Sábado, Dezembro 21, 2024

O ensino católico sobre Religião e Estado

“O ENSINO CATÓLICO SOBRE RELIGIÃO E ESTADO”

POR: DR. JOHN R.T LAMONT.

Lamont, J.R. (2015), Catholic Teaching on Religion and the State. New Blackfriars, 96: 674–698

TRADUÇÃO DE: WITOR LIRA

 

 

INTRODUÇÃO: UM POUCO DO ESTADO DO DEBATE ATUAL

No curso dos últimos dos últimos anos o Pe. Martin Rhonheimer e o professor Thomas Pink têm se engajado em um importante debate sobre o ensino do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa em sua declaração Dignitatis Humanae[1] O contexto desse debate é a chamada de Bento XVI para uma “hermenêutica da reforma”, ao invés de “uma hermenêutica da descontinuidade e ruptura”, na interpretação do concílio. Pe. Rhonheimer apresenta o ensino do concílio sobre a liberdade religiosa como um exemplo de reforma. Ele o descreve como uma rejeição do ensino dos papas do século XIX sobre o direito à liberdade religiosa e o dever dos Estados para com a verdadeira religião, mas ele nega que essa rejeição seja um caso de descontinuidade, porque esses ensinos não envolvem “uma explicita afirmação de querer apresentar uma doutrina definitiva em matéria de fé e moral´; [2] eles são, no máximo, “uma questão relacionada a um aspecto da doutrina social da Igreja”.[3]

O professor Thomas Pink tem criticado o Pe. Rhonheimer, e apresentou sua própria interpretação da Dignitatis Humanae. Esta interpretação é baseada nas visões de Suarez sobre a coerção em matéria de religião. Suarez defendeu que a Igreja é a única autoridade com jurisdição sobre atos que se opõem à religião e a salvação das almas; o magistrado civil pode somente punir crimes que são contrários aos fins naturais do Estado, que são a paz pública e a justiça humana. A Igreja tem jurisdição sobre todos os Cristãos validamente batizados em virtude de seu batismo, sejam eles católicos ou não. A jurisdição os autoriza a coagir os Cristãos para cumprir com os compromissos feitos no batismo. Os compromissos que são objetos justos de coerção incluem o compromisso ao ato interno de fé assim como a profissão de fé exterior. Suarez aponta que embora a punição não possa produzir diretamente um ato de fé, é errado dizer que ela não pode enxertar uma pressão indireta efetiva sobre as crenças pessoais internas. A Igreja pode usar punições temporais bem como espirituais para coagir os fiéis a guardarem suas promessas batismais, e estas punições temporais incluem a pena de morte. Quando a Igreja usa o Estado para impor a coerção em matéria religiosa, ela o faz através dos governantes batizados do Estado que cumprem os seus deveres como Cristãos de impor a disciplina da Igreja. Nem a Igreja nem o Estado deve coagir os não cristãos a se converterem ao Cristianismo, mas o Estado possui autoridade não somente para compelir politeístas a abandonar suas práticas religiosas, tem também autoridade para os compelir a abraçar interiormente o monoteísmo-embora não podem compeli-los a abraçar a revelação divina.

O professor Pink leva a visão de Suarez longe o suficiente para promover as seguintes teses

(1) A Igreja tem o direito e a responsabilidade de compelir Cristãos batizados a viverem suas obrigações do batismo por meios que não são limitados a punições espirituais, um direito que ela continua exercendo no código de direito canônico de 1983.

(2) O Estado enquanto tal não tem o direito ou a responsabilidade de punir o erro religioso, mas os governantes Cristãos, em sua capacidade como Cristãos batizados ao invés de governantes, podem impor a punição temporal da Igreja aos Cristãos batizados.

(3) A perseguição Estatal dos heréticos no passado foi um resultado de tal imposição da disciplina da Igreja pelos governantes Cristãos.

(4) A Igreja, embora não possa renunciar ao direito de perseguir o erro religioso por sua própria conta, pode, por uma questão de política, retirar das autoridades seculares o direito de fazer cumprir a disciplina da Igreja.

(5) Essa retirada foi um passo dado na Dignitatis Humanae. Uma vez que foi uma questão de política, não de princípio, não foi um repúdio dos ensinamentos anteriores da Igreja ou de toda parte de sua história de perseguição aos hereges.

Para julgar as afirmações do Pè. Rhoenheimer e do Professor Pink, e determinar se algo é ensinado na Dignitatis Humanae sobre o direito à liberdade religiosa, é necessário estabelecer os principais componentes do ensino da Igreja sobre religião e Estado. Isso envolve cobrir um enorme período, mas felizmente a evidência histórica para o conteúdo desses componentes está facilmente disponível e clara. Sua natureza foi obscurecida no passado pela controvérsia e pelo desejo de colocar o passado da Igreja em uma luz aceitável, mas ela pode ser facilmente determinada se nós estamos dispostos a renunciar ao ofício de julgar o passado dessa questão, e a nos limitarmos a determinar o que de fato aconteceu.

A JURISDIÇÃO RELIGIOSA DO ESTADO

Há dois períodos que foram decisivos para a formulação do ensinamento da Igreja sobre religião e Estado; a perseguição e a adoção da fé pelo Império Romano, e o abandono da fé na Europa no século XIX. O primeiro período viu o desenvolvimento de um claro ensinamento sobre como o Estado deveria ajudar a Igreja, enquanto o outro período produziu um ensino papal sistemático sobre os princípios que embasam as relações entre a Igreja e o Estado.

Tanto o Império quanto a Igreja trouxeram suas confrontações de ideias sobre como religião e Estado deveriam se relacionar. Para os Romanos, a adoração dos deuses era um assunto de importância principal ao Estado. O imperador, como o pontifex maximus, era a cabeça suprema do sacerdócio Romano pagão, e como tal era responsável por sua devida adoração. O poder do domínio romano era considerado como dependente e derivado da fidelidade Romana a adoração aos deuses. Horácio expressou essa visão em suas Odes, 3.6, onde ele afirma “dis te minorem quod geris, imperas”- os Romanos governam porque eles servem aos deuses. Cícero afirmou que era somente através da piedade dos deuses que os Romanos superavam todos os outros povos (de Harusp. Resp.19), e que o desaparecimento dessa piedade implicaria em desaparecimento da justiça e da união social (Nat.Deor.1.4). Dio Cassius, em seu discurso de Maecenas para Augustos recomendando a monarquia, no livro 52 de sua história Romana, recomenda que o monarca faça da religião de estado cumpulsória: “não somente você adore o divino poder em todo lugar e em tudo de acordo com as tradições de seus pais, mas compele todos os outros a adorá-lo”[4] – uma visão que seguiu a posição de Platão no livro das leis X, 907–912.

Nas Escrituras, a adoração de todos os deuses distintos do Deus de Israel é proibida. Uma justificativa para esse mandamento é sucintamente fornecida em Deuteronômio 32:17, que diz da rebelião das crianças de Israel que “eles sacrificaram a demônios que não são deuses”. O Deus de Israel é o único Deus verdadeiro, e, portanto, o único ser que deve ser adorado; os outros deuses não são deuses verdadeiros, mas ao invés disso eles são na verdade demônios – “todos os deuses dos gentios são demônios” (Ps.95:6), [5] uma afirmação repetida em 1 Cor. 10:20, “que os pagãos sacrificam suas ofertas aos demônios e não a Deus”. O rei tem o dever de não somente adorar o Deus verdadeiro apenas, mas também de suprimir a adoração desses demônios. Josias destruiu e contaminou todos os ídolos que ele pôde tocar em suas mãos, e ele “matou todos os sacerdotes das posições altas que estavam lá, acima dos altares, e queimou os ossos dos homens acima deles… Antes dele não houve nenhum rei como ele, que se voltou para o Senhor com todo seu coração e sua alma de acordo com a lei de Moisés; nem se levantou como ele alguém depois dele” (2 Reis 23: 20, 25.) Nisso ele estava obedecendo ao mandamento de Êxodo 34:12–13: “Tenha cuidado de não realizar uma aliança com os habitantes da terra para onde vocês estão indo, ou isso se tornará um laço entre vocês. Vocês devem derrubar os seus altares, quebrar os seus pilares e cortarem seus polos sagrados” Ele também estava seguindo o exemplo de Moisés em Êxodo 32, que sentenciou os idólatras do bezerro de ouro a morte. O banimento da idolatria não é restrito aos judeus: a adoração dos ídolos pelos gentios é condenada no Antigo Testamento (Isaías 45:20, Salmo 115), e o mandamento contra idolatria é estabelecido para ser aplicado aos Gentios no Novo Testamento (por exemplo em 1 Cor: 6:9–10, com referência a Êxodo 32:1, e Atos 15:20). Não somente a adoração de ídolos, mas também qualquer tentativa de persuadir os Judeus a adorararen os ídolos devem ser punida com a morte. E qualquer comunidade que ceda a tal persuasão dever ser totalmente destruída (Deut. 13). Os mandamentos na primeira tábua do Decálogo são considerados aplicáveis não somente a indivíduos, mas também a sociedades e governantes; e as obrigações para com Deus que eles descrevem vinculam todos os governantes, não somente os Judeus, e aplicam-se especificamente ao Deus de Israel. Isso é claramente expresso no Salmo 2:10–12: “Agora, portanto, Ó reis, sejam sábios; sejam prevenidos, Ó governantes da terra. Sirvam ao Senhor com temor, com tremor beije seus pés [alegre-se com ele com tremor em outras traduções], ou ele irá se irar, e vocês perecerão no caminho; pois sua irá é rapidamente acesa. Bendito sejam todos aqueles que nele se refugiam.” A autoridade de Deus no Antigo Testamento é estendida a Jesus em Apocalipse 1:5, onde ele é descrito como “ o governante dos reis da terra”.

