Domingo, Dezembro 22, 2024

O Magistério simplesmente autêntico

 

Chama-se Magistério simplesmente autêntico aquele que exige em direito e a priori uma verdadeira adesão da parte de todos os fiéis (incluindo os teólogos…), embora não se pronuncie em condições de infalibilidade.

Há aqui uma situação complexa, e que não se pode clarificar de maneira unívoca para todos os casos suscetíveis de entrar nesta categoria. Nós consideramos o que se segue, no tocante ao mais importante enquanto tal e de acordo com a atualidade: o Magistério simplesmente autêntico do Papa. Deixaremos de lado, portanto, os casos nos sentidos mais típicos, mais necessariamente subordinados: o Magistério simplesmente mais típico dos bispos residenciais tomados individualmente ou nas conferências ou concílios particulares, assim como aqueles das Congregações Romanas.       

           

O fato


  

O Código do Direito canônico (can. 752) declara:

            “Ainda que não se tenha de prestar assentimento de fé, deve contudo prestar-se obséquio religioso da inteligência e da vontade àquela doutrina que quer o Sumo Pontífice quer o Colégio dos Bispos enunciam ao exercerem o magistério autêntico, apesar de não terem intenção de a proclamar com um ato definitivo; façam, portanto, os fiéis por evitar o que não se harmonize com essa doutrina.”

Este texto recupera o ensino do Vaticano II e foi mesmo reafirmado pela Congregação da Doutrina da Fé (cf. nossa nota 10, 3°).

Como o sublinhamos (cf. nota 10), este texto não nega formalmente a presença da infalibilidade; mas também é, no entanto, inegável que ele não a afirma, e que pede uma submissão de inteligência independentemente da estrita garantia da infalibilidade.

Aliás, a existência das doutrinas ensinadas com autoridade pelo Magistério pontifical ou pelo Magistério universal, sem que, no entanto, se encontre implicada a infalibilidade, pelo que saibamos é um fato admitido por todos os teólogos. Tecnicamente, são essas doutrinas que recebem a nota teológica “doutrina católica no sentido estrito”, a que se opõe o “erro contra a doutrina católica (no sentido estrito)”[1].

Tendo-se verificado o fato, convém ao teólogo procurar como fazer, a fim de discernir as propriedades ou as consequências.

Para isto, nós lembramos primeiro a existência de um tipo de adesão distinta da certeza; depois nós veremos como esta doutrina se aplica no caso do Magistério não infalível.

 

Verdadeira adesão e adesão certa


  

Diante de uma doutrina se apresentando como a expressão da verdade, o espírito pode, segundo o valor dos motivos apresentados, reagir de diversas formas.

Sem entrar nos inúteis detalhes, pode-se distinguir a dúvida, a desconfiança, o julgamento provável, o julgamento certo. Os dois primeiros não implicam adesão, a desconfiança acrescentando somente à duvida uma inclinação num sentido. Mas os dois últimos implicam uma verdadeira adesão firme e excluindo o erro no caso do julgamento certo, sem esta firmeza e com a possibilidade atual do erro no caso do julgamento provável. Neste ultimo caso, a causa da adesão não tem portanto uma eficácia perfeita ficando suficiente para pedir uma verdadeira adesão à doutrina proposta, a probabilidade do contrário estando excluída.[2]

O que se deve entender aqui, é que a verdadeira probabilidade, esta que causa a adesão provável, exclui as probabilidades contrárias: a verdadeira probabilidade, no sentido filosófico, é única. É por isso num tal caso, ainda que a intervenção da vontade seja necessária para que a adesão tenha lugar, esta só pode se produzir no ramo da alternativa que goza da probabilidade: não há liberdade de especificação ou de contrariedade.

Existe, portanto, uma verdadeira adesão, que não é, portanto, uma adesão certa.

É um dos grandes erros do Padre Urrutia (loc. Cit. em nossa nota número 1, pp. 104-110) de desconhecer esta verdade fundamental.

