Segunda-feira, Dezembro 30, 2024

O cânon Bíblico dos Concílios

Nesta seção, serão tratados os Concílios da Igreja de Cristo que mencionaram as listas do cânon bíblico, ou citaram os deuterocanônicos como Escrituras em suas atas, decretos e cânones, confirmando a fé comum da Igreja e definindo, assim, o que era crido ou não.
Concílios são assembleias legalmente convocadas de bispos e teólogos com o propósito de discutir e regulamentar questões de doutrina e disciplina da Igreja. Os termos “concílio” e “sínodo” são sinônimos. Concílio é, portanto, um esforço comum da Igreja, ou parte da Igreja, para a autopreservação e autodefesa. Eles aparecem, originalmente, no tempo dos Apóstolos em Jerusalém. Eles aparecem na história sempre que a fé, a moral ou disciplina estão seriamente ameaçadas. Embora seu objeto seja sempre o mesmo, as circunstâncias em que eles se encontram transmite-lhes uma grande variedade, o que torna necessário uma classificação. Existem, basicamente, dois tipos de Concílios: Regionais e Ecumênicos.
Concílios Ecumênicos são aqueles para os quais os bispos, e outros sacerdotes com direito a voto de todo o mundo (oikoumene), são convocados sob a presidência do Papa ou seus legados cujos decretos, confirmados pelo sucessor de Pedro, impõem-se a todos os cristãos, como, por exemplo, o Concílio de Niceia I, o de Éfeso I, etc. (ENCICLOPÉDIA CATÓLICA, 1908)
Concílios Regionais são aqueles nos quais participam apenas o episcopado de uma província eclesiástica, estado, região ou continente. Os decretos e decisões desses concílios valem “apenas” para as regiões de onde os bispos presentes fazem parte. Para toda a Igreja, só valem caso seus cânones sejam aprovados por um Concílio Ecumênico ou para outras regiões que também aprovem esses decretos. Apesar das decisões serem limitadas a apenas uma extensão territorial, eles não podem ferir a fé universal de toda a Igreja no mundo; logo, eles seguem a fé comum, adaptando as necessidades das Igrejas locais.
Sárdica (Regional – 343 d.C) 
O Concílio regional de Sárdica ou Sérdica foi convocado na cidade do mesmo nome, atual Sofía, capital da Bulgária, em 343 d.C. Nele estavam presentes 376 bispos: 300 do ocidente e 76 do oriente. Seu objetivo era reajustar a doutrina e resolver algumas dificuldades que restaram da controvérsia ariana. Foi convocado pelos imperadores romanos Constâncio I e Constâncio II.
Em um fragmento deste concílio preservado da História Eclesiástica de Teodoreto encontramos a seguinte referência a um livro deuterocanônico:
Não podemos negar que ele foi gerado; mas dizemos que ele foi gerado antes de todas as coisas, que são chamadas de visíveis e invisíveis; ele foi gerado antes de todas as coisas, que são chamadas visíveis e invisíveis; e ele é o criador e artífice de arcanjos, anjos, do mundo, da espécie humana. Está escrito: ‘A sabedoria que é a criadora de todas as coisas me ensinou’ (Sabedoria 7, 21), e mais uma vez, ‘tudo foi feito por ele.’ (João 1, 3)” (Concílio de Sardica  – Trecho Preservado na História Eclesiástica de Teodoreto, Livro II, 6)     
         Neste fragmento lemos um concílio regional usando o livro da Sabedoria em conjunto com um livro incontestável do Novo Testamento para combater a heresia ariana.

Laodiceia (Regional – 363 d.C) 

O Concílio regional de Laodiceia ocorrido na Frígia Pacatiana, também chamado de Laodiceia ad Lycum, (deve ser cuidadosamente distinguida Laodiceia da Síria). O local é certo, mas quanto à data exata do Concílio há muita discussão. Pedro de Marca coloca-o no ano de 365, mas Pagi em sua Crítica em Anais Baronius parece ter derrubado os argumentos sobre o qual repousava Marca, e concorda com Gothofred colocando-o por volta de 363.

