O consenso unânime dos Padres (unanimem consensum Patrum) refere-se ao ensino moralmente unânime dos Padres da Igreja sobre certas doutrinas como reveladas por Deus e interpretações das Escrituras como recebidas pela Igreja universal. Os Padres individuais não são pessoalmente infalíveis, e uma discrepância por alguns testemunhos patrísticos não prejudica o testemunho patrístico coletivo.
A palavra “unânime” vem de duas palavras latinas: unus, uma + animus, mente. “Consensum” em latim significa acordo, consentimento, e harmonia; sendo da mesma mente ou opinião. É quando os pais falam em harmonia, com uma mente global, não significa necessariamente que todos e cada um estejam de acordo sobre todos os detalhes, mas por consenso e geral acordo temos “consenso unânime”. Os ensinamentos dos Padres nos fornecem um autêntico testemunho da tradição apostólica.
O consentimento unânime se desenvolve a partir da compreensão do ensino apostólico preservado na Igreja com os Padres como seu testemunho autêntico.
São Vicente de Lerins, explica o ensinamento da Igreja:
“Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é a verdadeiro e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguimos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessamos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separamos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por último, se, nesta mesma antiguidade, abraçamos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres” (Comonitório 2).
Observe que São Vincente menciona “quase todos bispos e mestres”.
A frase Consentimento unânime dos Padres tinha uma aplicação específica como usada no Concílio de Trento:
“Decreta também com a finalidade de conter os ingênuos insolentes, que ninguém, confiando em sua própria sabedoria, se atreva a interpretar a Sagrada Escritura em coisas pertencentes à fé e aos costumes que visam a propagação da doutrina Cristã, violando a Sagrada Escritura para apoiar suas opiniões, contra o sentido que lhe foi dado pela Santa Amada Igreja Católica, à qual é de exclusividade determinar o verdadeiro sentido e interpretação das Sagradas Letras; nem tampouco contra o unânime consentimento dos santos Padres, ainda que em nenhum tempo se venham dar ao conhecimento estas interpretações.” (Sessão IV)
E reiterada no Concílio Vaticano I
“Todavia, já que o salutar decreto dado pelo Concílio Tridentino sobre a interpretação da Sagrada Escritura para corrigir espíritos petulantes é erradamente exposto por alguns, Nós, renovando o mesmo decreto, declaramos que o seu sentido é que, nas coisas da fé e da moral, pertencentes à estrutura da doutrina cristã, deve-se ter por verdadeiro sentido da Sagrada Escritura aquele que foi e é mantido pela Santa Madre Igreja, a quem compete decidir do verdadeiro sentido e da interpretação da Sagrada Escritura; e que, por conseguinte, a ninguém é permitido interpretar a mesma Sagrada Escritura contrariamente a este sentido ou também contra o consenso unânime dos Santos Padres.” (Decretos Dogmáticos do Concílio Vaticano I, cap. 2).
Os Padres conciliares, aplicavam especificamente a frase para a interpretação da Escritura. A Confusão bíblica e teológica era galopante, na esteira da Reforma Protestante. Martinho Lutero afirmou:
“Há quase tantas seitas e crenças, quanto há cabeças; este não admite o Batismo; aquele rejeita o sacramento do altar; outros lugares um outro mundo entre o presente e o dia do juízo; alguns ensinam que Jesus Cristo não é Deus. Não há um indivíduo, por mais palhaçada que seja, que não tem a pretensão de ser inspirado pelo Espírito Santo, e que não estendeu como profecias seus delírios e sonhos”.[1]
Uma ótima definição de Consenso Unânime, com base na nos concílios da Igreja, é fornecido no Dicionário Católico Maryknoll:
“Quando os pais da igreja forem moralmente unânimes em seu ensino de que uma determinada doutrina é uma parte da revelação, ou é aceita pela igreja universal, ou que o seu oposto é uma heresia, então seu testemunho conjunto é um determinado critério de revelação divina. Não sendo os pais pessoalmente infalíveis, o testemunho contrário de um ou de dois não seria destrutivo ao valor do testemunho coletivo; basta uma simples unanimidade moral“. (Maryknoll Catholic Dictionary, pg. 153).
