Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Santo Agostinho negou a Transubstanciação?

INTRODUÇÃO


Está sendo comum ver protestantes em sites, blogs e redes sociais internet a fora, afirmando que Santo Agostinho, um dos 4 doutores da Igreja latina, negou ou não cria na transubstanciação tal qual definida pela doutrina universal da Igreja Católica, algo que para qualquer um acostumado com os escritos deste doutor soa como surreal, tendo em face que a Igreja nunca iria ter como doutor ou santo alguém que contradissesse seus dogmas. Seria muito estranho alguém que diz que devemos adorar a Eucaristia negar a transubstanciação:

E a Escritura diz-me, a terra é o meu escabelo. Hesitando, eu me viro a Cristo, uma vez que eu estou aqui procurando Ele próprio: e descubro como a Terra pode ser adorada sem impiedade, e como o escabelo de seus pés pode ser adorado sem impiedade. Pois Ele tomou sobre Si terra da terra; porque a carne é da terra, e Ele recebeu a carne da carne de Maria. E porque Ele andou aqui na própria carne, e que deu a própria carne, para nos comermos para nossa salvação, e ninguém come essa carne, a menos que tenha adorado primeiro: DESCOBRIMOS EM QUE SENTIDO TAL UM ESCABELO DE NOSSO SENHOR PODE SER ADORADO, E NÃO SÓ ISSO, NÃO PECAMOS EM ADORAR, MAS QUE PECAMOS EM NÃO ADORAR..” (Sobre o Salmo 98, 8) [http://www.newadvent.org/fathers/1801099.htm]

E que depois da consagração o pão e o vinho se tornam o corpo e sangue:

O Senhor Jesus queria que aqueles cujos olhos foram mantidos para reconhecê-lo, reconhecê-lo no partir do pão [Lucas 24:16,30-35]. Os fiéis sabem o que eu estou dizendo que eles conhecem a Cristo na fração do pão. Pois nem todo pão, mas apenas aquele que recebe a bênção de Cristo, TORNA-SE CORPO DE CRISTO.” (Sermões 234, 2) [http://www.augustinus.it/…/discorsi/discorso_329_testo.htm]

Um dos comentários sobre este suposto pensamento de Santo Agostinho contra a transubstanciação que mais me chamou atenção foi este:

O motivo é que S. Agostinho, cerca de quinze séculos antes do Concílio de Trento, negou abertamente que “pela consagração do pão e do vinho se efetua a conversão de toda a substância do pão na substância do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância do seu sangue”.

Para afirmarem isto, certos protestantes estão lançando mão em textos retirados do contexto, adulterados e interpretados ao seu bel prazer para fazerem o pensamento de Santo Agostinho o seu próprio pensamento.  Passemos então a analisar os textos a que se servem estas pessoas em seus achismos.

SANTO AGOSTINHO DISSE QUE A TRANSUBSTANCIAÇÃO ERA CRIME OU VÍCIO?


Citação apresentada por protestantes:

Se a frase é uma ordenança, proibindo um crime ou uma virtude, ou ordenando um ato de prudência ou benevolência, não é figurada. Todavia, se a frase parece ordenar um crime ou um vício, ou proibir um ato de prudência ou benevolência, então é figurada. ‘Se não comerdes a carne do Filho do homem’, disse Cristo, ‘e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos’ [João 6.53]. Isso parece ordenar um crime ou um vício. Portanto, a frase é figurada e ordena que nós participemos do sofrimento do Senhor, que guardemos a lembrança doce e proveitosa de que Ele foi ferido e crucificado por nós”. (S. Agostinho, A Doutrina Cristã, Livro III, Capítulo 16)

Argumentação protestante:

Aqui Agostinho chamou de “crime” e “vício” aquilo que, no decorrer dos séculos, viria a ser reconhecido como dogma de fé pela igreja romana:

Esta interpretação é chula e desprovida de qualquer sentido lógico. Demonstra total desconhecimento do que fala aos montes Agostinho sobre a passagem de João 6, inclusive ao querer atribui isto a Eucaristia ou como se este fosse um tratado sobre a transubstanciação. Santo Agostinho não está tratando aqui sobre a Eucaristia, e sim sobre a questão textual e ambiguidades que os textos bíblicos podem trazer a quem lê e entende ao pé da letra. Então ele não está explicando coisa alguma sobre a eucaristia.