Uma lista de livros está presente em seu cânone 60, que segue abaixo:


“Estes são todos os livros do Antigo Testamento apontados para serem lidos: 1, Genesis do mundo; 2, O Êxodo do Egito, 3, Levítico, 4, Números, 5, Deuteronômio, 6, Josué, filho de Nun, 7, juízes, Rute, 8, Esther; 9, dos Reis, Primeira e Segunda, 10, dos Reis, Terceira e Quarta, 11, Crônicas, Primeiro e Segundo, 12, Esdras, Primeiro e Segundo, 13, o Livro dos Salmos ; 14, os Provérbios de Salomão, 15, Eclesiastes, 16, o Cântico dos Cânticos; 17, Jó, 18, os Doze Profetas, 19, Isaías, 20, Jeremias e Baruc, Lamentações, e a Epístola, 21, Ezequiel; 22, Daniel. E estes são os livros do Novo Testamento: quatro Evangelhos, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João; Os Atos dos Apóstolos; Sete Epístolas católicas, a saber, uma de Tiago, duas de Pedro, três de João, um de Judas; Quatorze epístolas de Paulo, uma aos Romanos, duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, uma aos Efésios, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, uma aos Hebreus, duas a Timóteo , uma a Tito e uma a Filemon.” (Cânone LX)

Dentre os deuterocanônicos, vê-se que apenas Baruc é mencionado; e do Novo Testamento, o Apocalipse é omitido. Esse cânone não consta em muitos dos manuscritos antigos do Concílio; é provavelmente uma adição posterior que não fez parte da decisão conciliar. Alguns estudiosos afirmam que é, provavelmente, uma cópia da lista dos “Cânones Apostólicos” vistos no capítulo anterior e é similar à lista de Santo Atanásio.

O cânone anterior (59) a este diz:

“Nenhum Salmo composto individualmente nem nenhum livro não Canônico deve ser lido na Igreja, mas somente os Livros Canônicos do Novo e do Antigo Testamento.”

O cânone 59 parece estar preocupado com o que não é para ser lido, e não o contrário. Isso sugere que, naquela época, a Ortodoxia da Igreja estava mais preocupada com o que não deveria ser lido, do que com o que deveria ser lido (nessa época, livros gnósticos eram muito populares). Todos os cânones se baseiam em proibições e não em recomendações. Esse também é um dos motivos por que o cânone 60 parece estar em desarmonia com os demais 59.

O escritor protestante B. M. Metzger, em seu livro “The Canon Of The New Testament: Its Origin, Significance & Development” declara:

Uma vez que esta lista também é omitida na maioria das versões latinas e siríacas dos decretos, a maioria dos estudiosos considera que eles foram adicionados ao relatório do Sínodo de Laodiceia algum tempo depois de 363. Provavelmente algum editor posterior do relatório considerou que os livros que puderam ser lidos deveriam ser nomeados. Em qualquer caso, é claro que o Sínodo de Laodiceia não tentou nova legislação. O decreto aprovado nesta reunião apenas reconhece o fato de que já havia a existência de certos livros, geralmente reconhecidos como adequados para serem lidos no culto público das igrejas, que são conhecidos como livros “Canônicos”. Se os catálogos são genuínos, eles simplesmente dão os nomes desses livros, já recebidos como autoritativos nas igrejas que estiveram representadas no sínodo.” (METZGER, 1997)

Um tratado específico sobre a genuinidade deste cânone foi publicado em 1777 por Spittler e traz as seguintes objeções contra a genuinidade deste cânone:

1 – Pode, de fato, ser dito como Dallaeus e Van Espen, que Dionísio omitiu esta lista dos livros da Escritura porque em Roma, onde compôs sua obra, outra lista de Inocêncio I estava em uso geral.

2 – Mas, além do fato de Dionísio ser sempre o mais fiel tradutor, esse cânon sexagésimo também é omitido por João de Antioquia, um dos colecionadores gregos mais conceituados e antigos de cânones, o qual não poderia ter tido nenhuma razão para a omissão, como Dionísio.

