provados pela fornalha, e os homens justos, pelo julgamento da tribulação’ (Eclesiástico 27, 5). E em outro lugar está escrito: ‘Meu filho, quando tu vires a servir ao Senhor, prepara-te para a tentação.’ (Eclesiástico 2, 1) Novamente, o mesmo Tiago diz: ‘Sede cumpridores da palavra, e não somente ouvintes. Porque, se alguém é ouvinte da palavra, e não cumpridor, é semelhante a um homem que contempla seu rosto natural no espelho, pois ele contempla a si mesmo, e vai embora, e logo se esquece que tipo de homem ele era’ .(Tiago 3, 22). Seria inútil avisá-los para adicionar obras a fé, se não pudessem pecar depois do batismo.” (Contra Joviniano, Livro 2, 3 – 393 d.C).
Em seu comentário no prefácio da tradução de Reis e Samuel visto acima, ele escreve que Judite não é canônico, porém pouco tempo mais tarde em 393 ou 394 d.C, no prefácio ao livro de Judite, vem a reconhecer que este livro estava dentre o cânon das Escrituras desde o Primeiro Concílio de Nicéia, como pode ser lido em seu relato:
“Entre os hebreus do livro de Judite é encontrada entre os Hagiógrafos, a autoridade do qual para confirmar aqueles que entram em disputa é julgado menos apropriado. No entanto, tendo sido escrito em Língua caldéia, ele é contado entre as histórias. Mas porque este livro é encontrado, pelo Concílio de Nicéia, sendo contados entre o número das Sagradas Escrituras, tenho concordado com o seu pedido, de fato uma ordem, e trabalhando tendo sido posto de lado a partir do qual eu estava com força reduzida, dei a este (livro) uma curta noite de trabalho, traduzindo mais sentido do sentido do que a palavra da palavra. […] Receba a viúva Judite, um exemplo de castidade, e declare honra triunfal com louvores perpétuos a ela.[…]” (Prólogo do livro de Judite – 393 ou 394 d.C).
Ele reconhece a canonicidade de Judite como uma promulgação do Concílio de Nicéia, tal citação não foi preservada nos cânones, cartas ou atas do concílio, só se tem conhecimento disto através deste testemunho dele.
Também no seu prefácio ao Livro de Tobias endereçado aos bispos Cromácio e Eliodoro ele nos revela mais um pouco sobre como sua mente se formou de acordo com a opinião hebraica que ele encontrou no oriente:
“Eu não deixo de admirar a constância de sua exigência. Pois você pede que eu traga um livro escrito em caldeu para o latim, na verdade o livro de Tobias, que os hebreus excluem do catálogo das Divinas Escrituras, lembrando das coisas que eles têm intitulado como Hagiógrafos. Eu tenho feito o suficiente para atender o seu desejo, mas não pelo meu estudo. Pois os estudos dos Hebreus repreender-nos e nos imputam erro em traduzir isso para os ouvidos dos latinos contrário ao seu cânone . Mas é melhor ser julgado pela opinião dos fariseus para desagradar e se submeter às ordens de bispos.” (Prefácio ao livro de Tobias – 393 ou 394 d.C)
Assim, Jerônimo está ciente da diferença entre o que ele encontrava na tradição hebraica da palestina e o que era a opinião da Tradição da Igreja.
3.3 – 394 d.C
Novamente em 394 d.C, no prefácio ao livro de Esdras, diz que apenas 24 livros (como os hebreus dividiam os 39 livros aceitos) eram inspirados:
“Ninguém deve ser incomodado pelo fato de a minha edição ser composta por apenas um livro, nem ninguém deve se deleitar nos sonhos encontrados no terceiro e quarto livros apócrifos. Pois entre os hebreus os textos de Esdras e Neemias constituem um único livro, e aqueles textos que não são usados por eles e não se ocupam com os vinte e quatro anciãos devem ser rejeitados.” (Prefácio a Esdras, Ano 394).
