INTRODUÇÃO
O livro de Tobias é uma história que conta um relato de uma família. Tobit, um exilado da tribo de Neftali, residente em Nínive, homem piedoso, observante, caridoso, fica cego. Seu parente Raguel, em Ecbátana, tem uma filha, Sara, que viu morrer sucessivamente sete noivos, mortos na noite do casamento pelo demônio Asmoneu. Tobit e Sara, cada qual por seu lado, pedem a Deus que os livre destas condições. Dessas duas infelicidades e dessas duas preces, Deus levará uma grande alegria a todos: Ele envia seu anjo Rafael, que conduz Tobias, filho de Tobit, à casa de Raguel que faz que ele se case com Sara e lhe dá o remédio que curaria o seu pai cego. É uma história edificante, na qual têm lugar notável os deveres para com os mortos e o conselho de dar esmolas. A noção de família é mostrada de forma emotiva e encantadora. Desenvolve uma noção muito elevada do matrimônio. O Anjo Rafael manifesta e ao mesmo tempo esconde a ação de Deus, do qual é instrumento. É essa a providência cotidiana, essa proximidade de um Deus bom e fiel que o livro convida o leitor a conhecer. (PAUTREL, 2002 pg. 662).
Não há unanimidade acerca da data de composição do livro. Para alguns, teria sido escrito provavelmente entre os anos 200 e 180 a.C, para outros, em uma data posterior, mas tudo indica que realmente foi entre 200 e 180 a.C.
O livro pode dividir-se nas seguintes seções:
1. História de Tobit: 1, 1 – 3, 6;
2. História de Sara: 3, 7 – 4, 21;
3. Preparação da viagem: 5, 1-23;
4. Viagem à Média: 6, 1-19;
5. Casamento de Tobias e Sara: 7, 1-14;
6. Revelação de Rafael: 12
7. Cântico e profecia de Tobit: 13-14;
Neste presente texto iremos demonstrar e refutar as principais acusações de protestantes racionalistas contra o livro Divinamente Inspirado de Tobias.
REFUTANDO ACUSAÇÕES
Acusação:
“Tobias (200 a.C) – É uma história novelística sobre a bondade de Tobit (pai de Tobias) e alguns milagres preparados pelo anjo Rafael” |
O fato de um livro ter linguagem metafórica e usar elementos poéticos não é critério para chamá-lo de “novelístico”, tampouco de não canônico. Se assim fosse, teríamos que chamar Jó, Ester, Cântico dos Cânticos também de “novelísticos”, pois possuem os mesmos elementos e a mesma formação poética.
O fato de um livro ser “novelístico” também não é critério para invalidar sua canonicidade. Tais argumentos são passionais e sem objetividade, pois partem de um pressuposto subjetivo e não se atém à mensagem bíblica, que por diversas vezes utiliza elementos figurativos para exprimir as ações de Deus.
Acusação:
“Justificação pelas obras – Oferta em dinheiro para perdão do pecado não encontramos em nenhum lugar da Bíblia, isto é coisa diabólica, pois assim somente os ricos teriam o perdão dos pecados”(Tobias 4, 7-11; 12, 8). |
Evidentemente, aqui, o autor da acusação não prestou atenção nos versículos por ele citados, nem muito mesmo no resto da Bíblia. Primeiro, é necessário ler os versículos:
“Dos teus bens, filho, dá esmola, e não desvies o rosto de nenhum pobre, para que de ti não se desvie a face de Deus. Segundo o que tiveres, conforme a importância dos teus bens, dá a esmola. Se tiveres pouco, não receies dar a esmola desse pouco. Assim garantes, para ti, um prêmio valioso no dia do infortúnio. Pois a esmola livra da morte e não deixa ir para as trevas.” (Tobias 4, 7-11).
“Boa coisa é a oração com o jejum, e melhor é a esmola com a justiça do que a riqueza com a iniquidade. É melhor praticar a esmola do que acumular ouro. A esmola livra da morte e purifica de todo pecado. Os que dão esmola terão longa vida” (Tobias 12, 8).
