Sábado, Dezembro 21, 2024

O cânon do Novo Testamento

 

INTRODUÇÃO


O Novo Testamento Católico, conforme definido pelo Concílio de Trento, não difere, no que diz respeito aos livros contidos nele, de todos os outros grupos cristãos na atualidade. Como o Antigo Testamento, o Novo tem seus livros deuterocanônicos e porções de livros, que tiveram sua canonicidade anteriormente como objeto de alguma controvérsia na Igreja. Estas disputas foram sobre os livros inteiros: a Epístola aos Hebreus, a de Tiago, a de II Pedro, Segunda e Terceira de João, Judas e Apocalipse; dando sete ao todo como número dos livros do Novo Testamento contestados. As partes anteriormente disputadas são três: a seção de fechamento do Evangelho de São Marcos XVI, 9-20 sobre as aparições de Cristo após a ressurreição; os versos de Lucas sobre o suor de sangue de Jesus (22, 43-44); a perícope adulterae ou narrativa da mulher apanhada em adultério (João 7, 53-8, 11). Desde o Concílio de Trento não é permitido a um católico questionar a inspiração destas passagens.

 

A FORMAÇÃO DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO (100-200 D.C)


A ideia de um claro e completo cânon do Novo Testamento já existente desde o início, isto é, desde os tempos apostólicos, não tem fundamento na história. O Cânon do Novo Testamento, assim como o do antigo, é o resultado de um desenvolvimento, de um processo estimulado por disputas com questionadores, tanto de dentro como de fora da Igreja, e retardado por certas obscuridades e hesitações naturais, e que não chegou a sua reta final até a definição dogmática do Concílio Tridentino.

 

O TESTEMUNHO DO NOVO TESTAMENTO SOBRE SI MESMO: AS PRIMEIRAS COLEÇÕES.

Aqueles escritos que possuem o selo inconfundível e garantia de origem apostólica foram desde o principio especialmente valorizados e venerados, e suas cópias avidamente procuradas pelas Igrejas locais e vários cristãos dos meios, ao invés das narrativas e a Logia, ou ditos de Cristo, provenientes de fontes menos autorizadas. Já no próprio Novo Testamento, há alguma evidência de certa difusão de livros canônicos: II Pedro 3, 15-16 supõe que seus leitores estavam familiarizados com algumas das Epístolas de São Paulo; O Evangelho de São João pressupõe implicitamente a existência dos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Não há indícios no Novo Testamento de um plano sistemático para a distribuição das composições Apostólicas, nem muito menos um cânon definido e deixado pelos Apóstolos à Igreja, ou de um auto-testemunho forte para inspiração divina. Quase todos os escritos do Novo Testamento foram evocados por ocasiões particulares, ou dirigidos a determinado destinatário. Mas podemos muito bem supor que cada uma das igrejas principais – Antioquia, Tessalônica, Alexandria, Corinto, Roma – procuravam pela troca com outras comunidades cristãs adicionar ao seu tesouro especial, e ler publicamente em suas assembléias religiosas todos os escritos apostólicos que tinham conhecimento. Foi, sem dúvida, desta forma que as coleções cresceram, e chegaram a integralidade dentro de certos limites, mas um número considerável de anos decorreram (e essa contagem a partir da composição do último livro) antes de todas as Igrejas, amplamente dispersas desde o início da cristandade, possuírem a nova literatura sagrada na íntegra. E esta falta de uma distribuição organizada, secundariamente, com a ausência de uma fixação antecipada do Cânon, deixou brecha para as variações e as dúvidas que vararam os séculos. Mas a evidência em breve será dada que desde os dias dos últimos Apóstolos havia dois corpos bem definidos de escritos sagrados do Novo Testamento, que constituiam o firme, irredutível e universal núcleo do seu completo Cânon: estes eram os Quatro Evangelhos, como a Igreja agora tem, e as treze Epístolas de São Paulo – o Evangelium e o Apostolicum.

 

O PRINCIPIO DE CANONICIDADE

Antes de entrar na prova histórica para este surgimento primitivo de um compacto e interno cânon, é pertinente examinar brevemente este problema: Durante o período de formação, que princípio operou na seleção de escritos do Novo Testamento e seu reconhecimento como Divinos? – Teólogos estão divididos sobre esta questão. Esta visão de que apostolicidade era o teste da inspiração durante a edificação do Cânon do Novo Testamento, é favorecido pelos muitos casos em que os primeiros Padres baseavam a autoridade de um livro sobre a sua origem apostólica, e pela verdade que a colocação definitiva dos livros contestados no catálogo do Novo Testamento coincidiu com a sua aceitação geral como de autoria Apostólica. Além disso, os defensores dessa hipótese salientam que o ofício apostólico corresponde com o dos Profetas da Antiga Lei, inferindo que como inspiração estava atrelada ao munus propheticum assim que os Apóstolos foram auxiliados por inspiração divina, sempre que, no exercício da sua vocação falavam ou escreviam. Argumentos positivos são deduzidos a partir do Novo Testamento para provar que um carisma profético permanente era apreciado pelos apóstolos através de uma habitação especial do Espírito Santo, começando com o Pentecostes: Mateus 10, 19-20; Atos 15, 28; I Coríntios 2, 13; II Coríntios 13, 3; I Tessalonicenses 2, 13, são citados. Os oponentes dessa teoria alegam contra ela que os Evangelhos de Marcos e dos Atos de Lucas, não foram trabalho dos Apóstolos (no entanto, a tradição conecte o Segundo Evangelho com a pregação de São Pedro e São Lucas com São Paulo); também que os correntes livros sob o nome de um apóstolo na Igreja Primitiva, como a Epístola de Barnabé e do Apocalipse de São Pedro, no entanto, foram excluídos da classificação canônica, enquanto que, por outro lado Orígenes e São Dionísio de Alexandria, no caso de Apocalipse e São Jerônimo, no caso de II e III João, apesar de questionar a autoria Apostólica dessas obras, sem hesitar, os receberam como Sagrada Escritura. Uma exceção de um tipo especulativo é derivada da própria natureza da inspiração ad scribendum, que parece exigir um impulso específico do Espírito Santo, em cada caso, e exclui a teoria de que ele poderia ser possuído como um dom permanente, ou carisma. O peso da opinião teológica católica é merecidamente contra a mera Apostolicidade como um critério suficiente de inspiração. O ponto de vista negativo foi tomado por Franzelin (De Divinâ Traditione et Scripturâ, 1882), Schmid (de Inspirationis Bibliorum Vi et Ratione, 1885), Crets (De Divina Bibliorum inspiratione, 1886), Leitner (Die prophetische Inspiration, 1895 – a monografia), Pesch (De inspiratione sacrae, 1906). Estes autores (alguns dos quais tratam o assunto mais especulativo do que historicamente) admitem que Apostolicidade é um marco positivo e parcial de inspiração, mas negam enfaticamente que era exclusivo, no sentido de que todos os trabalhos não-apostólicos eram por isso era impedidos de estarem no sagrado cânon do Novo Testamento. Eles detêm a tradição doutrinal como o verdadeiro critério.