Neste mesmo ano, curiosamente ele chama o livro da Sabedoria de Escritura e o usa como uma das 7 provas para falar sobre a Imagem de Deus:
“No entanto, o Espírito Santo no trigésimo nono Salmo, enquanto lamentando que todo homem anda numa vã aparência, e que eles estão sujeitos aos pecados, fala assim: ‘Porque todo homem anda à imagem’ (Salmo 39, 6). Também após o tempo de Davi, no reinado de seu filho Salomão, lemos uma referência um tanto similar à semelhança divina. Pois no livro da Sabedoria, que está escrito com o nome dele, Salomão diz:. ‘Deus criou o homem para ser imortal, e o fez ser uma imagem de sua própria eternidade.’ (Sabedoria 2, 23) e mais uma vez, cerca de mil cento e onze anos depois, lemos no Novo Testamento que os homens não perderam a imagem de Deus. Pois Tiago, um apóstolo e irmão do Senhor, que eu mencionei acima – que não podemos ser enredado nas armadilhas de Orígenes – nos ensina que o homem possui a imagem e semelhança de Deus. Pois, depois de um breve discurso sobre a língua humana, ele passou a dizer dela: ‘É um mal incontrolável … Com ela bendizemos a Deus, o Pai e com ela amaldiçoamos os homens, que são feitos à semelhança de Deus.’ (Tiago 3, 8-9) Paulo, também, o ‘vaso escolhido’ (Atos 9, 15), que em sua pregação foi totalmente mantida a doutrina do evangelho, nos instrui que o homem é feito à imagem e à semelhança de Deus. ‘Um homem’, diz ele, ‘não devem usar cabelos longos, porquanto ele é a imagem e glória de Deus.’ (I Cor. 11, 7). Ele fala da ‘imagem simplesmente’, mas explica a natureza da semelhança com a palavra ‘glória’. Em vez de três provas da Sagrada Escritura que você disse que iria satisfazê-lo se eu pudesse dá-las, eis que eu te dei sete …” (Carta 51, 6-7 – A Epifânio – 394 d.C).
Jerônimo, mesmo que tinha escrito que os deuterocanônicos não eram utilizados para estabelecer doutrina em 391 e 393 d.C, aqui em 394 d.C, em um contexto mais amplo, falando de como somos feitos à imagem de Deus, prova uma doutrina com o livro da Sabedoria, sem fazer nenhuma distinção entre esse e os outros livros bíblicos usados por ele para falar sobre a doutrina. Para ele, o livro foi uma das sete provas retiradas das Escrituras para mostrar o significado da imagem de Deus.
Aqui, nota-se que o informação precisa que nos dá o protestante J.N.D Kelly na citação mencionada no início, São Jerônimo apenas em teoria “rejeitou” estes livros, pois na prática, nos mesmos anos nos quais ele escreveu os comentários depreciativos em relação aos livros, ele os usa como escrituras, sem qualquer ressalva.
Outra vez, no mesmo ano, nosso autor mostra que nesta data tinha dúvidas sobre a canonicidade dos livros, tanto que escreve:
“No livro de Judite – se alguém é da opinião que deve ser recebido como canônico – lemos sobre uma viúva desgastada de jejum e vestindo o manto sombrio luto…” (Carta 54, 16 – A Furia – 394 d.C)
Se ele tivesse em mente a certeza que o livro de Judite não era canônico, não havia por que ainda argumentar que “se alguém tem a opinião que ele deve ser recebido como canônico”, e usar este livro para provar o que ele estava falando. Isso mostra que aceitavam o livro como canônico ou sabia que haviam pessoas na Igreja que o aceitavam como canônico, muito embora pessoalmente, ele estivesse dividido.
3.4 – 395 D.C
Nos anos seguintes continua mencionando os livros deuterocanônicos como escrituras e sem qualquer ressalva quanto a canonicidade:
“Não, meu querido irmão, estime meu valor pelo número de meus anos. Cabelos brancos não é sabedoria, é a sabedoria, que é tão boa quanto os cabelos brancos Pelo menos é isso que Salomão diz: ‘a sabedoria que faz as vezes dos cabelos brancos’ (Sabedoria 4, 9). Moisés também na escolha dos setenta anciãos disse para tirar aqueles a quem ele sabia que eram anciãos de fato, que não para selecioná-los por seus anos, mas por sua discrição (Números 11, 16) E, como um menino, Daniel, julgou os homens de idade e na flor da juventude condenou a incontinência da idade (Daniel 13, 55-59)” (A Paulino, Epístola 58 – 395 d.C).
Nessa passagem, ele mescla o uso do Livro da Sabedoria e a parte deuterocanônica de Daniel com o livro de Números e novamente, na prática, não faz distinção entre os escritos de Moisés e os dois livros deuterocanônicos.
