Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Reposta a William Webster sobre I Esdras da LXX em Hipona e Cartago – Parte II

 

O apologista protestante William Webster finalmente respondeu ao artigo, intitulado Reposta a William Webster sobre I Esdras da LXX em Hipona e Cartago. No entanto, infelizmente, esta “resposta” é essencialmente um repostagem de seu material original que não consegue comprovar suas afirmações e repetidamente deturpa ou ignora o que eu escrevi no meu artigo. Nesta refutação eu gostaria de responder às questões específicas levantadas por Webster e dirigidas a mim, e outros problemas que achei relevante a este assunto.

 

PROBLEMA 1: FONTES ORIGINAIS E CÂNONES


Em sua resposta ao meu artigo, Webster escreve:

Enquanto as fontes citadas por Betts… não listam os livros hebraicos de Esdras e Neemias como 1 e 2 Esdras, falhou em fornecer a [seus] leitores  algumas informações cruciais. Essa informação tem a ver com o fato de que esses os pais que separam Ezra de Neemias em livros separados e designam Ezra como 1 Esdras e Neemias como 2 Esdras estão seguindo o cânon hebraico. Eles não seguem o que chamaremos de cânone da Septuaginta, o que significa que os livros do Antigo Testamento hebraico com os livros adicionais dos apócrifos.” [1]

A história da formação do cânone bíblico, as opiniões dos Padres da Igreja e outros cristãos primitivos sobre o status dos Deuterocanônicos, juntamente com a maioria das outras questões relacionadas não foram abordadas pelo meu artigo nem são necessariamente pertinentes ao assunto em questão. No entanto, mesmo que isso esteja declarado como sendo além do escopo do meu artigo, depois de analisar as evidências destas testemunhas primitivas eu fiz a seguinte declaração:

O próprio Webster em seu livro, e em seus artigos on-line, cita todas essas fontes como evidência para o chamado cânone do Antigo Testamento Hebraico”.

A testemunha que essas fontes primitivas fornecem sobre o que os “dois livros de Esdras” significa é que é relevante [2]. Onde Webster tenta rejeitar o testemunho destas fontes primitivas, limitando a prática apenas para aqueles que supostamente “seguiam o cânon hebraico”, as fontes por si mesmas falam de uma tradição entre os cristãos sem essas qualificações, e até onde sei não foram desafiados por qualquer pessoa no início da Igreja. Isto inclui aqueles que Webster cita como tendo “seguido o cânon expandido da Septuaginta”. Vamos rever talvez as duas mais importantes: Orígenes, um defensor da LXX, e São Jerônimo, um defensor do chamando cânon hebraico [3]. Como escrevi no meu artigo:

Ao contrário do que afirma Webster, a divisão de Esdras-Neemias em dois livros separados não se originou com a Vulgata de São Jerônimo no fim do 4ª e início 5ª século, mas veio muito mais cedo. O primitivo e respeitado biblista do século 3 Orígenes mais de cem anos antes de São Jerônimo “conhecia este material como dois livros em grego”. O costume de dividir Esdras-Neemias em dois livros parece ter vindo de fontes cristãs. Os judeus continuaram a ter este material como um único livro até o século 15. Não se sabe, quando o costume cristão de separar o material em dois livros surgiu exatamente. Ambos Orígenes e São Jerônimo listam esses livros, como se a divisão de Esdras-Neemias em dois livros fosse um costume antigo e não algo que se originou com qualquer um deles. Eusébio em sua História Eclesiástica citou listagem dos livros canônicos, “como os hebreus foram perpetuaram” onde Orígenes, escreve “Esdras, primeiro e segundo em um, Ezra, isto é, ‘um assistente’”. São Jerônimo em seu prefácio a Samuel e Reis lista este livro como “o oitavo, Esdras, que em si é igualmente dividido entre gregos e latinos em dois livros”. Observe que São Jerônimo não diz nada sobre ele próprio estar dividindo ou tirando 1 (3) Esdras do Cânon da Igreja. Orígenes também não diz nada parecido com isso.

