Sábado, Novembro 16, 2024

Santo Atanásio, o arianismo e a Sé Romana

INTRODUÇÃO


É bastante comum encontrar pessoas falando como se a história do arianismo fosse uma dificuldade no caminho dos defensores do primado romano. Eles falam como se Roma tivesse somente um particitação sem importância nos problemas do século IV, e como se nenhum testemunho à autoridade do papado pudesse ser elaborado a partir das relações entre o Oriente e o Ocidente durante a controvérsia.

Esta noção curiosa tem sua raiz, é claro, nos manuais de anglicanos de história, em que a ação do Papado é ignorada ou, se isso não for possível, minimizada. No seguinte artigo, não será possível atravessar todo o período da desgraça Ariana. Limito-me, portanto, no tempo decorrido entre o Concílio de Nicéia, em 325 d.C e do Concílio de Sardica em 343 d.C ou 344 d.C. Durante estes anos, o Ocidente estava em paz, e todos os problemas foram causados pela parte da corte arianizada no Oriente.

OS HEREGES ARIANOS DEPOIS DO CONCILIO DE NICÉIA (325 D.C)


O primeiro Concílio Ecumênico parece ter sido ideia do próprio Constantino, e ele espera que a paz viesse a partir da condenação de Ário por tão grande corpo de bispos como aquele que se reuniu em Niceia. O próprio heresiarca foi exilado, como também foram os dois bispos que sozinhos haviam se recusado a assinar o concílio. Logo depois, o famoso bispo Eusébio de Nicomédia e Theognis, bispo de Nicéia, que se arrependeram da assinatura que fizeram através de decreto do Imperador, também foram exilados. Em 328 d.C Santo Atanásio tornou-se bispo de Alexandria.

Não demorou muito, no entanto, antes dos exilados serem convocados, através da influência, diz-se, da irmã de Constantino, Constantia, a viúva do imperador Licínio. Em 330 d.C o partido de Eusébio foi capaz de obter a deposição, sob falsas acusações, do ortodoxo Santo Eustáquio de Antioquia por um concílio realizado naquela cidade. Várias tentativas foram feitas para desacreditar Atanásio, cuja Sé ficou ainda mais poderosa e que também era bispo do padre Alexandrino Ário, a quem ele se recusou a receber de volta à comunhão. Por fim, Constantino foi convencido de que a paz deveria preceder a imauguração solene da grande igreja que estava construindo em Jerusalém, e ele consentiu com a convocação de um concílio em Tiro, no 335 d.C, em que as acusações contra o Patriarca de Alexandria foram ouvidas. Atanásio participou, acompanhado por quarenta e nove de seus bispos auxiliares, mas quando viu que ele não poderia esperar nenhuma justiça, retirou-se com eles e foi condenado em sua ausência.

Em um sínodo dos próprios bispos de Jerusalém, imediatamente após, Marcelo de Ancira, cujos pontos de vista podem ter sido realmente heréticos, foi deposto também, enquanto Ário e seus seguidores foram recebidos de volta à comunhão. Atanásio foi a Constantinopla e apelou ao imperador por proteção por causa de seus inimigos. Constantino ordenou aos bispos que estiveram em Tiro para virem a Constantinopla. Os bispos mais ortodoxos foram mantidos afastados pela intimidação, e somente os Eusebianos responderam à convocação. Atanásio foi exilado em Treves, onde foi bem recebido pelo filho do imperador, o futuro Constantino II. Ario era para ter sido solenemente recebido de volta pela Igreja em Constantinopla, mas este foi impedido por sua morte súbita, o que foi encarado como um milagre. Tendo morrido os bispos de idade daquela cidade, o seu sucessor ortodoxo, Paulo, foi banido, pelas intrigas de Eusébio de Nicomédia. Aparentemente foi Eusébio que batizou Constantino em seu leito de morte em Nicomédia em 337 d.C.

 Assim, o trabalho do Concílio de Nicéia estava sendo insidiosamente destruído no Oriente. Eusébio e seus seguidores não eram professos arianos, embora eles não mostraram horror em suas doutrinas e tentaram orientar um curso médio entre o arianismo e ortodoxia. Deve-se lembrar que até o momento eles estavam em plena comunhão católica, e foram acusados de heresia apenas pelas vítimas de suas intrigas sem escrúpulos. Para Atanásio, consciente de sua decidida inimizade, ficou claro que o partido de Eusébio estava visando à subversão da fé de Nicéia, gradualmente privando-a dos seus principais suportes. Por acusações absurdas e inimagináveis eles esvaziaram as mais poderosas Sés do Oriente – Alexandria, Antioquia e Constantinopla, e exilaram os campeões da verdade. Provavelmente, o grande número de bispos orientais mantinha a doutrina que foi ensinada em Nicéia. Mas eles entenderam tão pouco quanto Constantino os pontos de vista e intenções reais de Eusébio e seus amigos. Eles não sabiam a verdade sobre as acusações feitas contra Atanásio, Eustáquio e São Paulo, ou contra Asclepas de Gaza ou Marcelo de Ancira.

 Parte do monte de lama que foi jogado ficou. Além disso, o Concílio de Nicéia não era para os homens daqueles dias, como é para nós: o primeiro e mais venerável de uma longa série de Concílios Ecumênicos recebidos por toda a Igreja. Foi-lhes simplesmente uma assembléia particularmente importante e representativa realizada recentemente pelo desejo do Imperador, a fim de pacificar a Igreja pela condenação de Ário. O Concílio pode muito bem ter sido imprudente, alguns pensam, em empregar a palavra homoousias, pois esta expressão foi reprovada pelo Concílio de Antioquia, que condenou Paulo de Samósata, em 269 d.C. A facção arianista teve assim oportunidade de posar como ortodoxa, e diziam que o próprio Ário tinha feito uma retratação suficiente.

Após a morte de Constantino todos os Bispos banidos foram permitidos retornar; No entanto, este foi o início de um período pior para o Oriente. Os filhos de Constantino dividiram o império, o semi-Ariano Constâncio se tornou imperador do Oriente, enquanto o Ocidente estava em paz sob Constantino II e Constans. O Bispo Paulo de Constantinopla logo foi enviado novamente para o exílio, e Eusébio de Nicomédia obteve a posse da Sé da cidade imperial. Em 339 d.C o seu partido foi corajoso o bastante para colocar um padre excomungado, um dos seguidores originais de Ário, chamado Pistus, como Bispo de Alexandria, sobre o fundamento de que Atanásio havia sido deposto em Tiro; e enviaram uma comissão a Roma ao Papa Júlio para dar conta das acusações contra Atanásio e pedir que a comunhão de Roma fosse dada a Pistus.