Ambas as abordagens, Romanas e Judaicas, refletem a atitude frente à religião, comum a todos os Estados na antiguidade (cf. Aristóteles, Politics book 7ch.8 1328b10). Afirmava-se que a correta adoração religiosa era responsabilidade do Estado, e que o bem-estar do Estado e das pessoas dependia que essa responsabilidade fosse cumprida. A conversão do Império ao Cristianismo preservou esta atitude, mas introduziu quatro novos elementos: i) o Deus adotado pelo Estado era o Deus Cristão, ii) a realidade dos outros deuses era rejeitada, e a afirmação Cristã de que estes outros deuses eram na realidade demônios fora aceita, iii) a noção de heresia e cisma como um mal possível dentro de uma estrutura de adoração de um único Deus foi aceita, e iv) a Igreja Católica foi aceita como a verdadeira igreja, o árbitro da heresia e da ortodoxia, e o corpo que sustentava a adoração religiosa.

A posição do império Cristão com respeito à fé Católica recebeu sua forma legal no código de Teodósio, no décimo sexto livro que legislava sobre assuntos religiosos. O livro começa afirmando que “É de nossa vontade que todas as pessoas que são governadas pela administração de Nossa Clemência devem praticar a religião que o divino Apóstolo Pedro transmitiu aos Romanos, como a religião que ele introduziu claramente até hoje”.[6] A justificativa para a punição de heresias é dado no título 5,39, que afirma “Nós recentemente publicamos Nossa opinião em consideração aos Donatistas. Especialmente, contudo, nós perseguimos com a mais merecida severidade os Maniqueus, os Frigianos e os Priscilianistas… é Nossa Vontade que tal heresia deva ser considerada um crime público, já que tudo que é cometido contra a religião divina redunda em detrimento de todos.” [7] Essa referência aos Maniqueus indica um elemento de continuidade entre a política Romana antes e depois da aceitação do Cristianismo pelo Estado, já que o Maniqueísmo foi forçosamente supresso sob o império pagão como uma religião nociva. A política do império Cristão frente ao paganismo não envolveu de fato nenhuma inovação legal além da aceitação da alegação Cristã de que a religião pagã era uma adoração diabólica, já que a lei Romana sob o paganismo era hostil a feitiçaria e a invocação de demônios. Uma vez que a idolatria foi aceita como adoração diabólica, o espírito e provavelmente até mesmo a letra da lei Ronana de antes da conversão do Império pôde ser usada para sua supressão legal (Contudo, deve se considerar que os mandamentos Deuterocanônicos de extirpar a idolatria, insistiram, de acordo com Firmicus Maternus em seu De errore profanarum religionum, provavelmente com mais peso sobre os Imperadores cristãos do que em seus precedentes legais; embora esses precedentes legais são citados por Maternus também). A introdução da heresia e do cisma como categorias de crime religioso foi um desenvolvimento legal que veio com a conversão do império.

Esta inovação legal resultou de uma inovação fundamental na política religiosa do Império consequente a sua aceitação do Cristianismo, que foi reconhecido como um corpo separado do Estado – a Igreja Católica- como autoridade em questões religiosas. Esta autoridade foi reconhecida até mesmo pelos imperadores que desejavam impor suas próprias opiniões teológicas, mas já que estes imperadores nunca tentaram impor suas visões puramente através do exercício do poder imperial. Eles sempre convocaram concílios de bispos que dominavam aquela posição teológica que eles favoreciam como correta, e apresentavam sua supressão das posições opostas como uma implementação dessas decisões conciliares. Em questões relacionadas a fé ou da unidade da Igreja, a posição de ambos, Igreja Católica e Estado Romano Cristão, era de que a Igreja quem decidia, e o Imperador impunha. A imposição envolvia a supressão de assembleias heréticas e cismáticas, o banimento de obras heréticas, bem como as pregações, e a imposição de vários prejuízos legais e outras punições aos heréticos e cismáticos. Isso não incluía, contudo, a imposição de pena de morte por heresia, uma forma de punição que foi condenada pela Igreja. São João Crisóstomo resume o ensino católico sobre a punição da heresia na era patrística em sua homilia sobre a parábola do joio e do trigo em Mateus 13; “[Cristo] não proibiu, portanto, nossa verificação dos hereges, de calar as suas bocas, de tirar a sua liberdade de expressão e de destruir suas assembleias e confederações, mas nossa matança e matança deles [8]”. Santo Ambrósio, na Europa ocidental, defendeu a mesma posição sobre a punição dos hereges. Enquanto condenava a imposição da pena de morte por heresia, ele considerou que a idolatria e a heresia devem ser suprimidas pelo Estado (cartas 10,11, 24,26,57, orações do funeral para Valentiniano e Teodósius). De fato, em sua disputa com o pagão Symmachus sobre a restauração do Altar de Vitória para a casa do Senado em Roma, ele encontrou e rejeitou muitos dos argumentos para a tolerância religiosa que foram revividos nos séculos XVI e XVII (cartas 17, 18). [9]

Como essa citação de Crisóstomo indicava, a política do Império Cristão para com o paganismo, a heresia e o cisma foi defendida pela Igreja Católica, que ensinou que esta política imperial era exigida pela fé Cristã. Essa imposição foi apresentada aos imperadores pela Igreja como sendo seu dever pelos governantes; O Papa Leão, o Grande, escrevendo ao imperador Leão com o intuito de convencê-lo a obedecer aos ensinamentos do Concílio de Calcedônia, afirmou que “você deve, sem hesitar, considerar que o poder real foi conferido à você não para a governança do mundo apenas, mas mais especificamente para a proteção da Igreja”[10] (carta 156). Nessa carta ele repete o ensino já pronunciado ao imperador Teodósio II pelo Papa Celestino [11]. Este ensino não está afirmando que os imperadores Cristãos enquanto indivíduos ascenderam à púrpura para usar o poder imperial em prol da proteção da Igreja. Está afirmando que tal guarda é sua responsabilidade precisamente enquanto imperadores.

Além do ensinamento de que a defesa da verdadeira religião e a supressão das falsas religiões era responsabilidade do Estado, os papas deram uma razão do porquê o Estado tinha esta responsabilidade sobre bases puramente temporais. Eles ensinaram que a imposição da verdadeira religião era apresentada como sendo uma garantia da segurança dos governantes e do bem-estar do Estado – um fator que obviamente recai sobre a responsabilidade dos governantes enquanto tais. Isso é claramente afirmado na carta do Papa Santo Agatão ao imperador Constantino VI, que foi usada como uma confissão de fé no Segundo Concílio de Constantinopla em 681. Nessa carta, emitida ex cathedra como ensinamento da fé do Apóstolo Pedro, o Papa Agatão ensina não somente que o imperador tem o dever de defender a verdadeira fé e suprimir a heresia, mas também que a supressão da heresia pelo Estado é necessária “para a estabilidade do Estado Católico, e para segurança daqueles que governam o Império Romano” [12] A posição geral de Santo Agatão nessa carta reiterou o ensinamento pronunciado nas cartas dos papas aos imperadores Leão o Grande (carta 156), Simplício (cartas 8,10), Celestino I (carta 22), Gelásio I (carta 8), e Símaco (carta 10).

Esta apresentação do ensino Católico sobre a Igreja e o Estado na era patrística concorda com o consenso geral dos historiadores, que tem aceito que não houve tal coisa como um ideal de tolerância entre os pagãos ou Cristãos na antiguidade; essa posição é bem exemplificada pela afirmação de Sir Geoffrey Elton que “religiões organizadas em poderosas igrejas e em comando do poder perseguiam de forma natural e tendiam a considerar a tolerância como um sinal de fraqueza ou até mesmo de maldade, qualquer que fosse a deidade que eles adoravam”. [13] Contudo, esse consenso tem sido desafiado por Elisabeth DePalma Digeser e Hal Drake [14] Eles têm argumentado que havia uma noção de tolerância no mundo antigo, proposta pelos Cristãos em resposta à perseguição do Estado. Eles apresentam Tertuliano e Lactâncio como representantes característicos dessa posição. Tertuliano afirmou em Ad Scapulam 2,2 que a religião deve ser adotada livremente e não pela força (veja também em sua apologia, chs.24, 28). Em seu Epitome of the divine Institutes, 49,1, Lactancio afirma que “ é na religião somente onde a liberdade encontrou sua morada. Por isso ela é uma questão que é voluntária acima de todas as outras, nem pode ser imposta sobre ninguém, assim como não se deve impor a ninguém a adorar aquilo que não se deseja adorar”. [15] Em suas Divine Institutes 5,20, ele diz “Não há ocasião para violência e injúria, pois a religião não pode ser imposta pela força; o assunto deve ser levado com palavras ao invés de golpes, para que a vontade possa ser afetada”[16]

Contudo, de acordo com Digeser e Drake, depois dos Cristãos adquirirem poder eles repudiaram esta noção de tolerância e suprimiram a relgião pagã. A elite pagã, por sua vez, argumentou em troca em favor da tolerância, usando argumentos em grande parte emprestados dos Cristãos, mas sem sucesso. A explicação de Drake dessa mudança de atitude é que a Igreja prevaleceu sobre o Estado Romano para aplicar para todas as religiões não católicas a atitude repressiva que a Igreja previamente tomou com os hereges, e que isso tinha sido defendido pelo Estado desde o tempo de Constantino.[17] Esta mudança de atitude, juntamente com o sucesso Cristão religioso e político, levou a noção de tolerância religiosa a cair no esquecimento. Não foi, contudo, uma mudança que era intrínseca a crença Cristã, ou uma consequência necessária da supremacia Cristã; uma tolerância religiosa baseada em princípios foi sempre uma posição possível para os Cristãos, porque tinha sido aceita e defendida por alguns dos mais eminentes representantes do período patrístico, e isso era, na realidade, a política originalmente adotada por Constantino, que pretendia unir os Cristãos e pagãos monoteístas através desses meios.

