Tradução: João Guilherme Pianezzola; Fonte original: Did Pope Agatho teach papal infallibility on his dogmatic epistle accepted by the 6th Ecumenical Council? (erickybarra.org).
Durante o século VII, o erro do monotelismo, a crença de Cristo possui somente uma única vontade atuante, infestou as grandes igrejas do Oriente no Império Romano. Passos para resolver esse problema foram dados através dos esforços de Sofrônio de Jerusalém, Máximo, o Confessor e o Papa Martinho. O Concílio de Latrão (649) condenou oficialmente esse erro e serviu para carimbar a posição de Roma sobre o assunto a partir de então. Em 680 o imperador bizantino Constantino VI buscou a participação do Bispo de Roma para a resolução da disputa no Oriente. Duas cartas significativas foram levadas a Constantinopla, uma escrita pelo próprio Papa ao imperador e outra epístola em nome do sínodo dos bispos realizado em Roma, que reuniu-se para voltar a abordar a questão doutrinal. Ambas as cartas são dogmáticas e foram lidas em voz alta pelos bispos no Concílio Ecumênico que se reuniu em Constantinopla em 681. Preocupo-me aqui exclusivamente com a própria epístola dogmática de Agatão ao imperador, uma vez que é este texto que contém a mais clara afirmação, vinda antes do Formulário do Papa Hormisdas, sobre a infalibilidade dos bispos de Roma.
Isso é particularmente significativo, uma vez que o VI Concílio não apenas leu a epístola e aceitou-a por unanimidade, tal como ela tinha sido escrita, mas também celebrou-a como um texto escrito sob a orientação divina que Cristo prometeu a São Pedro e seus sucessores. Contudo, alguns questionaram isso tudo, insistindo em uma variedade de diferentes pontos para negar que Agatão fez tais reivindicações papais extremas, e ainda mais que o Concílio as aceitou.
Existem algumas maneiras diferentes de distorcer as afirmações de tal modo que a descrição de Roma que faz Agatão não seja uma reivindicação a um ofício docente infalível divinamente instituído, mas simplesmente um acidente contingente que todavia merece a linguagem pomposa por razões relacionadas à superioridade moral, um respeito pela antiguidade de Roma como o lugar onde os principais apóstolos foram martirizados, ou algum outro floreio acidental que não seja intrínseco à estrutura da Igreja de Cristo. Eu tenho um próximo artigo dedicado a examinar outras implicações que resultam da epístola dogmática de Agatão, mas aqui eu prefiro resolver a questão sobre o que é precisamente comunicado pelo Papa sobre o ministério especial da Sé de Pedro.
O texto principal em que Agatão afirma a infalibilidade dos pontífices romanos que sucedem a Pedro é citado abaixo, retirado da obra Post-Nicene Fathers of the Christian Church (2ª série) editada por Philip Schaff e Henry Wace, que também está disponível no artigo Third Council of Constantinople do site New Advent (link aqui). No link para o New Advent, pode-se ler a carta de Agatão na íntegra traduzida para o inglês, e embora não seja necessário, recomendo fortemente ao leitor que vá e imprima, leia com atenção, faça anotações e depois leia o meu artigo.
Pois esta é a regra da verdadeira fé, que esta mãe espiritual de vosso tranquilíssimo império, a Igreja Apostólica de Cristo, sempre sustentou e defendeu com energia, tanto na prosperidade como na adversidade; que, será provado pela graça de Deus todo-poderoso, nunca se desviou do caminho da tradição apostólica, nem foi depravada por ceder a inovações heréticas, mas desde o início ela recebeu a fé cristã de seus fundadores, os príncipes dos apóstolos de Cristo, e permanece imaculada até o fim, de acordo com a promessa divina do próprio Senhor e Salvador, que ele proferiu nos santos evangelhos ao príncipe de seus discípulos, dizendo: “Pedro, Pedro, eis que Satanás desejou ter-te, para peneirar-te como trigo; mas eu orei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E quando fores convertido, fortalece teus irmãos.” Considere, pois, Vossa sereníssima Clemência, visto que é o Senhor e Salvador de todos, dono de nossa fé, que prometeu que a fé de Pedro não falharia e o exortou a fortalecer seus irmãos, o quanto é conhecido por todos que os pontífices apostólicos, os predecessores da minha pequenez, sempre fizeram isso com confiança; de quem também nossa pequenez, visto que recebi este ministério por designação divina, deseja ser seguidora, conquanto desigual a eles e a menor de todas.