 Até este ponto, os problemas tinham sido apenas no Oriente. Deve ser notado que nenhuma lei eclesiástica ainda existia no que diz respeito ao julgamento dos Bispos. Um sínodo como o de Tiro não tinha jurisdição sobre um Patriarca de Alexandria; Era, do ponto de vista da Igreja, uma força puramente moral. Mas o Imperador tinha encarado sínodos como júris eclesiásticos, e tinha punido com o braço secular os crimes seculares com os quais bispos depostos foram injustamente condenados.  O partido de Eusébio usou ainda mais o poder imperial para colocar os Bispos arianos nas Sés que eles tinham feito vacantes. Mas eles estavam bem conscientes de que eles não eram en regle. É por esta razão que vamos encontrá-los primeiramente apelando para o Papa. Se eles pudessem convencer Júlio e a Igreja ocidental a acreditar nas acusações contra as vítimas de suas calúnias, eles teriam o direito, bem como poder do seu lado. “Mas eles não podiam enganar aquela Sé”, como dizia Santo Agostinho, em outra ocasião. O Papa Júlio agiu com o devido senso de justiça. Para o desgosto dos Eusebianos, ele imediatamente mandou a Santo Atanásio as supostas provas de sua culpa, que tinham sido enviadas a Roma, e que o próprio acusado não tinha sido autorizado a ver.

 

SANTO ATANÁSIO REUNE UM CONCÍLIO PARA FALAR AO PAPA JÚLIO


Atanásio reuniu em consequência um grande Concílio de Alexandria de mais de oitenta Bispos, que endereçou ao papa Júlio e a todos os Bispos uma longa defesa. (Atanásio, Apologia 3-19) Esta carta foi levada para Roma pelos emissários de Atanásio. Quando sua chegada tornou-se conhecida a Macário (o padre que havia trazido a carta de Eusébio) saiu às pressas no meio da noite. Seus companheiros, dois diáconos, não foram capazes de responder às declarações dos egípcios, então eles exigiram um sínodo, e pediram para o próprio Papa ser o juiz.

Comentários Sobre o Papa Júlio Como Juiz (Socrates, Sozomeno E Outros)

É melhor dar as palavras das autoridades.

 Santo Atanásio de Alexandria

 “Os Eusebianos (ou Eusébio) também escreveram para [o Papa] Júlio, e pensaram nos assustar, pedindo a ele para convocar um concílio, e que o próprio Júlio, se quisesse, fosse o juiz”. (Apologia contra os Arianos, Parte I, 20)

 Sócrates Escolástico

 “Eusébio conseguuiu o que ele desejava, enviou mensageiros a Júlio, Bispo de Roma, convidando-o para ser o juiz das acusações contra Atanásio, e para levar o caso para si mesmo.” (História Eclesiástica II, 2)

 Sozomeno

 “Eusébio… escreveu a Júlio que ele deveria ser o juiz do que havia sido decretado em Tiro.” (História Eclesiástica III, 7)

Aqui Sozomeno cópia Sócrates, que interpretou errado a passagem de Atanásio. Este último deve ser interpretado por outra passagem do mesmo santo:

 “Os sacerdotes enviados por eles também pediram a mesma coisa (viz. Um sínodo) quando viram que eles foram refutados.” (Hist Arian, Ad mon. 9)

 Então, a carta do Papa São Júlio:

Aqueles que foram enviados por vocês Eusebianos com cartas (quero dizer o padre Macário, e os diáconos Martírio e Hesychius) quando eles estavam aqui, não foram capazes de responder aos sacerdotes de Atanásio, que tinham vindo, mas foram refutados e condenados em todos os pontos, então nos pediram que um sínodo pudesse ser convocado, e para escrever a Alexandria para o bispo Atanásio e aos Eusebianos, e que o justo julgamento poderia ser atingido na presença de todos.” (Apologia contra os Arianos ParteI,  22)

A partir disso, fica claro que a carta de Eusébio não tinha pedido um sínodo ou para o Papa como juiz. Este foi apenas um pretexto hipócrita que os enviados utilizaram para evitar uma condenação imediata. Júlio não fez nenhuma objeção a isso, e ao mesmo tempo escreveu tanto ao Bispo de Alexandria quanto aos seus acusadores convocando-os para um sínodo, o tempo e o lugar, eles mesmos poderiam decidir. Enquanto isso, o imperador Constâncio tinha introduzido outro Bispo em Alexandria, Gregório da Capadócia, com maior violência. Atanásio fugiu e obedeceu à convocação do Papa, chegando a Roma logo depois da Páscoa, 399. [2]

Apologia Contra Arianos 20 e História do Arianismo II; Papa São Júlio:

Pois ele não veio de si mesmo, mas foi convocado por nossas cartas, como nós escrevemos a você.” (Apologia contra os Arianos. Parte I, 29)

 Teodoreto:

Atanásio, sabendo da trama deles, retirou-se, e dirigiu-se para o Ocidente. Para o Bispo de Roma (Julio era então o pastor daquela Igreja) os Eusebianos tinham enviado as falsas acusações que tinham juntado contra Atanásio. E ele, seguindo as leis da Igreja, ordenou que ambos viessem a Roma, e também convocou o divino Atanásio para julgamento. E ele, por sua vez, foi ao mesmo tempo em que recebeu a convocação. Mas eles que tinham inventado a história não foram a Roma, sabendo que seria fácil de ver sua falsidade.” (História Eclesiástica II, 3)

Sozomeno

 “Júlio sabendo que não era seguro para Atanásio permanecer no Egito, então, mandou chamá-lo a Roma.” (História Eclesiástica III, 10)

 PAPA JÚLIO CONVOCA OSEUSEBIANOS


O acusado se apresentou, mas seus acusadores, cujos representantes haviam exigido o concílio, não apareceram, o Papa São Júlio enviou uma nova intimação, fixando o final do ano, como o limite da paciência. Os Eusebianos retiveram os legados até o prazo passar e só permitiram a eles retornarem no Janeiro seguinte (340), trazendo uma carta de sua reunião em Antioquia, o teor da qual foi preservado por Sozomeno:

 “Tendo reunindo-se em Antioquia, eles escreveram a Júlio uma resposta bem redigida e retoricamente composta, cheia de ironia e contendo ameaças terríveis. Pois em sua carta admitiram que Roma foi sempre honrada como a escola dos Apóstolos e a metrópole da Fé desde o início, embora os professores se instalaram nela do Oriente. [3] Mas eles não acharam que deveriam ter um lugar secundário, porque eles tinham Igrejas menores e menos, uma vez que eram superiores em virtude e intenção. Eles censuraram Júlio de ter dado a comunhão a Atanásio, e queixaram-se de que sínodo deles foi “insultado e suas decisões contrárias se fizeram nulas”, e eles acusaram estas como injustas e contrárias à lei eclesiástica. Tendo assim reprovado Júlio, queixaram-se de seu mal-uso, eles prometeram, se ele aceitasse a deposição daqueles a quem eles haviam deposto e a nomeação daqueles a quem eles haviam ordenado, a dar-lhe a paz e a comunhão; mas se ele resistisse aos seus decretos, eles se recusariam a isso. Pois eles afirmaram que os Bispos orientais anteriores não tinham feito nenhuma objeção quando Novaciano foi expulso da Igreja Romana. Mas eles não escreveram nada a Júlio sobre os atos deles contrários às decisões do Concílio de Nicéia, dizendo que eles tinham muitas razões necessárias para dar como desculpa, mas que era supérfluo fazer qualquer defesa contra uma suspeita vaga e geral de más ações.” (História Eclesiástica III, 8):

 

Sócrates, traz meramente:

 “Eles se queixam com grande aspereza para Júlio, declarando que ele não deveria fazer nenhum decreto se quisessem expulsar alguma de suas igrejas, pois não contradisseram quando (os romanos), expulsaram Novatus da Igreja.” (História Eclesiástica II, 15).

Ambos os historiadores erroneamente colocam esta carta depois de uma restauração imaginária de Atanásio e outros para suas sedes pelo Papa.

Eusébio de Nicomédia parece estar morto quando esta carta foi escrita. No outono de 340, o Concílio foi finalmente reunida em Roma, e reuniram-se na igreja do padre Vito, que havia sido legado papal em Nicéia. Não só Atanásio, patriarca de Alexandria, e Marcelo, bispo de Ancira na Galácia, estavam presentes, mas também muitos bispos da Trácia, Celessíria, Fenícia e Palestina, que se refugiaram em Roma. Além disso, os deputados vieram de Alexandria e em outros lugares, queixando-se dos contínuos atos de violência e barbárie perpetrados em nome do partido de Eusébio. Os sacerdotes do Egito e Alexandria lamentaram que muitos bispos foram impedidos de entrar, e alguns, até mesmo confessores, foram espancados e presos, enquanto os católicos eram oprimidos e perseguidos. Bispos tinham sido exilados por não estarem em comunhão com os arianos. Atrocidades semelhantes haviam ocorrido em Ancira na Galácia.

 

O PAPA JÚLIO RESPONDE AOS EUSÉBIANOS


O Concílio deu paz e comunhão a Atanásio e Marcelo, a ortodoxia do último sendo calorosamente acolhida por Atanásio e Júlio. No exemplo dos bispos, o Papa respondeu longamente toda a carta indecorosa dos Eusebianos. Sua longa e importante carta é preservada completa na apologia de Santo Atanásio.

 A carta do oriente, diz o Papa São Júlio, era imprópria e orgulhosa, em resposta à sua própria carta, que estava cheia de amor; mesmo a sua bajulação foi aparente irônica. Fora da caridade Júlio não havia publicado a carta deles por um longo tempo, até que ele foi forçado a desistir de toda a esperança de que algum deles fossem participar do concílio. Sua eloquência estudada foi de nenhum valor. Eles deveriam ter ficado contentes com um sínodo, mesmo se seus próprios emissários não tivessem presentes. O Concílio de Nicéia fixou o exemplo de rever a decisão dos antigos sínodos.

 “Se você diz que cada Concílio é inalterável, quem é esse, diga, que reduz os concílios a nada? Os arianos foram expulsos pelo de Nicéia, e ainda é recomendado que você não os receba. Eles são condenados por todos, enquanto Atanásio e Marcelo tem muitos defensores. Na verdade, Atanásio não foi condenado por qualquer coisa em Tiro, e as atas em Mareotis foram inválidas, sendo elaboradas por uma das partes apenas.

 O Papa fala então dos casos em Alexandria, dos emissários enviados a Roma pelo usurpador Gregório, e do bispo introduzido Pistus. Os Eusebianos afirmaram que a condenação ocidental de Novaciano, e a condenação oriental de Paulo de Samósata, tinha sido respeitada por todos, e não sujeitas a revisão. Por que, então, eles não respeitavam da mesma forma o Concílio de Nicéia? Eles tinham violado o Concílio também, por modificações frequentes de Bispos de Sé a Sé. Bispos, segundo eles, não eram medidos pela grandeza de suas cidades; Por que, então, os bispos orientais não estavam contentes com uma pequena cidade? (Trata-se, acima de tudo, a Eusébio, que sendo bispo de Berytus tinha mudado para a cidade de Nicomédia, onde a corte frequentemente estava [4], e depois usurpou a Sé de Constantinopla, a capital recém-fundada.).

 Eles reclamaram que o tempo determinado era muito curto, mas eles seguraram os legados até janeiro. Esta carta, como a anterior, foi em nome de todos; mas a primeiro foi dirigida apenas a quem tinha escrito a Roma.

Nossa admissão de Atanásio e Marcelo a comunhão não foi imprudente. Nós tivemos a primeira carta de Eusébio, e agora esta carta sua, e a carta dos bispos do Egito e de outros em favor de Atanásio. Sua primeira e segunda carta não concordam; os bispos egípcios estavam no local. Arsênio ainda está vivo, e as provas de Mareotis, é uma mera declaração parcial. Atanásio esperou aqui um ano e meio, e sua mera presença envergonha seus acusadores, já que ele mostrou a sua confiança, obedecendo nossa convocação. Somos nós ou vocês que agem contra os cânones, quando ordenaram um bispo em Antioquia, trinta e seis estágios distantes, e enviaram-no com os soldados para Alexandria? Se Atanásio foi realmente condenado em Tiro, você deveria ter consagrado outro bispo anos atrás, quando ele foi exilado na Gália.

