INTRODUÇÃO
Cirilo foi bispo de Jerusalém e Doutor da Igreja, nasceu por volta do ano 315 d.C e morreu, provavelmente, 18 de Março de 386 d.C. No Oriente a sua festa é comemorada no dia 18 de março, no Ocidente no dia 18 ou 20.
Este é um dos pais da Igreja mais utilizados por protestantes como crente da Sola Scriptura, baseado nisto decidimos analisar os textos de Cirilo citados como suporte a Sola Scriptura e o resto de seus escritos para mostrar que Cirilo sequer fazia ideia desta “doutrina” estranha ao cristianismo.
OS TEXTOS DE CIRÍLO
Os textos comumente citados (recortados) como prova que São Cirílo seguia a Sola Scriptura são:
“Terás sempre em sua mente este selo, que para o presente foi levemente tocado em meu discurso, através de resumo, mas devem ser indicado, se o Senhor o permitir, para o melhor de meu poder com a prova das Escrituras. Pois sobre os mistérios divinos e sagrados da fé, nem mesmo uma declaração informal devem ser entregue sem as Sagradas Escrituras, nem devemos ser desviados por mera plausibilidade e artifícios de linguagem. Mesmo para mim, que te digo estas coisas, não dê crédito absoluto, a menos que receba a prova das coisas que eu anuncio a partir das Escrituras Divinas. Por esta salvação que acreditamos não depende de raciocínio engenhoso, mas da demonstração das Sagradas Escrituras.” (Leituras catequéticas IV, 17)
Não há em nenhum local desta passagem afirmação de Sola Scriptura, são Cirílo fala apenas que “a menos que receba a prova das coisas que eu anuncio a partir das Escrituras Divinas”, ele não está falando para os leitores receberem somente o que está nas Escrituras, ele fala que só se deve receber aquilo que ele demonstrou pelas Escrituras se tiver provas, não existem virgulas interpolando o discurso, ou seja, significa que mesmo mostrando as escrituras tem que haver provas daquilo. Então é exatamente o contrário do que se pretende entender pelos protestantes, Cirilo mostrou algo pelas escrituras, então seria necessário provas para poder acreditar naquilo, as provas não são as próprias Escrituras e sim a Igreja. Por isto ele afirma nos versículos posteriores:
“Aprenda também diligentemente, e da Igreja, quais são os livros do Antigo Testamento, e que os do Novo.” (IV, 33)
Cirilo não manda procurar nas Escrituras o cânon bíblico e sim aprender da Igreja, ou seja, por exemplo se ele mostrasse que um livro é Inspirado utilizando as escrituras, quando um livro cita outro, seria necessário ainda que houvesse a prova da Igreja para este livro, e também para todos os livros das Escrituras.
Outra citação utilizada é:
“E antes vamos perguntar por que causa Jesus desceu. Agora não preste atenção nas minhas argumentações, pois talvez, você possa ser enganado, mas a menos receba o testemunho dos profetas em cada assunto, não acredite no que eu digo: a não ser que tu aprendas com as Sagradas Escrituras sobre a Virgem, e o lugar, o tempo, e a forma, não receba testemunho de homem. Pois quem atualmente ensina, portanto, pode, eventualmente, ser suspeito, mas do que o homem de bom senso vai suspeitar de quem profetizou mil e mais anos antes? Se, então você procurar a causa da vinda de Cristo, volte para o primeiro livro das Escrituras.” (Leituras Catequéticas, XII, 5)
Os católicos não têm nenhum problema com estas declarações. Nós somente teriamos se Cirílo mostrasse estar em oposição ou em exclusão a autoridade da Igreja e da tradição, mas é claro que ele não faz isso. Em outras passagens que protestantes convenientemente omitem, ele reconhece estas.
Na catequese 4 (citaço acima), São Cirilo escreve longamente sobre a Sagrada Escritura (seções 33-36). Como é que ele instrui um crente para determinar quais livros estão na Bíblia? Ele faz isso por uma autoridade extra-bíblica: a Igreja:
“Aprenda também diligentemente, e da Igreja, quais são os livros do Antigo Testamento, e que os do Novo.” (IV, 33)
Logo de cara, isso é contrário a vários dos princípios que os autores protestantes conhecidos estabelecem em seu discursos, como no caso de William Webster na Introdução do seu livro Holy Scripture: The Ground and Pillar of Our Faith, Volume III:
1) Todas as doutrinas deve ser comprovadas a partir das Escrituras.
2) O que os apóstolos ensinaram oralmente foi transmitido na Escritura.
3) A Escritura é o juiz final em todas as controvérsias.
4) A Escritura é a autoridade máxima e suprema para a Igreja.
