Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Os protestantismos atuais e sua consciência anêmica

 

“As almas estão doentes de uma doença terrível: a fadiga e o terror ante a verdade!” – Louis Veuillot

“Ele usará de todas as seduções do mal com aqueles que se perdem, por não terem cultivado o amor à verdade que os teria podido salvar. Por isso, Deus lhes enviará um poder que os enganará e os induzirá a acreditar no erro. Desse modo, serão julgados e condenados todos os que não deram crédito à verdade, mas consentiram no mal.” 2 Tessalonicenses 2,10-12

Há um problema entre parte dos protestantes atuais que talvez seja mais sério que a maioria de suas heresias: a indiferença perante a verdade. Nem todos que pegam alguma doença têm a possibilidade de se tratar, mas não se nega o mal que uma doença faz. Quando alguém tem um câncer diagnosticado, procura salvar sua vida quando é possível. Mas em nenhum desses casos se diz que tanto faz estar saudável ou doente, mesmo que raramente existam pessoas sem problema nenhum.

O problema que me refiro é semelhante a um grupo de pessoas que diz que não importa se alguém está com tuberculose ou não, se está com câncer ou não, pois todos possuem doenças, mas que o que importa é amar a saúde. Acham eles que basta dizer que ama a saúde, sem buscar tratamento e sem diferenciar da doença. Esquecem que quem ama a saúde e está doente procura tratamento quando pode. O amor não é mera afeição, amor é um verbo: uma ação. Percebi isso após algumas tentativas frustradas de mostrar a verdade católica para algumas pessoas, pois a impressão que deu é que não tinham fome da Verdade e não adianta oferecer alimento a quem não tem fome.  Decidi então escrever algumas das características que são consequência dessa falta de amor à verdade.

A primeira coisa é que boa parte dos que uma vez foram católicos mal sabiam da doutrina católica. Eles, por culpa tanto da própria pessoa por não se interessar pela verdade quanto por alguns clérigos que não inspiram essa busca, acabaram entrando nas seitas protestantes e, quase como um passe de mágica, assimilaram sem refletir todo o conjunto de crença deles. Como alguém que passa a torcer por um time de futebol e automaticamente acata tudo que a torcida diz, odeia o time inimigo e o hino de seu time é o mais belo. É claro que esse fato não acontece com todos os protestantes. Aliás, nem todos possuem todas as características que vou descrever.

Esse primeiro tipo de pessoa mal refletiu sobre a maioria dos assuntos, mas deixou de ser católico por conta da suposta idolatria e pelo que chamam de “presença de Deus” (ou coisa semelhante). Muitas vezes eles sabem que não adoravam os santos, mesmo assim repetem todo o linguajar do novo grupo sobre o assunto. Mas o que acontece quando as provas para a veracidade católica são apresentadas? Avaliam os dois lados? Geralmente não. Essas pessoas, por assimilarem sem refletir o conjunto de crenças da seita que passaram a fazer parte, começam a buscar textos apologéticos sem avaliar a fundo o que a Igreja diz a respeito.

A partir disso entra a segunda característica: o protestante que assimilou sem refletir o conjunto de crenças de determinada seita passa a ter uma visão unilateral das coisas. O que quero dizer com isso é o que eu disse acima. Eles buscam os textos apologéticos como se fossem o supra-sumo teológico, e como se respondessem todas as afirmações católicas. No entanto, fazem isso sem ver de fato o que a Igreja tem a dizer sobre o assunto. Nunca se interessaram. O que acontece é que acabam criticando um espantalho criado por outros, porém com a sensação de estarem falando de algo que conhecem, afinal, não dizem que foram católicos? Um exemplo disso é quando vamos tratar da questão da primazia de Pedro. Praticamente todo católico que fala do assunto ouve como resposta que “no grego a palavra usada para Pedro significa pedrinha, e que ele é uma pedrinha como nós somos também pedrinhas” seguida de afirmações de que Jesus é a Rocha (como se negássemos que Jesus é a Rocha e como se fosse auto contraditório Jesus chamar Pedro da rocha que edificaria a sua Igreja). É claro que isso também faz parte da cultura (ou anticultura) brasileira. Muitos estão acostumados a ver só um lado da coisa, e não conseguem imaginar que outras pessoas possam ter visto o assunto de forma detalhada, e, quando encontram alguém assim, acham que ela quer dar uma de intelectual ou algo parecido. Não pensam, por exemplo, que essa é a atitude normal da pessoa que ama a verdade em todos seus aspectos. Dessa forma, até os católicos chegam a cair nesse erro.