O apelo à Tertuliano e Lactâncio como campeões da liberdade religiosa tem sido atual desde o iluminismo; e é encontrado em Pierre Bayle [18] Não é, apesar de tudo, sustentável quando as verdadeiras visões desses apologistas Cristãos são examinadas. O contexto de seus argumentos eram o da perseguição dos Cristãos que se recusavam a oferecer sacrifícios ao imperador. O objetivo desses argumentos era estabelecer que era errado coagir as pessoas a realizarem uma prática religiosa distinta de sua própria, e consequentemente que era errado coagir os Cristãos a realizarem sacrifícios para uma religião pagã. Essa posição sobre a coerção religiosa foi defendida em teoria e (geralmente) na prática pela Igreja, com os não cristãos bem como com os Cristãos; a conversão forçada ao Cristianismo foi sempre condenada pelo ensino Católico. Mas a afirmação A), que é errado forçar as pessoas a adotar a religião que eles não pertencem, não implica na afirmação B) que é errado forçar as pessoas a pararem de praticar sua própria religião, ou a afirmação C), que é errado forçar as pessoas a se conformarem com a religião que eles pertencem. A coerção religiosa que era praticada pelo império Romano sob direção eclesiástica foi ou a supressão das falsas religiões, que recai sob B, ou a coação dos Cristãos que aderiram ao Cisma ou a Heresia a se conformarem com a verdadeira fé Cristã, o que recai sob C). Previamente a conversão de Constantino, os apologistas Cristãos não incitavam abertamente a supressão da religião pagã pelo Estado, mas sua insistência que tal religião era uma adoração ao demônio e deveria ser abandonada pelo estdo não deixa muita dúvida sobre a medida que eles acreditavam que deveria ser tomada em relação a isso, sobretudo em virtude da supressão de tal adoração ordenada pelas escrituras. A afirmação da declaração A) por Cristãos apologistas e pelo ensino da Igreja é, portanto, compatível com o ensino Católico sobre o dever do Estado de suprimir idolatria, heresia e cisma. Drake também está errado sobre o planejamento inicial de Constantino de uma política religiosa baseada em princípios de tolerância religiosa, e entender o porquê disso é extremamente crucial para entender o porquê de Digeser e Drake estarem errados sobre esta visão Cristã sobre tolerância religiosa. Drake, apesar de todas as suas valiosas tentativas de evitar anacronismo, não obstante falha em fazer isso sobre uma questão vital. Ele assume que os constituintes que Constantino tinha em mente em suas decisões políticas sobre tolerância religiosa foram simplesmente os humanos. Essa pressuposição é incompatível com o fato de que Constantino e todos os outros atores políticos do momento acreditavam na existência de poderes espirituais cujas ações desempenharam um determinante papel nas relações humanas- um fato que Drake em outro lugar reconhece. Qualquer decisão política no século IV tinha, portanto, de tomar esses poderes espirituais em consideração- e não somente as relações desses agentes espirituais com agentes humanos, mas também suas relações uns com os outros. Se um desses poderes espirituais estava em guerra com outro, uma aliança com um desses poderes significava guerra com o outro.

A guerra entre Cristo e os deuses pagãos foi um princípio da Cristandade desde o início [19] Isto é um conteúdo central do Novo Testamento, onde os ensinamentos de Cristo e seus exorcismos anunciam e levam ao cabo uma guerra sobre os demônios com os quais os deuses pagãos são identificados. O chorus dos oráculos pagãos denunciando os Cristãos em torno da virada do terceiro século foi aceito por ambos, cristãos e pagãos, como uma declaração em troca, de guerra, pelos deuses pagãos. [20] A adoção de Constantino do labarum na batalha da ponte Milvian foi um alistamento de um lado dessa guerra, na esperança de que Cristo seria um aliado mais forte; sua vitória naquela batalha foi uma confirmação dessa esperança. Sua rejeição do sacrifício foi uma rejeição do ato que era necessário para declarar fidelidade aos deuses pagãos, e para alistá-los como aliados- um entendimento de sacrifício que é refletido nos primeiros cinco livros da Cidade de Deus de Agostinho, que tem a intenção de abordar a afirmação de que o abandono do sacrifício aos deuses pagãos significou um abandono dos meios que garantiam o favor e consequentemente o sucesso mundano. A fidelidade a Cristo foi entendida por Constantino e por todos os demais naquele tempo como significando uma rejeição do sacrifício pagão e a guerra com outros deuses pagãos, e isso significava que uma fidelidade com os pagãos com base em uma vaga crença compartilhada de um Deus supremo era impossível. O abraço de uma “religiosidade neutra no ambiente público” jamais foi sonhado por Constantino ou seus sucessores, uma vez que isso seria uma política que eles considerariam como sendo suicida – algo que os deixaria absolutamente sem nenhum aliado sobre humano. Os termos do Édito de Milão, que garantiam liberdade para todos os Cristãos e para todos os que seguem a religião que lhes agradam, não constituem evidência para a defesa de que Constantino sustentou uma religiosidade neutra na esfera pública, já que o édito foi emtido pelo co-imperador pagão de Constantino Licinius bem como por Constantino, não se poderia dizer mais alguma coisa. As frequentes referências de Constatino ao Deus supremo, ao invés de especificamente a Cristo, pode legitimamente ser vista como um esforço de apaziguar os pagãos, mas eles não acrescentam uma política de tolerância.

O ENSINO PAPAL SOBRE RELIGIÃO E ESTADO NO SÉCULO XIX E XX:

No século XIX e XX, o segundo período principal a respeito do ensino católico sobre religião e estado após o primeiro período principal da era patrística, o ensino da primeira era foi reiterado pelos papas. O principal foco do ensino papal fora, contudo, diferente do período inicial. Com o Iluminismo e a Revolução Francesa, uma nova situação se desenvolveu, a principal ameaça para a fé manifestava-se como uma tentativa agressiva de minar a crença e de perseguir a religião católica através do Estado. Nessa nova situação, o foco do ensino Católico sobre a coerção religiosa se tornou em dever dos estados de suprimirem a propaganda anti-religiosa, e em respeitar os direitos da Igreja. O problema da heresia não foi ignorado nesse período; fora firmemente ensinado que a Reforma Protestante havia sido um caminho para a rebelião iluminista contra Deus e Cristo, um ensino autoritativo afirmado pelo Vaticano I em sua constituição dogmática Dei Filius e em um número de encíclicas papais da era (e.g. Gregório XVI, Mirari Vos, 5: Leão XIII, Immortale Dei, 23: Diuturnum, 4, 23: Quod Apostolici Muneris,3: Pio XII, Summi Pontificatus, 29), mas que não são muito discutidas por ecumenistas contemporâneos. Contudo, o ataque à Cristandade e a Igreja foi apresentado como o principal perigo, e o ensino papal sobre a religião e estado endereçou esse perigo ao invés da heresia ou cisma.

Há uma progressão lógica no ensino dessa época. O primeiro estágio, dos ensinos de Gregório XVI e Pio IX, é principalmente preocupado com a condenação dos erros que reivindicavam supostos direitos à liberdade de consciência, expressão e religião. O próximo estágio são os ensinos de Leão XIII, que providenciaram uma positiva consideração da natureza da liberdade, do Estado, e as relações entre a Igreja e o Estado. Essa consideração fornece a justificativa racional para a condenação negativa dos erros, uma condenação que Leão XIII amplia.

Leão XIII é de longe a figura mais significativa do desenvolvimento do ensino papal sobre religião e Estado. Sua contribuição ao tema formou parte de um completo e sistemático programa que foi estabelecido em suas encíclicas. Esse programa foi uma resposta ao desafio do pensamento iluminista e aos movimentos políticos que se opunham a fé; o programa apresentou a posição intelectual católica em resposta a esse desafio, e propôs aos católicos um plano de ação para combater este desafio. Leão XIII endossa a filosofia de São Tomás em Aeterni Patris, seu ensino sobre a unidade da Igreja em Satis Cognitum, seus ensinamentos sociais em Rerum Novarum e Quod Apostolici Muneris, seu ensino sobre casamento em Arcanum, suas condenações a maçonaria em Huumanum Genus e Inimica Vis, e sua condenação ao Americanismo em Testem Benevolentiae, são outras partes de seu programa. Seu ensino sobre as relações entre Igreja e Estado tomou a forma que tomou por causa do papel que isso possuía dentro do programa, um papel que exigiu um tratamento extensivo do tema remontando aos primeiros princípios. Sua encíclica Libertas é a chave desse ensino sobre religião e estado, já que contém uma exposição sistemática dos princípios filosóficos e teológicos sobre os quais o ensino está alicerçado.