Orígenes é a mais antiga testemunha conhecida do fato de que, ao contrário dos judeus, os cristãos dividiam nosso Esdras-Neemias canônico em dois livros separados e nomeava-os como 1 e 2 Esdras. A lista canônica que ele deu veio dos judeus (“como os hebreus já entregaram”), mas Orígenes também dá os nomes que os cristãos usavam para os livros do Antigo Testamento, incluindo como os livros de Esdras estão divididos. São Jerônimo, cerca de cem anos mais tarde, também testemunha esta tradição “entre gregos e latinos” em seu prefácio a Samuel e Reis, como mencionado acima. Em seu prefácio a Esdras, que eu não tive acesso no momento em que eu escrevi o meu artigo, ele escreve:

Ninguém deve ser incomodado pelo fato de que a minha edição é constituída por apenas um livro, nem deve se deliciar com os sonhos encontrados nos livros apócrifos terceiro e quarto. Pois entre os hebreus os textos de Esdras e Neemias compreendem um único livro e aqueles textos que não são utilizados por eles e não estão preocupados com os vinte e quatro anciãos, devem ser rejeitados de imediato”. (Prefácio ao Livro de Esdras)

Enquanto Webster ainda afirma que São Jerônimo “foi responsável por separar Esdras e Neemias e nomina-los como 1 e 2 Esdras, respectivamente, como livros separados”, a partir dos próprios escritos do santo descobrimos que ele fez exatamente o oposto tornando a reivindicação de Webster errada. Eu não contesto que Webster está provavelmente correto em afirmar que São Jerônimo é o primeiro a rotular “Esdras A” da LXX como “3 Esdras” e o Apocalipse de Esdras como “4 Esdras”, em sua Vulgata. Essa não é a questão, que, ao contrário é se São Jerônimo foi o primeiro a dividir Esdras-Neemias em 1 e 2 Esdras ou se já existia uma tradição de dividir o nosso Esdras-Neemias canônico em dois livros e o rotular como 1 e 2 Esdras em traduções gregas e latinas antes de quando Webster afirma ter ocorrido. Como já mostrado, Orígenes, São Jerônimo e outras fornecem um testemunho ao fato de que esta tradição claramente existia e era usada por muitos na Igreja. Curiosamente, Webster se contradiz em sua resposta quando ele admite este fato:

Existem exemplos históricos de outros pais na Igreja antes do Hipona/ Cartago que usavam a Septuaginta e que separavam Esdras e Neemias em livros separados referindo se a eles como 1 Esdras e 2 Esdras, respectivamente.

Webster tenta descartar a importância disto aludindo que esta não era a “prática dominante” no momento. Ele pode estar correto nisto, mas isso não resolve o fato de que essas fontes referiam se a LXX ou a versões como a Vetus Latina ao separar Esdras-Neemias, e se essa era uma “prática dominante” ou não, não é relevante para Webster provar sua tese principal.

 

PROBLEMA 2: PAIS DA IGREJA E ESDRAS


Webster escreve:

 “O que Betts deixa de mencionar aqui é que estas fontes também consideravam 1 Esdras ser Escritura inspirada.

 O que Webster diz simplesmente não é verdade. Eu escrevi no meu artigo:

Dada a quantidade de material em 1 (3) Esdras que deriva de nossos livros canônicos, além da história dos três guarda-costas que era muito popular no início da Igreja, não é de estranhar que muitos dos primeiros Padres viram essa obra apócrifa como uma outra versão do nosso canônico Esdras-Neemias.