Quando nós enviamos a convocação para um Concílio você não poderia antecipar o assunto. A violência exercida em Alexandria é terrível, e você chama-a de paz! Assim como Marcelo, ele negou as acusações, sua confissão foi aprovada pelos sacerdotes Vito e Vincentius (os representantes papais em Niceia); O Oriente, bem como os bispos ocidentais, estavam no Concílio, e deputados do Oriente, que se queixam de violência e que os bispos foram impedidos de entrar pela força ou banimento. Ouvimos dizer que apenas poucos são as causas deste cisma. Se você realmente acredita que alguma coisa pode ser provada contra Marcelo e Atanásio, deixe qualquer um que deseja fazê-lo, vir a acusar, e nós teremos um novo julgamento.

A próxima sentença eu darei por completo:

Porque, se realmente, como você disse, eles fizeram alguma coisa errada, o julgamento deveria ter sido dado de acordo com o cânone eclesiástico e não assim. Deveria ter escrito para todos nós, para que a justiça pudesse ter sido decretada por todos. Pois eram Bispos que estavam doentes, e não eram Igrejas obscuras que sofreram, mas as igrejas que Apóstolos em pessoa governaram. Com relação à Igreja de Alexandria, em particular, por que nós não fomos consultados? Você agora sabe que este tem sido o costume, primeiro escrever a nós,  pois o que é justo sendo definido daí? Se, portanto, uma suspeita desse tipo caiu sobre o bispo daquele lugar, era preciso escrever para a Igreja aqui [Roma]. Mas agora, se você não nos deu nenhuma informação, mas fez como lhes satisfazia, você nos pede para dar o nosso acordo, embora não condenamos. Estes não são os estatutos de Paulo, estas não são as tradições dos pais; esta é outra regra, um novo costume. Rogo-vos a receber de bom grado o que eu digo, porque eu escrevo para o bem comum, e o que temos recebido de S. Pedro Apóstolo, que eu declaro a você.” (Papa Júlio aos Eusebianos – Atanásio Apologia Contra Arianos, Parte I, 35.)

Esta famosa passagem claramente declara que “a Igreja aqui” (não a Igreja do Ocidente, mas, obviamente, a Igreja de Roma), e nenhuma outra, era capaz de julgar o bispo de Alexandria, que estava posto em ordem logo depois do Papa. O Papa São Júlio afirma solenemente que ele está dando a tradição transmitida de Pedro, como sucessor do qual ele fala. Mas a primeira parte da citação é mais geral; ele diz que, “de acordo com o cânone eclesiástico”, em um caso de deposição acontecido em uma escala tão grande, todo o Ocidente – “todos nós” – deveríamos ter sido consultados.

COMENTÁRIO DE HISTORIADORES ORIENTAIS (SOCRATES E SOZOMENO)


É extremamente interessante ver como esta frase foi entendida um século mais tarde por dois historiadores orientais. Sócrates inicia assim o seu resumo desta famosa carta:

Júlio, escreve de volta para aqueles que estavam reunidos em Antioquia, reprovando-os, em primeiro lugar, pela amargura da sua carta, em seguida, por agirem contrários aos cânones, porque não tinham o convidado para o Sínodo, uma vez que o cânone eclesiástico ordena que as igrejas não devem fazer cânones contra o julgamento do bispo de Roma.” (História Eclesiástica de Sócrates II, 17)

Sozomeno evidentemente o copia:

Ele escreveu culpando-os por fazer inovações furtivas no dogma de Nicéia, e por não convidá-lo para o Sínodo, ao contrário das leis da Igreja, dizendo que era uma lei sacerdotal que o que foi feito contra a vontade do bispo de Roma era nulo e sem efeito.” (História Eclesiástica de Sozomeno III, 10).

A afirmação de que Júlio se queixou de não ter sido convidado para o concílio deles é um erro. As afirmações famosas que a lei eclesiástica invalidava quaisquer cânones reprovados pelos bispos de Roma é, sem dúvida, implícita em sua carta, mas não é indicada. É notável que os dois historiadores gregos do século seguinte leram na carta do Papa a alegação que eles achavam que seria natural que ele devesse fazer. Eles também afirmam que Júlio, por carta, restaurava outros bispos orientais para suas sés, “em razão da prerrogativa possuída pela Igreja Romana”, pelo fato que o cuidado de todos pertencia a ele, por causa da dignidade da sua sede, mas essas cartas estão perdidas, e pode haver alguma confusão de data.

Enquanto isso, o famoso sínodo em Encæniis se reunia em Antioquia. Ele consistia de um grande número de Bispos (Prof Gwatkin pensa cerca de noventa) que eram em sua maioria conservadores e ortodoxos. Eles redigiram vinte e cinco cânones, e anatematizaram Marcelo e quem estivesse com ele, e não tinham ideia de que a condenação de Atanásio em Tiro poderia ter sido injusta. Eles também assinaram três credos: o primeiro vago, evidentemente proposto pela parte de Eusébio, e considerado insuficiente pelos demais; sendo outros dois em partes perfeitamente explícitos, mas em outras partes menos satisfatórios, e, claro, evitaram o homoousias de Nicéia, que muitos dos mais ortodoxos acreditavam ser ambíguo e sem condições de uso.

Parecia ao Oriente que o arianismo havia sido condenado de uma vez por todas em Nicéia, enquanto o próprio Ário era tido como tendo se submetido e reconciliado. Os Eusebianos não ensinaram as doutrinas de Ário, mas promoveram um meio moderado e indefinido entre o dogma de Nicéia e arianismo puro. Os bispos orientais parecem ter tido um alcance muito incerto da questão teológica. Enquanto Alexandria e Roma possuíam uma tradição perfeitamente definida em relação às Três Pessoas e um só Deus, os orientais parecem não ter tido tal conhecimento. Eles parecem ter herdado uma posição teológica semelhante à de alguns dos apologistas do segundo século, ou do autor do Philosophumena, e muitos outros, que fizeram o Verbo de Deus Sua imagem e divindade, mas ainda não um com Ele, enquanto sua doutrina do Espírito Santo era bastante indefinida.

 A HERESIA MONARQUIANISTA


As controvérsias Monarquianistas do terceiro século tinham sido causadas por uma repulsa dessa atitude de muitos dentro da Igreja. O Philosophumena descreve Papa Calisto como uma espécie de Monarquianista, evidentemente porque na condenação do monarquianismo ele havia afirmado a unidade do Pai e do Filho como um só Deus. Da mesma forma os Eusebianos denunciaram os principais defensores da doutrina de Nicéia como seguidores do Monarquianismo de Sabélio, que não fazia nenhuma distinção real entre as Pessoas Divinas por medo de prejuízo para a perfeição da unidade de Deus. O grande número de bispos orientais que foram enganados por isso são chamados de “conservadores”, pelo Professor Gwatkin, mas foi um conservadorismo baseado na ignorância, e pouco consistente com o Monoteísmo.

