Segunda-feira, Novembro 18, 2024

Sobre a reta aplicação do cânon 1382 do Código de Direito Canônico

Pontifício Conselho para os Textos Legislativos

Sobre a reta aplicação do cânon 1382 do Código de Direito Canônico

 

Nas últimas décadas têm ocorrido em diversos países várias ordenações episcopais sem o mandato pontifício. Estas rompem a comunhão com o Romano Pontífice e transgridem em modo grave a disciplina eclesiástica. Como recorda o Concílio Vaticano II, se o Sucessor de Pedro recusa ou nega a comunhão apostólica, os bispos não podem ser assumir o ofício episcopal. (cfr. Lumen gentium, 24).

Uma vez que se trata de uma questão muito importante e delicada, a Santa Sé sempre prestou grande atenção a ela, esforçando-se em todos os sentidos para evitar que ocorram ordenações episcopais ilegítimas.

Em tal contexto, o Conselho Pontifício para os Textos Legislativos fez um estudo aprofundado desta problemática, relacionados com a correta aplicação do cânon. 1382 do Código de Direito Canônico, com particular referência às responsabilidades canônicas dos sujeitos envolvidos em uma consagração episcopal sem o necessário mandato apostólico.

O resultado deste estudo é a Declaração publicada abaixo.

1. O Pontifício Conselho para os Textos Legislativos tem sido solicitado a esclarecer alguns detalhes sobre a reta aplicação do cânon. 1382 CIC, especialmente em relação com as responsabilidades canônicas dos sujeitos envolvidos em uma consagração episcopal sem o necessário mandato apostólico.

A questão, enquanto tal, não suscita dúvidas do direito em si, mas requer apenas alguns esclarecimentos úteis para o conhecimento adequado dos pontos mais salientes da norma penal e a maneira pela qual ela deve ser considerada aplicável a casos concretos, tendo em conta as circunstâncias pessoais dos sujeitos que cometem este delito.

2. Como é sabido, o canôn 1321 define o crime como uma violação externa de uma lei ou de um preceito, gravemente imputável em razão de dolo ou culpa. O cânone acrescenta que, consolidada a violação externa, presume-se a imputabilidade, a menos que ela não apareça de outra forma (can. 1321 § 3). Para que exista o delito é suficiente que o infrator saiba que ele está violando uma lei canônica; não é necessário que saiba que à lei canônica é anexa uma pena.

O canôn 1382 CIC pune com a excomunhão latae sententiae reservada à Sé Apostólica, o bispo, que sem o mandato apostólico consagra alguém bispo e também a quantos deste modo recebem a ordenação episcopal. Este delito viola a doutrina católica confirmada, aliás pela Constituição Dogmática Lumen Gentium, nn. 22 e 24 e pelo decreto Christus Dominus n. 20, e foi acolhida pelo canôn 377 § 1 CIC: “O Sumo Pontífice nomeia livremente Bispos e também confirma os que foram legitimamente eleitos”, e no canôn 1013 CIC: “A nenhum Bispo é lícito consagrar um outro bispo se antes não consta que possua o mandato apostólico.”

O can. 1382 CIC é, em primeiro lugar, uma norma disciplinar da Igreja, que, como sublinhou o can. 11 CIC, aplica-se apenas para os batizados na Igreja Católica ou para aqueles que nesta já foram acolhidos. Além disso, corresponde à ofensa tipificada pelo Código dos Cânones das Igrejas Orientais no can. 1459 § 2, embora que para a tradição penal daquelas Igrejas não existem sanções penais «latae sententiae», pela qual, a mesma pena venha imposta «ferendae sententiae».

3. O crime definido pelo can. 1382 CIC é cometido seja pelo bispo que consagra, como pelo clérigo que é consagrado. Além disso, sendo aquela consagração episcopal um rito no qual é habitual a participação de vários ministros, aqueles que assumem a tarefa de co-consagrantes, ou seja, impõem suas mãos e recitam a oração consacratória na ordenação (cf. Caeremoniale Episcoporum nos. 582 e 584), resultam como co-autores do crime e, portanto, igualmente sujeitos à sanção penal. Esta interpretação resulta confirmada também pela tradição da Igreja e pela sua práxis recente.

4. Tratando-se, no entanto, da punição do crime, a pena de excomunhão prevista pelo cânone. 1382 CIC está sujeita às normais condições exigidas pela lei canônica, para que possa incorrer na penalidade latae sententiae efetivamente e com certeza. Como se sabe, além das comuns sanções penais «ferendae sententiae» impostas pela legítima autoridade por meio de uma sentença ou de um decreto na conclusão dos correspondentes procedimentos penais, no ordenamento canônico, há também as chamadas penas «latae sententiae», que não dependem de um juiz externo que exija isso, mas apenas da realização do delito, salvo aquilo que é prescrito pelo cânone. 1324 § 3. O último isenta da específica pena «latae sententiae» se surgirem circunstâncias que, de acordo com o § 1 º do mesmo cânone, não excluem a pena, como tal, mas a atenuam. O cânon 1324 § 3, de fato, especifica que o réu não incorre em pena «latae sententiae» se existirem uma das circunstâncias elencadas no can. 1324 § 1.