A terceira característica – que é algo que vou falar de forma resumida pois pretendo fazer um conjunto de artigos somente sobre o assunto – é a sensação que se criou nas últimas décadas entre os protestantes que, fora algumas discordâncias “acidentais” e irrelevantes, eles têm a mesma fé. Todos eles dizem que “o que importa é seguir Jesus”, “estar na presença de Deus” e “seguir a Cristo”. Porém, se avaliarmos a fundo, veremos que cada um quer dizer algo diferente com essas frases. Eles não percebem que é possível uma palavra expressar coisas diferentes. Aliás, se podem haver sentidos diferentes para palavras, imagine para expressões como essas? Para quebrar esta ilusão basta perguntarmos o que é “seguir a Jesus”. Ora, é evidente que seguir a Jesus é seguir tudo que ele ensinou. Se seguir a Jesus é acreditar e viver o que ele ensinou – e ensinou porque é importante – então como podem todos estar seguindo a Jesus ao mesmo tempo e com ensinos contrários?

Uma tentativa de fuga para esta pergunta é a de que o relacionamento com Jesus é algo pessoal, ou que o que importa é estarmos em sua presença (Perceba que eles respondem a pergunta com a mesma afirmação que foi questionada). Mais uma vez, com as perguntas certas, a falsidade disso é demonstrada. Não que seja totalmente falso, mas que, se tomado como única coisa importante, vira um ensino amputado. É como dizer que para almoçar só precisamos comer arroz, ignorando que precisamos de salada, feijão, carne, etc. É claro que para almoçar nós precisamos comer arroz, mas, se comemos só arroz, ficamos desnutridos. Do mesmo modo, o relacionamento com Jesus é algo pessoal e importa sim estarmos em sua presença, porém, falam isso como se fosse possível estar na presença de Deus sem se importar com a Verdade, sendo que alguém que está na presença de Dele (Que é a Verdade) consequentemente dará importância a ela.

Como essas expressões, que estão cada vez mais comuns, não possuem análogos na realidade (não têm qualquer identificação concreta), fica fácil mostrar que não passa de palavras vazias (indefinidas, afinal) usadas para fugir da verdade . Isso porque quando uma pessoa procura se relacionar com outra para casar, por exemplo, ela não quer só “senti-la”. Alguém que diz que ama certa pessoa, mas que não se importa em conhecer o que ela acredita, o que pensa, se concorda com as mesmas coisas e se tem o mesmo padrão de vida, ou é mentirosa ou é imprudente (ou as duas coisas). Quando amamos alguém, amamos por completo, e isto inclui todas as contradições dessa pessoa, o que ela acredita e todos os defeitos e qualidades. Semelhantemente, se amamos a Nosso Senhor Jesus Cristo, isso significa que o amamos e fazemos questão de saber o que ele pensa, e amamos tudo que ele ensina. Se amamos tudo que ele ensina, então devemos rejeitar o que é contrário a seu ensino. Só isso derruba a ilusão de que amar Jesus é só um sentimento. Quem ama a verdade rejeita o erro. Quem ama Jesus Cristo rejeita o contrário do que Ele ensinou.

Então, dizer que “o que importa é seguir a Jesus” não resolve o problema, pois essa é exatamente a questão: o que é seguir a Jesus? Dizer que o que importa é seguir a Jesus, e não responder o que é segui-lo, é o mesmo que dizer que “o que importa é se alimentar bem” em resposta à pergunta “o que devemos comer para viver bem?”. É óbvio que o que devemos comer para viver bem são alimentos bons, mas quais? O que é bom: o que é gostoso ou o que é saudável? Uma pessoa que diz que “devemos nos alimentar bem” e se refere, com esta expressão, a alimentos como carne gordurosa, comida oleosa e muito refrigerante tem o mesmo valor da que diz a mesma expressão se referindo a alimentos como saladas, peixe e legumes? Algumas realmente acreditam que comer muito é comer bem, enquanto outras acreditam (com razão) que a alimentação, para ser boa, deve ser moderada, mas ambas acreditam que “devemos nos alimentar bem” e usam esta expressão.