Apesar de algumas alusões em sentido contrário, ele só reconhece como verdadeira adesão a adesão de certeza. Ele encontra-se então guiado à dialetizar sobre o “não-infalível”, no entanto, “irreformável”, acusando de sofisma os que afirmam este truísmo: “o que não é infalível pode ser errôneo”, enquanto que ele mesmo comete o erro irremediável do raciocínio puramente material e per accidens (pp. 105-106). Urrutia faz ver que o que é “não infalível” pode, no entanto, ser verdadeiro! Evidentemente, mesmo H. Küng admitiria isto. Mas este assunto está fora da questão. Trata-se unicamente de saber, neste lugar, se sobre a única base de uma declaração não infalível não posso saber com certeza (uma verdadeira certeza, portanto, excluindo o erro) que a proposta apresentada é verdadeira. Nenhuma dialética poderá mascarar a evidência da resposta negativa.

Para dizer a verdade, Urrutia está duplamente confuso: pois, além da insuficiência desta posição filosófica sobre o julgamento provável, ele encontra-se mal orientado por sua posição restritiva em matéria de infalibilidade.

Ora, os casos que preocupam principalmente nosso autor apresentam-se assim, segundo ele (p. 105): “Se é verdade (…) que o magistério pontifical não infalível (…) nem sempre pede uma adesão de certeza, é inegável que, em certos casos, a intenção de impor uma certeza numa verdade que não é uma verdade de fé é claramente manifestada”.

E Urrutia dá como exemplo, em nota: “Está mais que claro que Paulo VI bem quis pedir uma adesão de certeza ao seu ensino em Humanae Vitae. Além disso, é a própria razão pela qual ela encontrou tanta oposição”.

Se assim for, e nós o admitimos absolutamente, mas não é o lugar de o discutir, este ensino cai sob a infalibilidade do Magistério pontifical, em virtude mesmo da definição dada pelo Vaticano I. E Urrutia provoca um duplo desvio no espírito dos seus leitores por este exemplo: ele mantém o desconhecimento do caráter infalível e portanto irreformável do julgamento da Igreja sobre esta delicada questão; ele mantém o desconhecimento do caráter próprio do Magistério não infalível e da adesão que ele exige.

 

A assistência divina habitual


  

Para aplicar a doutrina geral da adesão de probabilidade no caso do Magistério pontifical não infalível, fica à manifestar como, à luz da fé[3], o ato de um tal magistério constitui por ele mesmo, em direito e a priori, uma causa suficiente e necessitante por um tal tipo de adesão.

Ora, segundo uma correta teologia da Igreja e do Magistério, assim o é simplesmente em virtude da assistência habitual prometida por Jesus aos apóstolos: “Eu estou convosco todos os dias” (Mt 28, 20).

Esta assistência habitual, se nem sempre tem por efeito a infalibilidade no sentido estrito, é portanto uma realidade quotidiana. E é a fé do fiel nesta assistência habitual que guia a adesão provável às doutrinas expressamente afirmadas pelo papa falando em virtude de seu cargo supremo de pastor e doutor de toda a Igreja, mesmo sem manifestar de maneira precisa que tal ponto (bem definido) é “à manter” (com certeza) por todos os fiéis.

Aliás, é possível, baseando-se no que acabamos de expor nas paginas 41-42, mostrar de maneira mais precisa o ponto de aplicação desta assistência não infalível e porquê ela requer este julgamento provável que pede o Magistério.

Nós estabelecemos com efeito que o papa (ensinando em nome de sua autoridade suprema) implica necessariamente a infalibilidade quando ele volta sobre o que já foi explícito na Igreja. Portanto, quando ele aborda uma questão no seu Magistério ordinário, ele recapitula ipso facto, em virtude da assistência infalível, o que a Igreja já explicitou sobre o assunto. O Magistério pontifical não infalível aborda portanto os novos aspetos numa base absolutamente assegurada, divinamente garantida, e portanto melhor que qualquer teólogo teria feito. Nós estamos assegurados de duas coisas: negativamente, que o novo aspecto do ensino não pode contradizer o que já foi fixado pela Igreja; positivamente, que este aspeto apóia-se realmente neste conjunto já elaborado. E por isso a doutrina assim apresentada impõe-se a priori ao fiel e ao teólogo como provavelmente verdadeira, mesmo se a possibilidade do erro não é absolutamente excluída, seja diante de doutrinas reveladas, mas ainda puramente implícitas (e que um teólogo não pode nem por isso pretender, contra o Magistério vivo, conhecer com uma certeza absoluta)[4], seja sobretudo diante de elementos não revelados e que se encontram ainda circunstancialmente misturados à apresentação atual da doutrina pelo Magistério não infalível. É sobretudo nesta segunda direção que um trabalho de decantação (que não consiste numa atual “divergência” dos teólogos percebendo dificuldades na doutrina proposta) poderá se produzir e algumas vezes conduzir à um recomeço da questão pelo próprio Magistério, incluindo um discernimento entre o essencial e o acessório na primeira intervenção, com verdadeira correção sobre o acessório.



