Sexta-feira, Novembro 15, 2024

Os pais da Igreja eram contra o dogma da imaculada conceição?

 

 

“Estimados irmãos: um amigo protestante me mostrou um artigo em que são apresentadas citações dos Padres da Igreja em que eles negam que a Virgem Maria tivesse sido concebida sem pecado. Seguem em anexo a fim de que possam me esclarecer se estão corretas e quais as razões que tinham para fazê-lo”.

Estimado irmão,

Antes de comentar as citações enviadas, sugiro que você leia dois artigos em que é analisada de forma detalhada a história do dogma da imaculada conceição e o que disseram a esse respeito os Padres da Igreja:

Esses artigos explicam detalhadamente como a Igreja foi avançando na compreensão desta verdade de fé, as dificuldades que encontrou ao tentar conciliar esta doutrina com a universalidade do pecado original e como estas dificuldade foram posteriormente superadas.

Analisemos agora as citações patrísticas que o seu amigo protestante te apresentou (serão destacadas na cor vermelha).

SANTO AGOSTINHO

“Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona e doutor da Igreja, combateu a ideia de que Maria tivesse nascido sem mancha do pecado original. No ‘Sermão 3 sobre o Salmo 34’, diz: ‘Maria morreu em virtude do pecado original transmitido a partir de Adão a todos os seus descendentes’. E na sua obra ‘De Peccatorum Meritis’, declara que a carne de Maria era ‘carne de pecado’ e que Maria, descendente de Adão, morreu em conseqüência do pecado”.

Estas citações são falsas. Você pode ler [em inglês] o comentário sobre o Salmo 34 de Santo Agostinho aqui .

E o outro texto, De Peccatorum Meritis, você lê [em inglês] aqui .

Em nenhum deles aparece nada remotamente parecido com o que a fonte [protestante] afirma. Ocorre justamente o contrário, pois quando Santo Agostinho debate com Juliano, um herege partidário do Pelagianismo, é acusado de atribuir à Maria a condição de pecadora em razão de sua defesa da universalidade do pecado original. Juliano rejeitava a doutrina do pecado original enquanto que Santo Agostinho a defendia. Juliano argumentava que Santo Agostinho, ao defender a doutrina do pecado original, estava afirmando que Maria era uma pecadora.

Dizia Juliano: “Tu entregas Maria ao diabo em razão do nascimento“, ou seja, se Agostinho afirmava que o pecado original era transmitido pela geração natural, Maria foi súdita do diabo porque, desta maneira, descendia e assim fôra concebida por seus pais, ao que Santo Agostinho discordou, afirmando que ela não fora concebida em pecado; por isso, respondeu:

“Não concedemos Maria ao pecado pela condição de seu nascimento (esta era a acusação!), mas que (esta era a resposta!) a condição do nascimento foi eliminada pela graça da regeneração” (C. Iul. O. i. 4,122).

E ainda:

Devemos excluir a Santa Virgem Maria, a respeito da qual eu não gostaria de levantar qualquer questão quando o assunto é pecados, em honra ao Senhor, porque Dele sabemos qual abundância de graça para vencer o pecado em cada detalhe foi conferido a ela que teve o mérito de conceber e suportar aquele que, sem dúvida, não tinha pecado.” (Sobre a natureza e a graça, XXXVI)

O mais curioso é que, apesar das citações [protestantes] serem fraudulentas, foram naturalmente copiadas por muitos sites protestantes, sem que se verificasse previamente a fonte.

 

SANTO AMBRÓSIO

“Ambrósio (340-397), doutor da Igreja e bispo de Milão, disse: ‘Jesus é o único a quem os braços do pecado não venceram. Nenhuma criatura concebida pelo contato do homem e da mulher foi exceptuada. A única exceção foi Aquele que foi concebido sem aquele contato e oriundo de uma virgem, por obra do Espírito Santo’ (Comentário ao Salmo 118)”.

Verificando o “Comentário ao Salmo 118”, de Santo Ambrósio, verificamos que não apenas não diz isso, como também afirma o contrário:

“Vinde, pois, e descobri vossas ovelhas, não através de vossos servos ou empregados, mas fazei por vós mesmos. Erguei-me corporalmente e na carne, a qual decaiu por Adão. Erguei-me não por Sara, mas por Maria, a Virgem não apenas incorrupta como a Virgem a quem a graça tornou intacta, livre de qualquer mancha do pecado”. (Comentário ao Salmo 118,22-30).