Ninguém pode razoavelmente negar que aqui Agatão está afirmando que a “Igreja Apostólica de Cristo” é preservada de todos os erros em todos os tempos, até o fim do mundo. Este dom de infalibilidade é dito por Agatão ser fornecido em uma promessa muito precisa que o Senhor Jesus Cristo deu ao apóstolo Pedro em sua citação do evangelho segundo São Lucas. Esta promessa, referida doravante como a promessa de Lucas, era especificamente que a fé do apóstolo não vacilaria, mas duraria para sempre. Também vem com uma missão específica, isto é, a missão lucana, que é o dever de fortalecer seus irmãos para que também eles sejam fortes na fé.
Dedutivamente, Agatão está reivindicando duas coisas a partir desta promessa. A primeira é que a fé de Pedro certamente não falhará porque é divinamente garantido que não isso não ocorrerá em todos os tempos e, em segundo lugar, que Pedro tem o dever de fortalecer as ovelhas espirituais de Cristo, ou seja, toda a fraternidade dos crentes em Cristo. Agora, a primeira pergunta a fazer é se por “Igreja Apostólica de Cristo” (apostolica christi ecclesiae) Agatão quer dizer a Igreja Católica mundial, ou seja, a soma de todos os crentes em Cristo, ou especificamente a Igreja Romana. É essa questão que o presente artigo se ocupará em responder por primeiro.
O leitor notará que Agatão não apenas se referiu à Igreja como “Apostólica de Cristo” mas também chamou-a de “mãe espiritual do vosso mais tranquilo império”, ao dirigir-se ao imperador. O que temos aqui, então, é uma equação entre a Igreja Apostólica de Cristo e esta mãe espiritual. Será útil, para compreender melhor o que Agatão quis dizer na situação acima, ver as várias maneiras em que ele usa essa terminologia em sua carta. É no início da carta a primeira vez que o termo “mãe espiritual” é mencionado, onde Agatão explica como ele comissionou homens de sua companhia para servir como representantes do Ocidente para prestar auxílio no Concílio de Constantinopla. O texto diz o seguinte:
Portanto, senhores e filhos cristãos, de acordo com o mais piedoso comando de sua clemência protegida por Deus, tivemos o cuidado de enviar com devoção de um coração piedoso (…) nossos servos companheiros aqui presentes, Abundantius, João, e João, nossos reverendos irmãos bispos, Teodoro e Jorge, nossos filhos e presbíteros amadíssimos, com nosso amado filho João, um diácono, e com Constantino, um subdiácono desta sagrada mãe espiritual, a Sé Apostólica (subdiacono sanctae hujus spiritualis matris apostolicae sedis), bem como Teodoro, presbítero legado da sagrada Igreja de Ravena e os religiosos servos de Deus, os monges.
Aqui, Agatão descreve claramente a Sé Apostólica, que ninguém argumenta ser diferente da Igreja Romana, como uma “santa mãe espiritual”. Simplesmente não poderia ser que, no meio da descrição dos legados do clero de Roma e Ravena, Constantino pudesse ser considerado subdiácono de toda a Igreja Católica mundial. Portanto, temos uma afirmação clara de que a Igreja Romana é uma mãe para com as outras. Na mesma seção, o Papa prossegue com mais informações sobre seus legados:
A estes mesmos comissários demos também o testemunho de alguns dos Santos Padres, que esta Igreja Apostólica de Cristo acolhe [quos haec apostolica Christi ecclesia suscipit], juntamente com os seus livros, para que, tendo obtido pelo poder de seu benigníssimo cristianismo o privilégio de insinuar, eles possam fora deste esforço dar satisfação (quando vossa Mansidão imperial assim ordenar) para o que esta Igreja Apostólica de Cristo, mãe espiritual deles e de vosso divino império [quid haec spiritualis mater eorum ac a Deo propagate imperii apostolica Christi ecclesia], acredita e prega, não em palavras de eloquência mundana (…) mas que demonstram esta tradição da Sé Apostólica [sed traditionem hujus apostolicae sedis] com toda a sinceridade com que foi ensinada pelos pontífices apostólicos, que foram nossos predecessores.
