Sábado, Dezembro 21, 2024

O nascimento da Igreja – A. D. Sertillanges

A Igreja, em Deus, é eterna – primeiro pensamento incluso no Verbo que será um dia o seu chefe, primeiro amor no Espírito que um dia lhe será a alma.

Em Cristo, o homem universal, a Igreja é também universal e, por conseguinte, onitemporal. Mas essa existência que atravessa todos os tempos não se manifesta nelas sempre da mesma maneira. Há um centro de atração que faz convergir os seus diversos estados para isso a que, com S. Paulo, chamamos de plenitude dos tempos, a saber, a vida histórica de Cristo, distinta da sua vida intemporal ou de influência.

Antes do seu nascimento, preparava-se e esperava-se o Cristo; depois, a humanidade vive dEle e desenvolve-lhe a obra. Assim com a vida religiosa, hoje em dia, não seria o que é se Cristo não tivesse vindo, assim também a vida religiosa dos séculos antecristãos não teria sido o que foi se Cristo não devesse ter vindo. E, enfim, já que tudo se subordina a essa obra, pode-se dizer que Cristo criou a história tanto para o passado como para o futuro. Sucede como se “no oceano das idades” – como teria dito o nosso Lamartine, – houvesse caído um imenso rochedo. A ondulação prossegue nos dois sentidos, e todo o mar vibra, sob a luz repercutida pelos milhões de espelhos que são as consciências dos homens.

Tal é o ponto de vista que desenvolvíamos no capítulo precedente, e que nunca se deve esquecer quando se trata da Igreja. O cristão individual tem toda razão de se lembrar disso, pois também é homem de todos os tempos, enraizado no Antigo Testamento, desabrochado no Novo, homem de hoje, de ontem e de amanhã, pelo simples fato de ser da Igreja.

Deixando agora de lado os efeitos retroativos da vinda de Cristo, temos de lhe estudar os efeitos imediatos, enquanto aguardamos os seus efeitos ulteriores.

Esta maneira de exprimir-nos mostra em que sentido se deve tomar o nosso título “O nascimento da Igreja”. Não se trata de um começo absoluto, como se, antes, a Igreja absolutamente não houvesse existido. De certa maneira, ela existia em alma e em corpo. Em alma, visto como o Espírito, que lhe faz todo o valor, trabalhava; em corpo, visto como o embrião judaico, concedido ao banho nutritivo das civilizações religiosas ou seculares do mundo antigo, era bem autenticamente o seu corpo antecipado.

Não era isso uma razão para que a Igreja não tivesse de nascer. Nós também nascemos depois de termos vivido no seio de nossas mães e fincado as nossas origens no coração das gerações.

Cristo, dado ao homem por uma vontade eterna, vontade que tivera consequências espirituais desde sempre, e mesmo, não me posso cansar de repeti-lo, consequências históricas, o próprio Cristo, digo, desta vez ia revestir a existência histórica, surgir das suas preparações e encetar o futuro.

Foi em Belém, numa manjedoura de ruminantes, sob um abrigo de natureza em pleno céu, em face de uma planície constelada de humildes fogos, porém dominada por aqueles outros fogos que Abraão contemplava como símbolos de sua raça, foi aí que, premido pelo amor, propondo-o Deus e aceitando- o homem na pessoa de uma pureza e de uma humanidade todo-poderosas, foi aí que o fruto maduro da história aí irrompeu. O grão do futuro, a esperança alimentada pelos séculos lá estava, sob a forma de uma criança que uma mãe, fecunda por obra do Espírito universal, amamentava.

Esse seio de virgem não era porventura a figura da humanidade em trabalho, elaborando uma comida que o Cristo coletivo, a Igreja, absorveria em breve, para crescer? Enquanto isso, o minúsculo Filho do Homem vivia dessa comida, ele primeiro de seus irmãos, diz o Apóstolo, primeiro a ser nutrido da medula do passado, humanidade nova e antiga por ele só, a título de Filho do Homem, a título de segundo Adão, mas trazendo em si o que podia renovar, já que criara, trazendo em si a plenitude da própria divindade.

Por toda parte a humanidade procurava outrora o seu Deus: nesse dia, se seus olhos pudessem ter-se aberto, ela o teria contemplado em si mesma. Esse Deus, que a envolvia desde sempre de uma influência ativa, mas parcial ainda e pouquíssimo reconhecida, furara um ponto “a parede” (Ezequiel, VIII, 8); irrompera a massa humana e, pela deificação pessoal de um de nós, começava a operar a deificação coletiva.

Os potentados da antiguidade, quer se chamassem Ptolomeu, Antíoco, Augusto ou mesmo Nero, viam anunciar e saudar o nascimento deles como o inicio de uma idade áurea, como o penhor de uma felicidade a vir sobre a terra. Aqui, a verdade substitui-se às ficções, e a idade de ouro eterna, definida pela síntese de Deus e do homem na religião autêntica, acaba de achar o seu instrumento substancial. Jesus será o ponto de ligação, o elo intermediário, semi-humano, semi-divino, que unirá o que se trata de unir. Como repreender-se-á que ele diga em seguida: “Ninguém vem ao Pai senão por mim” (João, XIV, 6), e reciprocamente: “Ninguém pode vir a mim se meu Pai não o atrair” (João VI, 44).

O nascimento da Igreja será, pois, de certo modo, o nascimento de Cristo, visto haver identidade solidária entre o grup

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