Do latim :

“ut sit incorrupta virgo, sed virgo por gratiam ab omni integração labe peccati”

E também:

O primeiro impulso para aprender é inspirado pela nobreza do professor. Agora, quem poderia ser mais nobre do que a Mãe de Deus? Quem mais esplêndida do que ela, a quem o esplendor escolheu? Quem mais casta do que ela, que deu à luz um corpo sem contato corporal? O que eu deveria dizer, então, sobre todas as suas outras virtudes? Ela era virgem, não só no corpo, mas na mente dela também, e nunca misturou a sinceridade de suas afeições com duplicidade.” (Ambrósio, De virginibus 2,7; PL 16:220)

 

EUSÉBIO DE CESARÉIA

“Eusébio de Cesaréia (265-340), em Emiss. en Orat.2 de Nativ., disse: ‘Ninguém está isento da mancha do pecado original, nem mesmo a Mãe do Redentor do mundo. Apenas Jesus se encontrou isento da lei do pecado, mesmo tendo nascido de uma mulher sujeita ao pecado’”.

A obra de Harnack, “Altchrist. Lit.”, nas páginas 554 e seguintes, menciona a totalidade das obras de Eusébio de Cesárea:

1. A Vida de Pânfilo.

2. Um antigo Martirológio.

3. Dos Mártires da Palestina

4. A Crônica.

5. História Eclesiástica [10 livros].

6. Vida de Constantino (4 livros).

7. Contra Hierácles.

8. Contra Porfírio.

9. Preparatio Evangelica (15 livros).

10. Demonstratio Evangelica.

11. Preparatio Ecclesiastica.

12. Demonstratio Ecclesiastica.

13. Objeções e Defesas (2 livros).

14. A Teofania.

15. Da Genealogia dos Antigos.

16. Quinze cópias da Bíblia (Eusébio narra na “Vida de Constantino” (4,36,37) como foi comissionado pelo imperador a preparar 15 cópias da Bíblia para uso das igrejas de Constantinopla).

17. Sessões e Cânones.

18. Uma edição da Septuaginta

19. Um comentário bíblico formado por:

a) Interpretação etimológica dos vocábulos hebraicos nas Escrituras.

b) Cronografia dos Patriarcas da Judéia.

c) Uma planta de Jerusalém e do Templo.

d) Informações sobre os nomes e lugares nas Escrituras.

20. Nomenclatura sobre os Nomes dos Livros dos Profetas.

21. Comentários sobre os Salmos.

22. Comentário sobre Isaías.

23 a 28. Comentários sobre os diversos livros das Escrituras (perdidos)

29. Comentário sobre São Lucas (perdido).

30. Comentário sobre 1Coríntios (perdido).

31. Comentário sobre Hebreus (perdido).

32. Das Discrepâncias nos Evangelhos (2 livros).

33. Introdução à Teologia (perdido).

34. Apologia de Orígenes.

35. Contra Marcelo, bispo de Ancira.

36. Da Teologia da Igreja (restam apenas fragmentos).

37. Sobre a Festa da Páscoa (perdido).

38. Contra os Maniqueus (perdido).

39. Dedicação à Igreja de Tiro.

40. Carta a Constantino.

41. Da Sepultura do Salvador.

42. De Laudibus Constantini.

43. Oração dos Mártires.

44. Três Cartas:

a) a Alexandre de Alexandria.

b) a Eufrásio.

c) à Imperatriz Constância.

45. À Igreja de Cesaréia.

Como podemos perceber, não existe nada que possa ser abreviado como “Emiss. en Orat.2 de Nativ.” ao longo da lista de obras deste historiador.

Sua obras exegéticas foram perdidas em sua maior parte e nenhuma das que restam menciona a uma “Orat. de Nativ.”. Em outras palavras: não existe na obra [restante] de Eusébio nem um só comentário sobre a Natividade (que é ao que alude a citação, penso eu). Portanto, não podemos assumir que a citação [protestante] seja verdadeira.

