Sábado, Dezembro 21, 2024

Santo Agostinho rejeitou os livros Deuterocanônicos?

INTRODUÇÃO


Agostinho foi bispo de Hipona (litoral noroeste da África). Nasceu em Tagaste (Numídia) em 13 de Novembro de 354 e morreu em Hipona em 28 de Agosto de 430. Ele é um dos mais proeminentes doutores da Igreja. Em seu ministério combateu fortemente as heresias dos Maniqueus e Pelagianos. (ENCICLOPÉDIA CATÓLICA, 1907). Santo Agostinho foi a primeira figura importante na Igreja a expor uma lista que incluía todos os livros do Antigo e Novo Testamento, sem se referir ao Cânon Litúrgico ou omitir livros em favor de um propósito específico. Sua lista foi a seguinte:

 

Agora, o completo cânon das Escrituras, sob o qual nós proferimos este julgamento que deve ser praticado, é formado pelos seguintes livros: Cinco livros de Moisés, isto é, Gênese, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, um livro de Josué, filho de Nun, um dos juízes, um pequeno livro chamado Rute, que parece bastante pertencer ao início dos Reis; depois, quatro livros dos Reis, e dois de Crônicas – estes últimos não seguem um ao outro, mas decorrem em paralelo, por assim dizer, e se passam na mesma terra. Os livros mencionados agora são histórias, que contém uma narrativa conexa dos tempos, e segue a ordem dos eventos. Há outros livros que parecem não seguir nenhuma ordem regular, e não estão ligados nem com a ordem dos livros anteriores, nem um com o outro, como Jó, Tobias, Ester, Judite, os dois livros dos Macabeus, e os dois de Esdras, os quais parecem continuar a história que termina com os livros de Reis e Crônicas. Em seguida, estão os profetas, nos quais há um livro dos Salmos de Davi, e três livros de Salomão, a saber, Provérbios, Cântico dos Cânticos, e Eclesiastes. Para dois livros, um chamado Sabedoria e o outro Eclesiástico, são atribuídos a Salomão a partir de certa semelhança de estilo, mas a opinião mais provável é que eles foram escritos por Jesus, filho de Sirac. São colocados entre os proféticos livros, desde que obtiveram reconhecimento como sendo autoridade. O restante são os livros que são estritamente chamados os Profetas: doze livros separados dos profetas que estão conectados uns com os outros, e nunca tendo sido retirado, são contados como um livro; os nomes desses profetas são os seguintes: Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias e, depois, há os quatro profetas maiores, Isaías, Jeremias, Daniel, Ezequiel. A autoridade do Antigo Velho está contido dentro dos limites desses quarenta e quatro livros. O do Novo Testamento, mais uma vez, está presente no seguintes: Quatro livros dos Evangelhos, um segundo Mateus, um segundo Marcos, um segundo Lucas, um segundo João, quatorze epístolas do Apóstolo Paulo – um para os romanos , duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, duas aos Tessalonicenses, uma aos Colossenses, duas a Timóteo, uma a Tito, uma a Filemon, uma aos Hebreus; duas de Pedro, três de João, um de Judas, e um de Tiago; um livro dos Atos dos Apóstolos, e um do Apocalipse de João. (AGOSTINHO, 397)

Perceba o que ele diz: “Agora, o completo cânon das Escrituras”. Ele não fala da mesma forma que os outros Pais falaram anteriormente, e aqui ele revela qual o cânon completo das Escrituras, definindo e limitando, todos os livros aceitos como inspirados; coisa que nenhum dos outros Pais, anteriormente vistos, o fez.

 

A CONTESTAÇÃO IRRACIONAL PROTESTANTE REFUTADA


Mesmo Santo Agostinho fazendo tal declaração, alguns ainda tentam sustentar que apesar dessa lista, ele não aceitava os deuterocanônicos como inspirados, como se a afirmação “o completo cânon das Escrituras” ou quando ele fala de Eclesiástico e Sabedoria comoSão colocados entre os proféticos livros, desde que obtiveram reconhecimento como sendo autoridade” não fossem reconhecimento da autoridade divina dos livros.

Outros ainda tentam usar a seguinte passagem para supor que Agostinho negou a inspiração de Macabeus:

Desde o tempo da restauração do templo entre os judeus já não houve reis, mas príncipes, até Aristóbulo. O cálculo do tempo destes não se encontra nas Santas Escrituras chamadas Canônicas, mas em outros escritos, entre os quais estão os livros dos Macabeus (A Cidade de Deus 18, 36)

Com essa citação, os adversários do livro dos Macabeus recortam uma passagem do contexto para dizer que Agostinho falou algo que ele nunca quis dizer. De fato, a passagem completa diz o seguinte:

Desde este tempo, quando o templo foi reconstruído, até o tempo de Aristóbulo, os judeus não tiveram reis, mas príncipes, e cálculo de suas datas não é encontrado, nas Sagradas Escrituras que são chamadas Canônicas, mas em outros, entre os quais estão também os livros dos Macabeus. Estes são tidos como Canônicos, não pelos judeus, mas pela Igreja, por conta dos sofrimentos extremos e maravilhosos de certos mártires, que, antes de Cristo vir em carne, sustentaram a lei de Deus até a morte, e suportaram males mais graves e horríveis.(Cidade de Deus 18,36)

Com a passagem completa, podemos entender o que Agostinho realmente está falando. Ele fala que não eram Escrituras canônicas para os judeus e não para a Igreja. Por isso, logo em seguida ele diz “são tidos como Canônicos, não pelos judeus, mas pela Igreja”. É bem estranho pensar que Santo Agostinho tenha negado a inspiração de Macabeus depois de tê-lo colocado entre “O cânon completo das Escrituras”.