Os campeões católicos da apostolicidade como critério são: Ubaldi (Introductio in Sacram Scripturam, II, 1876); Schanz (in Theologische Quartalschrift, 1885, p 666 sqq, e Uma Apologia Cristã, II, tr 1.891.); Székely (Hermenêutica Bíblica, 1902). Recentemente o Professor Batiffol, rejeitando as reivindicações destes últimos defensores, enunciou uma teoria sobre o princípio que presidiu a formação do Cânon do Novo Testamento que desafia a atenção e, talvez, assinala uma nova etapa na controvérsia. De acordo com o monsenhor Batiffol, o Evangelho (Isto é, as palavras e mandamentos de Jesus Cristo) ergue com ele a sua própria sacralidade e autoridade desde o início. Este Evangelho foi anunciado ao mundo em geral, pelos Apóstolos e discípulos Apostólicos de Cristo, e esta mensagem, seja falada ou escrita, seja tomando a forma de uma narrativa evangélica ou carta, era santa e suprema pelo fato de conter a Palavra de Nosso Senhor. Assim, para a Igreja primitiva, o caráter evangélico seria o teste de sacralidade bíblica. Mas para garantir esse caráter era necessário que um livro devesse ser conhecido como composto pelas testemunhas oficiais e órgãos do evangelho; daí a necessidade de certificar a autoria Apostólica, ou pelo menos sanção, de uma obra destinada a conter o Evangelho de Cristo. Na visão de Batiffol, a noção judaica de inspiração não entrou de primeira na seleção das Escrituras cristãs. Na verdade, para os primeiros cristãos o Evangelho de Cristo, no sentido amplo acima referido, não era classificado com, porque transcende, o Antigo Testamento. Só depois de meados do século II que, sob as rúbrica de Escritura, os escritos do Novo Testamento foram assimilados ao Velho; a autoridade do Novo Testamento como a Palavra, precedeu e produziu a sua autoridade como uma Nova Escritura. (Revue Biblique, 1903, 226 sqq.) A hipótese de Monsenhor Batiffol tem isto em comum com as opiniões de outros alunos recentes do cânon do Novo Testamento, que a ideia de um novo corpo de escritos sagrados se tornou mais clara na igreja primitiva como o avançando o conhecimento da fé pelos fiéis. Mas deve ser lembrado que o caráter inspirado do Novo Testamento é um dogma católico, e deve, portanto, de alguma forma ter sido revelado e ensinado pelos, Apóstolos — Assumindo que a autoria apostólica é um critério positivo de inspiração, duas Epístolas inspiradas de São Paulo foram perdidas. Isso aparece em I Coríntios 5, 9ss; II Coríntios 2, 4-5.

 

A FORMAÇÃO DO TETRAMORFO, OU QUÁDRUPLO EVANGELHO

Ireneu de Lião, na sua obra “Contra Heresias” (182-88 d.C), comprova a existência de um Tetramorfo ou quadriforme Evangelho, dada pelo Verbo e unificados em um só Espírito; repudiar este Evangelho ou qualquer parte dele, assim como o Alogis e Marcionites, era pecar contra a revelação e o Espírito de Deus. O Santo Doutor de Lião afirma explicitamente os nomes dos quatro elementos deste Evangelho, e repetidamente cita todos os Evangelistas de forma paralela às suas citações do Antigo Testamento. A partir do testemunho de Santo Ireneu de Lião por si só, não pode haver dúvida razoável de que o Cânon do Evangelho estava inalteravelmente fixo na Igreja Católica no último trimestre do segundo século. Provas podem ser multiplicadas que os nossos Evangelhos canõnicos estavam então universalmente reconhecidos na igreja, com a exclusão de quaisquer supostos Evangelhos. A declaração magisterial de Irineu pode ser corroborada por um catálogo muito antigo conhecido como o cânon de Muratori, e Santo Hipólito, representando a tradição romana; por Tertuliano na África, por Clemente de Alexandria; as obras do gnóstico Valentino, e o Diatessaron de Taciano, o Sírio, uma mistura em conjunto de escritos dos evangelistas, pressupõem a autoridade que gozava o quádruplo Evangelho na metade do segundo século. À este período ou um pouco mais cedo pertence as Epístolas pseudo-Clementinas nas quais encontramos, pela primeira vez depois de II Pedro 3, 16, a palavra Escritura aplicada a um livro do novo Testamento. Mas é desnecessário no presente artigo mostrar toda a força dessas e de outras testemunhas, uma vez que mesmo os estudiosos racionalistas como Harnack admitem a canonicidade do Evangelho quadriforme entre os anos 140-175.