TERTULIANO

– “Tertuliano, uma das maiores autoridades da Igreja cristã primitiva, advertiu contra esta suposição do nascimento de Maria. E, em acréscimo, sustentou que após o nascimento de Cristo, José e Maria mantiram uma vida conjugal semelhante a qualquer outro casal unido perante Deus em sagrado matrimônio”.

 

Tertuliano é reconhecido como um notável escritor eclesiástico, muito lido na Igreja Católica antes de abraçar a heresia denominada “Montanismo” e fundar, logo depois, sua própria seita (“Tertulianistas”). Chamá-lo “uma nas maiores autoridades da Igreja cristã primitiva” resulta, assim, bastante exagerado.

Pois bem. A citação ora abordada não contém a fonte e tampouco conseguimos encontrar algum texto de suas obras em que [Tertuliano] faz referência à imaculada conceição. Em suas obras, rejeita mais a virgindade de Maria no parto e após o parto. Escreve: “Ainda que fosse virgem quando concebeu, tornou-se mulher quando deu à luz” (De Carne Christi 23), entendendo assim que os “irmãos do Senhor” são filhos de Maria segundo a carne. Posteriormente, outro herege (Helvídio) o citou para apoiar sua rejeição à virgindade de Maria, recebendo de São Jerônimo a resposta: “No que se refere a Tertuliano, nada mais tenho a dizer que não era homem da Igreja”. Como quer que seja, não estamos analisando agora a posição dos Padres da Igreja acerca da virgindade de Maria, mas sim sobre a imaculada conceição. Com efeito, não encontramos nada que demonstre que a citação [protestante] seja verdadeira.

 

INOCÊNCIO III

– “O Papa Inocêncio III, no ano de 1226, disse: ‘Eva foi formada sem culpa e gerou na culpa; Maria foi formada na culpa e gerou sem culpa’ (De Festo Assump., Sermão 2)”

Não encontrei nenhuma obra de Inocêncio III chamada “De Festo Assump.” que possua um Sermão 2.

 

PAPA GELÁSIO

“O Papa Gelásio, no ano 492, escreveu: ‘Corresponde apenas ao Cordeiro Imaculado o não possuir pecado algum’ (Gelassii Papae Dicta, Tomo 4, Colossenses)”.

Outra citação bastante suspeita, pois não existe nem uma só forte que prove a existência de tal citação.

Ademais “Gelassii” não é nome de nenhum Papa e nem sequer existe essa palavra na forma latinizada.

Também o termo “Dicta” não existe em nenhum Dicionário de Latim-Espanhol. A obra que possui o título mais próximo é a “Dictatus Papae”, atribuída ao Papa Gregório VII (e não ao Papa Gelásio); porém, esta não diz nada parecido ao que a citação [protestante] afirma.

 

SANTO ANSELMO

Anselmo (1033-1109), arcebispo e doutor da Igreja, escreveu (OP.P.92): “Ainda que a concepção de Cristo tenha sido imaculada, não obstante a própria Virgem da qual nasceu tenha sido concebida na iniqüidade e nascida com o pecado original, pois ela pecou em Adão, assim como por ele todos pecaram…”

O que mais se aproxima da abreviação “OP.P.”, ligado a Santo Anselmo, é a obra “Opuscula Patrum”, que é um compêndio de Patrologia editado pela ed. Hurter da Alemanha em 1886 e que contém a obra de Santo Anselmo chamada “Monologium”.

Nessa obra não aparece em lugar algum o que foi citado no parágrafo anterior.

PAPA SISTO IV

“O próprio Papa Sisto IV, pertencente à ordem de Scoto, preferiu guardar uma prudente distância do debate e insistir que “nada foi decidido pela Igreja Romana e sé apostólica”. Em outras palavras, quase 1500 anos depois do nascimento de Maria, não existia nenhuma certeza de que sua concepção teria sido imaculada”.

Devemos objetar que esta afirmação esconde muitos acontecimentos que, se fossem mencionados, mostrariam que certamente o Papa Sisto IV estava em conformidade com a doutrina da imaculada conceição da Virgem, não querendo, simplesmente, pronunciar uma declaração dogmática a este respeito.