3.5 397 D.C
Em tudo visto até agora, fica claro que Jerônimo estava empregando um princípio individual e novo na Igreja, e ele estava consciente disto, pois apesar de falar que os livros não eram canônicos nos prefácios, na prática não hesitava em usá-los normalmente como Escrituras. Portanto, como já mencionado, Jerônimo veio com um princípio teórico de funcionamento que o que não foi encontrado no texto hebraico Massorético que ele se deparou na palestina, era falso, pois ele acreditava que o texto Massorético era o texto original escrito ou pelo menos derivado diretamente dos autores bíblicos, e o que não fosse encontrado neste texto hebraico não poderia ser confirmado como inspirado. Este princípio é conhecido como “verdade hebraica”, sobre isso ele escreveu em 397 d.C:
“O cânon da verdade hebraica, exceto a octateuco que tenho neste momento na mão… O Novo Testamento eu restaurei à forma autoritária do original grego. Porque, assim como o verdadeiro texto do Antigo Testamento só pode ser testado por uma referência ao hebraico, de modo que o verdadeiro texto do novo exige para a sua decisão de recurso ao grego.” (Carta 71 a Lucínio – 397 dC)
A teoria da “Verdade hebraica” de Jerônimo, estendeu-se mesmo até o cânone, por isso para ele tudo o que não foi encontrado no Texto Massorético não era Escritura canônica, mas sem inspiração. E foi exatamente por sua fascinação com a língua hebraica que esta teoria tomou-lhe a mente, que ficou divida entre a Igreja e o contraste judaico.
No final do século IV, ainda não havia nenhuma evidência concreta para mostrar Jerônimo estava errado nesta concepção. Havia apenas um texto hebraico disponível e que as traduções gregas parecia-lhe ser , mais ou menos , traduções soltas do hebraico Massorético. Tudo isso mudou nos anos 1940, com a descoberta dos Manuscritos do Mar Morto. Descobriu-se que havia várias outras tradições de manuscritos hebraicos em circulação no primeiro século e que o texto hebraico Massorético não é um descendente direto textual do original. Na verdade, o próprio Texto Massorético parece ter sofrido algum desenvolvimento, não atingindo sua forma final até o final do primeiro século cristão. Qumran também revelou que a Septuaginta grega não era, como Jerônimo pensava , uma tradução livre do Massorético, mas partes dele parece ser uma tradução muito literal grega de uma tradição muito mais antiga do texto hebraico, que agora está perdido. Então a “verdade hebraica” de Jerônimo foi provada como errada e derrubada, então sua afirmação de que o que não é encontrado no hebraico massorético era apócrifo, é inútil.
A queda da “verdade hebraica”, também traz consigo a queda da justificação protestante em Jerônimo, para a rejeição dos deuterocanonicos. Como o autor protestante A. C. Sundberg uma vez escreveu:
“Mas agora, foi demonstrado, que o caso de Jerônimo cai irremediavelmente por terra, uma vez que foi baseado no equívoco de que esse cânone judaico foi o cânone de Jesus e dos apóstolos. Qualquer apelo continuando dos reformadores até Jerônimo e o cânon hebraico vem a ter este mesmo fim […] Se o cristianismo protestante continuar seu costume de restringir seu cânone do AT ao cânon judeu, então uma lógica completamente nova e doutrina do cânone terá que ser descrita. E qualquer doutrina protestante de canonização que leva a sério a questão do uso cristão e do património histórico e espiritual, levará, finalmente, para o AT cristão, tal como definido na Igreja Ocidental no final do quarto e o início do século quinto.” (The Protestant Old Testament Canon: Should It Be Reexamined? – CBQ – PG. 202-203 )
A justificativa histórica para o cânon do Antigo Testamento protestante, com base em Jerônimo e aqueles que foram influenciados por ele, é insustentável. Portanto, a rejeição destes livros como Escritura inspirada capaz de confirmar a doutrina, é ilícita e deve ser revista.
Voltando a cronologia, neste ano Jerônimo mostra que o livro de Judite é um livro sagrado:
“Rute, Ester e Judite são tão nobres que seus nomes foram colocados nos Livros Sagrados” (Carta 65, 1 – A Principia 397 d.C)
Usa também o livro de Eclesiástico:
“Nosso querido Pamáquio também rega as cinzas e os ossos santos reverenciados de Paulina, mas é com o bálsamo da esmola. Estas são as confecções e os perfumes com os quais ele cuida das brasas mortas de sua esposa, sabendo que está escrito: ‘A água apaga o fogo ardente, a esmola enfrenta o pecado.’ (Eclesiástico 3, 30). […]Está provado também pelo conselho de Daniel que desejava que o mais ímpio dos reis -estivesse disposto a ouvi-lo – para ser salvo, usando de misericórdia para com os pobres.” (Daniel 4, 27) (Para Pamáquio, Carta LXVI, 5 – 397 d.C).
3.6 – 399 d.C
Continua a citar os livros normalmente:
“Pois, como está escrito no livro da Sabedoria, ele “Foi arrebatado para que a malícia lhe não corrompesse o sentimento…. Sua alma era agradável ao Senhor e é por isso que ele a retirou depressa do meio da perversidade.” (Sabedoria 4, 11-14). Nós podemos chorar com mais direito pois nós mesmos que estamos diariamente em conflito com os nossos pecados, somos corados com vícios, recebemos feridas, e devemos dar conta de toda palavra inútil” (Mateus 12, 36)” (Carta LXXV, 2, 399 d.C).
