Quinta-feira, Novembro 21, 2024

O Massacre das Bruxas de Salem: Um Episódio Sombrio na História do Puritanismo Protestante

O Massacre das Bruxas de Salem, ocorrido entre 1692 e 1693 na colônia de Massachusetts, é um dos episódios mais infames da história colonial americana. Este evento foi marcado por uma série de julgamentos e execuções de pessoas acusadas de bruxaria, refletindo o medo e a histeria dos puritanos protestantes. Os puritanos, desempenharam um papel central nesse episódio, influenciando e, em muitos casos, instigando as ações que levaram ao derramamento de sangue.

Os puritanos eram um grupo de protestantes ingleses que buscavam “purificar” a Igreja Anglicana de práticas que consideravam corruptas e contrárias às escrituras. Bucavam parecer o mínimo com o que eles chamavam de “papistas”, a exemplo de criticarem receber a comunhão de joelho e as vestimentas de seus pastores com trajes e batinas religiosas. Eles emigraram para o Novo Mundo em busca de liberdade religiosa (liberdade que eles não concediam aos outros) e estabeleceram colônias que refletiam seus ideais teocráticos com forte influência do calvinismo. Na Nova Inglaterra, especialmente em Massachusetts, os puritanos formaram uma sociedade profundamente religiosa e governada por leis que refletiam sua interpretação estrita da Bíblia.

A Influência da Igreja Puritana

A igreja puritana de Salem estava no centro da vida comunitária. Seu papel não era apenas espiritual, mas também político e social. Os ministros puritanos eram figuras de autoridade e respeito, e suas palavras tinham grande peso sobre as ações dos colonos. A crença em Satanás e na bruxaria era profundamente enraizada na doutrina puritana, que via o mundo como um campo de batalha entre as forças de Deus e do Diabo.

Segundo Mary Beth Norton:

“a fé puritana era fundamentalmente uma religião de medo, onde Satanás e seus demônios estavam sempre à espreita, prontos para capturar almas incautas”.

Início das Acusações

O início das acusações de bruxaria em Salem pode ser rastreado até janeiro de 1692, quando Betty Parris e Abigail Williams, filhas do reverendo Samuel Parris, começaram a exibir comportamentos estranhos e inexplicáveis. Os médicos da época, incapazes de encontrar uma causa física para os sintomas, concluíram que as meninas estavam sob influência de bruxaria. Pressionadas, elas começaram a apontar pessoas da comunidade como responsáveis por suas aflições.

O Papel do Reverendo Samuel Parris

O reverendo Samuel Parris, líder espiritual de Salem, foi uma figura central nos acontecimentos. Sua pregação fervorosa contra as forças do mal e sua rápida aceitação das acusações de bruxaria ajudaram a alimentar a histeria coletiva. Parris utilizou sua posição para legitimar os julgamentos e as condenações, consolidando o medo de bruxaria entre os colonos.

Paul Boyer e Stephen Nissenbaum argumentam que:

Parris, com sua pregação insistente sobre os perigos da bruxaria, criou um ambiente onde as suspeitas e as acusações se tornaram quase inevitáveis”.

O Tribunal de Oyer and Terminer

Em maio de 1692, o governador William Phips estabeleceu um tribunal especial, o Tribunal de Oyer and Terminer, para julgar os casos de bruxaria. O tribunal era composto por juízes que também eram membros da igreja puritana, como Samuel Sewall e William Stoughton. As acusações eram frequentemente baseadas em “evidências espectrais”, evidências baseadas em exames periciais carentes de fundamento ou método científico, como a existência de verrugas ou defeito no corpo que indicavam bruxaria, ou até mesmo testemunhos de que os espíritos dos acusados haviam aparecido aos acusadores em visões ou sonhos.

As Execuções e o Fim da Histeria

Ao longo do período de julgamentos, mais de 200 pessoas foram acusadas de bruxaria. Destas, 30 foram consideradas culpadas, e 19 foram enforcadas. Além disso, vários outros morreram na prisão ou como resultado das condições brutais de encarceramento. As execuções foram realizadas de maneira pública e frequentemente brutal.

Marion L. Starkey descreve uma dessas execuções:

Os corpos das vítimas foram deixados pendurados por um longo tempo, balançando ao vento, antes de serem cortados e enterrados em covas rasas”.