3- Por último, o bispo Martinho de Braga, no século VI, embora tenha cinquenta e nove, também não inclui, em sua coleção, o cânone sexagésimo tão relacionado a ele, nem na tradução Isidoro aparece, à primeira vista, tendo esse cânone. (HEFELE, 1870)

Apesar de Splitter ter citado essas objeções, Joseph Hefele, bispo de Rottenburg, diz que estas razões não são suficientes para provar que o cânon 60 não pertence ao Concílio e sustenta que alguns manuscritos antigos a contém, e, portanto, é original do Concílio.

Também Brooke Foss Westcott, renomado teólogo protestante, em seu livro “A General Survey of the History of the Canon of the New Testament ” argumenta contra a autenticidade do catálogo de livros do cânon 60:

Deste cânon [59], no primeiro parágrafo é reconhecido como genuíno com variações pouco importantes por todas as autoridades; o segundo, o próprio catálogo dos livros, é omitido em vários manuscritos e versões, e, a fim de chegar a uma estimativa razoável das reivindicações de autenticidade, será necessário observar brevemente as diferentes formas em que os Cânones da Igreja antiga foram preservados.

Os manuscritos gregos dos cânones podem ser divididos em duas classes, aqueles que contêm o texto simples, e aqueles que contêm em adição o scholia dos grandes comentaristas. Manuscritos da segunda classe, em nenhum caso, datam de um período anterior ao final do século XII, a era de Balsamon e Zonaras, os mais famosos canonistas gregos. No entanto, é sobre esta classe de Manuscritos, que contêm o catálogo em questão, que as edições impressas são baseadas. O mais antigo manuscrito da primeira classe da qual eu tenho conhecimento é do século XI, e um é mais ou menos do século XV. As evidências sobre o parágrafo disputado que esses manuscritos dispõem é extremamente interessante. Dois omitem o catálogo completo. Em outro, ele é inserido depois de um espaço vago. Um quarto contém-no em uma nova página com pontos vermelhos acima e abaixo. Num quinto aparece totalmente escrito em letras vermelhas. Três outros dão como uma parte do último cânon, embora dirigido por uma nova rubrica. Em uma ele aparece como uma parte do cânon 59 sem interrupção ou pausa, e em dois (a data mais recente ) é numerado como um novo cânon. É impossível não sentir que estes vários manuscritos marcam os passos pelos quais o Catálogo ganhou seu lugar no presente texto grego; mas ele ainda pode ser questionado se ele pode não ter, assim, recuperado um lugar que havia perdido antes. E assim somos levados a perceber algumas versões dos cânones que datam de um período anterior aos mais antigos manuscritos gregos.

A versão latina existe numa forma tríplice. A mais antiga (Versio Prised) é fragmentada, e não contém os Cânones Laodicenses. Mas duas outras versões de Dionísio e Isidoro estão completas. Na primeira delas, que data de meados do século VI, embora ela exista em duas versões distintas, não há qualquer vestígio de catálogo. No segundo, ao contrário, com apenas duas exceções, tanto quanto sei, o Catálogo aparece constantemente. E, embora a versão Isidoro na sua forma geral só remonta ao século IX, dois manuscritos permanecem que são provavelmente tão antigos quanto o século IX, e ambos contem. Até agora, então, parece que a evidência das versões latinas a favor e contra a autenticidade do catálogo são quase equilibradas, o testemunho da Itália confronta o da Espanha.

Os manuscritos siríacos do Museu Britânico, no entanto são mais do que suficientes para virar a balança. Três manuscritos dos Cânones Laodicenses são encontrados nessa coleção, que são tão antigos quanto o sexto ou sétimo século. Todos estes contêm a quinquagésimo nono cânon, mas sem qualquer catálogo. E este testemunho é de valor duplo a partir do fato de que um deles dá uma versão diferente da dos outros dois.