O autor desta citação [protestante], por exemplo, não diz que foi precisamente o mesmo Papa Sisto IV quem expediu um Decreto a 28 de fevereiro de 1476 adotando a Festa da Imaculada Conceição para toda a Igreja Latina, outorgando ainda uma indulgência a todos que assistissem os ofícios divinos da solenidade (Denzinger 734). Isto certamente era um reconhecimento implícito de seu apoio à doutrina:

“Quando indagando com devota consideração, esquadrinhamos as excelsas prerrogativas dos méritos com que a Rainha dos Céus, a gloriosa Virgem Mãe de Deus, erguida aos tronos eternos, brilha como estrela da manhã entre os astros (…), coisa digna – ou melhor, coisa devida, reputamos – é convidar todos os fiéis de Cristo, com indulgência e perdão dos pecados, a que dêem graças ao Deus todopoderoso (cuja providência, olhando ab aeterno para a humidade da mesma Virgem, com a preparação do Espírito Santo, a constituiu habitação de seu [Filho] Unigênito, para reconciliar com o seu Autor a natureza humana, sujeita pela queda do primeiro homem à morte eterna, tomando dea a carne de nossa mortalidade para a redenção do povo e permanecendo ela, não obstante, depois do parto, virgem sem mancha), dêem graças – dizemos – e louvores pela maravilhosa concepção da mesma virgem imaculada e digam, portanto, as missas e outros ofícios divinos instituídos na Igreja e a eles assistam, a fim de que com isso, pelos méritos e intercessão da própria Virgem, se tornem mais aptos para a divina graça” (Sisto IV, Constituição “Cum praeexelsa”, de 28.12.1476)

Contudo, isto não acalmou totalmente os debates sobre este tema e, então, publicou em 1483 uma Constituição que apenava com excomunhão todo aquele cuja opinião fosse apontada como heresia (Grave nimis, de 04.09.1483; cf. Denzinger 735). Repreendia, assim, todos aqueles que pregavam que pecava gravemente a pessoa que cresse que Maria fôra concebida sem mancha; repreendia ainda aqueles que acusavam de heresia os “maculadores”, por inexistir pronunciamento dogmático a esse respeito:

“Na verdade, não obstante a Igreja Romana celebrar solenemente a festa pública da conceição da imaculada e sempre Virgem Maria, bem como ter ordenado para isso um ofício especial e próprio, soubemos que alguns pregadores de diversas Ordens não se envergonham de afirmar até agora publicamente em seus sermões, ao povo de várias cidades e terras, e todo dia não páram de pregá-lo, que todos aqueles que creem e afirmam que a imaculada Mãe de Deus foi concebida sem mancha de pecado original cometem pecado mortal, ou que são hereges celebrando o ofício da mesma imaculada conceição, e que ouvindo os sermões daqueles que afirmam que foi concebida sem essa mancha pecam gravemente… Nós, pela autoridade apostólica, de acordo com as presentes, reprovamos e condenamos tais afirmações como falsas, errôneas e totalmente alheias à verdade e, igualmente, nesse ponto, os livros publicados sobre a questão… [Porém, repreende-se também aos que] se atreverem a afirmar que aqueles que mantêm a opinião contrária, isto é, que a gloriosa Virgem Maria foi concebida com pecado original, incorrem em crime de heresia ou pecado mortal, pois ainda não foi decidido pela Igreja Romana e Sé Apostólica…” (Sisto IV, Constituição “Grave nimis”, de 04.09.1483).

Com efeito, como se pode ver, as coisas não são como o autor da citação [protestante] dá a entender.

 

PAPA LEÃO I

“O Papa Leão I, no ano 440, afirmava: ‘Apenas o Senhor Jesus Cristo, entre os filhos dos homens, nasceu imaculado, porque apenas Ele foi concebido sem a associação e a concupiscência da carne” (De Nativ.Dom., Sermão 24)

No Sermão 24, Leão I não diz o que lhe atribuem. Basta ler (em inglês) aqui .

Na verdade, ele diz:

Neste Filho da Bem-Aventurada Virgem unicamente se produziu uma semente que foi bendita e livre da culpa de sua descendência. E cada um participa desta origem espiritual na regeneração; cada um, quando renasce – as águas do Batismo são como o ventre da Virgem – porque o mesmo Espírito Santo que preenche a fonte, preencheu a Virgem; o pecado que esta sagrada concepção derrotou, pode ser removido por esta água mística”.

Neste texto, São Leão considerava Maria como totalmente preenchida do Espírito Santo, vislumbrando semelhança com a água do batismo (libertadora do pecado) e o ventre de Maria.