Um leitor atento notaria que eu justamente disse o que Webster afirma que eu “faltei mencionar”, isto é, que muitos dos primeiros Padres viram 1 (3) Esdras como sendo “escritura inspirada”. Eu coloco uma importante ressalva de que este trabalho provavelmente foi visto por muitos deles como sendo uma recensão do nosso Esdras-Neemias canônico. Isso não é diferente de como Santo Agostinho via as versões gregas e hebraicas do Livro de Jonas, quando ele escreve sobre isso em sua Cidade de Deus 18, 44. Para estes primeiros Padres, David A. deSilva observa que:

parece ter exercido uma influência principalmente por conta do episódio que ele não compartilha com Esdras-Neemias: A disputa dos três guarda-costas. O discurso de Zorobabel na verdade, previsivelmente, é a parte mais frequentemente citada do livro: Clemente de Alexandria (Stromata 1,21), Orígenes, Cipriano, Eusébio, Atanásio, Ambrósio, Efrém da Síria, João Crisóstomo e João de Damasco todos se referem a ou citam esta passagem; Agostinho (De civitate Dei 18, 36) cita 1 Esdras. 3, 12, também por causa da referência lá à verdade sendo mais forte. Até as autoridades da igreja primitiva estavam preocupadas, parece que era o novo material em 1 Esdras, que era considerado utilíssimo; quanto ao resto, eles preferiram Esdras-Neemias. O conto do tribunal surge, assim, de fato, como a principal razão tanto para a composição do livro quanto sua preservação”. (David A. deSilva, Introducing the Apocrypha (Baker Academic, 2002), p. 284).

Webster cita em sua resposta Fr. Raymond Brown, que está provavelmente correto quando escreve que São Jerônimo: “com seu amor pela Bíblia hebraica, cria precedente de rejeitar I Esdras, porque não concorda com Esdras/Neemias, hebraico”, mas isso não ajuda Webster, ao afirmarmos que os apócrifos de Esdras eram vistos como uma recensão de Esdras-Neemias, nem a tradição cristã primitiva de dividir a obra canônica e nomear os dois livros como 1 e 2 Esdras.

 

PROBLEMA 3: SANTO AGOSTINHO E ESDRAS


Webster escreve:

Agostinho não seguia o cânon hebraico. Ele seguiu o ‘septuaginta’. Betts mantém dizendo que parece mais razoável supor que ele não aceitou 1 Esdras  da Septuaginta como sendo canônico. Ele diz que nada definitivo pode ser definido. Mas ele não tem qualquer prova de que um pai da igreja que via a Septuaginta como inspirada e que aceitou todos os livros apócrifos como inspirados e não seguia o hebraico de repente mudou e seguiu o cânon hebraico.

Eu disse algumas coisas em meu artigo que são relevantes aqui:

O material Esdras – tanto os canônicos quanto os livros apócrifos – pertenciam a um pequeno número de livros bíblicos que Santo Agostinho raramente citava. Na verdade, entre os numerosos escritos de Santo Agostinho existe apenas uma citação e uma alusão ao Esdras canônico, nada de Neemias canônico, e apenas outra citação de 1 (3) Esdras

Este fato é um importante para lembrar dado o que Webster está tentando estabelecer a partir de evidências tão pueris.

Será que Agostinho considerava1 (3) Esdras como canônico? Ele provavelmente considerava que era outra versão do Esdras-Neemias canônico, como muitos dos Padres que citaram os livros antes dele fizeram. No entanto, é muito duvidoso que ele considerou como canônico da maneira que Webster quer nos fazer crer, ou seja, que, por causa dos principais códices da Septuaginta listarem este livro como “Esdras A” e Esdras-Neemias como “Esdras B”, que, portanto, era um livro separado contados no cânon. Dada a utilização escassa deste material nos escritos de Santo Agostinho, isto não pode ser resolvido com toda a certeza, mas a minha parece ser a explicação mais razoável. Para Webster afirmar o contrário, ele terá de oferecer alguma prova substancial que até agora ele não foi capaz de fazer.

Um leitor atento vai notar que eu disse que Agostinho “provavelmente considerou [1 (3) Esdras] como sendo escritura” no sentido de uma recensão do Esdras-Neemias canônico. O que Webster falhou em demonstrar até agora é se Santo Agostinho via o Esdras apócrifo como distinto de Esdras-Neemias no cânon, o que é crucial para provar sua tese. Webster erra ao tentar passar o ónus da prova sobre a visão de Agostinho do apócrifo Esdras. Não sou eu quem está alegando que Santo Agostinho acreditava que o apócrifo Esdras era distinto do nosso canônico Esdras-Neemias e influenciou a África do Norte, significando, portanto que Hipona e Cartago seguiam sua opinião. Esta alegação foi feita por Webster e é seu dever substanciar, o que mais uma vez não conseguiu fazer.