Em Alexandria os antecessores de Atanásio, Alexandre e Pedro, ensinaram como ele ensinou, e ele provou o mesmo do grande Dionísio no meio do terceiro século, e de seu homônimo em Roma. O ensinamento da fé de Nicéia era claramente o conservadorismo no Ocidente e no Egito. O arianismo foi a expressão exagerada das tendências que há muito estavam latentes nas províncias de Antioquia e da Ásia Menor, e da revolta contra ele nas províncias era apenas ligeira, exceto quando apresentado sob a forma de blasfêmia que lhe é dado por Ário antes de Nicéia, e mais tarde por Anomoeanos. Com estes a maior parte dos bispos orientais nunca tiveram comunhão; mas os eusebianos, o original partido da corte, e seus sucessores na corte, os Homoeanos, encontraram nestes prelados bem intencionados uma presa fácil. Eles estavam certos de que o verdadeiro perigo não era Ário, que tinha se arrependido, mas o Atanásio criminoso, e o Sabeliano Marcelo. A doutrina deste último foi possivelmente incorreta; mas não era sabeliana. Assim, embora o grande sínodo em Encæniis fosse dominado pelos Eusebianos, e apesar de seus credos estarem aquém do padrão de Nicéia, os Bispos que o reuniram não eram hereges em intenção, e Santo Hilário chama de assembleia de santos.

Apesar das declarações de Sócrates e Sozomeno, parece muito improvável que qualquer um dos bispos depostos poderiam ter sido, na verdade, restaurados para suas sés após o Concílio Romano, pois Constâncio estava inteiramente entregue ao partido Arianista; embora os historiadores possam ter razão em afirmar que o Papa lhes entregou as cartas que autorizaram a sua restauração. Santo Atanásio, em todos os eventos, permaneceu em Roma por mais de três anos no total, e ele aparentemente não supervisionou a redação de uma Bíblia para o Imperador Constancio. Alguns estudiosos modernos têm sugerido que este livro é para ser identificado com o mais famoso de todos os manuscritos bíblicos, o Codex Vaticanus B. [6]

No quarto ano de seu exílio, ele foi convocado pelo Imperador, em Milão, que decidiu seguir a sugestão do Papa Júlio, Osio de Córdoba, e outros Bispos, e escrever para seu irmão Constâncio o imperador do Oriente, a fim de dispor que a reunião de um grande sínodo do Oriente e Ocidente, no qual todas as dificuldades poderiam ser suavizadas. Constâncio concordou, e Sardica, nas fronteiras dos dois impérios, foi nomeado para o lugar da reunião.

O CONCÍLIO DE SÁRDICA (343 D.C)


O Concílio reuniu-se, aparentemente, no verão de 343. [7] Sárdica estava dentro dos domínios de Constâncio, embora apenas cerca de 50 milhas de Constantinopla. Isto foi desastroso para os Eusebianos, o partido da corte, que não podia nada sem um ‘conde’, diz Santo Atanásio, para controlar o processo a seu favor. Os orientais, contados em setenta e seis, trancaram-se em um palácio e exigiram que a deposição de Atanásio e Marcelo devesse ser recebida sem discussão, repetindo a alegação que um concílio não tinha o direito de rever os atos de outro. Isso equivale a uma negação do direito do Papa e seu concílio Romano para julgar o caso, uma vez decidida em Tiro. Esta não admitia o direito de um bispo de apelar a qualquer recurso de sua primeira condenação, e deixava Santo Atanásio à mercê de seus acusadores descarados. A maioria dos bispos, provavelmente cerca de noventa e quatro ou noventa e seis, recusou-se a concordar, e os orientais se retiraram em corpo sob a alegação de que o desenvolvimento da guerra persa de Constâncio tornava impossível para eles ficar longe de seus rebanhos. Eles pararam, no entanto, logo dentro das fronteiras do Império do Oriente em Filipópolis e escreveram uma carta encíclica, que foi escrita após as decisões ocidentais [8], de modo que sua pressa era, evidentemente, uma mera pretensão. Esta carta nos informa que o concílio foi convocado pelo desejo de Júlio de Roma, Maximus de Treves, e Osio de Córdoba. Esta assembleia herética propunha condenar, especialmente Júlio como o princeps et dux malorum. [9]

Enquanto isso, os bispos ortodoxos haviam absolvido Atanásio e Marcelo, julgando que o último tinha sido mal interpretado. Eles escreveram para a Igreja de Alexandria informando-os sobre a absolvição de seu bispo, e os bispos do Egito e da Líbia e de todos os bispos do mundo, e também uma carta especial para São Júlio. O contraste com os hereges é impressionante. Estes tinham excomungado o Papa, e dirigiram a sua epístola conciliar a um pseudo-bispo Gregório de Alexandria, que tinha sido introduzido pelo poder secular, e, na verdade, ao donatista bispo de Cartago – -até aqui eles se recuaram de toda a decência.

OS BISPOS CATÓLICOS ORTODOXOS ESCREVEM PARA O PAPA JÚLIO I


Os bispos ortodoxos, por outro lado, em comunhão com o grande Atanásio, e presididos pelo venerável Ósios, junto com dois sacerdotes como legados papais, escreveram um relatório especial dos seus trabalhos ao Papa. Eles excomungaram oito dos chefes do partido de Eusébio, e os bispos introduzidos em Alexandria, Gaza e Ancira, e convidaram todos os bispos a assinarem sua encíclica. Ao Papa, eles escreveram:

O que sempre acreditamos, aquilo que agora experimentamos; pois a experiência demonstra e confirma o que cada um tem ouvido; verdade é que o que o professor abençoadíssimo dos gentios, o Apóstolo Paulo, disse de si mesmo: ‘Você procura uma prova do Cristo que fala em mim?’ Apesar de uma certeza, uma vez que o Senhor Cristo habitava nele não pode ser duvidado, mas crido que o Espírito Santo falou por sua boca, e foi ouvido por intermédio de seu corpo. E da mesma forma, amado irmão, apesar de separados no corpo, e sendo separados no corpo, estavam presentes na mente, no acordo e vontade, e sua desculpa para a ausência era boa e inevitável, que os lobos cismáticos não puderam roubar e assaltar em segredo, nem os cães hereges ladrar loucamente a emoção de sua fúria selvagem, ou mesmo o demônio rastejar para derramar o veneno de blasfêmia. Pois isto parece que será boníssimo e muito apropriado, se para a cabeça, que é para a Sé de Pedro o apóstolo, os bispos do Senhor devessem refere-se de todas as províncias. Visto, pois, tudo o que foi negociado e decidido está contido nos documentos, e pode ser verdadeiro e fielmente explicado por palavra por nossos amados irmãos e companheiros sacerdotes, Archidamus e Philoxenus, e nosso querido filho, o diácono Leão, que parece quase supérfluo para escrever aqui.”(Santo Hilário, Frag 2, PL 10:639)