Perceba o leitor que de modo algum Tobias ensina “justificação” somente por obras. O livro está plenamente de acordo com o Antigo Testamento e apenas elucida o valor das esmolas como é ensinado também nos outros livros das Sagradas Escrituras e que, também, ensinam outras formas de perdão de pecados, inclusive também por obras, mas não exclusivamente por elas:
“O ódio provoca rixas, o amor encobre todos os delitos.”(Provérbios 10, 12).
“Saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados.” (Tiago 5, 20).
“Mas, sobretudo, tende ardente amor uns para com os outros; porque o amor cobrirá a multidão de pecados.” (I Pedro 4, 8).
O livro de Daniel ensina exatamente a mesma coisa que Tobias:
“Eis por que, ó rei, aceita meu conselho: repara teus pecados pelas obras de justiça e tuas iniquidades pela prática da misericórdia para com os pobres, a fim de que se prolongue a tua segurança. O sonho torna-se realidade” (Daniel 4, 24).
Tobias também está plenamente de acordo com o Novo Testamento:
“Porquanto qualquer um que vos der a beber um copo de água em meu nome, porque sois de Cristo, em verdade vos digo que de modo algum perderá a sua recompensa” (Marcos 9, 41).
“Dai, porém, de esmola o que está dentro do copo e do prato, e eis que todas as coisas vos serão limpas” (Lucas 11, 41).
“Porque, assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é morta” (Tiago 2, 26).
Como se vê, não há nada presente nesse livro que fuja ao comum das Escrituras.
O Apocalipse ensina que seremos julgados segundo nossas obras, logo, fica claro que as obras (claro que aquelas advindas da fé) têm um papel fundamental na salvação.
“Vi os mortos, grandes e pequenos, de pé, diante do trono. Abriram-se livros, e ainda outro livro, que é o livro da vida. E os mortos foram julgados conforme o que estava escrito nesse livro, segundo as suas obras.O mar restituiu os mortos que nele estavam. Do mesmo modo, a morte e a morada subterrânea. Cada um foi julgado segundo as suas obras.” (Apocalipse 20, 12-13).
Se o incentivo à prática de boas obras for um critério para a invalidação e descanonização de um livro, Daniel, os Evangelhos, Apocalipse, Tiago, I Pedro seriam todos “apócrifos”, pois frisam muito mais do que Tobias a pratica de boas obras e as diversas formas de perdão de pecados.
Temos que deixar claro que o que importa não é a esmola oferecida em si, mas a intenção de querer fazer o bem, por amor a Deus, pela Fé que é a primeira das causas. É dar a quem precisa, sem querer nada em troca. E isso será levado em conta no Dia do Juízo e compensará os pecados.
Acusação:
“Mediação dos Santos” (Tobias 12, 12). |
É necessário verificar a passagem citada e os versículos posteriores a ela. Vejamos o texto no seu contexto:
“Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse à noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor.Mas, porque era agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse. Agora o Senhor enviou-me para curar-te e livrar do demônio a Sara, mulher de teu filho. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor.” (Tobias 12, 12-15).
Note o leitor que em nenhum dos versículos é mencionado “mediação dos santos” ou algo parecido, o livro somente relata a apresentação das orações de Tobias por Rafael diante do Senhor. Fica claro que o autor da acusação não se preocupou em ler o livro de Tobias, nem a passagem citada ou, então, quis somente agir com desonestidade.
E mesmo assim, se essa passagem fosse herética ou critério para invalidar o livro de Tobias, seria necessário retirar, também, da lista dos livros canônicos o Apocalipse e Mateus, que referenciam diretamente essa passagem relatando as mesmas coisas:
“Adiantou-se outro anjo e pôs-se junto ao altar, com um turíbulo de ouro na mão. Foram-lhe dados muitos perfumes, para que os oferecesse com as orações de todos os santos no altar de ouro, que está adiante do trono. A fumaça dos perfumes subiu da mão do anjo com as orações dos santos, diante de Deus.Depois disso, o anjo tomou o turíbulo, encheu-o de brasas do altar e lançou-o por terra; e houve trovões, vozes, relâmpagos e terremotos.” (Apocalipse 8, 3-5).