5) Se a Escritura não se pronuncia sobre uma questão, esta não pode ser conhecida.
O cânon das Escrituras não é listado nas Escrituras, o que contradiz todos os cinco princípios acima. A Escritura é omissa sobre essa questão, e Webster, portanto, diz que não pode ser conhecido (# 7). Mas o cânon é conhecido através da autoridade da Igreja Católica. A Igreja oferece a Sagrada Escritura para o crente cristão. O Protestantismo nunca foi capaz de racionalizar essa contradição clara da Sola Scriptura. Assim, Cirilo declara:
“Estude sinceramente só estes que lemos abertamente na Igreja. De longe mais sábios e mais piedosos do que você mesmo eram os apóstolos, e os bispos dos tempos antigos, os presidentes da Igreja que transmitiram esses livros. Sendo, portanto, um filho da Igreja, não ultrapasse seus estatutos.” (IV, 35)
Além disso, quando Cirílo lista os livros do Antigo Testamento, entregue com autoridade pela Igreja, ele inclui “Jeremias … incluindo Baruc e Lamentações e a Epístola” (IV, 35). Baruc foi multilado das Bíblias protestantes, mas aceito pelos católicos e pais da Igreja. A “Epístola de Jeremias” é o último capítulo de Baruc em Bíblias Católicas, mas excluído por protestantes. Na próxima seção (IV, 36), ele lista todos os livros do Novo Testamento, exceto o Apocalipse, e afirma: “…o que os livros não são lidos nas igrejas, estes não leia nem mesmo por si mesmo, …”
Assim – assim Cirilo diria -, o Apocalipse não só não é Escritura, mas é para ser lido de qualquer forma por um indivíduo. Isso ocorre porque o cânon da Bíblia era em si uma doutrina desenvolvida da Igreja. O Apocalipse foi um dos últimos livros aceitos. Cirilo morreu na década antes de a Igreja finalizar o cânone nos concílios de Hipona (393) e Cartago (397). Estes incluíram os livros deuterocanônicos.
Este é um exemplo de por que os católicos não seguem pais da Igreja individualmente como autoridade obrigatória: só a Igreja em seus pronunciamentos de autoridade (por meio de concílio e papas) pode isso. Os pais são guias quando eles concordam unanimamente. O cânon foi desenvolvido, e atingiu o seu desenvolvimento final logo após Cirílo. Mas nem o que ele disse sobre o cânon bíblico, nem o que a Igreja declarou pouco depois, comporta totalmente com o que os protestantes pensam, nem com a Sola Scriptura.
Sabemos que São Cirilo citou livros deuterocanônicos nestas mesmas catequeses, por exemplo, a Sabedoria de Salomão (9, 02; 9, 16; 12, 05), Eclesiástico (6, 4; 11, 19; 13, 8), e os capítulos de Daniel que os protestantes descartam (14, 25; 16, 31).
Comentando sobre o Credo, Cirílo novamente defende uma forte noção da autoridade da Igreja Católica:
“Agora, então deixe-me terminar o que ainda resta a ser dito sobre o artigo, em uma Santa Igreja Católica, na qual, no entanto pode-se dizer muitas coisas, vamos falar, mas brevemente.
Ela é chamada de católica então porque ela se estende por todo o mundo, a partir de uma extremidade da terra até a outra, e porque ensina universalmente e completamente uma e todas as doutrinas que devem chegar ao conhecimento dos homens, no tocante às coisas visíveis e invisíveis, celestiais e terrenas. . .” (XVIII:22-23)
Agora, imagine se Cirílo tivesse dito isso sobre a Escritura, que “ensina universalmente e completamente uma e todas as doutrinas que devem chegar ao conhecimento dos homens” protestantes teriam esta passagem como a principal prova de que ele estava ensinando suficiência material das Escrituras e também suficiência formal (“completa”). Mas aqui ele está afirmando esses atributos no que diz respeito à Igreja, não as Escrituras (a Igreja ensina com integridade, assim como a Escritura), e por essa razão, protestantes não a citam, por que esta passagem não é compatível com o seu plano sofístico de “provar” que só a Escritura fornece este tipo de suficiência ou “completude”- e eles deliberadamente a omitem.
Esta é a prática padrão dos protestantes com todos os padres da Igreja, e é intelectualmente desonesta, e está sobre o fundamento de uma meia verdade ou uma verdade parcial que é quase tão ruim quanto uma mentira. Eles habitualmente apresentam uma deformação do ensinamento patrístico que concorda com o catolicismo: ressaltam o que os padres falam sobre a Sagrada Escritura, ignorando tudo o que é dito sobre a Igreja, a tradição, a sucessão apostólica, os bispos, os concílios, os papas, e etc.