Tem sido sugerido por vários autores que esta disposição foi omitida como uma interrupção do sentido, e, por conseguinte, uma interpolação! Isso, contudo arbitrário, seria conveniente para o ponto de vista de algumas pessoas. Mas a conexão não é difícil de ver: Júlio estava certo em não estar disposto a deixar Roma, pois não haveria cabeça lá que poderia manter em ordem lá, dos os lobos e cães cismáticos, heréticos e o julgamento dos recursos. Mas deve-se notar como a autoridade da Sé Romana está ligada aqui, como sempre, com São Pedro.

Depois segue-se um relato das ações do Concílio um pouco mais curta do que nas outras cartas. O Papa é convidado a publicar os decretos, na Itália, Sicília e Sardenha. Em cada carta a recusa dos Eusebianos a obedecerem à convocação de Roma é enfatizada.

Uma série de cânones foi elaborada relativa à disciplina, o mais importante dos quais são aqueles que lidam com a questão dos apelos dos bispos. Além do concílio de Arles praticamente não houve lei canônica no Ocidente, com exceção dos decretos de costume vagamente referidos como “o cânone eclesiástico”. Na prática, é provável que todos os assuntos mais sérios viessem ao Papa, e a evolução de um sistema de Metropolitas estava apenas começando na Igreja Ocidental. No Oriente, vários concílios haviam publicado cânones, e o concílio da Dedicação em Antioquia havia acabado de elaborar vinte e cinco, um dos quais parecia estar destinado a Atanásio. Tinha um poder considerável atribuído aos Metropolitas, e permitia um bispo apelar aos bispos vizinhos de uma condenação por seus comprovinciais, se o veredicto não fosse unânime; mas se fosse unânime, era irreversível.

Era natural que um direito maior de recurso fosse desejado pelos bispos ortodoxos em Sárdica, e que eles devessem ter em vista a situação atual. A esperança da ortodoxia estava no Ocidente, onde os bispos, quase sem exceção, aderiram à determinação de Nicéia, onde o imperador apoiou-os, e onde a fé reconhecidamente indefectível da Igreja Romana formou um ponto de encontro. Toda heresia batia contra essa Igreja, mas em vão. E agora seu bispo exerceu sua prerrogativa anulando as decisões do concílio de Tiro, convocando tanto o Patriarca de Alexandria quanto os Eusebianos a Roma, e restaurando os bispos depostos a suas sés, mesmo que ele não pudesse, devido à oposição do Imperador, deu eficácia a esta última decisão. O concílio atendeu seu desejo, e é altamente provável que os cânones propostos ao concílio por Osio já haviam sido elaborados em Roma, sob a direção do Papa Júlio.

O primeiro cânone de todos tem reminiscências verbais de sua carta aos Eusebianos. Ele reafirma o cânone XV de Nicéia, que proibia a mudança dos bispos, Ósio acrescenta, como Júlio, que tais mudanças sempre vêm do desejo de ser bispo de uma cidade maior. Em Nicéia tais mudanças foram simplesmente declaradas nulas; em Sárdica até mesmo a comunhão dos leigos é recusada a um bispo que foi mudado. Não pode haver dúvida de que o cânon foi voltado diretamente para o falecido líder do partido da corte, Eusébio. O cânone pode presumir-se ter sido contemplado e redigido antes da morte de Eusébio, mais de um ano antes, e estava fundado sobre a carta de Júlio.

As leis de recurso têm sido muito discutidas, mas o significado é, sem dúvida, como se segue:

Cânon III.Se um bispo foi condenado, e ele acha que tem uma boa causa, que seus juízes, ou (se não) os bispos da província vizinha, escrevam ao bispo de Roma, que vai confirmar a primeira decisão ou ordenar um novo julgamento, designando ele próprio os juízes.

No movimento de Gaudêncio, bispo de Naissus na Dacia, acrescentou-se que quando um bispo apelava para Roma, nenhum sucessor deve ser nomeado até que o assunto tenha sido determinado pelo bispo de Roma.

Canon VII (V).Além disso, se, após a condenação pelos bispos da região, um bispo deve ele próprio apelar e refugiar-se com o bispo de Roma, que a ultima concessão escreva aos bispos da província vizinha para examinar e decidir a questão. E se o bispo condenado desejar que o Papa envie um sacerdote a latere, isto pode ser feito. E se o Papa decide enviar juízes para sentar-se com os bispos, com poderes de quem os enviou, deve ser como ele deseja. Mas se ele acha que os bispos por si só são suficiente, será como sua sabedoria julgar adequado.

 

RESPONDENDO A UM ARGUMENTO ANGLICANO


O comentário do padre Anglicano Puller, é:

 “Parece muito estranho que os católicos romanos referem-se com algum prazer a estes cânones da Sardica.

As razões apresentadas não são novas. Elas foram repetidas ad nauseam pela escola[1] obsoleta galicana, e foram distribuídas pelos anglicanos, por exemplo, o falecido Dr. Bright, e Bispo Gore.

Para começar, Puller confunde a visão católica. Ele diz:

De acordo com a visão estabelecida pelo Concílio Vaticano, a supremacia do Papa pertence a ele jure divino, e, como conseqüência dessa supremacia cada membro da Igreja, se ele pertence ao clero ou do laicato, tem um inerente direito de apelar ao seu julgamento em qualquer assunto pertencente à jurisdição da Igreja.” (p. 143).