Também na mesma obra, Agostinho explica que os escritos não aceitos pelos judeus não eram para serem postos em debate com eles, mostrando assim que diversas vezes os Pais mencionavam somente os aceitos pelos judeus, não porque negassem os outros, mas porque seria inútil tentar provar uma coisa a um judeu através de um livro não aceitasse por ele.

Mas as coisas que não está escrito no cânon dos judeus não podem ser citados contra as suas contradições com grande validade.(Cidade de Deus 17, 19-20).

Para tirar qualquer dúvida, em sua carta contra Gaudêncio ele faz a seguinte declaração:

E, de fato a Escritura, que é chamada de Macabeus que os judeus não têm, como eles têm a Lei, os Profetas e os Salmos…(Contra Gaudêncio 31, 38)

Também o historiador protestante J.N.D Kelly afirma:

Pela grande maioria, porém, os escritos deuterocanônicos atingiram o grau de inspirados com o máximo de senso. Agostinho, por exemplo, cuja influência no ocidente foi decisiva, não fazia distinção entre eles e o resto do Antigo Testamento […] a mesma atitude com aos apócrifos foi demonstrada nos Sínodos de Hipona e Cartago em 393 e 397, respectivamente, e também na famosa carta do papa Inocêncio I ao bispo de Toulouse Exuperius, em 405(Doutrina Cristã Antiga, 55-56).

Outra passagem apresentada por protestantes para afirmar que Agostinho rejeitava os livros deuterocanônicos é a seguinte:

O Santo, porém, prova com ótima e farta argumentação que neste mundo não faltam os perigos de pecar, mas não subsistirão depois desta vida. E aduz como testemunho as palavras do livro da Sabedoria: Foi arrebatado para que a malícia não lhe mudasse o modo de pensar (Sb 4,11). Este argumento aduzido também por mim, nossos irmãos não aceitaram, conforme dissestes, por ter sido tomado de um livro não canônico, como se, à parte deste livro, a doutrina que quisemos ensinar não fosse bastante clara”. (Da Justificação dos Santos, Cap.14, 26).

A frase destacada em negrito está traduzida de forma errada, e tanto a versão latina:

Quod a me quoque positum, fratres istos ita respuisse dixistis, tamquam non de libro canonico adhibitum: quasi et excepta huius libri attestatione res ipsa non clara sit, quam voluimus hinc doceri.

Quanto a versão inglesa traduzida na obra do protestante Philip Schaff:

 

…also he adduces that testimony from the book of Wisdom: “He was taken away, lest wickedness should alter his understanding.” Wisdom 4:11 and this was also adduced by me, though you said that those brethren of yours had rejected it on the ground of its not having been brought forward from a canonical book;

Trazem um texto diferente. Baseado nestas versões a tradução correta é:

ele também aduz aquele testemunho do livro da Sabedoria: “Ele foi levado embora, para que a maldade deve alterar seu entendimento.” Sabedoria 4, 11 E isso também foi apresentado por mim, mas você disse que aqueles irmãos rejeitaram sobre o pretexto que isso não é trazido a partir de um livro canônico; como se, aparte da canonicidade deste livro, a questão que quisemos tratar não fosse bastante clara.

 

A tradução correta sem erros deixa claro que santo Agostinho estava mostrando que ele apresentouum argumento contido no livro da Sabedoria e os irmãos de seu interlocutor não aceitaram sobre o pretexto de ser um livro não-canônico. Isto não quer dizer que Santo Agostinho rejeita o livro, ele apenas relata a rejeição destas pessoas ao argumento provado no livro. 

Agora mostraremos na mesma de onde os detratores retiraram esta passagem, como Agostinho defende o livro da Sabedoria das acusações de seus interlocutores, e mostra que devemos aceitar este livro como divino:

E desde que estas coisas são assim, o julgamento do livro da Sabedoria não deve ser repudiado, uma vez que por um logo curso de anos que este livro tem merecido ser lido na Igreja de Cristo do posto dos leitores da Igreja de Cristo, e ser ouvido por todos os Cristãos, dos bispos até em baixo, até mesmo o menor dos fiéis, penitentes e catecúmenos, com a veneração devida a autoridade divina.”. (Sobre a Predestinação dos Santo Livro I, 27).