E isso não é tudo: além das versões diretas dos cânones, coleções sistemáticas e sinopses deles foram feitas em vários momentos, que têm uma influência importante sobre a questão. Um dos primeiros deles foi elaborado por Martinho, bispo de Braga em Portugal em meados do século VI. Esta coleção contém o primeiro parágrafo [59] do cânon, sem qualquer traço do segundo, e o testemunho que ele oferece é mais importante, porque ele foi baseado em um exame de autoridades gregas, e aqueles de uma data muito antiga, uma vez que eles não notaram os Concílios de Constantinopla, Éfeso e Calcedônia, que foram incluídos na coleção do século V. Johannes Escolástico, um presbítero de Antioquia, formou um resumo dos cânones em cabeças diferentes sobre o mesmo tempo, e este não contém qualquer referência ao Catálogo Laodicense, mas, pelo contrário, a lista das Sagradas Escrituras é retirado o último dos Cânones Apostólicos. O Nomo-canon é uma revisão posterior da obra de Johannes, e contém apenas o parágrafo [59] indiscutível, mas em uma terceira e mais tarde recensão catálogos os Laodicense e Apostólico são ambos inserido.

Em geral, então não se pode duvidar que a evidência externa é decididamente contra a autenticidade do Catálogo como parte integrante do texto dos Cânones de Laodicéia, nem qualquer evidência interna trazida é suficiente para explicar a sua omissão na Síria, Itália, e Portugal, no século VI, se tivesse sido assim. No entanto, mesmo assim, é necessário considerar a sua inserção na versão de Isidoro. Tanto é evidente uma vez, que o catálogo é do oriente e não de origem ocidental, e, exceto em detalhes de ordem, concorda exatamente com a dada por Cirilo de Jerusalém. É então uma suposição razoável que algum copista primitivo se esforçou para fornecer, a partir dos escritos de Cirilo, ou mais provavelmente a partir do uso da Igreja, que Cirílo representava, a lista de livros que pareciam ser exigidos pela linguagem da último cânon genuíno? Desta forma, é fácil entender como alguns manuscritos devem ter incorporado a adição, enquanto outros preservaram o texto original; e a tendência conhecida de copistas para fazer suas obras cheias ao invés de pura, foram responsáveis pela sua recepção geral ao menos.”. (WESTCOTT Pg. 429-433)

Embora os especialistas se dividam entre a originalidade e a adição do cânone 60, uma coisa é clara: a opinião de Metzger mostra que mesmo sendo original do Concílio, não figura a extensão do cânon de todas as Escrituras Sagradas e sim o cânon litúrgico. E isso parece chegar mais perto da real intenção desse cânone, tanto que nele mesmo está escrito: “Estes são todos os livros do Antigo Testamento apontados para serem lidos”; logo, isso indica que são livros para serem lidos na Igreja, indicando referir-se à Liturgia, e não aos livros que são inspirados. Prova disso é a falta do livro do Apocalipse.

Outro fato que parece definir a veracidade ou não desse cânone é que nenhum Concílio após ele teve a mesma lista e também o Concílio de Trullo confirma os cânones tanto desse quanto dos Concílios de Cartago, que trazem a lista completa do cânon das Escrituras com 73 livros. Logo, os Padres reunidos em Trullo não iriam confirmar, em um mesmo lugar, dois Concílios com atas contraditórias. Quanto ao Concílio de Cartago, não há nenhum dúvida a respeito da autenticidade, enquanto Laodicéia, como foi visto, boa parte dos especialistas duvidam da autenticidade do cânone 60.

Hipona (Regional – 393 d.C)

O Concílio Regional de Hipona acorreu em 393 d.C na cidade de Hipona (Hippo Regius) no norte da África, que hoje se chama Annaba, na Argélia. Esse foi um Concílio de grande importância, a primeira das numerosas e famosas assembleias da Igreja, em que Aurélio, arcebispo de Cartago desde o ano 391, presidiu. Além dele, muitos outros bispos de diferentes províncias da África estavam presentes, de modo que Possídio, em sua Vida de S. Agostinho, chamou esse Sínodo de um plenarium totius Africae Concilium. (Um concílio plenário de toda a África).

Infelizmente, as atas completas do Sínodo foram perdidas, mas ainda possuímos a sua rubrica, que diz:

Gloriosissimo Imperatore Teodósio Avgusto III et Abundantio viris clarissimis consulibus, VIII, Idus Octobris, Hippone Regio in secretary) Basilicae Pacis”.