Em meu artigo eu mostrei que, embora Santo Agostinho “altamente favorecesse as versões da Septuaginta e defendesse seu uso”, ele também estava “claramente familiarizado com os comentários de São Jerônimo sobre as Escrituras e ele concordou com muitas das opiniões de São Jerônimo”, também “aceitou as diferenças entre as versões da Septuaginta e do cânon hebraico”. [7] Por alguma razão Webster acredita que o que citei do P. Benoit necessita de correção:

Benoit afirma que para Santo Agostinho:

Tanto os textos hebraicos quanto os gregos são inspirados e verdadeiros. Eles são aceitos como dois estágios destinados por Deus em sua corrente revelação. Orígenes queria que apenas o texto grego canônico, deixando a palavra hebraica para os judeus. Jerônimo queria apenas o hebraico, reduzindo o grego a uma tradição menos precisa. Agostinho manteve as duas versões diferentes, complementares e desejadas pelo mesmo Espírito. É uma visão singular de profundidade  verdade.” (P. Benoit cited in Bright, p. 47.)

No entanto, apesar do que Webster diz em sua resposta, não há contradição entre o que Benoit declara e o que eu escrevi no meu artigo. Eu nunca disse, nem mesmo implicitamente que Santo Agostinho “seguia o cânon hebraico”. O que eu disse foi que ele aceitou ambos os textos gregos e hebraicos como sendo inspirados. Isso difere do que Webster escreveu em seu livro, ele apela para todos os tipos de conclusões irracionais na tentativa de provar sua tese. Em meu artigo eu dei exemplos em que Santo Agostinho criticou fortemente a obra de São Jerônimo, onde ele via que Jeronimo estava errado e ainda de alguma forma quando se tratava de Esdras “parece ter escapado a atenção de S. Agostinho que São Jerônimo, supostamente tirou um livro inteiro do cânon e dividiu em dois outros em sua tradução da Vulgata”. Quão sensível é isso?

 

PROBLEMA 4: HIPONA, CARTAGO E TRENTO


A tese de Webster que eu questionei com no meu artigo era se Cartago e Trento divergiam sobre os livros de Esdras no cânon. Ele pode acreditar que sua reivindicação é a “explicação mais razoável” das evidências disponíveis, mas isso não prova sua tese. Sua conclusão simplesmente não é mostrada a partir da premissa de que ele faz. O fato de que a Igreja Africana do Norte usou a LXX, que Santo Agostinho favoreceu a LXX e foi influente no Norte de África e que os grandes códices tinham Esdras apócrifo como “Esdras A” e Esdras-Neemias como “Esdras B”, não leva automaticamente à conclusão ou provar que Hipona e Cartago diferiam de Trento. Isso é uma suposição, nada mais, que nem sequer aborda qualquer um dos pontos que eu levantei. Isto também está perigosamente perto de ser uma falácia lógica que ele parece excluir a possibilidade de outra alternativa tanto em seu livro quanto em sua resposta. Há um velho ditado que “aquele que afirma deve provar”. Enquanto Webster afirma sua alegação, ele não foi capaz de provar isso. A fim de fazer isso, Webster terá que mostrar que Cartago não tinha a tradição cristã de separar Esdras-Neemias em dois livros e que não tinha 1 e 2 Esdras em mente quando passou seu decreto sobre o cânon. Como escrevi no meu artigo:

Webster não tem nenhuma prova de que quando os Sínodos de Hipona e Cartago listaram os “dois livros de Esdras” eles tinham o apócrifo 1 (3) Esdras na mente como o primeiro deles. Quando examinamos a história do cânone bíblico de Hipona no final do século quarto até Trento no século na metade do século XVI, não encontramos nenhuma evidência de uma mudança nos livros de Esdras que estão listados no cânon. Devido a isso, é razoável acreditar que os “dois livros de Esdras”, adotados pela Hipona e Cartago foram Esdras e Neemias.