Isso seria aceitável se a intenção declarada deles fosse simplesmente mostrar o que os pais acreditavam sobre as Escrituras. Não teríamos problemas com isso. Mas isso não é o que eles fazem. Eles afirmam que os pais ensinaram Sola Scriptura: a noção de que nada é infalível ou finalmente obrigatório senão é ensino bíblico. Isso não é verdade (como uma questão de fato demonstrável), e é mostrado não ser verdade, precisamente referindo o que estes pais pensavam sobre esses outros elementos de autoridade (a Igreja, a tradição, a sucessão apostólica, bispos, concílios, papas).
Fala sobre o depósito da Tradição Apostólica:
“E agora, amados irmãos, a palavra de instrução exorta a todos, a prepararem suas almas para a recepção dos dons celestiais. Quanto a Santa e Apostólica Fé entregue a você para professar, temos falado com a graça do Senhor, em tantas muitas palestras, quanto foi possível…” (XVIII:32)
Na Leitura XII fala sobre os ensinamentos sobre Jesus nas Escrituras e nos profetas e em seguida diz que a Transfiguração de Jesus ocorreu no monte Tabor, algo que não é encontrado em nenhum lugar das escrituras e só é conhecido através da Tradição Apostólica, logo é claro que Cirilo reconhecia tanto as Escrituras quanto a Tradição como fonte de revelação das coisas divinas:
“No mais, temos duas testemunhas, aqueles que estavam diante Senhor no Monte Sinai: Moisés estava em uma fenda na rocha, e Elias foi uma vez em uma fenda da rocha: eles estavam presentes com Ele na Sua Transfiguração no monte Tabor, falou aos discípulos de Sua morte, que deveria cumprir-se em Jerusalém. Mas, como eu disse antes, se provou possível para Ele ser homem, e o resto das provas podem ser deixadas para o estudioso de recolher.” (XII, 16)
A TRÍPLICE DIVISÃO DO DEPÓSITO DA FÉ CATÓLICA MENCIONADOS POR CIRÍLO
Ele se refere a “as divinas Escrituras utilizadas na Igreja” e “a tradição dos intérpretes da Igreja” (XV, 13). Isso vai contra a noção protestante tipicamente que “a Escritura interpreta a Escritura, ou seja, é auto-interpretada”.
São Cirílo é claro ao menciona a tríplice regra de fé católica: a tradição, a Igreja, e as Escrituras, todas em harmonia entre si:
“Mas na aprendizagem da Fé e professando a, adquira e mantenha isso apenas, QUE AGORA É ENTREGUE A VOCÊ PELA IGREJA, e que foi estruturado fortemente de todas as escrituras. POIS NEM TODOS PODEM LER AS ESCRITURAS, alguns sendo prejudicados quanto ao conhecimento delas por falta de ensino, e outros por uma falta de tempo, a fim de que a alma não pereça na ignorância, nós incluímos toda a doutrina da Fé, em algumas linhas. Neste resumo desejo-lhe tanto a comprometer-se a memoriza-lo quando eu recitá-lo, quanto ensaiar com toda a diligência entre vós, NÃO ESCREVA-A NO PAPEL, MAS GRAVE PELA MEMÓRIA NO SEU CORAÇÃO, CUIDANDO QUANDO VOCÊ REPASSA PARA QUE NENHUM NÃO CATECÚMENO TENHA A CHANCE DE OUVIR AS COISAS QUE FORAM ENTREGUES A VOCÊ. . . pois o presente ouve enquanto eu simplesmente digo o Credo, e o memoriza, mas, na época adequada esperar a confirmação da Sagrada Escritura de cada parte do conteúdo. Pois os artigos da Fé não foram compostos conforme pareceu bem aos homens, mas os pontos mais importantes recolhidos de toda a Escritura constituem um ensino completo da Fé. E assim como a semente de mostarda em um pequeno grão contém muitos ramos, assim também esta Fé adotou em poucas palavras todo o conhecimento da piedade no Antigo e Novo Testamentos. ACAUTELAI-VOS, POIS, IRMÃOS, E GUARDAI AS TRADIÇÕES QUE AGORA RECEBEM, E GRAVAI-AS NA TÁBUA DO SEU CORAÇÃO.” (V: 12-13)
Nestas palavras Cirílo mostra a autoridade da Igreja para ensinar, mostra a autoridade das Escrituras e que os artigos mais importantes do credo foram tirados das escrituras, por último fala da Tradição passada por ele para que seja guardada e levada no coração.