O estágio final são os ensinamentos de São Pio X e Pio XI, que fundamentam os ensinamentos de Leão XIII relacionados a Igreja e o Estado no Reinado Social de Jesus Cristo, insistem na necessidade desse reinado para o bem-estar da sociedade, e predizem que essa rejeição traria uma catástrofe. Pio XII e João XXIII repetem e ampliam essa estrutura de ensinamentos, sem adicionar nada fundamentalmente novo.

Os principais princípios do ensino papal sobre religião e estado no século XIX e XX são os seguintes:

(A) O estado tem como fim próximo a promoção do bem temporal do homem, mas uma vez que o bem temporal do homem está subordinado ao seu bem eterno, o estado deve subordinar sua promoção do bem temporal do homem à busca do bem eterno, e procurar a promoção do bem eterno na medida do possível. (Pio IX, Qui Pluribus, 34: Quanta Cura, 8: Leão XIII, Au Milieu des Sollicitudes,6: Immortale Dei, 6,7: Libertas, 18, 20: Rerum Novarum, 40: Sapientiae Christianae,1, 2, 6–7, 30: São Pio  X, Vehementer Nos, 3: João XXIII, Pacem in Terris, 57–59).

(B) O bem eterno que o estado deve respeitar e promover não é determinado pela moral e pelas verdades religiosas conhecidas pela razão natural apenas, mas é dado pela verdadeira religião, que é a fé Católica. O estado deve, portanto, aceitar a autoridade da fé Católica, e conformar suas ações com essa fé. (Leão XIII, Immortale Dei, 7: Libertas, 17, 20, 38–40: Arcanum, 36:Exeunte Iam Anno, 8; Sapientiae Christianae, 20; Tametsi Futura Prospicientibus, 11: São Pio X, E Supremi, 8–9: Vehementer Nos, 3)

(C) O único juiz da fé católica, que é o caminho para o bem eterno do homem, é a Igreja Católica. Portanto, o Estado, em respeito e para a promoção dos bens eternos, deve estar submetido à Igreja Católica. (Leão XIII, Immortale Dei,8–13,25–27,35: Libertas, 26, 27: Sapientiae Christianae, 27; Satis Cognitum).

(D) Esta submissão à fé católica não extrapola o poder do estado, porque não requer que o estado julgue questões de verdade religiosa enquanto tais; somente requer que o estado seja capaz de identificar a verdadeira autoridade em assuntos religiosas, a qual é a Igreja Católica. Essa identificação é possível usando a razão natural apenas, portanto isso não extrapola a natureza do estado. (Esse ensinamento não pretende alegar que, na realidade, a verdadeira autoridade religiosa será identificada utilizando-se a razão natural apenas, ao invés de através de um exercício da virtude da fé da parte de governantes católicos do Estado, como uma entidade natural com um fim natural, o Estado deve ser capaz de utilizar meios naturais para identificar a verdadeira autoridade religiosa). (Leão XIII, Immortale Dei, 7: Libertas, 20).

(E) A afirmação de que existem direitos naturais à liberdade de consciência e de expressão, direitos que tornam injusto para o estado a punição da prática da propagação do erro religioso com base no fato de serem erros religiosos, é falsa. O Estado tem o dever de suprimir tudo que promove o erro moral ou religioso. Ele só pode se abster de tal supressão quando o prejuízo que causaria ao bem comum pela supressão do erro for maior do que o benefício. (Pio VI, Quod Aliquantulum: Gregório XVI, Mirari Vos, 14, 15, 16: Pio IX, Sílabo de Erros, 15, 79; Quanta Cura, 3–6: Leão XIII, ImmortaleDei, 25–27, 30–32, 36–38, 42; Libertas,2, 7–11,14–42: Au Milieu des Sollicitudes, 28: Pio XII, Ci Riesce.).

(F) A fonte da autoridade do Estado é Deus, não o consentimento popular. Se o Estado falha em defender fé Católica, ele viola os direitos de Deus e, portanto, ataca a base de sua própria autoridade. Não pode haver tal coisa como um estado religiosamente neutro; um estado que falha em defender a religião compromete-se com o ateísmo. (Pio VI, Quod Aliquantulum: Gregório XVI, Mirari Vos, 17: Pio IX, Quanta Cura,4: Leão XIII, Diuturnum, 5–16, 23–24; Immortale Dei,3–14,23–38: Libertas, 7–11, 14–22, 36–41: Au Milieu des Sollicitudes, 5–6 18, 28: Sapientiae Christianae, 5–11: Exeunte Iam Anno, 8; Tametsi Futura Prospicientibus, 7–8, 11–12: São Pio X, Notre Charge
Apostolique; Iucunda Sane, 19;Vehementer Nos, 3: Pio XI, Ubi Arcano Dei Consilio, 27–28; Divini Illius Magistri, 51–13: João XXIII, Pacem in Terris, 51–52.)

(G) Embora a Igreja Católica seja a fonte da verdade religiosa que o Estado promove e respeita, a autoridade religiosa que o Estado obedece não é a Igreja Católica enquanto tal, mas Jesus Cristo, cujo reinado não abrange somente os indivíduos, mas todas as famílias, sociedades e estados. (Leão XIII, Tametsi Futura Prospicientibus,7–8: São Pio X, E Supremi, 8–9: Pio XI, Ubi Arcano Dei Consilio,48: Quas Primas, 18: Mit Brennender Sorge, 10).

(H) O reconhecimento e a promoção da verdadeira religião e do reinado social de Jesus Cristo pelo estado serve ao bem-estar da sociedade e é necessário para ele; Estados que rejeitam o Reinado social de Cristo sofrerão desastres e o colapso. (Gregório XVI, Mirari Vos, 14, 20: Pio IX, Quanta Cura, 4, 8: Leão XIII, Au Milieu des Sollicitudes, 5–7: Inscrutabili Dei Consilio, 2–8, Libertas, 15–16, 22; Diuturnum, 25; Nobilissima Gallorum Gens, 2; Rerum Novarum, 27; Exeunte Iam Anno, 8–9; Sapientiae Christianae, 3,39; Tametsi Futura Prospicientibus, 7–9, 11–13; Praeclara Gratulationis Publicae; São Pio X, E Supremi, 2; Vehementer Nos, 3: Bento XV, Ad Beatissimi Apostolorum, 5: Pio XI, Ubi Arcano Dei Consilio, 27–31, 45–48; Quas Primas 1, 18–19, 24: Pio XIISummi Pontificatus 21–22, 30: João XXIII, Mater et Magistra,
 217).

O grau de autoridade desses ensinamentos deve ser considerado. Os ensinos em A) e H) são todos repetidos diversas vezes em encíclicas papais endereçadas à Igreja universal. O conteúdo desses ensinamentos é explicitamente descrito como parte da própria doutrina Católica, não como uma aplicação contingente da doutrina em circunstâncias particulares, e isso é reiterado dentro de um período maior que um século, durante o qual as questões abordas foram minuciosamente examinadas e debatidas. É, portanto, difícil de ver como eles poderiam ser rejeitados sem desacreditar a ideia completa de magistério papal.

Os ensinos mais autoritativos sobre o tema são, contudo, encontrados na encíclica Quanta Cura. Dos inúmeros erros condenados nessa encíclica, os mais importantes para o ensino Católico sobre a religião e o estado são os seguintes:

(i) A melhor constituição da sociedade pública requer que a sociedade humana seja governada sem nenhuma a ser feita entre a verdadeira religião e as falsas;

(ii) A melhor condição da sociedade civil é aquela onde o poder civil público não é reconhecido como tendo o dever de restringir os ofensores da religião Católica, com penalidades decretadas, exceto quando a paz pública o exigir.

(iii) A liberdade de consciência e de culto é um direito pessoal de cada homem, que deve ser legalmente proclamada e assegurada em toda sociedade justamente constituída.

(iv) O poder eclesiástico não é pelo direito divino distinto, e independente, do poder civil.

Essas condenações estão mais estritamente formuladas do que os ensinos em A) e H); elas são, portanto, cuidadosamente afirmadas por serem ensinadas infalivelmente, e vincularem a fé de todos os católicos. Essa encíclica é endereçada a todos os bispos da Igreja Católica com a intenção afirmada de proteger a salvação das almas. Ela provê uma condenação definitiva de uma lista de erros específicos, afirma que essas condenações são empreendidas para a defesa da doutrina e religião e são um exercício da autoridade apostólica do papa, bem como ordena a todos os católicos que as aceitem como tais[21]. Essas condenações satisfazem, portanto, o critério para a infalibilidade papal, e elas foram generalizadamente aceitas como infalíveis no tempo de suas promulgações [22]; Newman, que minimiza a autoridade do Syllabus de erros em suas cartas endereçadas ao Duke de Norfolk, fala nessa carta sobre “aquela voz de ensino infalível que é ouvida tão distintamente em Quanta Cura e Pastor AEternus[23]

Essa revisão do ensino Católico sobre a Igreja e o Estado mostra que o Pe. Rhonheimer está francamente errado em defender que este ensinamento dos papas do século XIX sobre o tópico não apresentou explicitamente um ensino definitivo de fé e moral. Isso também mostra que o professor Pink está errado em defender a visão de Suarez de que o direito de punir os pecados contra a religião revelada pertence unicamente a Igreja, e que isso não é parte da função do Estado enquanto tal.

O PROBLEMA DE INTERPRETAR DIGNITATIS HUMANAE

A descrição acima do ensinamento Católico sobre religião e Estado previamente ao Concílio Vaticano II não apresenta muitas dificuldades. Embora abranja um enorme período, é baseado em dados históricos que estão muito bem estabelecidos e claros em seus significados. É, contudo, muito mais difícil chegar a uma descrição do ensinamento do Concílio Vaticano II sobre a liberdade religiosa.