Como deveria ter sido claro em meu artigo original, enquanto que este assunto é intrigante historicamente não é o “golpe” apologético contra os católicos que Webster parece acreditar que é. Mesmo que alguém assumisse que sua afirmação é correta, que me encontro muito duvidoso, como afirmei em meu artigo, tanto Hipona e Cartago “fornecem um importante testemunho do cânon católico, mas foram concílios regionais cujos cânones não eram obrigatórios para toda a Igreja”. É importante lembrar que “o decreto mais claro da Igreja que removeu todas as dúvidas para os católicos sobre quais livros pertenciam ao cânon bíblico veio do Concílio Ecumênico de Trento meados do século 16”. Por esta razão, alguns podem considerar a possibilidade de que a tese de Webster esteja correta, porém não comprovada como deveria estar, e ao mesmo tempo não encontrar nenhum conflito nos ensinamentos da Igreja sobre os livros do cânon bíblico.

Webster critica a declaração de Gary Michuta que Trento passou pelo apócrifo Esdras em silêncio como sendo “claramente falso”, mas Webster é aquele que está enganado e não Michuta. Enquanto vou deixar isso para Michuta responder mais amplamente, gostaria de abordar brevemente a questão. Até o século 16, sem dúvida, sob a influência da Vulgata de São Jerônimo, o Esdras apócrifo e canônico Esdras-Neemias foram claramente visto como sendo livros distintos. Como Henry Jedin observa, este livro apócrifo não era o único trabalho passado em silêncio por Trento:

Os quatorze dubia da última congregação geral foi entregue a todos os pais em 29 de março, mas Del Monte, que presidiu mais uma vez em 1 de Abril, não cumpriu rigorosamente a decisão então tomada de votação com um simples sim ou não, mas permitiu novas discussões, embora o mais breve possível, do objeto em questão. Na verdade, estes foram chamados pela própria formulação da dubia. Questões particulares no que diz respeito ao cânon da Bíblia (2-5, 12) não criaram sérias dificuldades – por exemplo, se o longo fim de Marcos, Lucas XXII, 43ss, John VIII, I-II, não foram exceção; se, para efeitos de controle, o número de capítulos de cada livro individualmente deveria ser dado; se os apócrifos normalmente encontrados nas edições da Vulgata, ou seja, 3 e 4 Esdras, e III e IV Macabeus, deveriam ser expressamente rejeitados ou passarem em silêncio; e se o livro dos Salmos deveria levar o nome de David como seu autor. [9]

Isso significa que 1 (3) Esdras poderia ser adicionado ao cânon em uma data futura? Embora eu seja um leigo, tal questão parece ser impossível e Webster e eu estamos de acordo sobre isso. No entanto, esta tem sido uma questão de especulação teórica por alguns teólogos católicos, sem respostas claras. Como A. E. Breen observa:

O livro [1 (3) Esdras] não é absolutamente rejeitado pela Igreja no Concílio de Trento, e ela permite a sua leitura. Não haveria nenhuma dificuldade em aprovar que suas porções estão de acordo com os livros canônicos citados, mas há defeitos internos em seus capítulos originais no ponto da doutrina, o que irá provavelmente para sempre impedi-lo de entrar no status de livros canônicos.” [10]

Finalmente, devo observar que há um item que Webster citou de meu artigo que eu tive um lapso na edição. Eu escrevi que “o decreto sobre o cânon passado por Trento foi deliberadamente pretendido ser o mesmo que o de Cartago séculos antes” quando eu quis dizer o Concílio Ecumênico de Florença e que os Padres tridentinos não viram nenhuma diferença entre o seu cânon e o de Cartago. [11]

 

PROBLEMA 5: OS PAPAS E ESDRAS


Como faz em seu livro, Webster repete sua afirmação espantosa na parte de sua resposta dirigida a Gary Michuta que vários papas até pelo menos o século V confirmavam que Esdras apócrifo era parte do cânon da Escritura:

Quando o concílio de Cartago deu a sua lista de livros canônicos para o Antigo Testamento seguiu a tradução da Septuaginta. Ao se referir a Esdras I e II estava se referindo a I e II Esdras da Septuaginta. E quando Cartago enviou esses decretos a Roma para a confirmação, foram esses livros que foram confirmados como canônicos. Inocêncio I afirmou isso em sua carta aos Exsupério e eles foram posteriormente incluídos nos decretos de papas Gelásio e Hormisdas… Isto contradiz o decreto passado por Trento que seguiu Jerônimo em Atribuir I e II Esdras aos livros hebraicos canónicos de Esdras e Neemias respectivamente. Portanto, Trento declarou como  não-canônico o que o Concílio de Cartago e os bispos de Roma, no quarto, quinto e sexto séculos, declararam ser canônico.

Eu mencionei esta alegação absurda de Webster em meu artigo:

 “Webster afirma ainda que o Papa Inocêncio I na sua Carta a Exsupério, bem como os Papas Gelásio I (492-496 AD) e Hormisdas (514-523 AD), todos “contradisseram” Trento por “aceitarem” Esdras apócrifo supostamente aprovado em Hipona e Cartago. Não há base para Webster fazer tal afirmação.”.

E referenciei nas notas do meu artigo:

Quais os livros que realmente são recebidos no cânone, esta breve adição mostra. Estas, portanto, são as coisas das quais você deseja ser informado. Cinco livros de Moisés, ou seja, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio, e Josué, filho de Nun, e os Juízes, e os quatro livros dos Reis, juntamente com Rute, dezesseis livros dos Profetas, cinco livros de Salomão, e os Salmos. Também dos livros históricos, um livro de Jó, um de Tobias, um de Ester, um de Judite, dois dos Macabeus, dois de Esdras, dois das Crônicas…” (Papa Inocêncio – Carta a Exsupério Bispo de Toulouse).

Note-se que Inocêncio escreveu esta carta em 405 d.C., o mesmo ano em que a Vulgata foi completada por Jerônimo e um ano antes desta última carta contra Vigilâncio na qual ele afirma que 1 (3) Esdras não é recebido pela Igreja. Nenhum movimento é feito por Inocêncio para corrigir Jerônimo, nem há qualquer evidência de que o papa adotou a suposta inovação da Jerônimo em oposição ao tradicional uso de 1 (3) Esdras [ou seja o apócrifo Esdras como “1 Esdras” e Esdras-Neemias como “2 Esdras”].

No Livro de William Webster, pp. 116-117 é fornecido o texto latino da edição de Migne sobre os Padres latinos. Na nota de rodapé 110 [do livro de Webster], encontramos da PL 59: 157 a lista de Gelásio I “Esdræ liber unus”, ou “Esdras um livro”. Webster assume a partir disto de alguma forma que Gelásio tinha em mente o Esdras apócrifo. No entanto, em nenhuma parte ele dá exemplos de 1 (3) Esdras listado no cânon, por si só, nessa hora, ou que “Esdræ liber unus” significou 1 (3) Esdras junto com Esdras-Neemias em um único livro. Todas as testemunhas que vimos listando Esdras como um livro em seu cânon está se referindo a Esdras-Neemias, e não 1 (3) Esdras. Além disso, uma lista de um papa do fim do  século V depois do tempo em que a Vulgata já era bem recebida e foi amplamente conhecida, é um pouco tarde para fazer a suposição que Webster faz sem fundamentar. Na nota de rodapé 111 [do livro de Webster], encontramos da PL 62: 540 a lista e Hormisdas I listagem “Esdræ libri II”, ou “Esdras dois livros”. Mais uma vez, este pontificado no início do século VI ocorreu muito tempo depois que a Vulgata foi feita e já era amplamente conhecida. Já vimos que Esdras-Neemias era conhecido em grego como “1 Esdras” e “2 Esdras”, de modo que a conjectura de Webster não é evidenciada suficientemente nestes papas, para sustentar sua alegação.