“Guardai-vos de menosprezar um só destes pequenos, porque eu vos digo que seus anjos no céu contemplam sem cessar a face de meu Pai que está nos céus.”(Mateus 18, 18).
Vale lembrar que os conceitos protestantes não sabem diferenciar “intercessão” (o que ocorre quando oramos por outra pessoa) e o conceito de “mediação”, que é aquilo que só Jesus faz, ou seja, mediação na salvação da humanidade.
Portanto, está provado que essa passagem não tem nada de discordante com o resto das Escrituras.
Acusação:
“Ensino de magia e superstição. Será que Deus ensina isso?” (Tobias 2, 9-10; 11, 7-16). |
Primeiro, vamos às passagens citadas. Em Tobias 2, 9-10 está escrito:
“Mas Tobit temia mais a Deus que ao rei, e continuava a levar para a sua casa os corpos daqueles que eram assassinados, onde os escondia e os inumava durante a noite”.
Será que funerais se tornaram rituais de magia e superstição? “Inumar” significa “enterrar”. Lendo todo o capítulo 2, veremos que Tobias recolhia os corpos para fazer um sepultamento digno para aqueles mártires que estavam morrendo nas mãos do rei.
Em Tobias 11, 7-16:
“Unta-lhe os olhos com o fel do peixe, e o remédio fará as manchas brancas se contraírem, e elas cairão de seus olhos como escamas. Assim teu pai vai recuperar a vista e verá a luz.” (Tobias 11, 8).
Será que a cura de doenças agora é feitiçaria? Em Tobias 6, 5-8 o anjo recomenda que Tobias “guarde o coração, o fel e o fígado para servir como remédios muito eficazes” na cura de enfermidades. Já em Tobias 11, 7-16 ele faz o uso do fel guardado para curar a cegueira do seu pai, Tobit. Se isso é ensino de magia, deveríamos também excluir do cânon o livro de Isaías, porque relata a recomendação do uso de cataplasmas de figos para serem aplicados sobre uma úlcera, para que assim Ezequias ficasse curado(cf. Isaias 38, 21). Sem contar que Jesus curou o cego com terra e saliva(cf. João 9, 6) e Tiago dá instruções para usar óleo na cura de enfermos (cf. Tiago 5, 14). No Livro de Números, Moisés faz uma serpente de bronze, que cura, bastando-se apenas olhar para ela (cf. Números 21, 4-9) e em II Reis um morto é ressuscitado pelos ossos do profeta Eliseu (cf. II Reis 13, 21).
Não é encontrado em nenhum outro lugar da bíblia o relato que lama, óleo, cataplasmas de figo, imagens de serpentes de bronze ou ossos de falecidos curassem doenças e ressuscitassem pessoas. Seriam Jesus, Tiago, Isaias e Moisés, todos feiticeiros e supersticiosos? Não. Foram apenas situações em que Deus usou elementos para realizar a cura. Isso não tem nada a ver com “magia”.
As manchas brancas nos olhos de Tobit levam-nos a crer que essa história figura um claro exemplo de catarata. Tobias aplicou o remédio nos olhos do pai, aguardou certo momento e viu, então, desprender-se dos olhos dele uma escama. Tobias limpou-lhe os olhos e prontamente seu pai retomou a visão. Curiosamente, nos tempos antigos o fel de vários peixes era considerado um remédio eficaz contra a cegueira, prova disso é que o naturalista italiano Plínio se refere a isso em sua “História Natural” (Livro 32, 24). Oftalmologistas sugerem que a esfregação vigorosa dos olhos determinaria o deslocamento da lente de catarata. Nesse caso, especialmente se Tobit fosse míope, a visão teria sido restaurada súbita e perfeitamente.