Chama Baruc de Profeta:
“Gostaria de citar as palavras do salmista: ‘o sacrifícios a Deus é um espírito contrito’, (Salmos 51, 17) e o de Ezequiel ‘Eu prefiro o arrependimento de um pecador ao invés de sua morte’, (Ezequiel 18, 23) e as de Baruc, ‘Levanta-te, levanta-te, ó Jerusalém’ (Baruc 5, 5) e muitas outras proclamações feitas pelas trombetas dos profetas.” (A Oceano, Epístola 77, 4 – 399 d.C).
Jerônimo não faz distinção alguma entre os Salmos, Ezequiel e Baruc. Eles são todos inspirados, Palavras de Deus. Além disso, ao contrário da afirmativa protestante de que os deuterocanônicos não tinham profetas, Jerônimo chama Baruc de profeta. De acordo com Jerônimo, Baruc, portanto, com autoridade, falou a Palavra de Deus. Além disso, ele usa-o em conjunto com outros profetas para provar que Davi no Salmo 51 está correto.
3. 7 – 400 d.C
Novamente cita Judite como exemplo a ser seguido:
“Essas coisas, querida filha em Cristo, eu te impressiono e frequentemente repito, que você pode esquecer as coisas que estão para trás e chegar-vos as coisas que estão diante (Filipenses 3, 12). Você tem viúvas, como você dignas de serem modelos, Judite de renome na história hebraica (Judite 13) e Ana, filha de Fanuel (Lucas 2), famosa no evangelho. Ambas Tanto de dia como de noite viviam no templo e preservado o tesouro de sua castidade pela oração e pelo jejum. Uma delas era tipo da Igreja, que corta a cabeça do diabo (Judite 13, 8) e a outra, primeiro recebeu nos braços o Salvador do mundo e lhe foi revelado os santos mistérios que estavam por vir (Lucas 2 , 36-38).” (A Salvina, Carta 79, 10 – 400 d.C).
Será que Jerônimo compararia a Igreja a uma figura de inspiração puramente humana? E além do mais, comparar uma obra puramente humana com uma obra inspirada tratando as duas no mesmo nível de exemplo de castidade e oração?
4 – 401 A 410 D.C
4.1 – 402 d.C
Em 402 d.C começa um controvérsia com Rufino, onde Rufino o acusa de rejeitar as partes de Daniel que são aceitas pela Igreja, ele se defende dizendo que o que ele falou contra as partes de Daniel nos prefácios refletia apenas a opinião dos judeus e não as dele:
“Em Referencia a Daniel minha resposta será que eu não disse que ele não era profeta; ao contrário eu confesso, no próprio início do prefácio, que ele era um profeta. Mas eu desejei mostrar qual era a opinião sustentadas pelos Judeus; e quais eram os argumentos que eles usavam para provar. Eu também disse ao leitor que a versão lidas nas Igrejas Cristãs não era a da septuaginta mas a se Teodocião. É verdade, Eu disse que a versão da septuaginta era neste livro muito diferente do original, e que foi condenada pelo justo julgamento das Igrejas de Cristo; Mas o erro não foi meu que relatei o fato, mas daqueles que lêem a versão. Nós temos 4 versões para escolher: aquelas de Áquila, Simáco, Septuaginta, e Teodocião. As Igrejas escolheram ler Daniel na versão de Teodocião. Que pecado eu cometi se segue o julgamento das igrejas? Mas quando eu repeti o que os judeus dizem contra história de Susana, o hino dos 3 Jovens, e a estória de Bel e o Dragão, que não estão contidos na bíblia hebraica, o homem que fez esta acusação contra mim prova que ele mesmo é um tolo e um caluniador. Pois eu expliquei não o que eu pensava, mas o que eles comumente diziam contra nós. Eu não refutei a opinião deles no prefácio por que eu sendo breve, e cuidadoso para não parecer que eu não estava escrevendo um prefácio e sim um livro. Eu disse, portanto, ‘aqui não agora não é o momento para entrar em discussão sobre isto.’” (Apologia contra Rufino, Livro 2, 33 – 402 d.C)
4. 2 – 404 D.C
Dois anos mais tarde em sua carta a Eustóquio, chama novamente Eclesiástico de Escritura:
“A Escritura não diz: ‘não te sobrecarregue acima do teu poder’? (Eclesiástico 13, 2)” (A Eustóquio, Epístola CVIII, 21 – 404 d.C).