Ele apenas quer dizer que isso não deve ser entendido literalmente ao ponto dos ouvintes de Cristo em sua época pensarem que deveriam matar Cristo sugar seu sangue e comer sua carne, como um canibal faz. ESTE SERIA O CRIME. Como eu sei que ele quis falar isto? Estou dando minha interpretação pessoal? NÃO! Qualquer um que leia seus escritos vai saber que Santo Agostinho sempre ao tratar sobre a passagem de João 6 frisou que esta passagem não se poderia entender do jeito que os judeus de Cafarnaum entenderam. Por exemplo, no tratado XI sobre o evangelho de João, ele novamente fala sobre esta passagem e explica o porquê não se deve entender esta passagem literalmente:

Ele fala no Espírito e pensa na carne. Pensa em sua carne, porque ainda não havia provado a carne de Cristo . Na verdade, quando o Senhor Jesus disse: ‘Se alguém não come da minha carne e beber o meu sangue não terá vida em si’, alguns que o seguiam ficaram chocados , e disseram para si mesmos : ‘Esta é uma palavra dura, quem o pode ouvir?’ ELES ASSUMIRAM, DE FATO, JESUS DISSE O SEGUINTE: ELES PODERIAM COZINHÁ-LO E COMÊ-LO COMO UM CORDEIRO PICADO. CONSTERNADOS COM AS SUAS PALAVRAS, ELES NÃO O SEGUIRAM MAIS. (Tratado XI sobre o evangelho de João  Capítulo 5) [http://www.augustinus.it/spagnolo/commento_vsg/omelia_011_testo.htm]

A mesma coisa repete no tratado 27:

“... para nada aproveitava, como eles entenderam, pois eles em verdade assim ENTENDIAM A CARNE COMO SE FOSSE CORTADA EM UM CADÁVER OU VENDIDA NO MERCADO, e não como ele tivesse dado a vida pelo Espírito… A carne para nada aproveita, mas que é a carne sozinha; mas o Espírito  adicionado à carne, se aproveita muito […] nem eu dou minha carne como eles entenderam a carne.(Tratado XXVII sobre o evangelho de João, 5). [http://www.augustinus.it/spagnolo/commento_vsg/omelia_027_testo.htm]

Ele tem toda a razão em rejeitar qualquer alimentação material do Corpo de Cristo enquanto pessoa terrena, no sentido das pessoas em Cafarnaum:

Eles receberam estupidamente […]e pensaram que o Senhor IA CORTAR ALGUMAS PARTES DE SEU CORPO.(Comentário sobre Salmo 98, 9). [http://www.augustinus.it/latino/esposizioni_salmi/esposizione_salmo_119_testo.htm]

Nestas passagens o próprio Agostinho refuta esta funesta interpretação que passa longe de seu pensamento e mostra que o crime é pensar comer cristo cozido como canibal faz. E mostra que o que ele queria falar era justamente o contrário.

 

SANTO AGOSTINHO DISSE QUE A EUCARISTIA ERA SIMBÓLICA?


Citação adulterada apresentada:

Sob a servidão do sinal vive quem faz ou venera uma coisa SIMBÓLICA sem saber o que ela significa. Mas quem faz ou venera a um signo útil instituído por Deus, cuja virtude e significado entende, não venerao visível e transitório, mas Aquele a quem todos esses signos se referem […] Tais são: o sacramento do batismo e a celebração do corpo e sangue do Senhor. Quando alguém os recebe, bem instruído, sabe a que se referem e, por conseguinte, venera-os com liberdade espiritual e não com servidão carnal. Ora, seguir a letra e confundir os sinais com aquilo que os sinais significam indica fraqueza e servidão. Interpretar os sinais erradamente é o resultado de estar sendo conduzido pelo erro.” (Doutrina cristã Livro III, 9)