A razão fundamental dessa dificuldade é que três entendimentos incompatíveis desse ensinamento estavam presentes durante o concílio. A maioria dos bispos seguiram os líderes progressistas no Concílio, que concordavam com o Pe. Rhoenheimer quanto a rejeição do ensino prévio da Igreja. Contudo, esses líderes sustentavam duas posições diferentes em relação ao fundamento e a natureza do direito à liberdade religiosa que eles desejavam que o concílio aprovasse.

Uma das posições era da do Pe. John Courtney Murray, que lidou com o ensinamento papal acima de uma maneira direta, afirmando que eles eram falsos. Murray identificou justamente o ensino de Leão XIII como o componente mais significante desses ensinamentos. Ele alegou que o ensino de Leão XIII continha duas posições inconsistentes; a posição tradicional da separação entre a Igreja e o Estado supostamente ensinada pelo Papa Gelásio, segundo o qual a Igreja exigia nada mais do que a liberdade da interferência do Estado e uma visão de Estado que enxerga seus líderes como responsáveis por todos os elementos que constituem o bem comum. A posição inicial implicava que o estado é incompetente em matérias religiosas, e que, portanto, existe um direito à liberdade de crença de qualquer tipo de ser imune à coerção estatal, desde que não se viole os direitos dos outros. Esse, de acordo com Murray, é o ensino da Dignitatis Humanae, um ensino que é um desenvolvimento da posição inicial, a posição Gelasiana. A outra posição sobre a responsabilidade estatal estendida ao bem comum completo é a base lógica da reivindicação de Leão XIII de que o Estado deve defender a verdadeira religião. Contudo, essa posição é falsa; e os católicos não precisam aceitá-la. Eles devem ao invés disso aceitar o sólido ensinamento que enxerga o estado tendo como funções o respeito pela dignidade da pessoa humana e a integridade da consciência, proteção e promoção dos direitos socioeconômicos do ser humano.

Esse ensino, consagrado na Dignitatis Humanae, não autoriza E estado a defender a verdade religiosa ou a punir o erro religioso enquanto tal.[24]

Murray esteve envolvido nos esboços das primeiras versões da Dignitatis Humanae, e ele foi seguido pelos bispos americanos, que há muito se irritavam com o ensino Católico sobre religião e Estado, com base na incompatibilidade desse ensino com a constituição americana. Contudo, o fato de que Murray escrevia em inglês, e que a maioria dos padres conciliares não podiam entender esta linguagem, fez com que sua influência no Concílio fosse limitada. Quando suas visões foram apresentadas, elas estavam longe de serem aceitas pela maioria conciliar; Jan Grootaers nota a “profunda insatisfação de muitas figuras representativas da maioria conciliar em relação ao texto preliminar de Murray-Pavan”.[25]

A influência de Jacques Maritain foi muito mais significativa.[26] Giuseppe Alberigo e Joseph Komonchak destacam: “O Vaticano II desenhou a própria inspiração para as suas decisões a partir da consciência de que a fase conhecida como Cristandade era agora passado, isto é, o tempo em que o Cristianismo e, acima de tudo, o Catolicismo, na europa viveu como um sistema social que era autossuficiente, incorporava a fé e era governado pelo braço secular. (nota de rodapé: muitos bispos foram capazes de aceitar esta perspectiva porque conheciam o Humanisme integral de Jacques Maritain.) Suas ideias tinha uma circulação muito mais ampla na Igreja do que as de Murray, e elas foram importantes especialmente porque Maritain foi o mentor intelectual de Paulo VI, [27] quem depois declarou “a Igreja concorda em reconhecer o mundo como “autossuficiente”, ela não procura fazer do mundo um instrumento para seus fins religiosos…” (L´ (L’Osservatore
 Romano, August 24, 1969.) Maritain foi de fato consultado por Paulo VI sobre a questão da liberdade religiosa durante o concílio[28]. Diferente de Murray, Maritain sustentava que o Estado tinha a promoção do bem comum como seu propósito. Mas ele alegava que o bem comum do qual o Estado existia para servir era puramente temporal em sua natureza, e não tinha nenhum elemento sobrenatural. O Estado é, portanto, autorizado a suprimir a atividade religiosa que prejudica o bem comum temporal, mas não tem nenhum direito de agir em defesa do bem sobrenatural.

A diferença entre a posição de Murray e Maritain tem consequências práticas ao caráter da liberdade religiosa. Por exemplo, na visão de Maritain é possível argumentar que não há direito de professar e promover o ateísmo, porque tal crença pode ser demonstrada, através da razão natural, como falsa e prejudicial ao bem comum temporal do Estado. Na posição de Murray, é possível defender o direito à profissão e promoção do ateísmo com base em que nenhum direito alheio é violado por tal ação. Nenhum acordo sobre estas questões foi alcançado pelos redatores do documento. Além dessa questão fundamental, os membros da maioria progressista discordavam a respeito da base escritural ou a falta dela para o direito à liberdade religiosa, e sobre o papel da consciência na liberdade religiosa[29].

Além das várias alas progressistas da maioria conciliar no Vaticano II, havia uma minoria conservadora substancial que aderiu aos ensinos papais apresentados em A)-H) acima. Os líderes progressistas no Vaticano II agiram sistematicamente para prevenir que essa minoria fizesse a defesa de suas posições no concílio. Uma tentativa de ter o esboço do documento da Dignitatis Humanae examinada por uma comissão que incluía defensores da posição tradicional fora frustrada pelo Cardeal Bea[30]. Quando o Arcebispo Lefebvre e outros defensores do ensino papal escreveram à Paulo VI em 25 de julho de 1965 solicitando que eles fossem permitidos a expor suas objeções ao esboço do documento, a solicitação foi recusada. Uma solicitação similar feita por eles aos moderadores do Concílio em 18 de setembro de 1965 também foi recusada. [31] O relator do documento, o Bispo Émile de Smedt, que foi encarregado de apresentar e explicar aos padres conciliares, tomou a precaução adicional de adicionar de introduzir uma importante emenda ao texto que favorecia a posição progressista, sem chamar a atenção dos Padres Conciliares para a mudança. (“A emenda afirmava que o direito à liberdade religiosa era desfrutado até mesmo por aqueles que “não cumpriam com suas obrigações de procurar e aderir à verdade”).[32] Não obstante, foi necessário conciliar a minoria conservadora pela inclusão de uma cláusula afirmando que o documento deixava “intocado o ensino tradicional Católico sobre o dever moral dos homens e das sociedades para com a verdadeira religião e para com a Igreja de Cristo”.[33]

Os desacordos fundamentais entre os Padres Conciliares sobre a religião e o Estado resultaram em um documento que não é claro em conceitos que são centrais para o tema que ele aborda. Não há definição de religião em si no documento, que algumas vezes é descrita em termos que se aplicam somente ao Cristianismo ou até mesmo ao Catolicismo; como por exemplo no parágrafo,3, “o exercício da religião, por sua própria natureza, consiste antes de tudo naqueles livres, internos e voluntários atos pelo qual o homem ordena sua vida diretamente a Deus” [34] (veja também o parágrafo.6). O conceito chave de consciência e direito não são definidos, embora eles tenham recebido significados radicalmente diferentes na tradição Católica.[35] O reconhecimento da Igreja pelo Estado é suposto como um produto de circunstâncias particulares (parágrafo.6), mas também é afirmado que “nas sociedades humanas, diante do governo, a Igreja reclama a liberdade religiosa para si mesma em seu caráter de autoridade espiritual, estabelecida por Jesus Cristo [36](parágrafo.13), uma afirmação que pressupõe o reconhecimento do Estado da origem divina da Igreja.

O resultado dessas discordâncias e dessa falta de clareza é um documento cujo ensino é difícil de identificar. As discordâncias entre Rhonheimer e Pink são testemunhas disso; aqui estão dois inteligentes acadêmicos que fornecem interpretações do documento que não são nem mesmo vagamente similares. Alguém pode concluir que não existe de fato nenhum ensino coerente no documento, e que o Ensino Católico sobre a religião e o Estado permanece onde estava antes do Concílio Vaticano II.

DIGNITATIS HUMANAE E A TRADIÇÃO CATÓLICA

Mas essa conclusão é por si mesma insatisfatória. Há depois de tudo um documento conciliar sobre o tópico da liberdade religiosa; a intenção desse documento pode ser dita como pelo menos de ensinar algum tipo de liberdade religiosa. Nós devemos tentar extrair algum ensinamento inteligível sobre a liberdade religiosa do documento se isso for possível.

Esta tarefa de fato é possível. O primeiro passo para realizá-la é ter em mente os princípios gerais de interpretação dos documentos magisteriais. Esses documentos possuem um caráter legislativo, uma vez que eles estabelecem normas que todos os católicos estão obrigados a seguir. Eles se assemelham a legislação civil, no sentido que eles são destinados a concordarem com as outras legislações anteriores e serem interpretados em harmonia com elas, a menos que declarem explicitamente que a legislação anterior deve ser suprimida e substituída por eles. Os documentos também usam um vocabulário oficial que deve ser interpretado de acordo com o significado recebido que o vocabulário adquiriu em atos legislativos. As principais normas de interpretação dos textos magisteriais são, portanto, outros ensinamentos e o significado oficial da terminologia. Eles não devem ser interpretados primariamente em termos de visões pessoais e propostas de teólogos e bispos responsáveis pela sua redação e aprovação.