[1] Ver Salaverri s. j. em Sacrae theologiae Summa, T. I: Theologia Fundamentalis (Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, 1962, 5e édition), pp. 793-794. (Cf. Também nesta mesma obra, p. 6). Salaverri utiliza aqui a expressão de “Magistério universal”, não para designar o sujeito que exerce este Magistério, mas para designar o sujeito ao qual ele se dirige: toda a Igreja. Neste sentido, o Magistério universal é exercido tanto pelo papa sozinho quanto pelo corpo episcopal unido à sua cabeça. Com esta precisão, as definições seguintes são claras:

1°) “de fé” (de fide) em geral: qualifica uma proposta ensinada infalivelmente pelo Magistério universal. Uma tal proposta é infalivelmente certa.

2°) “Doutrina católica” (Doutrina catholica) no sentido estrito: qualifica uma proposta ensinada pelo Magistério universal de maneira simplesmente autêntica (ato doutrinal gozando de uma verdadeira autoridade, sem excluir portanto a possibilidade do erro). Uma tal proposta reclama o assentimento interno e religioso. Uma proposta contrária é dita “erro no sujeito da doutrina católica” (error in Doctrina catholica).

3°) “Doutrina católica” (Doutrina catolica) em geral: qualifica a doutrina ensinada pelo Magistério universal, seja infalivelmente seja de forma simplesmente autêntica. Portanto esta terceira marca regrupa somente os dois precedentes. Ela é utilizada quando os teólogos não querem ou não podem romper sobre a questão própria da infalibilidade. As propostas contrárias podem ser ditas: “in genere errores circa Doctrinam catholicam”.

[2] Sobre esta questão pode-se consultar o estudo do Padre T. Richard o. P., Le probabilisme moral et la philosophie (Nouv. Lib. Nat.: Paris, 1922), assim como diversos artigos do mesmo autor na Revue Thomiste, em particular “Notion philosophique de l’opinion” (R. T., 1920, pp. 319-348).

[3] Portanto, é por isso que de uma maneira exata a Congregação pela Doutrina da Fé, falando do assentimento religioso da vontade e da inteligência que requer diante de um ensino do Magistério não proposto por um “ato definitivo”, declara que este assentimento: “deve situar-se na lógica e sob o movimento da obediência da fé” (Cf. La documentation Catholique, n° 2010, p. 697 a).

[4] Para dizer a verdade, nós estimamos que mesmo num tal caso o erro estritamente dito está sempre excluído no ensino direto do Magistério pontifical. Mas é mais delicado estabelecer. É preciso remontar aos princípios mais fundamentais da teologia do Magistério e certos aspectos deixam lugar à discussão: por isso nós deixamos aberta esta questão no texto. Seria preciso talvez distinguir o que é implícito porque os conceitos conservam uma parte de confusão do que é implícito como inferível a partir de diversas propostas certas. Neste último caso – e se a nossa tese de infalibilidade não se aplica aqui (se portanto, fica-se totalmente no simplesmente autêntico – poderia-se admitir ainda mais para um teólogo a possibilidade de perceber o erro).

 

FONTE


LUCIEN, Pe. Bernard. LE MAGISTÈRE SIMPLEMENT AUTHENTIQUE em “Les degrés d’autorité du Magistère”, La Nef, 2007, pp. 42-47. <http://jesusmarie.free.fr/bernard_lucien-les-degres-d-autorite-du-magistere.pdf>

 

PARA CITAR


LUCIEN, Pe. Bernard. “O Magistério simplesmente autêntico” em <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/valor-magisterial/780-o-magisterio-simplesmente-autentico> Desde /03/2015. Tradução: Faustino Sassoma Muhongo, CMF. 

 

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