A cura da cegueira de Tobit Pai de Tobias pintura de Rembrandt
Como fica constatado, até mesmo a ciência comprova a veracidade do livro de Tobias. Enquanto os protestantes chamam isso de magia e de superstição, a ciência nos dá provas de que é cientificamente natural.
Acusação:
“Histórias fictícias, lendárias e absurdas.” (Tobias 6, 3-4). |
Antes de tudo, veremos o que diz a passagem acusada:
“Tobias desceu para lavar os pés no rio, quando um peixe enorme, saltando da água, quis devorar-lhe o pé. Tendo ele gritado, o anjo lhe disse: ‘Agarra o peixe e não o deixes escapar! ’ Tobias conseguiu agarrar o peixe e puxou-o para a terra.” (Tobias 6, 3-4).
Se essa passagem é “fictícia, lendária e absurda”, o que diria do profeta Jonas que foi engolido e passou três dias dentro do ventre de um peixe e depois foi vomitado vivo em terra firme? (Jonas 2, 1-2). Se o livro de Tobias é falso, porque um peixe quase lhe devorou o pé, o que se pode dizer do livro de Jonas, então, que foram engolidos pés, mãos, cabeça e tudo mais? É impossível pensar com que adjetivo o autor de tal acusação o qualificaria.
Sobre esta acusação, sem sentido, o estudioso protestante Edward Ruess observou:
“Os escárnios lançados contra o pequeno peixe de Tobias, mais cedo ou mais tarde destruirão a baleia de Jonas.” (History of the canon of Holy Scripture in the Christian Church – Pg. 361-362)
Isto é exatamente o que aconteceu. As críticas protestantes lançadas contra os deuterocanônicos atingem também os livros que eles mesmos aceitam, minando, assim, a autoridade da Bíblia e tornando-a sujeita a suas próprias predileções.
O que diria o acusador da jumenta falante de Balaão (Números 22, 27-28)? É óbvio que para Jonas e Balaão, os protestantes procurarão todas as respostas possíveis, tais como “Deus pode tudo”, “Foi vontade de Deus”, “Foi Deus quem falou”, etc., mas o livro de Tobias, eles o tem como simplesmente lendário, movidos por um sentimento de desprezo contra o Santo Livro.
Acusação: “Queimar fígado de peixe expulsa demônios? Não! Só o Nome de Jesus.” (Tobias 6, 6-8). |
Esta acusaçãoentra em contradição com a própria Bíblia, pois ela mesma relata outras formas de expulsão de demônios, a exemplo dos lenços e aventais de Paulo quem foram usados para expulsar demônios:
“E Deus pelas mãos de Paulo fazia maravilhas extraordinárias. De sorte que até os lenços e aventais se levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os espíritos malignos saíam.” (Atos 19, 11-12).
Também Davi expulsa os demônios de Saul através da música de sua harpa:
“E sucedia que, quando o espírito mau da parte de Deus vinha sobre Saul, Davi tomava a harpa, e a tocava com a sua mão; então Saul sentia alívio, e se achava melhor, e o espírito mau se retirava dele.” (I Samuel 16, 23).
Em nenhum lugar dessas passagens foi usado o nome de Jesus na expulsão dos demônios.
O livro de Tobias está no Antigo Testamento, portanto, não tem nada a ver com o nome de Jesus. Imagine os profetas veterotestamentários, expulsando demônios em nome de Jesus sem Jesus nem sequer ter vindo ao mundo ainda e ter se dado conhecido aos homens. Como é que se expulsavam demônios em nome de Jesus no Antigo Testamento? Além do mais, o livro não ensina que a queima de fígado de peixe expulsa demônios:
“O anjo respondeu-lhe: Se puseres um pedaço do coração sobre brasas, a sua fumaça expulsará toda espécie de mau espírito, tanto do homem como da mulher, e impedirá que ele volte de novo a eles.” (Tobias 6, 8).
O que aconteceu posteriormente:
“Quando terminaram de comer e beber, quiseram dormir. Levaram o jovem e o acompanharam até o quarto. Tobias, então, lembrou-se das palavras de Rafael, e retirou da sua bolsa o coração e o fígado do peixe e os colocou sobre as brasas do incenso. O odor do peixe manteve à distância o demônio, que fugiu para as regiões mais remotas do Egito. Rafael foi até lá, prendeu-o e logo voltou.” (Tobias 8, 1-3).