O Concílio de Trento afirmou que o conhecimento apropriado das Escrituras era aquele praticado pelos pais da Igreja para trazer ordem ao caos. William Webster se opõe a esta definição (cf. The Church of Rome at the Bar of History [Carlisle, PA: Banner of Truth Trust, 1995]). Ele mal interpreta os pais da Igreja a partir de um conceito errôneo do que é “consenso unânime”. Primeiro, ele diz que para que haja consentimento unânime os pais da Igreja precisam ensinar as mesmas doutrinas, nos mesmos termos, de forma clara, como usadas nos Concílios da Igreja. Este é um conceito errado e mesmo na lei americana temos que consentimento unânime “não significa que todos os presentes votaram uma dada proposta, mas quer dizer, e geralmente diz, que quando um voto [verbal] é dado, não houve voto em negativo” (Black’s Law Dictionary). Segundo, ele aplica o termo não em direção às Escrituras, mas à Tradição da Igreja. Suas asserções não são verdadeiras, e utilizando uma definição e aplicação errada do consenso unânime dos pais, faz uso de passagens de textos patrísticos para dar razão às suas alegações.
Como exemplo, Padres individualmente podem explicar “A Pedra” em Mateus 16 como Jesus, Pedro, a confissão de Pedro ou a fé de Pedro.[2] Até mesmo o Catecismo da Igreja Católica se refere ao “Pedra” de Mateus 16 como Pedro em um lugar (Parágrafo 552) e sua fé (Parágrafo 424) em outro. Mateus 16 pode ser aplicado de muitas maneiras para refutar os falsos ensinos e de instruir os fiéis sem enfatizar a interpretação literal, histórica de Pedro como a rocha sobre a qual a Igreja foi construída. Webster e outros enfatizam diversas aplicações patrísticas de uma passagem bíblica como “prova’ de consentimento não-unânime.
Falando sobre as variações nas interpretações nos pais da Igreja, o Papa Leão XIII (Estudo sobre as Sagradas Escrituras, Providentissimus Deus, nov. 1893) escreve:
“Pelo fato de a defesa das Escrituras dever ser conduzida com vigor, todas as opiniões de um certo padre ou de um intérprete recente lançaram para explicações não necessitam ser idênticas. Pois eles, interpretando passagens onde assuntos foram julgados de acordo com o conhecimento de suas épocas, e nem sempre de acordo com a verdade, podem ter produzido opiniões que não são atualmente aprovadas. Portanto, devemos estar atentos e cuidadosamente aprender a discernir o que neles realmente pertence à fé e o que apenas está conectado a ela, e o que estabeleceram como consentimento unânime, pois ‘nos assuntos que não estão sob a obrigação da fé, os santos são livres para expressar opiniões diversas, assim como nós’, de acordo com a opinião de Santo Tomás.”
[1] Citação de Lutero: (Leslie Rumble, Bible Quizzes to a Street Preacher [Rockford, IL: TAN Books, 1976], 22).
[2] Ler mais sobre isto aqui: http://apologistascatolicos.com/index.php/apologetica/papado/504-pedro-a-rocha-ii1-testemunhos-patristicos
PARA CITAR
RAY, Steve Catholic Dictionary of Apologetics and Evangelism by Ignatius Press. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com.br/index.php/patristica/estudos-patristicos/773-o-consenso-unanime-dos-padres-da-igreja>. Traduzido por Rafael Rodrigues.
Salve Maria! Acho que não consegui ainda compreender este consenso. No caso, se dois de dez padres da Igreja tem a mesma opinião sobre um tópico, temos então um consenso unânime?
Na realidade o contrário, se apenas 2 tem uma opinião contrária temos ainda sim um consenso unanime. Lembrando que consenso unamime não significa necessariamente que todos padres tenham que ter falado sobre aquele assunto ou que eles tenham um crença similar em todos os termos, porque eram teólogos e falavam muitas vezes livremente onde uma doutrina universal ainda não havia sido definida.