A citação fornecida pelo autor [protestante] na verdade provém do Sermão 25, que obtivemos em latim:

“Agnoscat igitur catholica fides in humilitate Domini gloriam suam, et de salutis suae sacramentis gaudeat Ecclesia, quae corpus est Christi: quia nisi Verbum Dei caro fieret et habitaret in nobis, nisi in communionem creaturae Creator ipse descenderet, et vetustatem humanam ad novum principium sua nativitate revocaret, regnaret mors ab Adam (Rom. V, 14) usque in finem, et super omnes homines condemnatio insolubilis permaneret, cum de sola conditione nascendi, una cunctis esset causa pereundi. Solus itaque inter filios hominum Dominus Jesus innocens natus est, quia solus sine carnalis concupiscentiae pollutione conceptus. Factus est homo nostri generis, ut nos divinae naturae possimus esse consortes. Originem quam sumpsit in utero virginis, posuit in fonte baptismatis; dedit aquae, quod dedit matri; virtus enim Altissimi et obumbratio Spiritus sancti (Luc. I, 35), quae fecit ut Maria pareret Salvatorem, eadem facit ut regeneret unda credentem. Quid autem sanandis aegris, illuminandis caecis, vivificandis mortuis aptius fuit, quam ut superbiae vulnera humilitatis remediis curarentur? Adam praecepta Dei negligens, peccati induxit damnationem; Jesus factus sub lege reddidit justitiae libertatem. Ille diabolo obtemperans usque ad praevaricationem, meruit ut in ipso omnes morerentur; hic Patri obediens usque ad crucem, fecit ut in ipso omnes vivificarentur. Ille cupidus honoris angelici, naturae suae perdidit dignitatem; hic infirmitatis nostrae suscipiens conditionem, propter quos ad inferna descendit, eo dem in coelestibus collocavit. Postremo illi per elationem lapso dictum est: Terra es, et in terram ibis (Genes. III, 19); huic per subjectionem exaltato dictum est: Sede a dextris meis, donec ponam inimicos tuos scabellum pedum tuorum (Ps. CIX, 1)”.

A citação [protestante] apresentada corresponde ao texto:

“Solus itaque inter filios hominum Dominus Jesus innocens natus est, quia solus sine carnalis concupiscentiae pollutione conceptus”.

Porém, São Leão escreveu a sua homilia não enfocando Maria, mas atacando a heresia pelagiana. Isto porque, apesar dessas palavras, encontramos uma distinção entre “os filhos dos homens”, que o Papa menciona, e a Virgem Maria.

Recordemos ainda que no Ocidente a Mariologia não avançou nessa época em razão das invasões bárbaras, de modo que se aplica na conservação e difusão dos avanços já obtidos, entre os povos invasores, não avançando ainda mais na Teologia.

Por isso, se lemos os Padres dessa época, vemos que existe uma ambivalência: de um lado, falam sobre a universalidade do pecado original, da qual apenas Cristo se exclui (para que os bárbaros não caíssem na heresia de Pelágio); por outro lado, louvam a santidade e pureza de Maria.

Por exemplo, Fulgêncio, em “De ceritate praedest et gratiae Dei” livro 2, capítulo 2, nos diz praticamente a mesma coisa que São Leão Magno diz em seu Sermão 25,5. Porém, em uma outra obra, “Sermo 2, De duplici Nativ. Christi 6”, não deixa de admitir a absoluta santidade de Maria. Em um comentário sobre a saudação do Anjo à Maria, ele explica, com elevada precisão, o significado de “cheia de graça”, reconhecendo praticamente o que hoje se entende como sua imunidade para o pecado original (Sermo 36, De laudibus Mariae ex partu Salvatoris; PL 65:899C).

 

PAPA GREGÓRIO MAGNO

“O Papa Gregório Magno (540-604), comentando Jó 14:4, expressa que Jesus Cristo é o único que não foi concebido de sangue impuro e é verdadeiramente puro em sua carne”.