Outro relato chocante é o de Giles Corey, que se recusou a declarar-se culpado ou inocente. Ele foi submetido a uma forma de tortura chamada “pressing“, na qual pesadas pedras foram colocadas sobre seu corpo até que ele morresse. Carol F. Karlsen relata:

A tortura de Giles Corey e a subsequente morte permaneceram como um dos exemplos mais cruéis e desumanos da histeria das bruxas de Salem”.

A histeria começou a diminuir quando figuras proeminentes, como o reverendo Increase Mather que era a favor dos julgamentos, começaram a criticar publicamente o uso de evidências espectrais. Increase Mather declarou: “Melhor que dez bruxas escapem do que uma pessoa inocente seja condenada“. Este tipo de declaração ajudou a mudar a opinião pública e enfraquecer a base para as acusações de bruxaria.

Em outubro de 1692, o governador Phips dissolveu o Tribunal de Oyer and Terminer e, eventualmente, todas as acusações pendentes foram anuladas.

CONCLUSÃO


O Massacre das Bruxas de Salem permanece um lembrete sombrio dos perigos do fanatismo religioso e da histeria coletiva dos puritanos. Os puritanos deixaram um legado que reflete inclusive nos protestantes brasileiros, como a repulsa a bebidas alcoólicas, músicas e arte secular e práticas consideradas “impuras” ou “do mundo”. A igreja puritana, com sua influência omnipresente na vida dos colonos, foi um catalisador crucial para os eventos que se desenrolaram.

Este caso não se trata de um caso isolado, em todos os estados onde o calvinismo tinha influências as “bruxas” eram sistematicamente caçadas, como relata o historiador Paul Jhoson:

Além disso, ambos católicos e reformadores tenderam a caçar bruxas, como eles caçavam anabatistas, para demonstrar sua pureza doutrinária e fervor. Com a exceção de Zwinglio, os reformadores alemães aceitaram a mitologia de bruxaria. Lutero pensou que as bruxas deveriam ser queimadas por fazer um pacto com o diabo, mesmo que não prejudicasse ninguém, e ele participou da queima de quatro delas em Wittenburg. Os protestantes invocavam Êxodo 22,18: “Tu não deve deixar uma bruxa viva”. Como Calvino disse: “A Bíblia nos ensina que existem bruxas e que devem ser mortas… esta lei de Deus é uma lei universal”. Os calvinistas, na verdade, eram muito mais ferozes contra as bruxas do que os luteranos. Em seu conjunto, os protestantes anglicanos não estavam interessados na caça de bruxas, e durante todo o período de 1542 a 1700 menos de 1.000 foram executadas (por enforcamento) na Inglaterra, contra 4.400 na Escócia calvinista durante noventa anos a partir de 1590. O pior ano na Inglaterra foi 1645, quando os presbiterianos calvinistas estavam no poder. Onde os ingleses calvinistas podiam, eles propagavam a caça às bruxas. O Bispo Jewel, que viveu no exílio em Genebra, trouxe esta prática consigo em seu retorno em 1559; e na década de 1590, o calvinista William Perkins falou sobre o assunto no Emmanuel College, Cambridge, uma instituição Puritana, onde alguns dos fundadores da Nova Inglaterra foram educados. Onde quer que o Calvinismo se tornasse forte, bruxas foram sistematicamente caçadas.” (Paul Johnson – A History of Christianity Pg. 416)

FONTES


  1. Breslaw, Elaine G. Tituba, Reluctant Witch of Salem: Devilish Indians and Puritan Fantasies. New York University Press, 1996.
  2. Boyer, Paul S., and Stephen Nissenbaum. Salem Possessed: The Social Origins of Witchcraft. Harvard University Press, 1974.
  3. Karlsen, Carol F. The Devil in the Shape of a Woman: Witchcraft in Colonial New England. W.W. Norton & Company, 1987.
  4. Norton, Mary Beth. In the Devil’s Snare: The Salem Witchcraft Crisis of 1692. Vintage Books, 2003.
  5. Starkey, Marion L. The Devil in Massachusetts: A Modern Enquiry into the Salem Witch Trials. Anchor Books, 1949.

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