 A lógica disso é deplorável. Como pode o fato de que a supremacia do Papa pertence a ele jure divino dar a cada membro da Igreja um direito inerente de recurso a ele? A conclusão que Puller poderia ter tirado era que o Papa teria o direito inerente de ouvir os recursos se ele quiser. A maneira pela qual ele exerce esse direito e as classes de pessoas cujo apelo ele vai concordar em ouvir, são questões que serão reguladas pelo direito canônico. No presente caso, o Papa Júlio deixou para o concílio; embora eu acredite que a forma dos cânones já havia sido preparada por ele mesmo, sem dúvida, em consulta com os bispos vizinhos e com Santo Atanásio e os outros exilados que estavam quase tão preocupados. Puller continua:

 “Mas aqui nós temos os Padres do Concílio de Sardica carregando uma resolução, por assim dizer, a favor da Sé Romana, e determinando que, em homenagem à memória de São Pedro, eles vão, em certos casos raros, dar ao Papa um direito muito restrito de determinar se haverá uma nova audiência, e de nomear bispos que devem formar o tribunal de recurso, e de deputar um ou mais legados para sentar-se com eles no tribunal. E tudo isso é proposto pelo Bispo Osio timidamente — ‘si vobis placet’ ‘se isso lhe agradar’. Na teoria papalista, todo o processo deve parecer insuportavelmente impertinente.

Há dois pontos aqui para ser respondidos. O primeiro é que o direito concedido seria um “direito muito restrito.”; O segundo é que mesmo esse direito seria concedido como um favor.

Um “direito muito restrito” parece a Puller, porque não havia nenhuma idéia de dar ao Papa o direito de evocar o caso de Roma, para o qual declaração ele produziu a autoridade de Hefele. É certamente verdade que o concílio não tinha a intenção de fazer algo assim “impertinente”. Eles não mencionaram esse direito no cânon, mas assumem isso em outros documentos, e todo o seu processo contra os seus adversários dependesse disso. É uma pena que o Puller não tenha compreendido melhor a posição das coisas.

Os orientais reivindicaram os concílios de Tiro e de Jerusalém como sendo concílios plenários, bem capazes de depor o Patriarca de Alexandria, Santo Atanásio. Eles tentaram ter suas decisões reconhecidas no Ocidente, obtendo do Papa a concessão a sua comunhão com o bispo introduzido naquela cidade. O Papa, por outro lado, havia declarado, como vimos, que as decisões de um concílio em que não tinha participação não poderia ser final. Ele convocou Santo Atanásio a Roma, e esse Santo o obedeceu. Os enviados de Eusébio, no entanto sem sinceridade, até mesmo pediram ao Papa para ser juiz. Júlio ofereceu aos orientais um novo concílio, em que ele seria representado. Mas eles responderam que um concílio, não poderia ser revisto por outro. Eles implicaram – embora eles não se aventurou a dizê-lo – que o próprio Papa não poderia revê-lo. Júlio então, para evitar qualquer tergiversação, decidiu a data do concílio, e ordenou que ele devesse reunir-se em Roma. Não parece que eles absolutamente se recusaram a obedecer à convocação; mas eles deram desculpas, e nenhum deles apareceu.

Sem dúvidas: O papa era o Bispo Supremo.

Não havia dúvida, portanto, na mente do partido ortodoxo em Sárdica que o papa poderia convocar o Patriarca de Alexandria a Roma, podia pedir para um concílio ser realizado, poderia restaurar bispos pelas prerrogativas de sua Sé e pode atropelar o trabalhos de qualquer concílio, de qualquer tipo, se ele tivesse razão suficiente. Mas os cânones têm a intenção de ir mais longe. Era fácil para os orientais evitarem chegar a Roma, quando convocados. Era uma longa jornada, a comunicação era lenta, e os atrasos e desculpas não eram difíceis de dar. Por outro lado, isso significava exílio voluntário para um bispo ortodoxo que fazia a viagem, pois sua Sé seria preenchido na sua ausência, e o Imperador não permitiria seu retorno.

Em Sárdica um novo sistema foi concebido. Depois de um bispo ter sido condenado, e se queixado de injustiça, era para ser autorizado por seus juízes, bispos de uma província vizinha, ou o próprio acusado apelar para o bispo de Roma para pedir um novo julgamento por bispos vizinhos, com ou sem o auxílio de um emissário papal ou plenipotenciário. O inquérito seria, assim, ser realizado no local, ou por perto, e não haveria possibilidade de evasão. Os novos juízes não precisam ser mais numerosos do que os anteriores, e não haveria nenhuma razão para exigir um impossível concílio geral, ou apelar ao Imperador por proteção. Foi uma tentativa de tornar a influência do Papa mais sentida no Oriente, agora que as duas maiores Sés, Alexandria e Antioquia, foram ocupadas por arianos da pior reputação.

Foi bem planejado, mas o partido da corte não teria aceitado a inovação. Como isso aconteceu, o espaço de manobra para os ortodoxos marcados pelo Concílio de Sardica não durou muito. A morte de Constâncio em 351 trouxe a violência do semi-arianismo imperial sobre o Ocidente. Quando a morte de Valêncio em comprimento trouxe a paz permanente, os cânones da Sardica não eram mais procurado; porém, no século V os Papas recorreram ocasionalmente aos princípios contidos nos cânones, sob a crença equivocada de que eles eram de Nicéia.

O “direito restrito” é, assim, visto como uma proposta para a atribuição ao Papa dos mais extraordinários poderes (deixando a escolha entre eles a ele), para além do seu direito admitido de ouvir apelos em Roma, em um Concílio convocado por ele mesmo. O Papa é quem decide se ele opta por confirmar a primeira decisão ou nomear uma comissão para julgar o caso novamente, e ele fica absolutamente livre para nomear juízes, bispos ou uma província vizinha para reunir-se, com ou sem um legado, “por sua mais sábia vontade própria.” Parece-me perfeitamente inconcebível que tal autoridade imensa e indefinida poderia ter sido dada a um simples primata honorário, no qual nenhuma jurisdição superior era reconhecida. Por outro lado, quando nos lembramos que o concílio já admitia o direito do papa de convocar o caso para o seu campo, se ele achava que a justiça não estava sendo feita, a extensão deste princípio pelos novos cânones é compreensível e natural. É bastante claro que o Papa foi encarado como tendo um dever de tutela geral sobre toda a Igreja. Mas no pior ponto de vista, devemos concluir que ninguém se surpreendeu que o Papa deveria intervir onde a justiça precisava ser promulgada, e foi na maioria das partes considerado como o seu dever.

O mais alto ponto de vista, por outro lado, não seria tão ridículo a ponto de supor que o Papa é infalível em qualquer ato de jurisdição; pode ser direito discordar dele, ou até mesmo evitar o seu julgamento quando pareciam ser prejudicados. Esta foi a posição assumida pelos bispos não heterodoxas no Concílio da Dedicação de Antioquia. Eles acreditavam que o Papa e os ocidentais tinham sido enganados por Atanásio e Marcelo; eles ignoraram o primeiro, e excomungaram o último com todos os seus seguidores, entre os quais eles não, é claro, contaram todos os bispos do concílio Romano.