O próximo passo para a determinação do ensino da Dignitatis Humanae é seguir a sugestão de John Courtney Murray. Ele foi removido do processo de redação de maneira precoce na história do documento, e achou os argumentos da versão final insatisfatórios. Ele os dispensou com a afirmação de que “a autoridade do ensinamento Conciliar recai sobre aquilo que é afirmado, não sobre as razões aduzidas para sua afirmação” [37]. Yves Congar propôs uma visão semelhante, questionando se a autoridade do Concílio é empregada em grau equivalente para explicações das declarações dos documentos (parágrafo.3 ao 15) como para as declarações per si (paras. 1 e 2). [38] A posição de Murray é suportada pela falta de clareza do argumento no documento, e pelo fato de que ele pertence a uma categoria autoritativa menor de documento conciliar. Em uma constituição dogmática, o tipo mais autoritativo, todas as asserções sobre fé e moral podem ser ditas como tendo algum ensino autoritativo. Dignitatis Humanae é simplesmente uma declaração; em tal documento, as passagens que demandam assentimento são somente aquelas que são explicitamente afirmadas como sendo ensinadas pela Igreja.

O real ensinamento magisterial da Dignitatis Humanae está, portanto, contido nos parágrafos 1 e 2, não em suas ambíguas explicações nos parágrafos 3–15. A declaração essencial nesses parágrafos, a declaração em que a autoridade do concílio é invocada, é a seguinte:

“Esse concílio vaticano declara que a pessoa humana tem o direto à liberdade religiosa. Esta liberdade significa que todos os homens são imunes de coerção da parte de indivíduos ou grupos sociais ou qualquer poder humano, de tal maneira que ninguém deve ser forçado a agir de maneira contrária suas próprias crenças, privadamente ou publicamente, seja sozinho ou em associação com os outros, dentro dos justos limites. O concílio, além disso, declara que o direito à liberdade religiosa se funda na própria dignidade da pessoa humana e que essa dignidade se dá a conhecer pela palavra revelada de Deus e pela própria razão. … O direito à essa imunidade continua existindo mesmo naqueles que não cumprem com sua obrigação de procurar a verdade e a ela aderir, e o exercício desse direito não pode ser impedido, desde que a justa ordem pública [iustus ordo publicus] seja observada”. [39]

A nota de rodapé nessa passagem se refere a Leão XIII, Libertas, 30: PiXI, Mit Brennender Sorge, 30–31; Pio XIII, Radio mensagem de 24 de dezembro de 1942; e João XXIII, Pacem in Terris 14. Essas referências são relacionadas ao direito de praticar a verdadeira religião, com exceção da passagem de João XXIII, que não esclarece se é ou não é a verdadeira religião que está em questão [40]. O direito de praticar a verdadeira religião foi a compreensão do direito à liberdade religiosa ensinado pela Igreja previamente à Dignitatis Humanae. Essas referências, dessa forma, não nos auxiliam com o novo elemento de ensino do documento sobre o direito à liberdade religiosa, que é a declaração de que existe um direito de praticar outras religiões além da única verdadeira.

A declaração afirma que existe um direito civil [direito negativo que impede a coerção do indivíduo] de praticar falsas religiões a menos que tais práticas violem a justa ordem pública, “iustus ordo publicus”. Dessa forma, para entender o ensino da Dignitatis Humanae nós precisamos saber o que se entende por justa ordem pública. O documento por si mesmo não nos capacita a fazer isso, porque ele descreve a justa ordem pública em vagas generalidades tais como “um adequado cuidado da genuína paz pública, que surge quando os homens vivem juntos a boa ordem e na verdadeira justiça (parágrafo.7).”

Felizmente, essa vagueza não nos põe um problema de interpretação do documento, porque o termo “ordem pública”, “ordo publicus”, tem um significado estabelecido no direito canônico. O termo foi introduzido em 1917 no código Latino de Direito Cânonico, Canon 14, §1, ˚2. Esse canon foi introduzido para resolver a questão da obrigação de um viajante de obedecer às leis eclesiásticas locais em uma área onde ele esteja passando em suas viagens- leis tais como aquelas relacionadas às formas de casamento, que variaram conforme se os cânones do Concílio de Trento foram promulgados em determinada área. Previamente ao código de 1917, havia duas escolas de pensamento sobre essa questão; a escola de Suarez, que sustentou que o viajante estava obrigado a obedecer a todas as leis locais, e a escola de Thomas Sanchez (1551–1610), que sustentou que o viajante não estava obrigado a obedecer as leis locais, mas somente aquelas relacionadas a formalidades contratuais, ou aquelas cuja violação causaria dano a comunidade local. O código de 1917 tomou o lado da escola de Sanchez, e estabeleceu que os viajantes não estavam obrigados pelas leis locais “iis exceptis quae ordinis publico consulunt”, “exceto por aquelas leis que asseguram a justa ordem pública”. Esta foi a primeira ocorrência do termo “ordem pública” no código de direito canônico, embora ela tivesse um significado estabelecido na lei civil quando foi introduzido no código de 1917. As obras autoritativas sobre o significado do termo estão em John Leo Hamill, The Obligations of the Traveler According to Canon 14 (Washington, D.C.: Catholic University of America Press,1942), and John Henry Hackett, The Concept of Public Order (Washington, D.C.: Catholic University of America Press, 1959). O fato de que Hackett pode escrever um livro sobre o significado dessa expressão indica que ela tinha um status bem estabelecido como um termo canônico.

Há duas visões sobre o significado do termo “ordo públicos” entre os canonistas. Uma das visões mencionadas refere-se simplesmente ao bem comum enquanto tal. A outra visão interpreta de maneira mais limitada, referindo-se aos elementos essenciais do bem comum. Hackett descreve a segunda visão dessa forma; “As leis que protegem a ordem pública são somente aquelas que tem como seu objeto direto a proteção de um bem que é indispensável à sociedade enquanto tal … Somente uma lei que claramente é caracterizada pela necessidade social é uma lei que salvaguarda a ordem pública [41] A visão mais limitada é a mais favorecida pelos canonistas, e será a que nós tomaremos como a visão correta. É importante notar que embora o Código de 1917 tenha sido aquele em vigor quando Dignitatis Humanae foi promulgada, e é, portanto, a referência apropriada para a interpretação de “ordo publicus”, o termo foi mantido no Código de 1983 (canon 13 §2 °2), e os canonistas concordam que seu significado no código posterior é o mesmo do anterior.[42]

O ensino da Dignitatis Humanae sobre o direito à liberdade religiosa deve ser, portanto, entendido como uma afirmação de que há sempre um direito de praticar a verdadeira religião, e que há um direito de praticar a falsa religião [ direito aqui no sentido negativo] a menos que tais práticas infrinjam as leis que defendem o essencial do bem comum. Isso claramente levanta a questão de qual a natureza do bem comum para a sociedade humana, mas esta questão é respondida por João XXIII em Pacem in Terris:

57. A este respeito, chamamos a atenção de nossos próprios filhos para o fato de que o bem comum é algo que afeta as necessidades de todo o homem, corpo e alma. Este, então, é o tipo de bem que os governantes dos Estados devem tomar as medidas adequadas para garantir. Eles devem respeitar a hierarquia de valores, e almejar alcançar a prosperidade espiritual e material de seus súditos. (42 Cf. Pio XII, Summi Pontificatus, 58–59.) . . .

59. Consistindo, como ele é, de corpo e alma imortal, o homem não pode nesta vida mortal satisfazer suas necessidades ou alcançar a felicidade perfeita. Assim, as medidas tomadas para a concretização do bem comum não devem pôr em perigo a sua salvação eterna; na verdade, elas devem até mesmo ajudá-lo a obtê-lo. (44 Cf. Pius XI, Quadragesimo anno, 118–119.) [43]

O bem comum pelo qual o estado é responsável inclui, portanto, o bem-estar espiritual do homem assim como seu bem-estar temporal. Isso se segue, como a encíclica diz, da afirmação de que o bem comum inclui as necessidades de todo o homem, como é afirmado em Gaudium et Spes 74. Uma vez que a salvação eterna não é somente uma necessidade de todo o homem, mas a principal e última necessidade do homem por inteiro, o que pertence a salvação eterna também pertence ao essencial do bem comum.

Visto que i) o direito de praticar uma falsa religião [não ser impedido a praticar] é limitado pela obrigação de respeitar a justa ordem pública, ii) a obrigação de respeitar a justa ordem pública é a obrigação de respeitar o essencial do bem comum, e iii) a verdade religiosa é essencial para o bem comum, segue-se que o direito de praticar as falsas religiões é limitado pela exigência de se respeitar a verdade religiosa. Logo, qualquer prática religiosa que prejudica a crença na verdadeira religião pode e deve ser reprimida pelo estado, a menos que tal repressão criasse mais prejuízo ao bem comum do que a sua promoção. Mas todos tem o direito à liberdade de prática religiosa, mesmo a prática de uma falsa religião, desde que tal prática não prejudique o bem temporal ou a verdadeira religião.