Webster ignora a minha refutação e na sua resposta continua a sustentar a sua afirmação completamente sem fundamento. Mesmo se admitíssemos que Hipona e Cartago tinham como os “dois livros de Esdras” exatamente o que Webster afirma, isso não diz nada sobre como os papas viam o assunto ou interpretavam o cânon a partir desses sínodos locais. Pergunto ao leitor, como Webster comprova sua afirmação? Mais uma vez ele salta para conclusões irracionais com base em uma suposição, não para evidencias que podem ser mostradas a partir de qualquer uma das fontes originais que ele cita.

 

CONCLUSÃO


Embora a tese de Webster seja uma possibilidade intrigante, ele não consegue lidar com toda a evidência conhecida sobre o assunto e ainda tem que conseguir provar. Minha explicação pode ou não pode estar correto, mas ao mesmo tempo eu acredito que é a mais razoável, isso realmente não importa pois o ônus da prova recai sobre Webster e não sobre mim. Como eu concluí em meu artigo:

 
Vimos que a reivindicação de Webster relativa a Esdras é sem mérito e não é suportado pela evidência. Sabemos que o “1 Esdras” e “2 Esdras” encontradas nos principais códices da LXX como o apócrifo Esdras e Esdras-Neemias, também foram conhecidos por serem Esdras e Neemias sob os mesmos nomes em outras fontes. Isso não nos dá nenhuma razão para suspeitar que os Sínodos de Hipona e Cartago quando falaram dos “dois livros de Esdras”, estavam se referindo a quaisquer outros livros além de Esdras-Neemias. Vimos como era comum para os Padres citar 1 (3) Esdras, principalmente por sua história dos três guarda-costas, e que foi considerado como uma versão alternativa ao canônico Esdras-Neemias. Finalmente, vimos como a “testemunha” de Webster, Agostinho, estava bastante familiarizado com a obra de São Jerônimo e, embora em alguns casos, ele concordasse com ele, em outros, ele não hesitou em castigar Jerônimo quando discordava.  Do Sínodo de Hipona ao Concílio de Trento havia um acordo contínuo sobre quais livros eram os “dois livros de Esdras”. Ao longo de tudo isso, nós não vimos uma única voz levantada em protesto contra supostas inovações de São Jerônimo sobre o material de Esdras nem qualquer voz elevada na defesa da canonicidade do apócrifo 1 (3) Esdras. Tudo o que temos ouvido é o som inconfundível de silêncio…. Para a reivindicação de Webster ser digna qualquer crédito, esta é uma oposição com a qual ele terá que lidar. É perfeitamente razoável e lógico esperar mais do que o silêncio aqui, enquanto muito irracional ignorá-lo.

 

 NOTAS


[1] Em sua resposta, Webster resumiu o que ele acredita ser a “essência” do meu artigo e acrescenta comentários do apologista católico Art Sippo no quadro de mensagens, que pode ter referenciado implicitamente a minha escrita em fazer essas observações. Uma vez que eu não cito Sippo nem invoco o seu trabalho para o meu artigo, tudo o que ele pode ter dito em relação a esta questão não é relevante aqui.

 [2] Isto vem do Terceiro Sínodo de Cartago em 397 d.C (grifo meu):

Também foi determinado que, além das Escrituras Canônicas nada seja lido na Igreja sob o título de divinas Escrituras. As Escrituras Canônicas são as seguintes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, filho de Nun, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis, dois livros de Paralipômenos, Jó, o Saltério, cinco livros de Salomão, a livros dos doze profetas, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Tobias, Judite, Ester, dois livros de Esdras, dois livros dos Macabeus.(Concílio de Cartago  – 397 d.C)

Em meu artigo original eu referi o material canónico como “Esdras-Neemias” principalmente, mas também como “Esdras canônico”. O apócrifo Esdras I referi como “1 (3) Esdras” com o primeiro número sendo a designação dos principais códices da Septuaginta e o último da Vulgata. Às vezes, eu também me referi a este material como “Esdras apócrifo”.