Novamente fala para guardamos as tradições de como se portar na Igreja, claramente algo que não está nas Escrituras:
“Em seguida,depois de terparticipado doCorpo de Cristo, se aproxime também docálice doSeu Sangue, não estendendosuas mãos, mas ajoelhando,e dizendocom ar deadoração e reverência, Amém, santifique-se pela participaçãotambémdo Sanguede Cristo.E enquantoa umidadeaindaestá sobreos seus lábios, toque-os com as mãos, e santifique os seus olhos etestae os outrosórgãos dos sentidos. Então esperepara a oração, e dê graças a Deus, que tem lhe consideradodigno de tãograndes mistérios.
Guardem estas tradiçõessem mácula, guardai-vos livre deofensa.Não se privem da Comunhão; não vos depraveis, através dapoluiçãodos pecados,destessantos mistériose espiritual.E o Deus depazvos santifique em tudo; eo vosso espírito, e alma,e corpo, sejamplenamente conservadosirrepreensíveis para avinda de nosso SenhorJesusCristo, (I Tessalonicenses 5, 23) –Paraquem seja a glória, a honra e o poder, com o pai e o EspíritoSanto, agora esempre, epara todo o sempre. Amém”. (XXIII, 23).
Se são Cirilo achasse que tudo deveria estar nas Escrituras, de onde é que ele tirou estes ensinamentos acima, e por que os chama de “tradições”?
Em sua leitura catequética de número XX:
“Tendo sidosuficientementeinstruídosnestas coisas, guarde-as, peço-vos, em sualembrança; que eu também, apesar de euserindigno, possa dizerde você,Agora eu te amo, porquanto tu sempre lembrasde mim, e guarda às tradições, quevos entreguei. E Deus, queapresentou-lhe como se fossevivodos mortos, é capaz deconceder-lhe paraandar em novidade de vida: porque Sua é a glóriae o poder,agorae para sempre. Amém.” (XX, 8)
Ele considera a Igreja como o determinante da ortodoxia, na medida em que ela detém, é o cristianismo apostólico:
“E, para ser breve, não vamos separá-los, nem fazer confusão: nem digas nunca, que o Filho é estranho ao Pai, nem admita aqueles que dizem que o Pai é em um momento Pai, e no outro Filho: pois estas são declarações estranhas e ímpias, e não as doutrinas da Igreja.” (XI:18)
“A Igreja agora cobra diante do Deus Vivo, ela declara a você as coisas concernentes ao Anticristo antes dele chegar. Se elas vão acontecer em seu tempo, não se sabe, ou se vai acontecer depois que você não souber, mas é bom que, sabendo essas coisas, você deve se garantir de antemão.” (XV, 9)
“… a Igreja Católica protegendo você de antemão entregou a você na profissão da fé,…” (XVII, 3)
São Cirilo rejeita qualquer sectarismo e denominacionalismo:
“Quanto a esta Santa Igreja Católica, Paulo escreve a Timóteo, para que possais saber como você deve se comportar na casa de Deus, que é a Igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade [1 Tm 3, 15].
Mas desde que a palavra Ecclesia é aplicada a coisas diferentes (como também está escrito a multidão no teatro de Efésios, E quando falou assim, ele descartou a Assembleia [Atos 19:14], e desde que se poderia de forma adequada e verdadeiramente dizer que não é uma Igreja de malfeitores, quero dizer as reuniões dos hereges, os Marcionistas e maniqueístas, e o resto, por esse motivo a Fé seguramente entrega a você agora o artigo, e em uma santa Igreja Católica, para que você possa evitar suas reuniões miseráveis, e sempre cumprir com a Santa Igreja Católica em que foram regenerados. E se alguma vez você estiver peregrinando nas cidades, não pergunte apenas onde está Casa do Senhor (pois outras seitas do profano também tenta chamar suas próprias covas de casas do Senhor), nem apenas onde está a Igreja, mas onde está a Igreja Católica. Pois este é o nome peculiar desta Igreja Santa, a mãe de todos nós, que é a esposa de nosso Senhor Jesus Cristo, …” (XVIII, 25-26)
Ensina que a Salvação vem através da Igreja Católica:
“Neste Santa Igreja Católica recebendo instruções e se comportando virtuosamente, Nós atingiremos o reino dos céus, e herdaremos a vida eterna.” (XVIII:28)
CONCLUSÃO
Em cada passagem, então, vemos que São Cirilo é completamente católico, e não ensina a Sola Scriptura. Protestantes se enganam ao afirmar o contrário, ao isolar apenas duas passagens, ignorando as muitas outras relevantes que destacamos acima.
PARA CITAR
RODRIGUES, Cirílo de Jerusalém acreditava na Sola Scriptura? Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/controversias/628-sao-cirilo-de-jerusalem-acreditava-na-sola-scriptura> Desde: 10/12/2013