Sábado, Dezembro 21, 2024

O Ecumenismo depois do CV II

O Concílio Vaticano II induziu, sem dúvida, a uma renovação no entendimento das relações entre a Igreja Católica e outras Igrejas e Comunidades cristãs. Trataremos aqui sobre os gestos significativos – convite aos protestantes e ortodoxos para participar como observadores, nos trabalhos do concílio, a suspensão mútua das excomunhões entre Roma e Constantinopla – para se concentrar nos textos, isto é, principalmente na Constituição Lumen gentium e Unitatis redintegratio. Veremos, na ordem: 1) a eclesiologia do Vaticano subjacente às suas posições sobre o ecumenismo 2) os “avanços” do concílio nesta área 3) pontos de interrupção que não permitem questionar o fato de que a Igreja Católica é o único instrumento de salvação.

 

1) Observa-se, antes de tudo, que o ecumenismo do Concílio Vaticano II não pode se dissociar de sua eclesiologia. Identificam-se três aspectos da eclesiologia que serão úteis para á nossa proposta.

 

a)   A Igreja é apresentada como “universal sacramento de salvação” (Lumen gentium, LG 48). A sacramentalidade é aplicada à Igreja de forma analógica: “veluti[1] (LG 1): nunca se pretendeu fazer da Igreja um oitavo Sacramento! Esta abordagem tem a vantagem de fazer um paralelo entre Igreja e Encarnação: na Igreja, o aspecto visível é o Espírito de Deus, em Cristo, a humanidade de Jesus é a Palavra divina (LG 8). A relação entre o visível e a graça baseia-se na categoria do sacramental (o sacramento é o sinal sensível de uma realidade sagrada, na medida em que santifica o homem) e o Concílio tem o cuidado de precisar que, se a Igreja é um sacramento, não o é apenas como um “sinal” que atesta, mas também como “instrumento”, que atualiza (LG 1) a salvação.

b)   A Igreja de Cristo é dito que “subsiste” na Igreja Católica (LG 8) para destacar que existe apenas uma “subsistência ” da verdadeira Igreja, ao passo que fora de seu todo visível existem apenas “elementa Ecclesiae“, que – por serem elementos da mesma Igreja – tendem e conduzem em direção à Igreja Católica (LG 8) “ (1). “Subsistir” – diz ainda que o Cardeal Ratzinger – é existir em um sujeito individual, por definição, incomunicável, o que equivale a “exprimir a singularidade e não a multiplicidade da Igreja Católica” (2). Tal interpretação do “subsistit in” não envolve um ecumenismo de retorno dos cristãos para a Igreja (Católica) e não defende um ecumenismo de “estabelecimento da plena comunhão das Igrejas e Comunidades eclesiais com a Igreja Católica” (3).

c)   A fórmula, que se recebeu da tradição, “fora da Igreja não há salvação” é entendida “pelo que, não se poderiam salvar aqueles que, não ignorando ter sido a Igreja católica fundada por Deus, por meio de Jesus Cristo, como necessária, contudo, ou não querem entrar nela ou nela não querem perseverar”. (LG 14). Se o concílio não desenvolve a doutrina de Pio XII sobre a pertença invisível (in voto) à Igreja daqueles que não estão concretamente ligados com a instituição eclesial, é sem dúvida, pelas seguintes três razões: 1. exceder a uma visão considerada muito exterior e jurídica da Igreja-sociedade; situar a necessidade da Igreja menos do lado da pertença da questão (causa material) que do exercício imperioso da missão salvífica (causa eficiente); evitar o “anexionismo” de “católicos contra vontade”!

 

2. Se até então o Magistério considerava a salvação daqueles – particularmente dos cristãos – que estivessem fora dos limites visíveis da Igreja Católica, independentemente da sua adesão a uma outra confissão (cristã), o Concílio explicitamente passa agora a levar em conta esta adesão. O conceito de “pertença pelo desejo implícito” já evocado substitui o de “comunhão” (cf. LG 15 e UR 3) que parece referir-se de forma mais adequada ao vínculo com Igreja-sacramento.