Portanto, cada sujeito, no caso de uma ordenação episcopal sem mandato apostólico, deve ser considerado individualmente e segundo suas circunstâncias pessoais no que diz respeito a incorrer em uma pena de excomunhão «latae sententiae» reservada à Santa Sé. Tais circunstâncias pessoais podem ser muito diferentes e, em alguns casos, podem constituir circunstâncias atenuantes previstas em lei. A este respeito, o can. 1324 § 1 CIC observou que o ímpeto da paixão, a pouca idade, mesmo que seja relativamente tal, a necessidade, a provocação injusta, ou a ignorância da pena canônica, por exemplo, são circunstâncias atenuantes que excluem a pena «latae sententiae», nas formas indicadas por lei.

Poucas dessas circunstâncias podem ser configuráveis no crime de consagração sem um mandado. Existe, porém, um conjunto de circunstâncias atenuantes descritas nao can. 1324 § 1, 5 ° CIC que a história demonstrou compatível com crimes desta natureza: quando a pessoa que comete o crime como ordenante ou como ordenado, é “obrigada por medo grave, mesmo que seja relativamente tal, ou por necessidade ou por grave incômodo”. No caso concreto de uma consagração episcopal sem mandato, o atenuante de medo grave ou de sério incômodo (ou ser protegido contra a violência física) deve, portanto, ser verificada em relação a cada um dos sujeitos envolvidos no rito: os ministros consagrantes e os clérigos consagrados. Cada um deles sabe em seu coração o grau de envolvimento pessoal e uma reta consciência indicará a cada um se ele incorreu em uma pena «latae sententiae».

5. No que diz respeito às responsabilidades canônicas dos sujeitos envolvidos em uma consagração episcopal sem o necessário mandato apostólico, de qualquer modo vai adicionado o que se segue.

Realizar externamente um ato punível pelo can. 1382 CIC provoca espontaneamente reações nos fiéis, até mesmo de escândalo e de confusão, o que de forma alguma pode ser subestimado e que postulam – nos bispos envolvidos – a necessidade de recuperar a autoridade através de sinais de comunhão e de penitência, que podem ser apreciados por todos, e sem as quais o governo pastoral do Bispo “dificilmente poderia ser aceito pelo povo de Deus como uma manifestação da presença ativa de Cristo na sua Igreja” (Pastores Gregis n. 43). Estes, de fato, como ensina o Concílio Vaticano II, regem as Igrejas particulares que lhes foram confiadas, «com o conselho, exortações, e exemplo” (Const. Dogmática Lumen gentium, n. 27, cfr. can. 387 CIC).

Além disso, se recorda que o canôn 1331 § 1 CIC observa que ao excomungado, é proibido: 1) Tomar parte como ministro na celebração da Eucaristia ou de qualquer outra cerimônia de culto público; 2) Celebrar os sacramentos e sacramentais e receber qualquer sacramento; 3) Exercer funções ministeriais eclesiásticas e e realizar atos de governo. Estas proibições são acionadas «ipso iure» a partir do momento mesmo em que se incorre na penalidade «latae sententiae». Não há necessidade, portanto, que intervenha nenhuma autoridade que imponha ao sujeito tais proibições: a consciência do próprio crime é suficiente para que aqueles que incorreram nas sanções, sejam impelidos diante de Deus a abster-se de tais atos, caso contrário, cometem um ato moralmente ilícito e, portanto, sacrílego. Todavia, também os atos decorrentes da potestade de ordem e realizados nestas suscitadas circunstâncias de sacrilégio seriam válidas.

6. Obviamente, tudo o que precede não exclui que, em casos de ordenação episcopal sem mandato pontifício, a Santa Sé possa encontrar-se na necessidade de impor diretamente ao sujeito as sensuras, por exemplo, se a partir de sua conduta sucessiva ou da sua relutância em fornecer os necessários esclarecimentos sobre o seu nível de participação no crime, surgisse uma atitude não compatível com as exigências da comunhão.

Além disso, acrescentadas novas e certas informações, a mesma Santa Sé, poderia, até mesmo, encontrar-se diante da necessidade de declarar a excomunhão «latae sententiae», ou de impor outras sanções ou penitências, se isto se tornasse necessário para reparar o escândalo, para dissipar a confusão dos fiéis e, de modo mais geral, para proteger a disciplina eclesiástica (cf. cân. 1.341).

A pena de excomunhão «latae sententiae» estabelecida pela Canon. 1382 CIC é uma censura reservada à Santa Sé. Enquanto censura é uma pena digamos «medicinal», porque tem como finalidade a mover o ofensor ao arrependimento: uma vez que se demonstrar sinceramente arrependido, estes adquirem o direito de serem absolvidos da excomunhão. Além disso, sendo reservada à Santa Sé, somente a ela pode se dirigir o réu arrependido para obter a absolvição da excomunhão, reconciliado-se com a Igreja.

Cidade do Vaticano, 6 de junho de 2011.

Francesco Coccopalmerio Presidente

Juan Ignacio Arrieta Segretario

(L’Osservatore Romano, June 11, 2011)

 

PARA CITAR


Pontifício Conselho para os Textos Legislativos. Sobre a reta aplicação do cânon 1382 do Código de Direito CanônicoDisponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/diversos/694-pontificio-conselho-para-os-textos-legislativos >. Desde: 12/06/2014. Tradução: Pe. Adryano Stevanelli.

 

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