Eclesiástico, que ele mesmo havia dito não ser canônico, aqui é para ele Escritura. Assim, na prática, para apoiar a doutrina, ele o chama-os de Escritura. Mesmo se não houvesse outras citações dele a respeito dos deuterocanônicos, essa citação somente, já mostraria que a sua visão sobre o que é e o que não é Escritura não pode ser vista somente a partir de citações mais antigas e isoladas.
Em 405 d.C o papa Inocêncio escreve uma carta pastoral a Exupério, Bispo de Toulouse, onde descreve o cânon católico com todos os 73 livros sagrados. Muitos especialistas descrevem que a carta de Inocêncio seria para esclarecer certas dúvidas que haviam surgido na época em relação ao cânon bíblico, geradas pelos prefácios das traduções de Jerônimo, que tinham se espalhado por todo canto.
4.3 – 406 D.C
Neste ano cita novamente Eclesiástico Escritura Sagrada:
“A Sagrada Escritura diz: ‘Uma palavra inoportuna é música em dia de luto’” (Eclesiástico 22, 6)” (Carta 118,1 – A Juliano – 406 d.C).
4.4 – 407 D.C
Curiosamente, a partir data da carta do Papa Inocêncio, encontramos apenas uma menção de Jerônimo contra as partes deuterocanônicas de Daniel 2 anos depois, o que era de se esperar, pois até que Jerônimo ficasse sabendo de uma promulgação do papa naquela época, 2 anos é razoavelmente aceitável. Seu comentário depreciativo se encontra no seu comentário ao livro de Daniel e contraria suas próprias palavras (que já foram vistas):
“Mas entre outras coisas, devemos reconhecer que Porfírio faz-nos esta objecção sobre o Livro de Daniel, que ele é claramente uma fraude que não deve ser considerado como pertencente às Escrituras Hebraicas mas uma invenção composta em grego. Isso ele deduz do facto de que na história de Susana, onde Daniel está a falar com os anciãos, encontramos as expressões: “Para dividir da árvore de aroeira” e viu no carvalho sempre verde, um jogo de palavras apropriadas para o grego, em vez de para o hebraico. Mas tanto Eusébio como Apolinário responderam-lhe após o mesmo teor, que as histórias de Susana e de Bel e o Dragão não estão contidas no hebraico, mas constituem uma parte da profecia de Habacuque, filho de Jesus, da tribo de Levi. Assim como encontramos no título dessa mesma história de Bel, segundo a Septuaginta, “Havia um certo sacerdote chamado Daniel, filho de Abda, um íntimo do rei da Babilônia”. E, no entanto, a Sagrada Escritura testifica que Daniel e os três jovens hebraicos eram da tribo de Judá. Por esta mesma razão, quando eu traduzi Daniel muitos anos atrás, assinalei essas visões com um símbolo crítico, demonstrando que elas não estavam incluídas no hebraico. E a este respeito, estou surpreendido ao ser informado de que certos críticos reclamam que eu por minha própria iniciativa trunquei o livro. Afinal de contas, quer Orígenes, Eusébio e Apolinário e outros homens da Igreja proeminentes e doutores da Grécia reconhecem que, como eu disse, estas visões não são encontradas entre os hebreus, e que portanto eles não são obrigados a responder a Porfírio por estas partes que não exibem autoridade como Sagrada Escritura.
[…]Mas se tal derivação não pode ser encontrada, então nós também estamos necessariamente forçados a concordar com o veredicto daqueles que afirmam que este capítulo [grego perícope] foi originalmente composto em grego, porque contém etimologia grega não encontrada em hebraico. [Ou seja, porque Daniel por duas vezes faz um sinistro jogo de palavras com base nos nomes gregos destas duas árvores, e um trocadilho semelhante não poderia ser feito a partir dos nomes hebraicos, se houvesse, destas árvores, a própria história nunca poderia ter sido composta em hebraico.] Mas se alguém conseguir mostrar que a derivação das ideias de divisão e corte a partir dos nomes das duas árvores em questão é válida em hebraico, então podemos aceitar esta escritura também como canónica.
[…] “Ele clamou com grande voz”, pode parecer, devido à sua referência a um idólatra ignorante de Deus, refutar a observação mencionada pouco atrás, que a expressão “grande voz” é encontrada apenas em ligação com os santos. Esta objecção é facilmente resolvida, afirmando que esta particular história não está contida no hebraico do Livro de Daniel. Se, no entanto, alguém for capaz de provar que ela pertence ao cânon, então seremos obrigados a procurar alguma resposta para esta objecção.” (Comentário sobre Daniel – 407 d.C)
Este comentário demonstra claramente o que já argumentamos anteriormente, que São Jerônimo julgava a canonicidade dos livros de acordo com a língua em que foram escritos, isto é, o hebraico. Outra coisa que se deve notar é o que Jerônimo fala neste discurso:
“Afinal de contas, quer Orígenes, Eusébio e Apolinário e outros homens da Igreja proeminentes e doutores da Grécia reconhecem que, como eu disse, estas visões não são encontradas entre os hebreus, e que portanto eles não são obrigados a responder a Porfírio por estas partes que não exibem autoridade como Sagrada Escritura.”.