Essa interpretação da Dignitatis Humanae pode parecer baseada em um jogo de palavras canonista. É, no entanto, importante compreender o que emerge dos desenvolvimentos decisivos na história da Igreja no século XX. Esses desenvolvimentos tiveram seu início na Action Française, um movimento nacionalista francês liderado por Charles Maurras. Maurras era um ateísta e seguidor de Auguste Comte, o fundador do positivismo no século XIX. Ele odiava judeus, a quem ele detestava por terem espalhado o monoteísmo e fez do anti-semitismo uma parte central da mensagem da Action Française. O Catolicismo, em sua visão, efetivamente aboliu o monoteísmo pela substituição de Deus pela Igreja, e como resultado isso foi aceitável e, de fato, valioso. [44] Ele rejeitou a democracia e defendeu um retorno da monarquia absolutista na França, e cortejou os Católicos Franceses com o objetivo de obter suporte para seu programa político. Muitos Católicos Franceses, em desacordo com a terceira república, foram receptivos a proposta de Maurras de uma aliança. Para justificar a aceitação da liderança de um homem que considerava o monoteísmo como um mal desastroso, eles apelaram para análise de Pedro Desqcoqs S.J., um convincente Suareziano [45]

Descoqs argumentou a partir do ponto de vista de Suarez que a graça não envolveria apenas o dom de merecer a salvação eterna, mas também o dom de um fim sobrenatural para a natureza humana, um fim que encontra sua plenitude na visão beatífica. Suarez defendeu que sem o dom de um fim sobrenatural, a felicidade humana consistiria em adquirir os bens naturais do mundo. Ele, portanto, defendeu que o Estado tinha um fim puramente natural independente do sobrenatural [46]. Descoqs argumentou que uma vez que o fim natural do homem era independente do seu fim sobrenatural, é possível para os Católicos cooperar em assuntos temporais com os infiéis, já que a concordância sobre a natureza dos bens temporais era independente da concordância sobre o sobrenatural. Era, portanto, legítimo para os Católicos cooperarem com Maurras, um infiel, em busca dos bens temporais. Os católicos franceses que rejeitaram o Catolicismo Liberal receberam bem essa conclusão, e muitos deles, inclusive Jacques Maritain, apoiaram entusiasticamente a Action Française. [47]

A defesa de Desqcoqs da Action Française foi saudada com repulsa por um de seus estudantes, Henri de Lubac. De Lubac sentia que a cooperação Católica com o anti-religioso e fanático Maurras era imoral, e isso o levou a rejeitar a teologia da graça utilizada para justificá-la. Em uma série de livros – Surnaturel, Le mystère du surnaturel, Augustinismo et théologie moderne – ele argumentou contra a visão de que a graça concedia o dom de um novo fim sobrenatural, e alegou que a felicidade sobrenatural da visão beatífica era o fim da natureza humana enquanto tal. A visão de de Lubac ganhou prestígio na França como resultado do regime Vichy. A Action Française foi profundamente comprometida com esse regime, e alguns de seus membros Católicos mais proeminentes, tais como Raphaäel Alibert, estavam envolvidos nos piores crimes. Alibert introduziu o primeiro Vichy Statut des Juifs, que despojou os judeus de seus direitos de cidadania. [48] Enquanto isso, de Lubac tomou parte em campanhas contra o anti-Semitismo, e teve de se esconder para escapar da Gestapo.

A maioria do clero francês e da hierarquia tinha avidamente apoiado Pétain. A vitória da Gália e dos Aliados, e a vergonha dos crimes de Vichy, deu a eles um forte incentivo para distrair a atenção do seu passado com Vichy, endossando entusiasticamente aqueles que se opuseram ao regime. Desse modo, as visões teológicas de de Lubac adquiriram credenciais progressistas indiscutíveis, que foram aprimoradas quando a encíclica de Pio XII Humani Generis pareceu criticar sua posição. Foi assim que a inexistência de um fim natural do homem foi aceita no catecismo de teólogos progressistas. Isso levou à consequências, a inexistência de um fim natural autônomo do Estado, sendo afirmado em Pacem in Terris, que pretendia incorporar elementos progressistas como um contrapeso à política do papado anterior. Algum crédito pelo sucesso dessa visão deve ser concedido ao poder do argumento de Lubac contra o efeito secularista da posição Suarezista, que sem dúvida teve um efeito naqueles bispos e teólogos que leram seus longos livros.

O ensino de que o Estado deve promover o bem sobrenatural tanto quanto o bem natural tem, portanto, uma base sólida no trabalho de de Lubac. De fato, este ensinamento faz ser necessário adotar a visão de liberdade religiosa exposta aqui como o ensinamento da Dignitatis Humanae, desconsiderado o conteúdo do documento per si. Se alguma coisa é essencial para o bem comum, o estado deve reprimir qualquer ataque a isso. A única alternativa seria aceitar a visão de Murray de que o estado não possui responsabilidade pelo bem comum. Tal visão seria muito discordante do resto do ensinamento Católico e da tradição sobre o papel do Estado, e seria muito difícil de defender com uma base puramente racional. A negação do bem natural do homem não é necessária para essa visão de Estado, já que até mesmo na visão de Suarez o fim do homem é de facto sobrenatural, mas é suficiente para esta visão.

Quando a Dignitatis Humanae é lida à luz da Pacem in Terris dessa maneira, ela pode ser vista como uma importante clarificação da doutrina que confere um tipo de liberdade religiosa rejeitada por teólogos Católicos importantes no passado. Isso implica que a Igreja não tem o direito de usar o Estado para coagir os batizados a cumprirem todas as suas promessas batismais, e que nem a Igreja e nem o Estado possuem o direito de tentar influenciar o ato interno de fé através da coerção religiosa. Pois tal ato interno é por natureza independente do bem comum, e o Estado, portanto, não está autorizado a exigir ou procurar produzir esse ato por meios coercitivos. A posição de Suarez sobre a legitimidade da coerção do ato interno de fé é moralmente ultrajante, e prenuncia o mais vil dos crimes totalitários posteriores. Seu repúdio pela Igreja é um progresso real em defesa da liberdade e dignidade humana.

Além disso, esse repúdio é uma posição de princípio. Na visão de Pink, a Igreja somente fez uma decisão pragmática ao não reclamar o direito de usar o Estado para coagir os batizados a crerem e a praticarem a fé. Ela não negou a existência desse direito, e não é difícil enxergar que a posição Suarezista foi a generalizadamente aceita e oficialmente endossada, e sempre que Igreja recuperasse sua influência na sociedade , tal como ela possuía na Idade Média, tal coerção seria praticada. A interpretação de Pink da Dignitatis Humane apresenta o documento como fazendo um pouco mais do que reconhecer as implicações da impotência da Igreja sobre a sociedade moderna, e concede a licença para Igreja de adotar um comportamento que ela poderia justamente suprimir se ela tivesse o poder- tal como o Papa Gigante em Pilgrim`s Progress, sorrindo para os cristãos não católicos enquanto passam, mas roendo as unhas por não poder chegar até eles. A interpretação proposta neste artigo é mais atrativa, assim como um entendimento mais verdadeiro da posição católica sobre a liberdade religiosa.

[1] See Fr. Martin Rhonheimer, ‘L’“hermeneutique de la r ´ eforme” et la libert ´ e de reli- ´ gion’, Nova et Vetera, no 4, 0ct.-Dec. 2010.; ‘Benedict XVI’s “Hermeneutic of Reform” and Religious Freedom’, Nova et Vetera vol. 9, no. 4, English edition, (2011); Prof. Thomas Pink, ‘Rhonheimer on religious liberty’, at http://rorate-caeli.blogspot.com/2011/08/onreligious-liberty-and-hermeneutic-of.html#more; ‘Suarez and Bellarmine on the Church as coercive lawgiver’, https://www.academia.edu/8577465/Suarez_and_Bellarmine_on_the_ 

Church_as_Coercive_Lawgiver; ‘What is the Catholic doctrine on religious liberty?’,
 https://www.academia.edu/639061/What_is_the_Catholic_doctrine_of_religious_liberty.

[2] Rhonheimer (2011), p. 1038

[3] Rhonheimer (2011), p. 1038

[4] Dio Cassius, Loeb Classical Library, Roman History, vol. VI (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1917), 36:1, p . 173. The speech is of course not historical, and expresses Dio’s own political ideas, but these ideas were characteristic of the senatorial class to which he belonged.

[5] All biblical citations are from the RSV

[6] The Theodosian Code, tr. Clyde Pharr (New York, N.Y.: Greenwood Press, 1952), book XVI, title 1, 2, p. 440.

[7] The Theodosian Code (1952), book XVI, title 5, 39, p. 457

[8] St. John Chrysostom, Library of the Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. X: Homilies on the Gospel of St. Matthew, tr. G. Prevost, rev. M. B. Riddle (New York: Christian Literature Publishing Co., 1886), p. 289

[9] See J.H.W.G. Liebeschuetz, Ambrose of Milan: Political Letters and Speeches (Liverpool: Liverpool University Press, 2010), and Ambrose and John Chrysostom: Clerics between Desert and Empire (Oxford: OUP, 2011).

[10] Nicene and Post-Nicene Fathers: Second Series, Volume XII Leo the Great, Gregory the Great, Philip Schaff and Henry Wace eds. (Grand Rapids: Eerdmans, 1997), p. 100.

[11] For Celestine’s letter and the teaching it contains, see F. Cavallera, ‘La doctrine du prince chretien’, ´ Bulletin de literature ecclesiatique ´ , 1937, pp. 67–78, 119–135, 167–179.