Gloriosíssimo Imperador Teodósio Augusto III e os demais honradíssimos cônsules, Hipona, 8 de outubro, nos recintos da Basílica da Paz”.

Vemos, portanto, que o Sínodo foi realizado em 8 de Outubro de 393, nos recintos da Basílica da Paz, em Hipona. Essas palavras são encontradas no Codex Canonum Ecclesiae Africanae que apresenta uma compilação das atas promulgadas por vários Concílios da Igreja em Cartago durante os séculos IV e V. Mas, infelizmente, Dionísio Exiguus, que recolheu esses cânones africanos, inseriu somente o título das atas de Hipona e não os cânones.

Para maiores informações a respeito deste Concílio, dependemos do terceiro Sínodo de Cartago, em 397. Para esse Sínodo, os bispos da província Bizacena também foram convidados; eles, no entanto, contentaram-se com o envio de sua declaração, por escrito, para o arcebispo, Aurélio de Cartago, acrescentando a essa carta um resumo (breviatio ou Breviarium) dos cânones de Hipona e expressando o desejo de sua renovação. O Terceiro Sínodo de Cartago concedeu esse desejo e teve esse resumo dos cânones lido. Através dele aprendemos o conteúdo dos cânones de Hipona, mas o texto real desse breviatio era em si muito duvidoso, até Pietro Ballerini[1], que pelo uso de códices extremamente antigos e extraordinários, conseguiu restaurar a forma original dos cânones. Segue a restauração do Cânone 36, que contém a lista dos Livros Sagrados:

“Nada seja lido na Igreja além das escrituras Canônica sobre o nome de divinas Escrituras. Portanto, essas são as Escrituras Canônicas: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Ruth, 4 Livros dos Reis, Paralipômenos 2 livros, Jó, Salmos de Davi, 5 livros de Salomão, 12 profetas. Isaías. Jeremias, Daniel, Ezequiel. Tobias, Judite, Ester, Esdras 2 livros, Macabeus 2 livros. Este é o novo Testamento: 4 Evangelhos, Atos dos 12 apóstolos 1 livro, 13 Epistolas de Paulo Apostolo, uma do mesmo aos Hebreus, 2 de Pedro, 3 de João, 1 de Tiago, uma de Judas, Apocalipse de João. Quanto à confirmação deste cânon, a Igreja de além mar deve ser consultada. No aniversário dos mártires, seus feitos devem ser lidos também.” (HEFELE, 1870)

O Concílio de Hipona proclamou a lista que figuraria em toda a Igreja pouco tempo depois. Mesmo sendo um Concílio regional, não contraria a fé comum de toda a Igreja e esse cânone permaneceu imutável até Trento.

Cartago III (Regional – 397 d.C) 

O Concílio de Cartago foi um Concílio realizado na cidade de Cartago, que hoje é subúrbio da cidade de Tunis, na Tunísia, norte da África.

A principal fonte de informações sobre o terceiro Concílio de Cartago, realizado em 397 d.C, também é o mesmo documento que traz a rubrica de Hipona o Canonum Codex Ecclesiae Africanæ. Joseph Hefele, na História dos Concílios da Igreja, afirma que essa compilação foi feita em 419 d.C por Dionísio Exiguus, que a chamou de Statuta Concilii Africani. Outros têm chamado de o “Código Africano.” Em uma seção do código, há um registro das ordenanças decretadas no terceiro concílio de Cartago em que o seguinte parágrafo sobre o cânon das Escrituras traz:

“Também foi determinado que, além das Escrituras Canônicas nada seja lido na Igreja sob o título de divinas Escrituras. As Escrituras Canônicas são as seguintes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, filho de Nun, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis, dois livros de Paralipômenos, Jó, o Saltério, cinco livros de Salomão, a livros dos doze profetas, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, Tobias, Judite, Ester, dois livros de Esdras, dois livros dos Macabeus. Do Novo Testamento: quatro livros dos Evangelhos, um livro dos Atos dos Apóstolos, treze epístolas do Apóstolo Paulo, uma carta, do mesmo, aos Hebreus, duas Epístolas do Apóstolo Pedro, três de João, uma de Tiago, uma de Judas, um livro do Apocalipse de João. Que este seja dado a conhecer também a nosso irmão e companheiro sacerdote Bonifácio, ou a outros bispos daquelas partes, com a finalidade de confirmar este cânone, porque nós recebemos de nossos pais que os livros devem ser lidos na Igreja. Seja também permitido que as paixões dos Mártires sejam lidas quando seus festivais são comemorados.” (CARTAGO, 397)