Mas contra Harnack somos capazes de rastrear a trataforma como uma coleção sagrada retornando a um período mais remoto. O Evangelho apócrifo de Pedro, que data de cerca de 150, é baseado em nossos evangelistas canônicos. Assim, com o muito antigo Evangelho dos hebreus e egípcios. S. Justino Mártir (130-63), em sua Apologia refere-se a certas “memórias dos Apóstolos, que são chamados evangelhos” e que “são lidos nas assembléias cristãs, juntamente com os escritos dos profetas”. A identidade destas “memórias” com os nossos Evangelhos é estabelecida por certos traços de três, se não todos, deles espalhados através de obras de São Justino; que ainda não época de citações explícitas. Marcião, o herege refutado por Justino em uma polêmica perdida, como sabemos por Tertuliano, instituiu uma crítica aos Evangelhos com os nomes dos Apóstolos e discípulos dos Apóstolos, e um pouco mais cedo (c. 120) Basilides, o líder de uma seita gnóstica de Alexandria, escreveu um comentário sobre “o Evangelho”, que é conhecido pelas alusões a ele em Padres que compreenderam os escritos dos quatro evangelistas.

Em nossa busca chegamos à idade sub-Apostólica, e suas testemunhas importantes são divididos em asiáticos, alexandrinos e os romanos:

 • Santo Inácio, bispo de Antioquia, e São Policarpo, de Esmirna, foram discípulos dos Apóstolos; eles escreveram suas epistolas na primeira década do século II (100-110). Eles empregam Mateus, Lucas e João. Em Santo Inácio, encontramos a primeira instância do termo consagrado “está escrito” aplicado a um Evangelho (Aos Filadelfos, Viii, 2). Ambos os pais mostram não só um conhecimento pessoal do “Evangelho” e as treze epistolas paulinas, mas eles supõem que seus leitores estão muito familiarizados com elas que seria supérfluo nomeá-las. Papias, bispo de Hierapolis frígio, de acordo com Ireneu um discípulo de São João, escreveu por volta de 125 d.C. Descrevendo a origem do Evangelho de São Marcos, ele fala do hebraico (aramaico) Logia, ou ditos de Cristo, composto por São Mateus, que há razão para acreditar que formaram a base do Evangelho canônico de mesmo nome, embora a maior parte dos escritores católicos identificá-os como o Evangelho. Como temos apenas alguns fragmentos de Papias, preservados por Eusébio, não pode ser alegado que ele foi omisso sobre outras partes do Novo Testamento.

 • A chamada Epístola de Barnabé, de origem incerta, mas da mais remota antiguidade, cita uma passagem do primeiro evangelho sob a fórmula “está escrito”. A Didaquê, ou ensino dos Apóstolos, um trabalho não canônico datado de 110 d.C, implica que “o Evangelho” já era uma coleção bem conhecida e definida.

 • São Clemente, Bispo de Roma, e discípulo de São Paulo, dirigiu a sua Carta a Igreja de Corinto em 97 d.C, e, embora não cite explicitamente um Evangelista, esta carta contém combinações de textos tirados dos três Evangelhos sinóticos, especialmente de São Mateus. Que Clemente não aluda ao Quarto Evangelho é bastante natural, uma vez que não estava composto até esta época.

Assim, os testemunhos patrísticos trouxeram-nos passo a passo para um inviolável quádruplo Evangelho Divino existente nos anos finais da era apostólica. Como o Tetramorfo evangelho foi reunido e dado à Igreja, é uma questão de conjectura. Mas, como Zahn observa, há boas razões para acreditar que a tradição, transmitida por Papias, da aprovação do Evangelho de São Marcos por São João Evangelista, revela que o próprio último do colégio dos seus discípulos, acrescentou o Quarto Evangelho aos Sinópticos, e fez do grupo um compacto e inalterável “Evangelho”, um em quatro, cuja existência e autoridade deixaram sua clara impressão sobre toda a literatura eclesiástica posterior, e encontrou sua formulação consciente na linguagem de Irineu.

 