[12] Nicene and Post-Nicene Fathers, Second Series, Vol. 14: The Seven Ecumenical Councils, Philip Schaff and Henry Wace eds. (Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1900), p. 337

[13] Sir Geoffrey Elton, ‘Introduction’, Studies in Church History 21: Persecution and Toleration, W. J Sheils ed. (Basil Blackwell: Oxford, 1984), p. xiii; for this consensus see also Peter Garnsey, ‘Religious toleration in classical antiquity’, in Sheils (1984), p. 1; Franc¸ois Paschoud, ‘L’Intolerance chretienne vue et jug ´ ee par les pa ´ ¨ıens,’ Cristianesimo nella Storia, 11 (1990), pp. 545–77; Peter Brown, ‘Christianisation and religious conflict’, The Cambridge Ancient History vol. 13: The Late Empire, A.D. 337–425 (Cambridge: Cambride University Press, 2008).

[14] H.A. Drake, Constantine and the Bishops: The Politics of Intolerance (Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2000). Elizabeth DePalma Digeser, ‘Lactantius, Eusebius and Arnobius: Evidence for the Causes of the Great Persecution’, Studia Patristica 39 (2006): 33–46: ‘Lactantius, Porphyry, and the Debate over Religious Toleration’, Journal of Roman Studies 88 (1998), 129–46: The Making of a Christian Empire: Lactantius and Rome (Ithaca: Cornell University Press, 2000): ‘Porphyry, Lactantius, and the Paths to God,’ Studia Patristica: Papers presented at the Thirteenth International Conference on Patristic Studies held in Oxford 1999, vol. 34. M. F. Wiles and E. J. Yarnold eds. (Peeters: Leuven, 2001), 521–8

[15] The Ante-Nicene Fathers, vol. VII: Fathers of the Third and Fourth Centuries, Alexander Roberts, James Donaldson, and A. Cleveland Coxe eds. (Buffalo, NY: Christian Literature Publishing Co., 1886), p. 244

[16] Ante-Nicene Fathers vol. VII (1886), p. 156

[17] Drake (2000), pp. 346–350,416, 481.

[18] See Pierre Bayle, Nouvelles de la republique des lettres ´ , in Oeuvres diverses de Pierre Bayle (La Haye, 1727–1731), vol. 1, p. 576. Bayle here follows Sebastian Castellio, who makes a similar appeal to Tertullian and Lactantius in his Concerning heresies.

[19] See Brown (2008) on this conception of war between spiritual powers.

[20] On this chorus see Elizabeth Digeser, ‘An Oracle of Apollo at Daphne and the Great Persecution’, Classical Philology 99 (2004): 57–77

[21] ‘In tanta igitur depravatarum opinionum perversitate, Nos Apostolici Nostri officii probe memores, ac de sanctissima nostra Religione, de sana doctrina, et animarum salute Nobis divinitus commissa, ac de ipsius humanae societatis bono maxime solliciti, Apostolicam Nostram vocem iterum extollere existimavimus. Itaque omnes et singulas pravas opiniones ac doctrines hisce Litteris commemoratas Auctoritate Nostra Apostolica reprobamus, proscribimus atque damnamus, easque ab omnibus catholicae Eccelsiae filiis, veluti reprobatas, proscriptas atque damnatas omnino haberi volumus et mandamus.’ Herbert Vaughan, The year of preparation for the Vatican Council : including the original and English of the encyclical and syllabus, and of the papal documents connected with its convocation (London: Burns, Oates and Co, 1869), pp. xiii-xiv.

[22] The assertion that the encyclical did not contain infallible teaching was dismissed  as ‘manifestly improbable’, ‘plane improbabile’, by canonists; see F.-X. Wernz, Jus decretalium ad usum praelectionium in scholis textus canonici sive juris decretalium (Romae: ex Typographia polyglotta S. C. de propaganda fide1898–1914), Vol. 1 (1905), not. 58,  p. 385.

[23] John Henry Newman, Letter addressed to the Duke of Norfolk, on occasion of Mr.  Gladstone’s Expostulation of 1874, in Certain Difficulties Felt by Anglicans In Catholic
 Teaching Considered (London: Longmans, Green and Co, 1900), vol. 2, p. 317.

[24] The former position implied that the state is incompetent in  matters of religion, and hence that there is a right for religious belief of
 any kind to be free of state coercion provided that it does not infringe on others’ rights. This according to Murray is the teaching of Dignitatis
 Humanae, a teaching that is a development of the former, Gelasian position of Leo XIII.

[25] Jan Grootaers, Actes et acteurs a Vatican II ` (Leuven: Leuven University Press, 1998),  p. 285.

[26] Giuseppe Alberigo and Joseph Komonchak, History of Vatican II, vol. V (Maryknoll: Orbis, 2006), pp. 545–6, 548

[27] See Philippe Chenaux, Paul VI et Maritain: Les Rapports du ‘Montinianisme’ et du ‘Maritanisme’ (Brescia: Istituto Paolo VI, 1994)

[28] See Jacques and Ra¨ıssa Maritain, Oeuvres completes vol. XVI (Fribourg: Editions ´ universitaires, 1999), p. 1086

[29] These disagreements are chronicled by Grootaers (1998), who notes the ‘profound dissatisfaction of the most representative figures of the Conciliar majority at the proposed
 Murray-Pavan draft text’; p. 78.

[30] See Vatican II: La liberte religieuse ´ (1967) p. 81, and Jan Grootaers, Actes et acteurs a` Vatican II (Leuven: Leuven University Press, 1998), p. 285.

[31] See Ralph Wiltgen, The Rhine Flows Into the Tiber (Chawleigh: Augustine Publishing,  1978), pp. 247–249

[32] See the council’s Acta Synodalia IV, V (Roma: Typis Polyglottis Vaticanis), pp. 79,  102–102, 116

[33] See the council’s Acta Synodalia IV, V (Roma: Typis Polyglottis Vaticanis), pp. 79,  102–102, 116

[34] http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_ decl_19651207_dignitatis-humanae_en.html

[35] http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_ decl_19651207_dignitatis-humanae_en.html

[36] http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_ decl_19651207_dignitatis-humanae_en.html

[37] John Courtney Murray, ‘Arguments for the Human Right to Religious Freedom’, at  http://woodstock.georgetown.edu/library/murray/1968.htm

[38] Yves Congar, ‘Que faut-il entrendre par “Declaration”?’, in ´ Vatican II: La liberte´ religieuse (1967), p. 51

[39] http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_ decl_19651207_dignitatis-humanae_en.html.

[40] See Vatican II: La liberte religieuse ´ (1967), pp. 69–71, on this passage. The passage does not specify whether, in referring to the right of following the just rule of conscience, ‘ad rectam conscientiae suae normam’, it understands ‘just rule of conscience’ in the Thomist sense as a conscience that conforms to the objective norms of truth, or in
 the Suarezian sense as a conscience whose judgment can morally be followed, even if the judgment is false.

[41] Hackett (1959), p. 52. This meaning of ‘ordo publicus’ in canon law also discussed in C.  Antoine, ‘Etrangers’, ´ Dictionnaire de theologie catholique ´ t. 5.1, col. 986: A. Molien, ‘Lois’, Dictionnaire de theologie catholique ´ t. 9.1, col. 894–895: New Commentary on the Code of Canon Law, John P. Beal, James A. Coriden, Thomas J. Green eds., (New York: Paulist Press, 2000), p. 66: R. Le Picard, ‘La notion d’ordre public en droit canonique’, Nouvelle revue theologique ´ , 55(1928), pp. 364–367, and ‘Bien public, bien prive’, dans ´ Dictionnaire de droit canonique, t. II, ed. R. Naz, Paris, Librairie Letouzey et An ´ e, 1937, cols. 829–831: ´ A. van Hove, ‘Leges quae ordini publico consulunt’, Ephemerides theologicae Lovanienses, 1 (1924), pp. 153–155.

[42] See Code of Canow Law Annotated, Ernest Caparros, Michel Theriault, and Jean Thorn ´ eds. (Montreal: Wilson & Lafleur, 2004), p. 41

[43] http://www.vatican.va/holy_father/john_xxiii/encyclicals/documents/hf_j-xxiii_enc_ 11041963_pacem_en.html.

[44] This sounds like a caricature, but it is in fact an accurate account of Maurras’s views  (whose expression he fudged or softened at times in order not to wound Catholic sensibilities). It is documented in Victor Nguyen, Aux origines de l’Action franc¸aise (Paris: Fayard,  1991), and Michael Sutton, Nationalism, Positivism and Catholicism: The Politics of Charles  Maurras and French Catholics, 1890–1914 (Cambridge: CUP, 1982

[45] Pedro Descoqs, S. J., A travers l’œuvre de M. Ch. Maurras, 3rd ed. (Paris: Beauchesne,  1913).

[46] See Jacques Prevotat, ´ Les Catholiques et l’Action franc¸aise, histoire d’une condamnation 1899–1939 (Paris: Fayard, 2001).

[47] See Jacques Prevotat, ´ Les Catholiques et l’Action franc¸aise, histoire d’une condamnation 1899–1939 (Paris: Fayard, 2001).

[48] Vichy Statut des Juifs

ARTIGO ORIGINAL: Lamont, J.R. (2015), Catholic Teaching on Religion and the State. New Blackfriars, 96: 674–698. https://doi.org/10.1111/nbfr.12139

Curriculum Vitae: https://acu-au.academia.edu/JohnLamont/CurriculumVitae

Dr. John R. T. Lamont is a Canadian Catholic philosopher and theologian. He studied philosophy and theology at the Dominican College in Ottawa and at Oxford University, and has taught philosophy and theology in Catholic universties and seminaries. He is the author of Divine Faith (Ashgate, 2004), and of a number of academic papers; his academic website is at https://acu-au.academia.edu/JohnLamont.

 

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