Assim, do plano subjetivo das pessoas, passamos ao plano objetivo dos meios: dos “elementos” ou dos “bens” que podem “existir fora do âmbito da Igreja católica” (UR 3) e que contudo são salutares e, por consequência, salvíficos. Os elementos salvíficos mencionados também são claramente visíveis (a Palavra, os sacramentos, a veneração da Virgem Maria) e invisíveis (dons espirituais). O uso desses bens é encontrado em outras Igrejas e comunidades cristãs, ” ações sagradas [ …] pode realmente produzir a vida da graça” e “… abrir a porta à comunhão da salvação” (UR- 3). Dos meios presentes naquelas outras comunidades cristãs, enfim, nos remonta àquelas próprias comunidades, que “de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação”. Pois, “Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação (tamquam mediis salutis)” (ibid.).

 

3. Esta “certa” comunhão de pessoas, membros de outras comunidades cristãs, com a Igreja Católica, no entanto, é descrita como “não é perfeita” (UR 1). Passemos agora ao termo “elementos”, que parece acenar ao “vestigia ecclesiae” de Calvino, isto é, “vestígios residuais e tristes”. Os meios de santificação encontrados nessas outras comunidades cristãs “pertence por direito à única Igreja de Cristo” (UR 3) e “conduzem a unidade católica” (LG 8). A fé, com efeito, se confessa nos Credos como uma síntese coerente onde verdades se articulam, todas  baseadas na autoridade de Deus que se revela. É somente pela Igreja Católica “que pode obter toda a plenitude dos meios de salvação” (ibid.). Pertence portanto “à única Igreja Católica”, que é “o meio geral de salvação (salutis Geral Auxilium)” (Ibid.). A força dessas outras comunidades cristãs “deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja católica” (UR 3).

 

Em outras palavras, o valor salvífico destas comunidades vem de sua participação na Igreja Católica. Assim, na medida em que nelas  alguns elementos são semelhantes – e não na medida em que apresentam outros – àqueles encontrados na Igreja Católica dos meios de salvação acima mencionados; e assim como, na medida em que elas são, sob alguns aspectos, semelhantes – e não na medida em que diferem – à Igreja Católica, essas outras comunidades não são de maneira alguma desprovidas de significado e valor no mistério da salvação. A Encíclica Ut Unum Sint, de 25 de maio de 1995, insiste na direção do paralelismo “na medida em que”: “Na medida em que tais elementos [que na Igreja Católica se integram na plenitude dos meios de salvação e dons da graça que fazem parte da Igreja] se encontram nas outras Comunidades cristãs, a única Igreja de Cristo tem nelas uma presença operante.”(n. 11). Em outras palavras, o valor salvífico de outras comunidades cristãs não anula suas identidades/alteridades (ou seja, na medida em que ela são elas mesmas e não são tão diferentes da Igreja Católica).  Declaração Dominus Iesus, de 6 de Agosto de 2000 e a anterior Nota da Congregação para a Doutrina da Fé de 30 de junho sobre a expressão “Igreja irmã” indicam, ainda, que “as Comunidades eclesiais, invés, que não conservaram um válido episcopado e a genuína e íntegra substância do mistério eucarístico,61 não são Igrejas em sentido próprio.”(DJ 17)

 

Quanto ao papel ativo desempenhado pela Igreja no que diz respeito a salvação (eficiência instrumental), note-se que não há qualquer justificação para os luteranos alegarem que a Igreja não é o sinal que certifica a obra da salvação realizada por Cristo, com a exclusão de qualquer outra mediação dinâmica, mesmo subordinada e participativa.

 

[1] NT: “… a Igreja, em Cristo, é como que o sacramento,…” (LG, 1)

 

Fonte: La Nef n°133 de Dezembro de 2003

 

PARA CITAR


GOUYAUD, Pe. Christian. O Ecumenismo depois do CV II – Disponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/ecumenismo/687-o-ecumenismo-depois-do-cv-ii >. Desde: 03/06/2014. Tradução: JBF.

 

 

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