O texto apresentado não condiz em nada com o que santo Agostinho escreveu! Não existe NENHUMA palavra “SIMBÓLICA” no escrito dele, o que santo Agostinho escreveu foi:

Sub signo enim servit qui operatur aut veneratur aliquam REM SIGNIFICANTEM, NESCIENS QUID SIGNIFICET. Qui vero aut operatur aut veneratur utile signum divinitus institutum, cuius vim significationemque intellegit, non hoc veneratur quod videtur et transit, sed illud potius quo talia cuncta referenda sunt. Talis autem homo spiritalis et liber est, etiam tempore servitutis, quo carnalibus animis nondum oportet signa illa revelari, quorum iugo edomandi sunt.”[http://www.augustinus.it/latino/dottrina_cristiana/dottrina_cristiana_3_libro.htm]

O texto diz:

Está sob o jugo deum sinal se usa, OUVENERA, ALGO SIGNIFICANTESEM SABER O QUEISSO SIGNIFICA.

Não tem absolutamente nada de “SIMBÓLICA” no texto de Santo Agostinho. Esta tradução troca “SIGNIFICANTE”, POR “SIMBÓLICA” para aduzir que Santo Agostinho estava dizendo que a Eucaristia era simbólica.  A própria tradução inglesa do protestante Philip Schaff também mostra que não existe a palavra “simbólica” no texto:

Now he is in bondage to a sign who uses, or pays homage to, ANY SIGNIFICANT OBJECT WITHOUT KNOWING WHAT IT SIGNIFIES:”[http://www.ccel.org/ccel/augustine/doctrine.x_2.html]

O texto é tão claro tanto no latim quanto no inglês, que até mesmo uma pessoa ignorante em ambas as línguas perceberia que ali não existe a palavra “simbólica” e sim “significante”, ou seja, não há como errar uma tradução desta forma por mero descuido.

Nesta passagem Santo Agostinho está explicando a necessidade da fé e razão. E Sobre os Sacramentos está apenas falando como Paulo aos Coríntios: temos que discernir para venerar ou participar e não que pensar que ali é realmente o corpo de Cristo é errado, ou causa servidão, (não tem nada disso no texto dele), está falando apenas que não se pode ter fé cega, ou seja, venerar algo sem saber o que significa. Ele iria venerar algo simbólico apenas? Algo sem maior sentido?  Ele apenas fala que “algo significante” tem que ter seu significado entendido para poder ser venerado ou usado, não fala que ali é algo simbólico ou não, então contra a transubstanciação esta passagem não tem nada.

Por ultimo, só o fato de ser provado que a tradução adulterada não condiz com as palavras de Santo Agostinho já refuta toda a interpretação que se baseia na tradução errada.

Outra passagem, onde argumentam que Agostinho não cria na transubstanciação é:

 

Jesus respondeu, e disse-lhes: A obra de Deus é esta: Que creiais naquele que Ele enviou.[João 6.29] Este é o significado de comer a carne, não a que perece, mas a que permanece para a vida eterna. Por que preparas os dentes e o estômago? Crê e já terás comido!(S. Agostinho, Tratado do Evangelho de S. João)

 

Onde Santo Agostinho está falando contra a Transubstanciação? Não tem nada desta passagem que vá contra a doutrina católica, Santo Agostinho não está negando a transubstanciação, afirmando que podemos receber Cristo pela fé. Como São Tomás de Aquino explicou e que é a doutrina católica oficial, existem duas maneiras de receber Cristo: Espiritualmente e Sacramentalmente. Pois recebê-Lo pela fé é a recebê-Lo espiritualmente, e para recebê-lo pelo consumo das espécies eucarísticas é recebê-Lo sacramentalmente.  Podemos receber a Cristo em ambos os sentidos em cada comunhão. Mas, no caso da dúvida acima, só fala sobre receber sacramentalmente e não espiritualmente porque ele não teria fé. Santo Agostinho, nesta passagem, está se referindo à recepção espiritual do Corpo de Cristo, que não se opõe à recepção sacramental e muito menos que isso refute ou desaprove sua crença na mudança substancial da Eucaristia.