AS ESPISTOLAS PAULINAS

Em paralelo à cadeia de provas que traçamos para a posição canônica dos Evangelhos, estende-se também uma para as treze Epístolas de São Paulo, formando a outra metade do núcleo irredutível do completo cânon do Novo Testamento. Todas as autoridades citadas  para o cânon do Evangelho mostram conhecimento, e reconhecem, a qualidade sagrada dessas cartas. Santo Ireneu de Lion, tal como foi reconhecido pela crítica Harnackiana, emprega todos os escritos paulinos, exceto a curta carta a Filemon, como sagrados e canônicos. O cânon de Muratoti, contemporâneo de Ireneu de Lion, dá a lista completa das treze, que, deve ser recordado, não inclui Hebreus. A Basiliades e seus discípulos citam este grupo paulino em geral. Os extratos copiosos de obras de Marcião esmagados por Irineu e Tertuliano mostram que ele estava familiarizado com as treze epistolas tal qual o uso eclesiástico, e escolheu o seu Apostolikon de seis delas. O testemunho de Policarpo e Inácio é novamente capital neste caso. Oito dos escritos de São Paulo são citados por Policarpo; Santo Inácio de Antioquia classificou os Apóstolos acima dos Profetas, e deve, portanto, ter permitido que as composições escritas os últimos, pelo menos, em uma classificação igual com os primeiros (Aos Filadeldos, V). São Clemente de Roma refere-se às cartas aos Corintios como na cabeça “do Evangelho”; O cânon de Muratori dá a mesma honra de I Coríntios, de modo que podemos legitimamente chamar a inferência, com o Dr. Zahn, que nos dias de Clemente as Epístolas de São Paulo foram coletadas e formaram um grupo com uma ordem fixa. Zahn apontou sinais de confirmação disto na maneira pela qual os Santos Inácio e Policarpo empregavam estas Epístolas. A tendência das provas é estabelecer a hipótese de que a importante Igreja de Corinto foi a primeira a formar uma coleção completa dos escritos de São Paulo.

 

OS LIVROS RESTANTES

Neste período formativo a Epístola aos Hebreus não obteve um firme pilar no Cânon da Igreja universal. Em Roma, ainda não era reconhecida como canônica, como mostrado pelo catálogo de Muratori de origem romana; Irineu provavelmente cita-a, mas não faz referência a uma origem Paulina. No entanto, era conhecida em Roma, na época de São Clemente como carta deste último atesta. A Igreja de Alexandria admitiu-a como trabalho de São Paulo, e canônica. Os montanistas favoreciam-na, e a capacidade com o qual Hebreus VI, 4-8, emprestava aos Montanistas e Novatianistas o rigor foi, sem dúvida, uma das razões pelas quais era suspeita no Ocidente. Também durante este período, o excesso em relação ao cânon mínimo, composto pelos Evangelhos e treze epístolas variava. As sete Epístolas “católicas” (Tiago, Judas, I e II Pedro, e as três de João) ainda não tinham sido postas em um grupo especial, e, com a possível exceção das três de São João, permaneceram como unidades isoladas, dependendo de sua força canónica em circunstâncias variáveis. Mas no final do segundo século o mínimo canônico foi ampliado e, além dos Evangelhos e Epístolas Paulinas, inalteravelmente abraçaram Atos, I Pedro, João (ao qual II e III João provavelmente foram anexadas), e Apocalipse. Assim, Hebreus, Tiago, Judas e II Peter permaneceram pairando fora do recinto da canonicidade universal, e a controvérsia sobre eles e o Apocalipse posteriormente contestado, formam a maior parte da história remanescente do Cânon do Novo Testamento. No entanto, no início do terceiro século, o Novo Testamento estava formado no sentido de que o conteúdo das suas principais divisões, que pode ser chamado de sua essência, estava claramente definido e universalmente recebido, mas todos os livros secundários eram reconhecidos em algumas igrejas. Uma exceção singular à universalidade da essência do Novo Testamento acima descrita, foi o Cânon da primitiva Igreja Sírio-oriental, que não continha nenhuma das Epístolas católicas ou o Apocalipse.

 

A IDEIA DE UM NOVO TESTAMENTO

A questão do princípio que dominou a canonização prática das Escrituras do Novo Testamento já foi discutida (b). Os fiéis devem ter tido desde o início alguma constatação de que nos escritos dos Apóstolos e Evangelistas que eles tinham adquirido um novo corpo de Escrituras Divinas, um Novo Testamento escrito destinado a ficar lado a lado com o Antigo. Que o Evangelho e Epístolas eram a Palavra de Deus escrita, foi totalmente reconhecido tão logo as coleções fixas foram formadas; mas para entender a relação deste novo tesouro com velho só foi possível quando os fiéis adquiriram um melhor conhecimento da fé. Neste contexto Zahn observa com muita verdade que a ascensão de Montanismo, com seus falsos profetas, que alegavam para as suas produções escritas – o Testamento auto-intitulado do Paráclito – a autoridade da revelação, ao redor da Igreja Cristã levou a um sentido mais completo que a era da revelação tinha acabado com o último dos Apóstolos, e que o círculo das Escrituras Sagradas não era extensível para além do legado da era Apostólica. O Montanismo começou em 156; uma geração mais tarde, nas obras de Irineu, descobrimos a idaia profundamente enraizada de dois Testamentos, com o mesmo Espírito que opera em ambos. Para Tertuliano (c. 200) o corpo a Nova Escritura é um instrumentum em pelo menos uma igualdade de condições e na mesma classe específica do Instrumentum formado pela Lei e os Profetas. Clemente de Alexandria foi o primeiro a aplicar a palavra “Testamento” para a biblioteca sagrada da Nova Dispensação. A influência externa pode ser dada ao montanismo: a necessidade da criação de uma barreira, entre a literatura inspirada genuína e a inundação de apócrifos pseudo-Apostólicos, deu um impulso adicional para a ideia de um cânon do Novo Testamento, e mais tarde contribuiu muito para a demarcação de seus limites fixos.

 

O PERÍODO DE DISCURSÃO (220-367 d.C)

Neste estágio do desenvolvimento histórico do cânon do Novo Testamento, encontramos pela primeira vez uma consciência refletida em certos escritores eclesiásticos, das diferenças entre as coleções sagradas em vários setores da cristandade. Esta variação é testemunhada, e a discussão estimulada por dois dos homens mais sábios da antiguidade cristã, Orígenes e Eusébio de Cesaréia, o historiador eclesiástico. Um olhar sobre cânon tal qual exibido nas autoridades da Igreja Africana, ou cartaginesa, vai completar a nossa breve pesquisa deste período de diversidade e discussão.