Quanto a Eusébio e Apolinário, não podemos tecer maiores comentários, pois suas obras não foram preservadas, quanto a Orígenes, já vimos na parte que trata sobre seu pensamento, que ele jamais rejeitou as partes de Daniel, então Jerônimo aqui está errado, pois o que ele fala não reflete o pensamento origenista, uma vez que o próprio Orígenes fala que foram os hebreus que retiram estas partes das Escrituras:
“Portanto eu acho que não é possível outra suposição, além do que o que tinha a reputação de sabedoria, e os governantes e os anciãos, tiraram do povo cada passagem que poderia levá-los a descrédito entre o povo. Não precisamos nos admirar, então, que essa história do artifício maligno dos anciãos licenciosos contra Susanna é verdadeira, mas foi escondida e retirada das Escrituras pelos próprios homens não obstante pelo conselho desses anciãos”. (Orígenes a Africano, 9)
E advoga contra a alegação de que por que não está no hebraico não é inspirado:
“Você começa dizendo que quando em minha discussão com o nosso amigo Bassus, eu usei a Escritura que contém a profecia de Daniel quando ainda jovem na questão de Susana, e que eu fiz isso como se tivesse me passado que esta parte do o livro era espúria […] Você alega que tais escritos são falsos porque só se encontram no grego e não no hebraico […] Em resposta a isso, digo que há muitas outras passagens, que como a História de Susana – que é recebida por toda a Igreja de Cristo – subsistem apenas no grego e não no hebraico[…] ademais todas podem ser encontradas em Áquila e Teodósio.” (Orígenes a Africano, parágrafo 2).
Portanto a alegação de Jerônimo sobre Orígenes não reflete a real opinião deste autor, como podemos verificar em seus próprios escritos, ou então a interpretação dada as palavras de Jerônimo, não podem ser entendidas como uma rejeição destes autores citados.
4.5 – 410 D.C
Neste ano escreveu seu comentário ao livro de Isaías onde usa fartamente os livros deuterocanônicos como Escrituras:
“Não der seu parecer antecipadamente, A Sagrada Escritura diz: ‘Não louves a homem algum antes de sua morte, pois é em seus filhos que se reconhece um homem. ’ (Eclesiástico 11, 30)” (Comentário sobre Isaias, Livro II – 3, 12).
“e deixe-nos ouvir a advertência da Escritura: ‘pensai no Senhor com retidão’ (Sabedoria 1, 1)” (Comentário Sobre Isaias, Livro XV – 56, 10-12).
“… do qual está escrito: ‘mas os poderosos serão provados com rigor. (Sabedoria 6, 7)’” (Comentário sobre Isaías, Livro I – 1, 24).
“Por isso, em nosso livro lemos: ‘Dá-te bem com muitos, mas escolhe para conselheiro um entre mil.’(Eclesiástico 6, 6)” (Comentário sobre Isaías Livro II, 3:20)
“…e outro mandamento: ‘Não procures tornar-te juiz, se não fores bastante forte para destruir a iniquidade…’ (Eclesiástico 7, 6)” (Comentário sobre Isaias Livro II, 3:41)
“E está escrito em outro lugar: ‘tu que desejas ardentemente a sabedoria, sê justo e Deus te concederá.’ (Eclesiástico 1, 33).” (Comentário sobre Isaias VIII, 26, 9 )
No mesmo comentário a Isaias chama Eclesiástico de profeta:
“É um juízo distinto do orador mais instruído [Quintiliano] que as artes seriam felizes se fossem julgadas apenas por aqueles que as praticam. Mas, para que não pareça que eu tomo meu exemplo apenas dos pagãos, isso é também sem dúvida o que o profeta mostra em outras palavras: “Bem-aventurado aquele que fala aos ouvidos dos ouvintes” [Ecleciástico.25, 12]”. (Comentário Sobre Isaias, Livro 16)
E mais outros textos que não são necessários citar aqui por brevidade:
Comentário sobre Isaías, Livro 2, 3:1; Comentário sobre Isaías, Livro 2, 3:2; Comentário sobre Isaías, Livro 5, 14:2; Comentário sobre Isaías, Livro 7, 23:12;
5 – 411 A 420 D.C
5.1 – 411 d.C
“E os provérbios de Salomão nos dizem que como ‘O vento norte traz chuva, e a língua fingida, o rosto irado.’ (Provérbios. 25, 23) Às vezes acontece que uma flecha quando é dirigida a um objeto duro ricocheteia sobre o arqueiro, ferindo o atirador, e assim, as palavras são cumpridas ‘viraram-se como um arco enganador’ (Salmo 78, 57) e em outra passagem: ‘aquele que lança uma pedra ao alto, lança-a sobre sua própria cabeça’(Eclesiástico 27, 25)” (A Rustico, Epístola 125, 19 – 411 d.C).