Novamente em sua obra “A cidade de Deus”, também atesta que a Igreja recebe tanto a Sabedoria como Eclesiastico como de autoridade:

Mas tem sido costume atribuir a Salomão, outros dois, dos quais um é chamado de Sabedoria, e o outro Eclesiástico, por conta de alguma semelhança de estilo – mas quanto mais aprendemos não tenho nenhuma dúvida de que eles não são seus; ainda que antigos na Igreja, especialmente a ocidental, recebeu-os com autoridade – em um dos quais, chamado de Sabedoria de Salomão, a paixão de Cristo é mais abertamente profetizada.” (Cidade de Deus Livro 17, 20)

 

Em outras passagens Agostinho afirma:

Sobre este ponto, se eu não encontrar nada na própria literatura deles para refutar essa opinião, eu deveria ser forçado laboriosamente a demonstrar que não é o corpo, mas a corruptibilidade do corpo, que é um fardo para a alma. Daí vem a sentença da Escritura que citamos em um livro anterior, ‘um corpo corruptível pesa sobre a alma e — tenda de argila — oprime a mente pensativa.’ (Sabedoria 9, 15).(Cidade de Deus 13, 16)

E, portanto, não devemos desprezar a ciência dos números, que, em muitas passagens da Sagrada Escritura, é encontrada como sendo de serviço eminente para o intérprete cuidadoso. Tão pouco foi sem razão contado entre os louvores de Deus: ‘Mas tudo dispuseste com medida, número e peso.’ (Sabedoria 11, 20)(Cidade de Deus 11, 30)

É isso que confirma um outro profeta, quando ele diz, ‘É lá que nasceram os gigantes, famosos desde as origens, descomunais na estatura e adestrados na guerra. 27. Mas não foi a eles que Deus escolheu, nem a eles indicou o caminho da ciência. 28. Por isso pereceram, por não terem a prudência; pereceram por sua irreflexão.’ (Baruc 3, 26-28)(Cidade de Deus 15, 23)

Por que lemos nas Escrituras antigas, ‘Humilha-te profundamente, porque a punição do ímpio é o fogo e o verme. ’ (Eclesiástico 7, 19). (Cidade de Deus 21,9)

Em resumo, as palavras da Escritura, ‘Uma enorme dificuldade foi criada para todos os homens, um pesado jugo para os filhos de Adão, desde o dia em que saíram do ventre materno, até o dia em que voltarem para a mãe comum.’ (Eclesiástico 40, 1).”  (Cidade de Deus 21, 14)

E quando alguém nasce, é fácil observar o ponto em que esse movimento chegou, pelo uso das regras descobertas e estabelecidas por aqueles que são repreendidos pela Sagrada Escritura nos seguintes termos:pois se foram capazes de conhecer tanto, a ponto de perscrutar o mundo, como não descobriram antes o seu Senhor?’ (Sabedoria 13, 9).(Em Doutrina Cristã 2, 21).

Portanto, ‘seremos salvos da ira por meio dele;’ da ira certamente de Deus, que é nada mais do que justa retribuição. Pois a ira de Deus não é, como é a do homem, uma perturbação da mente, mas é a ira daquele a quem a Sagrada Escritura diz em outro lugar: mas tu, dominando a força, julgas com moderação.’ (Sabedoria 12, 18).” (Sobre a Trindade, Livro XIII – 16, 21).

É em relação a essa sabedoria, portanto, que é a adoração de Deus, que a Sagrada Escritura diz: ‘A multidão dos sábios é o bem-estar do mundo.’(Sabedoria 6, 26).” (Sobre a Trindade XIV 1, 1).

Que então os Santos ouçam da Sagrada Escritura os preceitos da paciência: ‘Filho, se te dedicares a servir ao Senhor, prepara-te para a prova. Endireita teu coração e sê constante, não te apavores no tempo da adversidade. Une-te a ele e não te separes, a fim de seres exaltado no teu último dia. Tudo o que te acontecer, aceita-o, e nas vicissitudes de tua pobre condição sê paciente, pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho da humilhação.’ (Eclesiástico 2, 1-5)” (Sobre Paciência 11).

 

CONCLUSÃO


 

Com a real explicação de Santo Agostinho, e também de muitos dos outros Pais da Igreja, fica claro que quando estão falando a respeito dos judeus ou contra estes, eles não usavam as Escrituras desconsideradas canônicas pelos judeus. Por isso, é necessário analisar todo o contexto, e não passagens recortadas para saber o que ele e os outros Pais estavam realmente falando dos livros deuterocanônicos.

 

BIBLIOGRAFIA


 

RODRIGUES, Rafael. Manual de Defesa dos Livros Deuterocanônicos. 1a edição. Salvador. BA: Clube dos Autores, 2012.

BREEN A. E. A General and Critical Introduction to the Holly Scripture. New York: John P. Smith Printing, 1897.

 

PARA CITAR


 

RODRIGUES, Rafael. Santo Agostinho rejeitou os livros deuterocanônicos? Disponível em: <> Desde: 19/07/2013

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