É simples notar que o odor do peixe fez o demônio fugir, evidentemente porque ele percebeu que era o anjo Rafael que lá estava e iria prendê-lo, e não porque o fígado do peixe o expulsaria. Torna-se evidente, portanto, que existia um interesse por trás, na referida passagem, por parte de Rafael, que só seria desvendado no versículo 3 do capitulo 8, quando ele próprio expulsa o demônio e o prende. O interesse disso tudo é de ocultar a identidade de Rafael.
Além disso, os acusadores não entendem o caráter messiânico da passagem. Eles justificam de diversas formas a passagem dos lenços de Paulo expulsando demônios (Atos 19, 11-12) ou o caso da serpente de Moises (Números 21, 4-9), argumentando, por exemplo, que a serpente é uma representação de Cristo, mas a presente passagem de Tobias, eles apenas acusam como herética, não entendendo que o trecho de Tobias também é uma prefiguração de Jesus. Temos ciência de que o primeiro símbolo de Jesus Cristo era um peixe, daí os primeiros cristãos representá-lo como ΙΧΘΥΣ (ictus), peixe em grego, que é o acrônimo de “Iesus Christos Theou Uios Soter” traduzido como “Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador”, Este é, pois, um dos primeiros símbolos do Cristianismo (cf. Jonas 2). Em Tobias, o coração do peixe simboliza o Amor de Cristo. As brasas em que o coração é queimado simbolizam o fogo do Espírito Santo. A fumaça que afugentou o demônio simboliza a fumaça do incenso com o qual o sumo sacerdote incensava a arca da antiga aliança (cf. Levítico 16, 13), prefigurando assim a mediação de Cristo, o único Sumo Sacerdote da nova aliança (cf. Hebreus 4, 14), o qual incensa o altar celestial. E o fel simboliza o Evangelho que, sendo amargo, livra-nos do Mal.
Portanto, não há nada de errado com a referida passagem de Tobias, muito pelo contrário, analisando-a a fundo, constamos a concreta canonicidade da mesma.
Acusação: “‘Expulsa toda espécie de mau espírito, tanto do homem como da mulher, e impedirá que ele volte de novo a eles’ (Tobias 6, 8) Lemos que o espírito maligno está impedido de voltar a eles. Porém, Jesus diz que o espírito maligno tanto pode voltar que o último estado do homem torna-se pior do que o primeiro!” (Lucas 11, 24-26). |
É evidente que o autor desta estultice não se preocupou em entender o enredo e o porquê do anjo Rafael falar tais coisas. Como foi visto no item anterior, o anjo Rafael não estava de forma nenhuma ensinando uma maneira de expulsar demônios, ele apenas cria uma situação para que sua identidade seja ocultada mais uma vez, para que quando ele expulsasse o demônio Tobias não percebesse que seria ele quem iria expulsar. Rafael falou que “impedirá que ele volte de novo a eles” justamente porque ele prenderia o demônio, o que vai ser demonstrado no capítulo 8, quando Tobias e Raquel estão juntos e “Rafael foi até lá, prendeu-o e logo voltou.” (Tobias 8, 1-3). Logo, ele não iria voltar, pois estaria preso.Em outras palavras, o homem e a mulher que Rafael menciona, no capítulo 6, são justamente Tobias e Sara e o demônio seria impedido de voltar porque ele o prenderia.
Sintetizando:
Homem e mulher nos quais o demônio não voltaria = Tobias e Sara (8, 1-2).
Por que o demônio não voltaria = Porque Rafael o prendeu (8, 3).
Portanto, vemos que não há nenhuma contradição com as palavras de Jesus no Evangelho de Lucas capítulo 11. E mesmo que realmente Rafael estivesse falando que o demônio estaria proibido de voltar a eles, em nada iria contradizer Jesus, pois ele mesmo diz:
“E Jesus, vendo que a multidão concorria, repreendeu o espírito imundo, dizendo-lhe: Espírito mudo e surdo, eu te ordeno: sai dele e não entres mais nele.” (Marcos 9, 25).