Continuando sua descrição dos homens que ele está enviando para representar Roma no Concílio, Agatão afirma que os equipou com “o testemunho dos Santos Padres”, que é uma clara referência às citações patrísticas que estão incluídas em suas cartas, dadas por ele para serem lidas em voz alta no Oriente. Porém, ele acrescenta que tais Padres são aqueles que “esta Igreja Apostólica de Cristo acolhe”. Isso dificilmente faz referência a toda a Igreja universal, embora pudesse ser. O uso de “esta” (haec) torna menos adequado ser uma referência à Igreja universal. É muito mais provável que Agatão esteja falando em nome da Igreja Romana e do que ela recebe. Isso é confirmado pela segunda ocorrência de “Igreja Apostólica de Cristo”, porque Agatão prevê que os homens enviados em missão pregariam o que Roma defende, e é dito que isso é o que “esta (haec) mãe espiritual”, a “Igreja Apostólica de Cristo” acredita e prega. Embora se possa dizer que aqui Agatão simplesmente deseja dizer que os legados papais representarão a Igreja universal, é mais apropriado que, por sua vocação como legados de Roma, eles representem a crença e o ensino da Sé Apostólica de Roma, e é precisamente isso que é confirmado mais abaixo na última frase da citação acima, onde Agatão diz que os legados estarão representando a tradição da Sé Apostólica. A Igreja Romana, portanto, está sendo aqui referida como a mãe espiritual do Império Romano, também sendo a “Igreja Apostólica de Cristo”. Mais adiante na epístola, Agatão novamente faz referência à “mãe” e à “Igreja de Cristo”, onde se lê: “Esta é a tradição apostólica e evangélica que a mãe espiritual do vosso império felicíssimo, a Igreja Apostólica de Cristo, mantém.”
O próximo texto a se observar inclui uma forte indicação de que Agatão entende que a promessa de Jesus a Pedro pertence, de forma única, à Igreja Romana:
E, portanto, eu lhe imploro com o coração contrito e com rios de lágrimas, com a mente prostrada, digna-te a estender a tua mão direita clementíssima à doutrina apostólica que o colaborador das suas obras piedosas, o bendito apóstolo Pedro, entregou, para que não seja escondida debaixo do alqueire, mas que seja pregada em toda a terra mais estridente do que um clarim: porque a verdadeira confissão, pela qual Pedro foi declarado bendito pelo Senhor de todas as coisas, foi revelada pelo Pai dos céus, pois recebeu do Redentor de tudo, por meio de três recomendações, o dever de alimentar as ovelhas espirituais da Igreja; sob cujo escudo protetor, esta sua Igreja Apostólica jamais se desviou do caminho da verdade na direção do erro (haec apostolica ejus ecclesia nunquam in via veritatis in qualibet erroris parte deslexa est), cuja autoridade, como a do príncipe de todos os apóstolos, toda a Igreja Católica (omnis catholica ecclesia) e os Sínodos Ecumênicos abraçaram fielmente, e é seguida em todas as coisas; e todos os veneráveis Padres abraçaram sua doutrina apostólica, através da qual eles, como as luminárias mais aprovadas da Igreja de Cristo, brilharam; e os santos doutores ortodoxos a veneraram e seguiram, enquanto os hereges a perseguiram com falsas criminações e ódio deprecativo.
Esta passagem é especialmente significativa, pois Agatão aqui diz claramente que a Igreja Romana, ou seja, a “sua [de Pedro] Igreja Apostólica”, está divinamente protegida sob o “escudo protetor” de Pedro, que atua sob o dever de alimentar as ovelhas espirituais de Jesus Cristo, cumprindo assim a missão joanina de Pedro como aquele que deve pastorear o rebanho. Assim, Pedro cumpre seu dever preservando “sua Igreja”, a Igreja Apostólica Romana, de todo erro, para que “toda a Igreja Católica” de Cristo siga sua autoridade. Não é isso que Agatão afirma? Há uma diferença clara entre “esta sua [de Pedro] Igreja Apostólica” e “toda a Igreja Católica”, e é a primeira que está protegida do erro primariamente, visto que é a Igreja de Pedro; contudo isso serve para o propósito maior de alimentar os demais, ou seja, toda a Igreja, e é por isso que Agatão diz que toda a Igreja Católica, os Concílios Ecumênicos e até os Padres da Igreja seguiram a autoridade da Igreja de Pedro.
Assim, vemos que a instituição divina da primazia em Pedro tem dupla natureza, a saber, a de que a fé de Pedro não falharia e a de que ele daria suporte contínuo à irmandade dos crentes em Cristo. Isso é aplicado por Agatão na inerrância da Igreja Romana e como ela conduziu a casa da verdade apostólica até o momento em que Agatão estava escrevendo.