 

ORÍGENES E SUA ESCOLA

As viagens de Orígenes deram-lhe oportunidades excepcionais para conhecer as tradições de partes muito distantes da Igreja e fê-lo muito familiarizado com as atitudes discrepantes em relação a determinadas partes do Novo Testamento. Ele dividiu livros com reivindicações bíblicas em três classes:

• aqueles universalmente recebidos;

• aqueles cuja apostolicidade foi questionada;

• obras apócrifas.

Na primeira classe, a homologoumena, estavam os Evangelhos, os treze Epístolas Paulinas, Atos, Apocalipse, I Pedro e I João. Os escritos contestadas eram Hebreus, II Pedro, II e III João, Tiago, Judas, Barnabé, o Pastor de Hermas, a Didaquê, e, provavelmente, o Evangelho dos Hebreus. Pessoalmente, Orígenes aceitou tudo isso como divinamente inspiradol, embora vendo opiniões contrárias com tolerância. A autoridade de Orígenes parece ter dado a Hebreus e as disputadas Epístolas Católicas um lugar firme no Cânon Alexandrino, o seu título esteve previamente inseguro, a julgar pelo trabalho exegético de Clemente, e na lista do Códice Claromontanus, que é atribuído por competentes estudiosos a uma origem remota de Alexandria.

 

EUSÉBIO

Eusébio, bispo de Cesaréia na Palestina, foi um dos discípulos mais eminentes de Orígenes, um homem de grande erudição. À imitação de seu mestre ele dividiu literatura religiosa em três classes:

• A homologoumena, ou composições universalmente recebidas como sagradas, eram os quatro Evangelhos, treze Epístolas de São Paulo, Hebreus, Atos, I Pedro, I João e Apocalipse. Há alguma inconsistência em sua classificação; por exemplo, embora a classificação de Hebreus com os livros de recepção universal, ele admite que em outros lugares é contestado.

• A segunda categoria é composta pelo Antilegomena, ou escritos contestados; estes por sua vez são do tipo superior e inferior. Os melhores são as Epístolas de São Tiago e São Judas, II Pedro, II e III João; estes, como Orígenes e Eusébio desejavam, deveriam ser admitidos no Cânon, mas foram forçados a receber seu estatus de incerto; o Antilegomena do tipo inferior eram Barnabé, a Didaqué, Evangelho dos Hebreus, os Atos de Paulo, o pastor, o Apocalipse de Pedro.

• Todo o resto são espúrios (notha).

Eusébio divergia de seu mestre alexandrino pessoalmente rejeitando o Apocalipse como um não bíblica, embora sendo obrigado a reconhecer sua aceitação quase universal. De onde veio esta visão desfavorável do volume de fechamento do Testamento cristão? Zahn atribui à influência de Luciano de Samósata, um dos fundadores da escola de exegese de Antioquia, e com cujos discípulos Eusébio foi associado. O próprio Luciano tinha adquirido sua educação em Edessa, a metrópole do leste da Síria, que teve, como já observado, a Cânon singularmente reduzido. Luciano é conhecido por ter editado as Escrituras em Antioquia, e é suposto ter introduzido lá um Novo Testamento menor que mais tarde São João Crisóstomo e seus seguidores empregaram um em que o Apocalipse, Pedro II, II e III João, e Judas não tiveram lugar. Sabe-se que Teodoro de Mopsuéstia rejeitou todas as Epístolas católicas. Nas amplas exposições das Escrituras de São João Crisóstomo, não há um único vestígio claro do Apocalipse, e ele parece excluir implicitamente as quatro epístolas menores – II Pedro, II e III João, e Judas – a partir do número do livros canônicos. Luciano, então, de acordo com Zahn, teria se dividido entre o cânon sírio Cânon e o Cânon de Orígenes, admitindo as três epistolas Católicas maiores e mantendo o Apocalipse de fora. Mas depois de se render totalmente ao prestígio do fundador da escola de Antioquia, é difícil admitir que sua autoridade pessoal poderia ter bastado para tirar uma obra tão importante como o Apocalipse do Cânon de uma igreja notável, onde ele tinha sido recebido anteriormente. É mais provável que uma reação contra o abuso do Apocalipse de João pelos montanistas e Chiliasts – a Ásia Menor sendo o viveiro de ambos os erros – levou à eliminação de um livro cuja autoridade talvez tivesse sido previamente suspeitada. Na verdade, é bastante razoável supor que a exclusão no início da Igreja Sírio-Leste foi uma onda exterior do movimento reacionário extrema dos Aloges – também da Ásia Menor – que marcavam o Apocalipse e todos os escritos joaninos como o trabalho do herege Cerinto. Quaisquer que tenham sido todas as influências dominantes no Cânon pessoal de Eusébio, ele escolheu o texto de Luciano para os cinquenta exemplares da Bíblia que ele forneceu à Igreja de Constantinopla a pedido de seu patrono imperial Constantino; e ele incorporou todas as Epístolas católicas, mas excluíu o Apocalipse. Este último permaneceu por mais de um século banido das coleções sagradas correntes em Antioquia e Constantinopla na época. No entanto, este livro manteve uma minoria dos sufrágios asiáticos, e, já que ambos Luciano e Eusébio tinha sido contaminados com o Arianismo, a aprovação do Apocalipse, opostas por eles, finalmente, veio a ser encarado como um sinal de ortodoxia. Eusébio foi o primeiro a chamar a atenção para variações importantes no texto dos Evangelhos, viz., A presença em algumas cópias e a ausência em outros do último parágrafo de Marcos, a passagem da mulher adúltera, e o suor de sangue.