Jesus está aqui proibindo o demônio de voltar, a mesma coisa que se dá no Livro de Tobias. Se Tobias é falso porque diz que o demônio estava proibido de retornar, então Marcos também o é da mesma forma. Estaria Jesus contradizendo suas palavras? Marcos colocou palavras na boca de Jesus? Só Jesus pode falar que os demônios não podem voltar, e Tobias não? Ou este é mais um argumento espúrio?
Acusação:
“Narração de anjos mentindo. (Tobias 5, 1-9) Será que anjos de Deus mentem? Não! (Isaías 68, 8; Oséias 4, 2).” |
A passagem é esta:
“O anjo respondeu: Que é que procuras: a raça do servo, ou o próprio servo para acompanhar teu filho? Mas, para tranquilizar-te, eu sou Azarias, filho do grande Ananias. És de família distinta, respondeu Tobit. Rogo-te que não me queiras mal por ter querido conhecer tua origem.” (Tobias 5, 17-19).
Primeiro, o Anjo não mentiu, ele se passou por homem e relatou apenas a forma humana em que ele se encontrava, assim, como vários anjos se fizeram em todo o decorrer da Bíblia. Isso é constatado, por exemplo, no caso de Ló, quando os anjos se passam por homens (Gênesis 19, 1-3) ou no de Juízes 6, 20-22, onde o anjo finge ser um homem, e somente quando ele desaparece é que Gideão percebe que se trata de um anjo do Senhor.
Segundo, o nome fornecido por Rafael ao pai de Tobias era exatamente o nome demonstrativo de sua qualidade:
1- Azarias significa: o Senhor ajudou (porque ele foi enviado pelo Senhor, “Deus Pai”, para assim ajudar Tobias em sua missão).
2- Ananias significa: o Senhor tem sido misericordioso (por atender ao pedido de Tobit, pai de Tobias).
Posteriormente o próprio Rafael revela sua real identidade, para assim mostrar quais eram os planos de Deus:
“Vou descobrir-vos a verdade, sem nada vos ocultar […]. Mas, porque era agradável ao Senhor, foi preciso que a tentação te provasse […]. Eu sou o anjo Rafael, um dos sete que assistimos na presença do Senhor.” (Tobias 12, 11.13.15).
Se o disfarce de Rafael for um critério para a sua exclusão da lista dos livros Sagrados, porque o seu relato seria uma mentira, então teremos que excluir vários outros livros da Bíblia, como por exemplo, o livro de I Reis:
“Então um espírito adiantou-se e apresentou-se diante do Senhor, dizendo: Eu irei seduzi-lo. O Senhor perguntou: De que modo? Ele respondeu: Irei e serei um espírito de mentira na boca de seus profetas. – É isto, replicou o Senhor. Conseguirás seduzi-lo. Vai e faze como disseste. O Senhor pôs um espírito de mentira na boca de todos os profetas aqui presentes, mas é a tua perda que o Senhor decretou.”(I Reis 22, 21-23).
Aqui o próprio Deus manda espíritos de mentira na boca dos profetas. Será que I Reis também não é canônico por Deus colocar espíritos de mentira nos profetas?
Os grandes patriarcas também mentiram e não foram julgados por isso. Antes, o propósito com que a “mentira” deles foi dita é o que torna legitima a ação, ou seja, o que importa para Deus é a intenção, o propósito da ação. Abraão mentiu dizendo que sua mulher Sara era sua irmã, para livrar sua pele. (cf. Gênesis 20,2). Jacó se passou por Esaú como primogênito e mesmo assim foi abençoado por Deus (cf. Gênesis 27,19). Deus beneficiou as parteiras que mentiram ao faraó para proteger Moisés (cf. Ex 1,15-21). A prostituta Raabe mentiu para os homens do rei de Jericó, para proteger os espiões Israelitas. (cf. Josué 2, 1-6). Eliseu mentiu para os sírios, guiando-os para a Samaria. (cf. 2 Reis 6, 8-23). Jeú mentiu para emboscar e matar os adoradores de Baal. ( cf. 2 Reis 10, 18-28). Sansão mente três vezes à Dalila (cf. Juízes 14, 9; 16, 4-21).