A próxima passagem da epístola dogmática de Agatão faz ecoar a anterior:
Quem não odeia, se enfurece e não evita tais erros cegos, se tem algum desejo de ser salvo e procura oferecer ao Senhor em sua vinda uma fé correta? Portanto, a Santa Igreja de Deus, a mãe de sua cristianíssima potestade, deve ser liberada e libertada com todas as suas forças (com a ajuda de Deus) dos erros de tais professores, e a retidão evangélica e apostólica da fé ortodoxa, que foi estabelecida sobre a rocha firme desta Igreja do abençoado Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, que por sua graça e tutela permanece livre do erro, [essa fé eu digo que] todos os governantes e sacerdotes, clero e povo, devem confessar e pregar conosco como a verdadeira declaração da tradição apostólica, a fim de agradar a Deus e salvar suas próprias almas.
Aqui, Agatão se refere claramente à “Santa Igreja de Deus” como a Igreja universal, e então chama esta Igreja universal de “mãe” do Império Romano, e então há claramente alguma flexibilidade no que Agatão entende por mãe. A imagem é de uma mãe que alimenta, amamenta e cuida dos seus filhos. Isso poderia se aplicar facilmente à Sé Apostólica por seu ministério especial e único de alimentar o rebanho universal sob a autoridade de Pedro, ou poderia se referir à Igreja universal como o povo de Deus. Ambas servem ao Império, em certo sentido. Mas observe-se o que Agatão diz logo em seguida. Mais uma vez, a Igreja universal mundial deve ser libertada de todos os erros através do acordo com a “rocha firme” da “Igreja do abençoado Pedro” (Roma) que “permanece livre de todo erro”. Isso ecoa a passagem de Mateus (Mt 16:16-19) da vocação de Pedro como a rocha fundamental. A mesma imagem de antes, onde toda a Igreja segue a Igreja de Pedro, porque é dessa Igreja que as prerrogativas especiais dadas a Pedro por Cristo continuam na autoridade de seus sucessores.
A próxima passagem serve para corroborar as citações já fornecidas. Aqui, Agatão implora a todo aquele que discorda da Sé Apostólica para se afastar do erro e ser salvo. Não devem “fazer-se estrangeiros da nossa comunhão, isto é, da comunhão do beato Pedro Apóstolo (consortio, imo beati Petri apostoli), cujo ministério nós, embora indignos, exercemos, e pregamos a fé que ele transmitiu, mas devem, junto conosco, orar a Cristo Senhor, o sacrifício imaculado, pela estabilidade de seu mais forte e sereno Império”. Mais uma vez, Agatão se refere ao ofício do Bispo de Roma como o do ministério petrino para toda a Igreja. A comunhão e o ministério de Pedro existem no Bispo Romano.
A partir dessas observações, podemos ver que as terminologias de “mãe espiritual” ou “Igreja Apostólica de Cristo” podem ser entendidas como significando a Igreja universal ou a Igreja Romana, e contextos específicos sozinhos podem realmente determinar se é um caso ou outro. Mas vamos voltar ao texto básico que claramente reivindica a infalibilidade divina para os bispos de Roma:
Pois esta é a regra da verdadeira fé, que esta mãe espiritual de vosso tranquilíssimo império, a Igreja Apostólica de Cristo, sempre sustentou e defendeu com energia, tanto na prosperidade como na adversidade; que, será provado pela graça de Deus todo-poderoso, nunca se desviou do caminho da tradição apostólica, nem foi depravada por ceder a inovações heréticas, mas desde o início ela recebeu a fé cristã de seus fundadores, os príncipes dos apóstolos de Cristo, e permanece imaculada até o fim, de acordo com a promessa divina do próprio Senhor e Salvador, que ele proferiu nos santos evangelhos ao príncipe de seus discípulos, dizendo: “Pedro, Pedro, eis que Satanás desejou ter-te, para peneirar-te como trigo; mas eu orei por ti, para que a tua fé não desfaleça. E quando fores convertido, fortalece teus irmãos.” Considere, pois, Vossa sereníssima Clemência, visto que é o Senhor e Salvador de todos, dono de nossa fé, que prometeu que a fé de Pedro não falharia e o exortou a fortalecer seus irmãos, o quanto é conhecido por todos que os pontífices apostólicos, os predecessores da minha pequenez, sempre fizeram isso com confiança; de quem também nossa pequenez, visto que recebi este ministério por designação divina, deseja ser seguidora, conquanto desigual a eles e a menor de todas.
Em primeiro lugar, as aberturas que referenciam tanto “mãe espiritual” quanto “Igreja Apostólica de Cristo” podem significar tanto Roma quanto a Igreja universal, mas Agatão usou ambas de modo significativo para se referir a Roma anteriormente na mesma carta.