[3] Como falei em meu artigo:

Embora uma discussão mais aprofundada disto está além do escopo deste artigo, tenho a opinião de R. Timothy McLay que não havia um cânon hebraico “durante o período da Igreja Primitiva” e que “Escrituras Judáicas Hebraicas” é mais preciso . McLay também argumenta que não havia um cânon da septuaginta e sim “Escrituras judaicas gregas” é mais preciso, mas, para evitar confusão, usarei o mais familiar “cânon hebraico” e “Septuaginta” neste artigo. Veja o excelente estudo de McLay: The Use of the Septuagint in New Testament Research (Eerdmans Publishing, 2003), pp. 7-9.

[4]  Tradução pode ser encontrada aqui: http://tertullian.org/fathers/jerome_preface_ezra.htm

[5]  Introducing the Apocrypha (Baker Academic, 2002), David A. deSilva, p. 284.

[6]  Ver Augustine and the Bible (University of Notre Dame Press, 1999), Pamela Bright,  42 & 50.

[7] Em meu artigo cito o seguinte da Augustine and the Bible, pp 46-47.:

Na última seção de A Cidade de Deus, começando no Livro 18, Agostinho expande sua posição e estamos surpreso ao ler sobre a profecia de Jonas: Mas será que alguém opõe-se à maneira pela qual eu aprendi o que o profeta Jonas disse a os cidadãos de Nínive? Isto é “em três dias Nínive será destruída” ou em “quarenta dias”? Quem não vê que o profeta não poderia dizer os dois ao mesmo tempo em que ele foi enviado para ameaçar a cidade com a iminente ruína? Se a destruição deveria acontecer dentro de três dias, não são 40 dias, e se eram quarenta dias, certamente não eram 3 dias. Se, portanto, alguém me pergunta o que eu penso sobre o que Jonas disse: Eu prefiro o que o que é lido em hebraico; “Em quarenta dias Nínive será destruída”. A Septuaginta, que vem muito mais tarde, poderia dizer outra coisa, ao repetir o assunto e concordando com ele, mas de uma outra perspectiva para o mesmo e único significado. O leitor foi desta maneira convidado, sem denegrir qualquer uma das duas autoridades a esquecer da história a fim de olhar para a realidade, que a história em si significa.” Agostinho mostra que é o próprio Cristo por ambos os quarenta e os três dias. Tudo isso ocorre, ele continua: Como se tanto Septuaginta, profetas, quando tradutores quisessem alertar o leitor, inteiramente preocupados com a sequência de acontecimentos, de seu estupor e convidando-o a investigar a profundidade da profecia, que lhe havia sido oferecida de alguma maneira com essa linguagem; ‘Olhe para os quarenta dias mesmo aqueles que você vai encontrar em três; Você vai encontrar o primeiro em sua Ascensão, o segundo de sua ressurreição’. Foi, portanto, com grande aptidão que Cristo poderia ser prefigurado nos dois números, um de Jonas, o profeta, e o outro a partir da profecia dos setenta intérpretes que o único e mesmo Espírito Santo fez conhecer.’ (Cidade de Deus 18, 44)” (Bright, pp. 46-47)

[8]  Augustine and the Bible, p. 47.

[9]  A History of the Council of Trent, Vol. II (Thomas Nelson & Sons, Ltd., 1961 English translation by Dom Ernest Graf), Henry Jedin, p. 81.

[10]  A General Introduction to Holy Scripture (Roman Catholic Books reprint of 1908 edition) A.E. Breen, p. 609.

[11]  Para saber mais sobre isto e uma excelente revisão dos procedimentos do Concílio Ecumênico de Trento sobre o cânon bíblico e da Tradição Apostólica, eu recomendo o A History of the Council of Trent de  Jedin, Vol. II, pp. 52-98.

 

PARA CITAR


BETS, John. Reposta a William Webster: o protestante inventor da lenda sobre I Esdras da LXX em Hipona e Cartago – II. Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/880-reposta-a-william-webster-o-protestante-inventor-da-lenda-sobre-i-esdras-da-lxx-em-hipona-e-cartago-ii>. Desde: 04/06/2016.

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