Mais um Concílio confirma a lista preservada até os dias de hoje, porém, alguns têm objetado que essa ata não é original do Concílio uma vez que menciona Bonifácio como Papa, o qual só começou a reinar em 418 e no momento do Concílio o Papa era Siríaco. 

Apesar de todos os especialistas concordarem plenamente com a originalidade da ata desse Concílio, mesmo com essa “discrepância” entre os Papas, temos de analisar os fatos corretamente:

1 – O cânone diz: “Que este seja dado a conhecer também a nosso irmão e companheiro sacerdote Bonifácio, ou a outros bispos daquelas partes, com a finalidade de confirmar este cânone”. Aqui não diz necessariamente que Bonifácio era Papa, apenas o chama de sacerdote; ele poderia ser mais um entre os bispos auxiliares da Igreja de Roma, até então.

2 – Mesmo supondo que quem deveria ser mencionado era Siríaco, ao invés de Bonifácio, visto que o pontificado era do primeiro e não do segundo, isso é explicado pelo fato de que os cânones foram confirmados quando Bonifácio subiu ao pontificado, em 419 d.C; logo, o nome do Papa, ao invés de Siríaco, foi mudado para Bonifácio, uma vez que este confirmou todos os Concílios africanos. E sobre isso o autor protestante Brooke Westcott escreveu:

“O terceiro Concílio de Cartago foi realizado no ano de 397 d.C sob o pontificado de Siríaco e Bonifácio não subiu à cadeira romana até o ano 418 d.C de modo que a alusão a ele é à primeira vista desconcertante. No entanto, este anacronismo admite uma solução razoável. No ano de 419 d.C, após a confirmação de Bonifácio no Episcopado romano, os Cânones da Igreja Africana foram coletados e transformados em um código. No processo de tal revisão, era perfeitamente natural que alguma referência devesse ser feita às igrejas estrangeiras sobre um assunto como o conteúdo das Escrituras, que foram fixados mais pelo uso do que por lei.” (WESTCOTT, 1887).

3 – Os especialistas confirmam categoricamente a veracidade do cânone em si, porém, somente da ultima parte, que é justamente a discrepância, há alguma hesitação, uma vez que pelo menos um manuscrito antigo indica que a redação original da frase era “De confirmando isto canone transmarina ecclesia consulatur” (“Para a confirmação deste cânone a Igreja de além-mar deve ser consultada”). Essa é a leitura adotada por Hefele na reconstrução do Concílio de Hipona e Westcott menciona em nota. Os autores mais recentes tendem a apresentar o cânone desse presente Concílio com essa emenda.

Seja como for, a autoridade da Igreja Romana é apelada nesse cânone autêntico, sendo diretamente o Papa Bonifácio ou não.

Cartago IV (Regional – 419 d.C) 

No ano de 418-19, todos os cânones anteriormente feitos em dezesseis concílios realizados em Cartago, um em Milevis, um de Hipona, que foram aprovadas neles, foram lidos, e receberam uma nova sanção de um grande número de bispos, então reunidos em um sínodo em Cartago. Esta coleção é o Código da Igreja Africana, que foi sempre de grande prestígio em todas as Igrejas logo após o Código da Igreja Universal. Este código era de autoridade muito grande nas antigas Igrejas inglesas […]. E, embora o Código da Igreja Universal terminasse com os cânones de Calcedônia, esses cânones africanos ainda estão inseridos no antigo código de ambas as Igrejas Orientais e Ocidentais.” (JOHSON, 1847).

Segundo o reverendo protestante John Johnson, os cânones desse Concílio foram estimados em toda a Igreja e foram comumente aceitos por ela toda. Logo, vemos que o cânon bíblico realizado no continente africano foi aceito por toda a Igreja.  E o cânone bíblico desse Concílio é:

Cânone 24 (Grego XXVII)

Nada seja lido na Igreja, exceto as Escrituras canônicas.