5.2 – 412 d.C
“Na verdade há muito tempo o Espírito Santo pela boca do profeta declarou: “Mas por vossa causa somos entregues à morte todos os dias e tratados como ovelhas de matadouro.” (Salmo 43, 23). E mais uma vez depois de muitas gerações temos o provérbio: ‘lembra-te de teu fim, e jamais pecarás.’ (Eclesiástico 7, 36)” (Epístola 127, 6 – Para Principa (Loeb) – 412 d.C)
5.3 – 414 d.C
Escreve o comentário sobre Ezequiel:
“... a Escritura diz: ‘faz uma balança para (pesar) as tuas palavras, e para a tua boca, um freio bem ajustado’ (Eclesiástico 28, 29)” (Comentário Sobre Ezequiel, Livro XIII – 45, 10).
“Está escrito: ‘Quem pode penetrar no abismo e na sabedoria’(Eclesiástico 1, 2)” (Comentário Sobre Ezequiel Livro XIII – 43, 13)
“Do que está Escrito: ‘Fizeram-te rei (do festim)? Não te envaideças com isso. Sê no meio dos outros como qualquer um deles.’ (Eclesiástico 32, 1)” (Comentário sobre Ezequiel, Livro VI, 18, 6)
5.4 – 417 d.C
Escreve contra os pelagianos, combatendo a heresia pelagiana com os deuterocanônicos, foi seu último escrito controversial:
“Seu argumento é engenhoso, mas você não vê que é contra a Sagrada Escritura, que declara que, mesmo a ignorância não é sem pecado. Por isso, foi que Jó ofereceu sacrifícios por seus filhos, teste, por acaso, eles tinham involuntariamente pecado em pensamento. E se, quando se está cortando madeira, a cabeça de machado salta do punho e mata um homem, o proprietário é ordenado a ir para uma das cidades de refúgio e ficar lá até o sumo sacerdote morrer (Num. 35, 8); isto é, até que ele seja redimido pelo sangue do Salvador, seja no batistério, ou em penitência que é uma cópia da graça do batismo, através da inefável misericórdia do Salvador, que não quer ninguém pereça (Ezequiel 18, 23), nem se deleita na morte dos pecadores, mas sim que eles se convertam e vivam. […] Você espera que eu explique os objetivos e planos de Deus? O Livro da Sabedoria dá uma resposta à sua pergunta tola: “Não olhe para as coisas acima de ti, e não procure coisas fortes demais para ti’ (Eclesiástico 3, 21). E em outro lugar ‘Não te faça exageradamente sábio, e não argumente mais do que é necessário.’ (Eclesiastes 7, 16) E no mesmo lugar ‘em sabedoria e simplicidade de coração busca a Deus.’ Você talvez negará a autoridade deste livro […]” (Contra os Pelagianos, Livro I, 33 – 417).
Nesta passagem ele está tratando da heresia pelagiana, no final de sua vida. Isto é, em 417 d.C, um de seus últimos escritos. No início do seu depoimento, ele fala como vai provar o erro do pelagiano usando as Escrituras e dá uma série de versículos para provar a loucura de seu oponente. Parte desses versículos usados para provar o seu argumento, é do livro de Eclesiástico. Estes, de acordo com Jerônimo, explicam o plano e o propósito de Deus, que refuta a doutrina de seus adversários. Embora ele diga que a citação é de Sabedoria, ela é de Eclesiástico 3, 21, ou seja, ele está se referindo ao livro como Sabedoria de Sirac como também é conhecido. O livro é, pois, citado para provar doutrina e refutar uma pergunta tola, ou seja, é considerado Escritura.
“Responda a pergunta Tola com o livro da Sabedoria: ‘Não procures o que é elevado demais para ti; não procures penetrar o que está acima de ti. Mas pensa sempre no que Deus te ordenou. Não tenhas a curiosidade de conhecer um número elevado demais de suas obras,’ (Eclesiástico 3, 22)” (Contra os Pelagianos – Livro I, 33)
5.5 – 418 A 419 d.C
Escreveu o comentário sobre Jeremias e sua Carta de número 148, citando novamente diversas vezes os livros como escrituras:
“… a Escritura diz: ‘A Sabedoria não entrará na alma perversa…’ (Sabedoria 1, 4)” (Comentário Sobre Jeremias, Livro IV – 18, 18).