 

A IGREJA AFRICANA

São Cipriano, cujo cânon biblico certamente reflete o conteúdo da primeira Bíblia em latim, recebeu todos os livros do Novo Testamento, exceto Hebreus, II Pedro, Tiago, e Judas; no entanto, já havia uma forte inclinação em seu ambiente de admitir II Pedro como autêntica. A Epistola de Judas tinha sido reconhecida por Tertuliano, mas, estranhamente, ela perdeu a sua posição na Igreja Africana, provavelmente devido à sua citação do apócrifo de Enoque. O testemunho de Cipriano à não canonicidade de Hebreus e Tiago é confirmada por Comodiano, outro Escrito africano do período. Uma testemunha muito importante é o documento conhecido como Cânon de Mommsen, um manuscrito do século X, mas cujo original é datado na África Ocidental por volta do ano 360. É um catálogo formal dos livros sagrados, não mutilado na porção do Novo Testamento, e prova que no seu tempo, os livros universalmente reconhecidos na Igreja influente de Cartago foram quase idênticos aos recebidos por Cipriano um século antes. Hebreus, Tiago, e Judas estãp faltando. As três Epístolas de São João e II Pedro aparecem, mas depois de cada aparece uma nota “Una Sola”, adicionados por uma mão quase contemporânea, e, evidentemente, em protesto contra a recepção destes Antilegomena, que, presumivelmente, tinha encontrado um lugar na lista oficial recentemente, mas cujo direito de estar lá foi seriamente questionado.

 

O PERÍODO DE FIXAÇÃO (367-405 d.C)


SANTO ATANÁSIO

Enquanto a influência de Atanásio sobre o Cânon do Antigo Testamento foi negativa e exclusiva (ver supra), no do Novo Testamento foi incisivamente construtiva. Em sua “Epistola festali” (367 d.C) o ilustre bispo de Alexandria classifica todo o Novo Testamento Antilegomena de Orígenes, que são idênticos aos deuteros, corajosamente dentro da Cânon, sem notar qualquer dos escrúpulos sobre eles. Daí em diante eles foram formalmente e firmemente fixados no cânon Alexandrino. E é significativo da tendência geral da autoridade eclesiástica, que não só eram obras que anteriormente gozavam de alta posição na mente ampla mente alexandriana – O Apocalipse de Pedro e os Atos de Paulo – envolvidos por Atanásio com os apócrifos, mas mesmo alguns que Orígenes havia considerado como inspirados – Barnabé, o pastor de Hermas, o Didaquê – foram impiedosamente excluídos sob o mesmo título condenatório.

 

A IGREJA ROMANA, O SÍNODO SOB DÂMASO E SÃO JERÔNIMO

O Cânon ou fragmento de Muratori, composto na Igreja Romana, no último trimestre do segundo século, se cala sobre Hebreus, Tiago, II Pedro; I Pedro, de fato, esses não são mencionados, mas devem ter sido omitidos por um descuido, uma vez que eram universalmente recebidos no momento. Há evidências de que este Cânon restrito já era obtido não só na Igreja Africana, com ligeiras modificações, como vimos, mas também em Roma e no Ocidente em geral, até o fim do século IV. As mesmas antigas autoridades testemunham uma posição muito favorável e talvez canônica gozada em Roma, pelo Apocalipse de Pedro e Pastor de Hermas. Nas décadas de meados do século IV o aumento das relaçãos e troca de opiniões entre o Oriente e o Ocidente levou a um melhor conhecimento mútuo sobre os cânones bíblicos e a correção do catálogo da Igreja Latina. É um fato singular que, enquanto o Oriente, principalmente através da pena de São Jerônimo, exerceu uma influência perturbadora e negativa na opinião ocidental a respeito do Antigo Testamento, a mesma influência, através, provavelmente, do mesmo Jerônimo, depois a favor da integralidade e integridade do cânon do novo Testamento. O Ocidente começou a perceber que as antigas Igrejas Apostólicas de Jerusalém e Antioquia, na verdade todo o Oriente, há mais de dois séculos tinham reconhecido hebreus e Tiago como escritos inspirados dos Apóstolos, enquanto a Venerável Igreja Alexandrina, apoiada pelo prestígio de Atanásio, e o poderoso Patriarcado de Constantinopla, com a erudição de Eusébio por trás de seu julgamento, tinham canonizado todas as Epístolas disputadas. São Jerônimo, um luz resurgente na Igreja, embora, embora somente um simples sacerdote, foi convocado pelo Papa Dâmaso do Oriente, onde ele estava perseguindo sabedoria sagrada, para assistir a um eclético, mas não ecumênico, sínodo em Roma no ano 382. Nem o Concílio Geral em Constantinopla do ano anterior nem o de Nicéia tinham considerado a questão do Cânon. Este Sínodo romano deve ter se dedicado especialmente ao assunto. O resultado das suas deliberações, presididas, sem dúvida, pelo próprio energético Dâmaso, foram preservadas no documento chamado “Decretum Gelasii de recipiendis et non recipiendis libris”, uma compilação, em parte, do século VI, mas contendo muito material datado de época anterior. O catálogo Damasiano apresenta o Cânon completo e perfeito, que tem sido o da Igreja Universal desde então. A porção do Novo Testamento traz as marcas de pontos de vista de Jerônimo. São Jerônimo, sempre se posicionou em favor de posições orientais em matéria bíblica, exerceu então, uma feliz influência no que diz respeito ao Novo Testamento; se ele tentou colocar qualquer restrição Oriental diante do cânon do Antigo Testamento, seu esforço fracassou e não teve qualquer efeito. O título do decreto – “Nunc vero de Scripturis divinisagendum est quid universalis Catholica recipiat ecclesia, et quid vitare debeat” – prova que o concílio elaborou uma lista de apócrifos, bem como de Escrituras autênticas. O pastor de Hermas e o falso Apocalipse de Pedro já recebiam o seu golpe final. “Roma falou, e as nações do Ocidente ouviram falar” (Zahn). As obras dos padre latinos do período – Jerônimo, Hilário de Poitiers, Lúcifer de Sardina, Philaster de Brescia – manifestam a nova atitude para Hebreus, Tiago, Judas, Pedro II, e III João.