Se o Papa não é o Bispo Supremo.

Desta forma, toda a história é clara. Na suposição de Puller que o Papa era um dignitário de grande influência, mas de nenhuma superioridade real, o todo se torna incompreensível. Em que base, se admitirmos isso, poderia Júlio convocar o Patriarca de Alexandria para Roma? Em que base ele poderia convocar Eusébio e seus amigos? Como ele tinha o direito de convocar em um Concílio, determinar a data e lugar para este concílio? Que direito tinha ele de rever as decisões de Tiro e de Jerusalém? Por que ninguém protestou contra sua pretensão de restaurar os bispos? Se Santo Atanásio não acreditava que o papa era superintendente geral da Igreja, não era indigno dele utilizar as pretensões de Júlio para seus próprios propósitos? Se Ósios e os líderes da ortodoxia em Sardica, os homens a quem a cristandade devia a preservação da fé de Nicéia, pensavam que a reivindicação de Júlio era absurda, é concebível que lhes teriam dado os enormes poderes que ele tinha a intenção de exercer sob os novos cânones?

Tais questões podem ser multiplicadas. Voltemo-nos para o segundo ponto que tivemos de responder: o ‘direito muito restrito’ foi concedido a Júlio como um favor. Parte do terceiro cânone diz assim:

Osio, bispo, disse… Se algum bispo for condenado em qualquer assunto, e pensa que tem o direito ao seu lado, para que então um novo julgamento seja feito, se isso lhe agradar, vamos honrar o memória de são Pedro Apóstolo, e deixar que os bispos que haviam julgado o caso, ou os que habitam na província vizinha, escrevam para o bispo romano, e se ele determina em favor de um novo julgamento”  (Concílio de Sárdica – Cânon III)

Em outros tempos tem-se argumentado que a concessão era a Júlio pessoalmente, não para o Bispo de Roma. Mas a palavra “Júlio” está ausente de todos os manuscritos, exceto aqueles que representam a coleção de Dionísio. É, portanto, uma mera adição explanatória, das quais não precisamos tomar nenhuma conta. Si uobis placet implica que o concílio é convidado a aprovar, alterar ou rejeitar a proposta. Por que não? Mesmo no caso extremo de rejeição, não poderia haver “impertinência”. Quanto às famosas palavras sanctissimi Petri Apostoli memoriam honoremus, “vamos honrar a memória de São Pedro Apóstolo”, Eu não tenho nenhuma objeção alguma para o que quer isso implique para eles que o direito é novo, e os irmãos Ballerini admitiram esta interpretação. Mas eu não posso ver que eles, naturalmente, implicam que um novo direito é dado, e não uma nova maneira de colocar um antigo direito na prática.

A formulação dos cânones me parece implicar que os bispos estão falando da ação de um superior: “Que o Papa conceda”; “Se o Papa decidir… será como ele quer”; “Mas se ele pensa … será como sua sabedoria julgar adequado.” Os bispos não prescrevem um processo invariável, mas sugerem vários métodos, que o Papa podia escolher, de acordo com as circunstâncias. Certamente isso é porque eles não podem legislar para o Papa, mas apenas para os bispos apelantes.

De qualquer forma, eles querem dizer uma coisa que Puller não deve passar por cima de forma tão leve – que os poderes dados ao Papa nos cânones não são dadas ao bispo da cidade imperial, mas ao sucessor do Príncipe dos Apóstolos, que era o fundamento da Igreja e do pastor de todas as ovelhas de Cristo. Puller não tem o direito de cintilar o claro significado das palavras, por que um dever recai sobre o sucessor de São Pedro de exercer uma superioridade que é reconhecido no corifeu (liderança) do coro apostólico.

Parece muito estranho que Puller “refira-se com algum prazer aos cânones da Sardica.” [sic]

O Concílio não foi Ecumênico, pois não estava preocupado com a fé. A retirada do partido de Eusébio tinha o deixado com menos de uma centena de membros, em sua maioria ocidentais. Mas foi de um caráter amplamente representativo. O mais eminente bispo do dia, Osio de Córdoba, foi seu presidente. São Júlio estava representado. Santo Atanásio votou nele, e representava a voz unida dos noventa Bispos do Egito que eram seus sufragâneos, e mantiveram suas opiniões. Na carta do concílio de Alexandria, preservada pelo Santo, ele se descreve como composta por Bispos de Roma, Espanha, Gália, Itália, África, Sardenha, Panônia, Mísia, Dacia, Noricum, Toscana, Dardania, a segunda Dacia, Macedónia, Tessália, Acaia, Epirus, a Trácia, Rhodope, Palestina, Arábia, Creta e Egito.

 

NOTAS


[1] Puller cita (p 4. Nota 2) :  “As palavras do cânone provam que a instituição desse direito era nova. ‘Se você, por favor’, diz Osio de Córdoba, o presidente do Concílio, ‘vamos honrar a memória de Pedro, o Apóstolo’”, como do Arcebispo de Marca de Paris. ‘Isso é injusto, pois a famosa ‘Concordia’ foi escrita por De Marca quando um leigo. Antes de obter os touros para o seu primeiro bispado foi obrigado a renegar o Erastianismo de seus dias advogado.

[2] Assim Gwatkin, Estudos sobre o arianismo, 116 Hefele (Eng tr ii, 88) dá 340 e desloca todos os eventos da mesma forma até o Concílio de Sardica.

[3] viz. Pedro e Paulo. Compare a inscrição de São Dâmaso ad Catacumbas “Discipulos Oriens misit, quod sponte fatemur

[4] Libânio nos diz que Nicomédia cedeu a nenhuma cidade em beleza e para quatro só do mundo em tamanho.

[5] Giles, documentos que ilustram a Autoridade Papal, 98, citando o Papa Júlio aos Eusebianos, Athan Apol 35

[6] Atanásio, ad Apol Const 4

[7] Assim Gwatkin, 124 Hefele desloca para o ano seguinte.

[8] Hefele acha que não.

[9] Mansi iii, 126 Hilário, Frag 3.

PARA CITAR


CHAMPMAN, Dom John, Santo Atanásio, o arianismo e a Sé Romana. Retirado de “Studies on Early Papacy” Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/731-santo-atanasio-o-arianismo-e-a-se-romana>. Desde: 08/10/2014 Tradução: Rafael Rodrigues

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