Não é encontrada em parte alguma, a Bíblia condenando ou criticando Raabe, Eliseu ou Jeú, Sansão Abraão, Jacó ou qualquer outro personagem citado acima, por mentirem.Ao contrário, ao lermos esses relatos bíblicos, torna-se claro que eles fizeram o que era certo aos olhos de Deus; aliás, vemos em Tiago 2, 25, e Hebreus 11, 31, a atitude da prostituta Raabe sendo citada como bom exemplo.
Chega-se à conclusão, então, que mais essa passagem difamada do livro de Tobias também não tem nada de discordante do resto das Escrituras. Rafael fez apenas o que era certo: ocultar sua identidade para não atrapalhar o plano de Deus.
Acusação: “Erro histórico: Tobit (pai de Tobias) viveu 112 anos (ver Tobias 1, 3-5 e 14, 2), todavia o apócrifo também alega que ele estava vivo durante o tempo em que Jeroboão se revoltou (931 A.C.) e também quando a Assíria conquistou Israel (722 A.C.), eventos separados por um intervalo de 209 anos! 112 é menor que 209.” |
Vemos aqui mais um critério que não pode ser levado em conta para definir se um livro é canônico ou não. A Bíblia não é um livro de ciências ou história, portanto, um ou outro fato histórico fora do lugar, não vem a ser argumento contra a canonicidade de um livro. Todavia, se mesmo assim os acusadores querem continuar com esse argumento de pé, terão também que retirar o livro de Ester de suas Bíblias, pois de acordo com o Livro de Ester 2, 5-7, Mardoqueu era um judeu que havia sido deportado da Babilônia no ano de 597 a.C., e que havia adotado Ester, sua prima, que se casa do o rei Xexés. Mardoqueu se torna grão-vizir do rei persa Xerxes em seu décimo segundo ano, ou seja, em 473 a.C. Isto é, 124 anos após ter sido deportado da Babilônia. Ele teria, neste momento, no mínimo, mais ou menos 150 anos, sem contar o resto que ele ainda viveu. Além de tudo, nenhum historiador registra um judeu como vizir de Xerxes ou uma judia como rainha de Xerxes, como relata o livro. Os historiadores mostram Amestris como rainha de Xerxes, sem nenhum espaço para Ester na história geral. Logo, ou desistem do argumento ou descanonizam Ester também.
De qualquer forma, a passagem nos traz uma profecia. O relato (Tobias 14, 2) que apresenta Tobit como contemporâneo do apogeu assírio, o faz anunciar como futuros certos acontecimento que, para o autor, pertencem ao passado, segundo o artifício apocalíptico que anuncia coisas do futuro como se fossem do passado. A profecia não se detém e penetra no futuro messiânico: “até estarem completos os tempos” (Cf. Tobias 14,5), ou seja, toda essa passagem tem um cunho messiânico por trás, utilizando de recursos apocalípticos. Ele se coloca em duas épocas diferentes como uma revelação profética.
CONCLUSÃO
Nenhuma das acusações contra Tobias fica de pé com uma breve leitura e comparação com o resto das Escrituras. Nenhum acusador consegue provar qualquer erro ou contradição neste livro, tudo o que levantam contra, é facilmente desfeito.
BIBLIOGRAFIA
RODRIGUES, Rafael. Manual de Defesa dos Livros Deuterocanônicos. 1a edição. Salvador. BA: Clube dos Autores, 2012.
PARA CITAR
RODRIGUES, Rafael. Refutando Acusações contra o Livro de Tobias. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/701-refutando-acusacoes-contra-o-livro-deuterocanonico-de-tobias> Desde: 22/06/2014