 

FIXAÇÃO NAS IGREJAS AFRICANAS E GALICANAS

Algum tempo antes a Igreja Africana ajustou perfeitamente o seu do Novo Testamento ao Cânon Damasiano. Optatus de Mileve (370-85) não utilizou hebreus. Santo Agostinho, embora recebesse o cânon integral, reconheceu que muitos contestaram esta epístola. Mas, no Sínodo de Hipona (393) a visão do grande Doutor prevaleceu, e o cânon correto foi adotado. No entanto, é evidente que este cânon encontrou muitos oponentes na África, já que três concílios dentro de breves intervalos de tempo – Hipona, Cartago, em 393; Terceiro de Cartago em 397; e Cartago em 419 – acharam necessário formular catálogos. A introdução de Hebreus foi um ponto crucial especial, e um reflexo disso é encontrado na primeira lista Cartago, onde a Epístola muito polêmica, embora de estilo de São Paulo, ainda está numerada separadamente do grupo consagrado das treze. Os catálogos de Hipona e Cartago são idênticos  ao cânon católico presente. Na Gália, algumas dúvidas permaneceram por um tempo, como nós vemos no Papa Inocêncio I, em 405, enviando uma lista dos livros sagrados a um dos seus bispos, Exsuperio de Toulouse.

Então, no final da primeira década do século quinto, toda a Igreja Ocidental estava em posse do completo Cânon do Novo Testamento. No Oriente, onde, com a exceção da Igreja síria de Edessene, a integralidade proximada havia sido obitida há muito tempo sem o auxílio de representações formais, as opiniões ainda estavam um pouco divididas sobre o Apocalipse. Mas para a Igreja Católica como um todo o conteúdo do Novo Testamento estava definitivamente fixado, e a discussão encerrada.

O processo final do desenvolvimento deste cânon foi duplo: positivo, na consagração permanente de vários escritos que há muito tempo pairavam na linha entre canônicos e apócrifos; e negativo, com a eliminação definitiva de certos apócrifos privilegiados que tinham desfrutado aqui e ali uma posição canônica ou quase canônica. Na recepção dos livros disputados uma convicção crescente da autoria Apostólica tinha muito a fazer, mas o último critério tinha sido seu reconhecimento como inspirado por uma grande e antiga parte da Igreja Católica. Assim, como Orígenes, São Jerônimo aduz o testemunho dos antigos e uso eclesiástico na defesa da causa da Epístola aos Hebreus (De Viris Illustribus, LIX). Não há sinal de que a Igreja do Ocidente tenha repudiado de forma positiva qualquer um dos deuteros do Novo Testamento; não admitidos no início, estes lentamente avançaram para uma completa aceitação lá. Por outro lado, a exclusão aparentemente formal do Apocalipse do catálogo sagrado de certas igrejas gregas foi uma fase transitória, e supõe sua recepção primitiva. O cristianismo grego em praticamente todos os lugares, por volta do início do século VI, teve um completo e puro cânon do Novo Testamento.

 

A HISTÓRIA SUBSEQUENTE DO CÂNON DO NOVO TESTAMENTO


ATÉ A REFORMA PROTESTANTE

O Novo Testamento em seu aspecto canônico tem pouca história entre os primeiros anos do V e início do século XVI. Como era natural, em épocas em que a autoridade eclesiástica não tinha atingido sua centralização moderna, havia divergências esporádicas do ensino e tradição comum. Não houve contestação difusa de qualquer livro, mas aqui e ali tentativas de indivíduos de acrescentarem algo à coleção recebida. Em vários manuscritos latinos antigos a Epístola espúria à igreja de Laodicéia é encontrada entre as cartas canônicas, e, em alguns casos, o apócrifo III Corintios. O último vestígio de qualquer contradição Ocidental dentro da Igreja com o cânon do Novo Testamento revela uma transmissão curiosa de dúvidas orientais relativas ao Apocalipse. Um ato do Sínodo de Toledo, realizado em 633, afirma que muitos contestam a autoridade desse livro, e ordena que ele seja lido nas igrejas sob pena de excomunhão. A oposição com toda a probabilidade veio dos visigodos, que tinham sido recentemente convertidos do arianismo. A Bíblia gótica foi feita sob auspícios orientais numa altura em que ainda havia muita hostilidade em relação ao Apocalipse no Oriente.