Em segundo lugar, quando ele descreve a Igreja Apostólica de Cristo como tendo sido preservada de todos os erros, tal foi afirmado duas vezes na mesma carta sobre a Igreja Romana especificamente, o que certamente favorece que o que Agatão tem em mente aqui é a Igreja Romana.
Em terceiro lugar, a “Igreja” a que ele se refere é dita por ele ter “fundadores”, os “príncipes dos Apóstolos”, uma referência óbvia a São Pedro e São Paulo. Agora, não estou ciente de nenhuma declaração dos Padres que diga que Pedro e Paulo fundaram a Igreja Católica mundial. No entanto, estou ciente de muitas declarações dos Padres que afirmam que esses dois apóstolos fundaram a Igreja Romana, e essa parece ser a posição da antiguidade.
Quarto, e por último, Agatão traça uma linha reta, da causa para o efeito, da promessa de Jesus de que a fé de Pedro não falhará, e da infalibilidade perpétua da “Igreja Apostólica de Cristo”. As outras ocorrências na carta onde Agatão diz que a Igreja Romana foi preservada de todos os erros, afirma-se que foi por causa do “escudo protetor” e da “tutela” de Pedro, a quem o Senhor deu o dever de alimentar as ovelhas de Cristo. E assim, mesmo que a “Igreja Apostólica de Cristo” fosse interpretada como a Igreja universal mundial, a promessa de sua indefectibilidade está alicerçada na rocha firme da Igreja de Pedro, como Agatão disse em outra parte da mesma carta, que a própria Igreja é preservada de todo erro para cumprir a obrigação petrina de alimentar e fortalecer os irmãos. É preciso ver que esta interpretação é certa pelo simples fato de que Agatão encontra a infalibilidade da Igreja (quer interpretando-a como a Igreja Romana ou a Igreja universal) na promessa de fé inabalável em Pedro. A fé infalível de Pedro deve entrar em sintonia com a Igreja (seja romana ou universal) de alguma forma. E de que maneira Agatão nos disse que isso acontece? Acontece por meio da Igreja Romana herdar as prerrogativas de Pedro, de forma que a Igreja Romana é a Igreja de Pedro por meio da qual se exerce sua vocação, comunhão e ministério único. Essa é a reivindicação repetida por Agatão uma e outra vez. É precisamente assim que Agatão a interpreta nesta mesma passagem, uma vez que ele citou a promessa de Cristo a Pedro, ele passa a dizer que os “Pontífices Apostólicos”, isto é, os bispos de Roma, fortaleceram continuamente os irmãos. Mas se Agatão traça uma linha reta desde a missão original de Pedro para fortalecer a Igreja até a missão dos Romanos Pontífices, isso deve ser apenas porque ele também traça uma linha reta da fé infalível de Pedro à fé infalível dos Romanos Pontífices. Verdadeiramente, a oração pela fé infalível é o que fundamentou o encargo de Cristo a Pedro para fortalecer seus irmãos e, portanto, este elemento de fé infalível, junto com o dever de alimentar e fortalecer, deve continuar nos sucessores de Pedro no episcopado romano. Por esta construção temática, podemos ver como todas as missões de Lucas, João e Mateus convergem no Bispo de Roma. E assim, a título de conclusão, o que “Igreja Apostólica de Cristo” realmente se refere, seja ela a Igreja universal ou a romana, realmente não é a questão decisiva, visto que a infalibilidade papal é ensinada com qualquer um dos significados, mas é certamente preferível, por meio da lógica e da razão sã, que Agatão pretenda em nossa passagem primária não Igreja Católica mundial, mas a Igreja Apostólica de Roma, a Igreja de Pedro que recebe a promessa de Pedro.
Nota final: O leitor que está familiarizado com este Concílio saberá que um ocupante da Sé Apostólica, Honório, foi anatematizado por defender a heresia monotelita. Polêmicos anglicanos e ortodoxos têm insistido contra as afirmações de Agatão de que “Honório foi condenado como herege!” como se isso resolvesse o assunto. Como eu disse no início, um próximo artigo aborda esse enigma, mas deve ser entendido que o Concílio aceitou solenemente a carta de Agatão como dogmática. Basta dizer, então, que enquanto alguém gritar: “Honório foi condenado por heresia! Do que mais você precisa?!”, alguém poderia simplesmente responder: “Mas o Concílio adotou a carta de Agatão como se fosse sua, e ela ensina a infalibilidade papal!”. A única maneira de lidar com essa aparente contradição é permitir uma extensa investigação.