A “New Advent Encyclopedia” nos fornece a seguinte listagem das obras de São Gregório Magno: “Moralium Libri XXXV”; “Regulae Pastoralis Liber”; “Dialogorum Libri IV”; “Homiliarum in Ezechielem Prophetam Libri II”; “Homiliarum in Evangelia Libri II”; “Epistolarum Libri XIV”; “In Librum Primum Regum Variarum Expositionum Libri VI”; “expositio super Cantica Canticorum”; “Expositio in VII Psalmos Poenitentiales”; “Concordia Quorundam Testimoniorum S. Scripturae”

De todas estas, Gregório comenta o livro de Jó em “Moralium Libri XXXV”. Nessa obra, o texto que mais se aproxima da citação [protestante] é este:

“Vers. 4 – Quem poderá tirar a impureza do impuro? Ninguém. 70. Ele, que é unicamente puro por Si mesmo, é quem pode limpar as coisas impuras. O homem, que vive na carne corruptível, tem a imundície da tentação impressa em si, a qual pesa desde o seu nascimento. Por sua concepção, ao se dar pela satisfação carnal, é impuro. Por isso, o Salmista disse: ‘Eis que na maldade fui formado e no pecado me concebeu a minha mãe’ [Salmo 51,7]. É por essa razão que frequentemente é tentado até contra os seus desejos. Por isso é que ele está sujeito às impurezas de sua mente, mesmo quando se esforça contra elas; porque sendo concebido na impureza, mesmo depois de sua purificação, continua se esforçando para conseguir ser melhor do que é. Contudo, quem venceu os golpes das tentações ocultas e dominou as impurezas do pensamento nunca deve atribuir essa pureza a si mesmo, já que ninguém pode purificar alguma coisa concebida de semente impura, exceto Aquele que unicamente é puro por si mesmo. Visto que segundo o seu juízo já alcançou a pureza, deve colocar o seu olhar sobre a origem da sua concepção e, por conseguinte, se convencer a si mesmo que por sua própria força não tem qualquer pureza de vida, já que o começa da sua existência foi de maneira impura. Porém, o significado aqui, considerando que o bem-aventurado Jó estaria se referindo à Encarnação do Senhor, já que este foi o único Homem no mundo que não foi concebido de semente impura, Ele que veio ao mundo a partir do seio da Virgem, que em nada proveio de uma concepção impura. Ele não procede do homem e da mulher, mas do Espírito Santo e da Virgem Maria. Apenas Ele resultou ser verdadeiramente puro em sua carne, Ele que foi incapaz de ser afetado pela satisfação da carne, sendo que não foi pela satisfação da carne que Ele veio”.

Entretanto, este texto em particular não poderia ser usado para provar que o Papa Gregório Magno era contrário à perfeita santidade de Maria. Em primeiro lugar, porque no texto em questão, não afirma que ela fosse concebida de semente impura, mas que Cristo não o foi. Nem sequer afirma que somente Ele não o foi.

Ademais, a citação protestante foi alterada e truncada no que segue, pois fala sobre a Virgem Maria um pouco mais adiante:

“Porém, o significado aqui, considerando que o bem-aventurado Jó estaria se referindo à Encarnação do Senhor, já que este foi o único Homem no mundo que não foi concebido de semente impura, Ele que veio ao mundo a partir do seio da Virgem, que em nada proveio de uma concepção impura. Ele não procede do homem e da mulher, mas do Espírito Santo e da Virgem Maria. Apenas Ele resultou ser verdadeiramente puro em sua carne, Ele que foi incapaz de ser afetado pela satisfação da carne, sendo que não foi pela satisfação da carne que Ele veio”.

É muito interessante que, ao falar da concepção de Cristo, São Gregório menciona juntamente o Espírito Santo e Maria. A concepção de Jesus foi pura… porque procede do Espírito Santo e… de Maria. Se São Gregório pensasse que Maria era impura, então não a mencionaria juntamente com o Espírito Santo, nem faria distinção entre Maria e as demais mulheres.

 

SÃO TOMÁS DE AQUINO

Não é diferente no caso de São Tomás, ao encontrarem uma citação de São Tomás pondo em dúvida a Imaculada conceição de Maria, começam a fazer juízos e o mais jocoso é que utilizam-se desta mesma citação para dizer que a Imaculada conceição nunca foi crida até a idade média. Baseado nisto, analisaremos como uma única citação de São Tomás de Aquino não é o suficiente, nem é prova para dizer que ele negou a Imaculada conceição de Maria.