 

O NOVO TESTAMENTO DO CONCÍLIO DE TRENTO (1546)

Este sínodo ecumênico teve de defender a integridade do Novo Testamento, bem como o Antigo contra os ataques dos pseudo-reformadores. Lutero, baseando a sua ação em razões dogmáticas e o julgamento da antiguidade, havia descartado Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse como totalmente não canônicos. Zuínglio não podia ver no Apocalipse um livro bíblico. (Oecolampadius colocou Tiago, Judas, II Pedro, II e III João, em um grau inferior. Mesmo alguns estudiosos católicos do tipo renascentista, nomeadamente Erasmus e Caetano, lançaram algumas dúvidas sobre a canonicidade do Antilegomena acima mencionado. Quanto a livros inteiros, as dúvidas protestantes eram as únicas que os Padres de Trento tomaram conhecimento; não havia a menor hesitação em relação à autoridade de qualquer documento inteiro. Mas as partes deuterocanônicas deram ao concílio alguma preocupação, estas são, Os últimos doze versos de Marcos, a passagem sobre o suor de sangue em Lucas, e a Pericope adulterae em João. O Cardeal Caetano citou aprovadamente um comentário desfavorável de São Jerônimo sobre Marcos 16, 9-20; Erasmo rejeitou a seção sobre a mulher adúltera como inautêntica. Ainda assim, mesmo a respeito a estas partes, nenhuma dúvida de autenticidade foi expressa em Trento; a única questão era quanto à forma da sua recepção. No final, foram recebidas essas partes, como os livros deuterocanônicos, sem a menor distinção. E a cláusula “cum omnibus suis Partibus” diz respeito especialmente a estas partes.

O decreto tridentino definindo o Cânon afirma a autenticidade dos livros aos quais os nomes próprios estão ligados, sem, contudo, incluir isto na definição. A ordem dos livros segue a bula de Eugênio IV (Conselho de Florença), a não ser Atos que foi transferido do lugar antes do Apocalipse para a sua posição atual, e Hebreus colocado no final das Epístolas de São Paulo. A ordem Tridentina foi retida da Vulgata oficial e das Bíblias católicas vernáculas. O mesmo deve ser dito dos títulos, que via de regra são os tradicionais, tirados dos Cânones de Florença e Cartago.

 

O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO FORA DA IGREJA

As Igrejas ortodoxas Russas e outros ramos da Igreja Ortodoxa Oriental têm um Novo Testamento idêntico ao Católico. Na Síria os Nestorianos possuem um cânon quase idêntico as último das antigas igrejas Sírias Orientais; excluem as quatro menores epistolas católicas e o Apocalipse. O monofisitas recebem todos os livros Os armênios têm uma carta apócrifa aos Corintios. A Igreja Copta-árabe inclue com as Escrituras canônicas as Constituições Apostólicas e as epístolas clementinas. O Novo Testamento Etíope também contém a chamada “Constituição Apostólica”.

Enquanto para o protestantismo, os anglicanos e calvinistas sempre manteveram todo o Novo Testamento. Mas durante mais de um século, os seguidores de Lutero excluíram Hebreus, Tiago, Judas e Apocalipse, e foram até mais longe do que o seu mestre, rejeitando os três deuterocanônicos restantes, II Pedro, II e III João. A tendência dos teólogos luteranos do século XVII foi classificar todos esses escritos como de duvidosos, ou pelo menos de autoridade inferior. Mas, gradualmente, os protestantes alemães familiarizaram-se com a ideia de que a diferença entre os livros contestados do Novo Testamento e o resto era um do grau de certeza quanto à origem e não do caráter intrínseco. O pleno reconhecimento destes livros pelos calvinistas e anglicanos tornou muito mais difícil para os luteranos excluirem os deuteros do Novo Testamento do que os do Antigo. Um de seus escritores do século XVII permitiu apenas uma diferença teórica entre as duas classes, e em 1700 Bossuet pode dizer que todos os católicos e protestantes chegaram ao acordo sobre o cânon do Novo Testamento. O único traço de oposição agora restante nas bíblias protestantes está na ordem, hebreus, vindo com Tiago, Judas e Apocalipse, no final; o primeiro não é incluído com os escritos paulinos, enquanto Tiago e Judas não são classificados com as Epístolas católicas.

 

O CRITÉRIO DE INSPIRAÇÃO (MENOS CORRETAMENTE CONHECIDO COMO O CRITÉRIO DA CANONICIDADE)

Mesmo aqueles teólogos católicos que defendem Apostolicidade como um teste para a inspiração do Novo Testamento (veja acima) admitem que não é exclusiva de um outro critério, viz., Tradição católica como manifestado na recepção universal de composições como divinamente inspiradas, ou o ensinamento comum da Igreja, ou os pronunciamentos infalíveis de concílios ecumênicos. Esta garantia externa é a prova suficiente, universal e comum de inspiração. A qualidade única dos livros sagrados é um dogma revelado. Além disso, por sua própria natureza a inspiração escapa à observação humana e não é auto-evidente, sendo essencialmente suprafísico e sobrenatural. Seu exclusivo critério absoluto, portanto, é o Espírito Santo inspirador, testemunhando decisivamente para si, não na experiência subjetiva de almas individuais, como Calvino assegurava, nem no teor doutrinal e espiritual da própria Sagrada Escritura, de acordo com Lutero, mas através do órgão constituído e custódiador de suas revelações, a Igreja. Todas as outras evidências ficam aquém da certeza e finalidade necessárias para obrigar o consentimento absoluto da fé.

 

PARA CITAR


REID, George. O Cânon do Novo Testamento. Enciclopedia Católica. Disponível em: <http://apologistascatolicos.com/index.php/apologetica/deuterocanonicos/878-o-canon-do-novo-testamento>. Desde: 26/05/2016. Traduzido por: Rafael Rodrigues.

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