 

A CARTA 98 A BONIFÁCIO


“Se os sacramentos não tivessem qualquer semelhança verdadeira com as coisas das quais são sacramentos, não seriam de fato sacramentos. Na maioria dos casos, em virtude desta semelhança, os sacramentos são chamados pelo nome da realidade com a qual se assemelham. Portanto, em certo sentido, o sacramento do corpo de Cristo é o corpo de Cristo, o sacramento do sangue de Cristo é o sangue de Cristo […] Com base nisso, o Apóstolo disse, em relação ao sacramento do batismo: ‘De sorte que fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte’. [Rom 6.4] Ele não diz: ‘Nós temos significado que nós fomos sepultados com Ele’, mas diz que ‘fomos sepultados com Ele’. Portanto, Ele deu ao sacramento referente a uma operação tão grandiosa o nome que descreve a própria operação”. (Epístola 98)

O que Santo Agostinho fala pode ser perfeitamente entendido a luz da doutrina católica. Basta apenas conferir aqui o que explica São Tomás de Aqui em sua suma teológica. (http://books.google.com.br/books?id=a4q615evqC0C&pg=PA376…)

São Tomás fala a mesma coisa que Santo Agostinho, sobre as semelhanças. Nem por isto ninguém diz que ele não aceita a transubstanciação.

Os sacramentos enquanto visíveis são realmente chamados das coisas que se assemelham, por exemplo, o catecismo fala sobre a questão do “corpo e sangue” como por antonomásia, que é a substituição de um nome por outro nome ou expressão que lembre uma qualidade, característica ou um fato que, de alguma forma, identifique-o. Por exemplo: quando se fala “O Apóstolo dos Gentios” no lugar de se escrever “São Paulo”. Ou seja, uma substituição de um nome por outro que com ele tenha afinidades semânticas.

Cristo está CONTIDO NA EUCARISTIA, ou seja a “presença real” sob as espécies do Pão e Vinho, que se chamam corpo e sangue, por que o contém e tem as semelhanças como o corpo de Cristo e Sangue de Cristo que ali estão. O catecismo concorda com santo Agostinho em grau, número e gênero.

 

CONCLUSÃO


Em todos os textos analisados e que são apresentados como suporte ao pensamento protestante, não vimos nenhum que contradissesse a doutrina católica, muito pelo contrário.

É difícil compreender como é que alguém que diz que:

1) O pão santificado “é o corpo de Cristo” . (2) O vinho santificado “é o sangue de Cristo” (3) O pão, e não todo o pão, mas apenas aquele que recebe a bênção de Cristo “SE TORNA CORPO DE CRISTO.” (4) Quando Cristo disse: “Este é meu corpo”. Ele carregou “seu próprio corpo” em “suas próprias mãos”. (5) Cristo é “imolado”. (6) Cristo é Sacerdote e Vítima e oferecendo-se no cotidiano sacrificar o seu Corpo, a Igreja oferece-se através de/com Ele. (7) Todos os que desejarem ter a vida eterna deve tomar como alimento e beber o sangue do sacrifício de Cristo na Santa Comunhão (8) As almas dos mortos em Cristo encontrar alívio por meio do sacrifício do Mediador oferecido por eles e através das orações do Corpo vivo de Cristo na terra. (9) Toda a Igreja observa essa prática transmitida dos pais – as orações da Santa Igreja, o sacrifício salvífico, esmolas, obras de piedade e misericórdia são oferecidos por aqueles que já morreram “na comunhão do Corpo e Sangue de Cristo”, para que o Senhor possa lidar mais misericordiosamente com os seus pecados. (10) Cristo nos deu a Sua própria carne “para ser comido para a salvação” e ninguém come essa carne, a menos que adore.

….pode de alguma forma negar a transubstanciação.

 

PARA CITAR


RODRIGUES, Rafael. Santo Agostinho negou a transubstanciação? Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/controversias/638-santo-agostinho-negou-a-transubstanciacao>. Desde 26/04/2014.

 

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