Quando se trata de meras palavras vazias como as mencionadas, o que resta é a ilusão de que todos eles, que obviamente seguem ensinos diferentes, de fato seguem a Cristo por compartilharem certos costumes morais como não beber, não fumar, não escutar música “do mundo”, etc. Qualquer pessoa que leu os evangelhos e não está com a mente atada sabe que Jesus não ensinou só isso. Aliás, até os muçulmanos não bebem, e eles dizem seguir a Jesus. Porém, como os protestantes, é evidente que querem dizer algo diferente com o “devemos seguir a Jesus”. Para eles, seguir a Jesus é o mesmo que seguir o Islam.

É claro que nem todos os protestantes se enquadram nessas características. Mas tais mascaras vão se sobrepondo às outras a fim esconder a verdadeira face para si mesmos (e esquecem que não podem esconder para Deus).

O que existe de comum nisso tudo, principalmente nos jargões que mencionei, é que eles são fragmentos de várias teologias mal refletidas que foram assimiladas nas culturas protestantes. Como a maioria dos que aderem suas seitas não refletem o assunto a fundo, a consequência é que temos várias pessoas que pronunciam um mesmo conjunto de jargões, cada um tendo uma ideia diferente para a mesma frase, pois esses jargões não passam de fragmentos de teologias de outras pessoas que são aceitas pelo aparente ar de profundidade de alguns pregadores. Infelizmente muita gente ainda confunde o conteúdo da mensagem com a forma em que ela é passada, e por isso aceitam qualquer um que fale com aparência de autoridade.

Muito pior do que simplesmente estar sinceramente errado é não se importar se está errado ou não, ou se o outro está seguindo fielmente a doutrina de Jesus ou não (desde que não seja católico, é claro). Mais pernicioso que não acreditar na transubstanciação é achar que tanto faz acreditar que a presença de Nosso Senhor seja real na Eucaristia ou se é simbolismo apenas (desde que seja suco de uva). Se é herege quem não acredita na intercessão dos santos, pior pecado tem quem diz que não importa a igreja que se frequenta (desde que passe a escutar música gospel, é claro). Mais grave que estar doente é acreditar que basta dizer que “ama a saúde” para estar bem, enquanto, na verdade, só possui uma afeição pelo que acha ser a saúde.

O que se deve fazer não é brigar fisicamente nem trocar ofensas por causa das diferenças, mas não podemos fingir que elas não existem e que não são importantes. Nosso Senhor o tempo todo ordenou a unidade, que não é uma unidade em afeição. Os apóstolos sempre ensinaram a verdade e condenaram o erro e os cristãos que os sucederam fizeram o mesmo. Talvez estas pessoas não se importem com a verdade por um simples motivo: nunca a conheceram. O que conhecem é apenas uma sensação, e por isso dão tanta ênfase no sentir. Já passou da hora de jogarem esta mascara de uma falsa unidade protestante fora, ela não engana mais.

Para finalizar, deixo aqui um pequeno comentário do Padre Júlio Maria:

A verdade não é mais uma base que possa apoiar deveres ou justificar sacrifícios. A religião, para grande número de almas dedicadas, é flor mui formosa, mas é uma flor; e para um extraordinário número de imaginações, é quimera brilhante, mas é uma quimera. As almas não têm mais o entusiasmo da vida, a virilidade da inteligência. Tolerante, sim, a civilização contemporânea! Porém, ela é como um Panteon colossal abrigando todos os deuses, todas as verdades como todos os erros. Daí o fenômeno, cuja fórmula ficou dada na expressão – “Torpor das consciências” – expressão exata e bem significativa para quem analisa as almas de nossa época.

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