O Pensamento de São Tomás se divide em 3 estágios:

  1. Fase inicial (antes de 1254 – Comentário sobre Sentenças): São Tomás afirmou a Imaculada Conceição de Maria
  1. Fase intermediária (1254-1272 – Summa Theologiae): São Tomás negou a Imaculada Conceição de Maria
  1. Fase final (após 1272): São Tomás voltou para a sua fé na Imaculada Conceição de Maria

Vamos então analisar os escritos dele:

Na fase inicial 1253-1254, o início de sua carreira teológica: Ele apóia o privilégio, provavelmente por causa da tradição litúrgica que favoreceu isto, assim como por causa de sua admiração piedosa a perfeita santidade da Mãe de Deus. É neste período que ele escreveu:

Ao terceiro, respondo dizendo que se consegue a pureza pelo afastamento do contrário: por isso, pode haver alguma criatura que, entre as realidades criadas, nenhum seja mais pura do que ela, se não houver nela nenhum contágio do pecado; e tal foi a pureza da Virgem Santa, que foi imune do pecado original e do atual.” (I Sent., d. 44, q. 1, a. 3)

Este texto afirma, portanto, que Maria era tanto pura quanto a estava isenta de todo o pecado original e atual.

Na fase intermediária de sua vida, nega a imaculada conceição:

Como se verificou anteriormente, a Beata Virgem Maria tornou-se Mãe de Deus concebendo do Espírito Santo. Para corresponder à dignidade de um Filho tão excelso, convinha que ela também fosse purificada de modo extremo. Por isso, deve-se crer que ela foi imune de toda nódoa de pecado atual, não somente de pecado mortal, bem como de venial, graça jamais concedida a nenhum outro santo abaixo de Cristo… Ela não foi imune apenas de pecado atual, como também, por privilégio especial, foi purificada do pecado original. Convinha, contudo relembrar que o op é pandula, ser ela concebida com pecado original, porque foi concebida de união de dois sexos.” (CTh. c. 224)

Contudo na Fase final de sua vida e escritos por volta de 1273 reafirma a sua crença na imaculada conceição de Maria, no texto Expositio super Salutatione angelicae, quando já tinha mais ou menos 48 anos de idade:

“Ipsa enim purissima fuit et quantum ad culpam, quia ipsa virgo nec originale, nec mortale nec veniale peccatum incurrit”.

“Ela é, pois, puríssima também quanto à culpa, pois nunca incorreu em nenhum pecado, nem original, nem mortal ou venial”

Fica claro que a negação no meio de sua vida da Imaculada conceição de Maria veio por certos motivos teológicos, que podem ser explicados a medida que formos lendo a Suma teológica. Porém é certo que ele morreu crendo na Imaculada conceição da virgem Maria, o que é atestado em seus escritos mais tardios, o que derruba toda a teoria protestante de que um doutor católico tenha negado um dogma católico.

CONCLUSÃO

Com isto, não queremos negar que ao longo da História houveram alguns Padres da Igreja e Escritores Eclesiásticos que apresentaram dúvidas sobre a perfeita santidade de Maria (por exemplo, São Tomás de Aquino e São João Crisóstomo); certamente ocorreram debates quanto a este tema, como explica em detalhes os dois artigos que nos referimos inicialmente. Deve-se levar em conta as dificuldades para se harmonizar a universalidade do pecado original com a santidade perfeita de Maria e, enquanto a Igreja não se pronunciava de forma definitiva nesta questão, o juízo privado era permitido.

No entanto, esperamos que a análise destas citações sirva para um maior cuidado, pois na Internet existe muita informação falsa, adulterada e, muitas vezes, fora de contexto, cometendo-se frequentemente o erro de se assumir por verdade o que se encontra na Internet. O problema costuma a aumentar quando outras pessoas tomam essas citações e as incorporam em novos estudos sem antes verificar sua precisão, criando assim um círculo vicioso distorcido da História.

As citações que me foram enviadas aparecem em muitas páginas de apologética protestante e frequentemente são usadas por debatedores protestantes nos Fóruns de Discussão da Internet.

Autor: Alex Grandet
Colaborador: José Miguel Arráiz.
Tradução: Carlos Martins Nabeto

Increntos adicionais: Rafael Rodrigues
Fonte:
http://www.apologeticacatolica.org

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