“... Que eu pensava da Escritura: há tempo para calar, e tempo de falar (Eclesiastes 3, 7). E novamente: não retenhas uma palavra que pode ser salutar (Eclesiástico 4, 28).” (Carta 148, 2).
“Não, diz as Escrituras, esteja de acordo com os detratores contra o teu próximo, e não peques contra dele. E em outro lugar: ‘Protege teus ouvidos com uma sebe de espinhos; não dês ouvidos à língua maldosa’… (Eclesiástico 28, 28).” (Carta 148, 16).
“Por isso, a Escritura diz: ‘Derrete teu ouro e tua prata; faz uma balança para (pesar) as tuas palavras, e para a tua boca, um freio bem ajustado. Tem cuidado para não pecar pela língua.’ (Eclesiástico 28, 29-30)” (Carta 148, 18).
“Devido a isso diz a Escritura: ‘Quanto mais fores elevado, mais te humilharás em tudo, e perante Deus acharás misericórdia’” (Eclesiástico. 3, 20).” (Carta 148, 20).
Em uma mesma carta (148), isso por volta de seus últimos anos de vida, São Jerônimo cita Eclesiástico como Escritura quatro vezes. Por isso, é impossível imaginar que ele não considerava esse livro realmente como Escritura inspirada por Deus, apesar de sua primeira “desaprovação” a ele.
Por fim, depois da demonstração em seus escritos, recorreremos a uma tabela cronológica das citações para analisamos no geral suas citações:
Ano |
Local |
Obra |
Como citou os deuterocanônicos |
374 |
Antioquia |
Epístola 7 |
Sem definição |
375 |
Deserto de Chalcis |
Epístola 14 |
Sem definição |
384 |
Roma |
Carta 22 e 31 |
Escrituras |
389 |
Belém |
Comentário a Eclesiastes/Gálatas/Efésios |
Escrituras |
391 |
Belém |
Prefácio de Samuel e Reis |
Não Canônicos |
393 |
Jerusalém |
Prefácio aos escritos de Salomão / Prefácio a Ester |
Não Canônicos/Escritura segundo Nicéia |
394 |
Belém |
Prefácio a Esdras/ Carta 51 e Carta 54 |
Não Canônico/Escritura |
395 |
Belém |
Carta 58 |
Escrituras |
396 |
Belém |
Carta 59 |
Escrituras |
397 |
Belém |
Carta 65/66/71 |
Escritura/Não canônicos |
399 |
Belém |
Carta 75 e 77 |
Escrituras |
400 |
Belém |
Carta 79 |
Escrituras |
402 |
Belém |
Contra Rufino |
Escrituras |
404 |
Belém |
Carta 108 |
Escrituras |
405 |
Papa Inocêncio promulga uma carta com a Lista dos 73 livros canônicos |
||
406 |
Belém |
Carta 118/ Zacarias/ Malaquias |
Escrituras |
407 |
Belém |
Comentário ao livro de Daniel |
Partes de Daniel como não canônicas |
410 |
Belém |
Comentário a Isaías |
Escrituras |
411 |
Belém |
Carta 125 |
Escrituras |
412 |
Belém |
Carta 127 |
Escrituras |
414 |
Belém |
Comentário sobre Ezequiel |
Escrituras |
417 |
Belém |
Contra os pelagianos |
Escrituras |
418 |
Belém |
Carta 148 |
Escrituras |
419 |
Belém |
Comentário a Jeremias |
Escrituras |
CONCLUSÃO
Assim, fica claro que até 388 d.C antes de chegar em Belém, Jerônimo citava os livros deuterocanônicos como Escrituras, apenas em 391 d.C depois de ter se deparado como texto hebraico, que o deixou fascinado, que ele alternou seus discursos entre citar como escrituras e como não sendo escrituras, porém isso até o ano 397, e após isto uma única vez em 407 d.C, mas nos anos seguintes até sua morte os citou abertamente como Escrituras Sagradas.
A conclusão lógica a que chegamos, depois de analisar quase 60 passagens em praticamente todos os seus escritos, é que Jerônimo nunca rejeitou os livros deuterocanônicos, o que lhe sucedeu foi apenas uma confusão temporária em razão do seu fascínio a língua hebraica, e especificamente ao texto massorético. Assim qualquer um que queira tecer uma definição ao pensamento de Jerônimo, sem analisar todos os seus escritos cronologicamente como fizemos aqui, irá falhar e nunca irá condizer com a realidade dele. Para não incorrer o mesmo erro procuramos fazer este trabalho quase que exaustivo para evidenciar sua verdadeira mentalidade.