Item, que, exceto as Escrituras Canônicas nada seja lido na igreja sob o nome de Escritura divina. Mas as Escrituras Canônicas são as seguintes: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, filho de Nun, Os Juízes, Rute, Os Reis quatro livros, As Crônicas 2 livros, Jó, o Saltério, os cinco livros de Salomão[2], os doze livros dos Profetas, Isaías, Jeremias[3], Ezequiel, Daniel, Tobias, Judite, Ester, Esdras dois livros[4], Macabeus dois  livros.

O Novo Testamento

Os Evangelhos quatro Livros, os Atos dos Apóstolos um livro, as quatorze epístolas de Paulo, as epístolas de Pedro, o Apóstolo, duas; as Epístolas de João, o apóstolo, três; a Epístola de Tiago, o Apóstolo, uma; a Epístola de Judas, o Apóstolo, uma; o Apocalipse de João, um livro.” (CARTAGO, 419)

Essa é a mesma lista de Cartago III, reconfirmada pelo IV Concílio. E esse mesmo Concílio é confirmado também pelo Concílio de Trullo e também pelo Segundo Concílio Ecumênico de Niceia, mostrado à frente.

Éfeso (Ecumênico – 431 d.C) 

O Concílio de Éfeso foi o terceiro Concílio Ecumênico da Igreja, sendo realizado na cidade de Éfeso, na Ásia Menor, em 431 d.C. Nesse Concílio, estavam presentes 250 bispos de toda a Igreja e nele foram condenadas a heresia nestoriana.  Na carta do Concílio, enviada ao sínodo de Panfília, os bispos escreveram:

“Porquanto a Escritura divinamente inspirada diz: ‘Nada fazei sem reflexão’ (Eclesiástico 32, 24) é especialmente o seu dever que tiver o ministério sacerdotal reservado, examinar com toda diligência…” (A Carta do Santo Sínodo de Éfeso, para o Sínodo Sagrado da Panfília Quando Eustáquio foi seu Metropolita).
Os próprios tradutores protestantes Philip Schaff e Henry Wace reconhecem, em sua tradução, que aqui temos um Concílio Ecumênico chamando Eclesiástico de Escrituras divinamente inspiradas, e dizem: 
“Eclesiástico XXXII, 19 – “Não faça nada sem reflexão” (sine consilio nihil facias): O livro deuterocanônico de Eclesiástico é aqui, por um Concílio Ecumênico, denominado ‘Escritura divinamente inspirada.’ ” (NPNF, Nota 272).


Portanto, em um solene Concílio Ecumênico, o livro do Eclesiástico é citado com naturalidade como “Escritura divinamente inspirada”. Qualquer ideia de que Trento seria o primeiro Concílio Ecumênico a se referir a esses livros como Escritura é, portanto, um erro de mais de um Milênio.  É fato, pois, que todos assumiam os livros deuterocanônicos como inspirados, pois um Concílio Ecumênico não iria fazer tal proclamação sem o consentimento de todos os bispos de toda a Igreja Universal.

Trullo (Regional – 692 d.C) 

Este Concílio regional conhecido como Concílio in Trullo[5] foi um Concílio realizado em Constantinopla em 692 d.C. Ele é assim denominado porque foi realizado no mesmo salão da cúpula onde foi realizado o Sexto Concílio Ecumênico. Também é conhecido como Concílio Quinisexto, pois foi convocado para estabelecer as regras de disciplina que nem o Quinto, nem o Sexto Concílio Ecumênico estabeleceram. Neste Concílio, foram ratificados vários cânones de outros Concílios, dentre eles os Concílios de Cartago, que trazem a lista dos 73 livros canônicos que compõem e Bíblia:

“Mas vamos definir nosso selo também sobre todos os outros cânones sagrados estabelecidos pelos nossos santos e benditos Padres, isto é, pelos 318 santos Padres reunidos em Niceia, e aqueles em Ancyra; além disso, aqueles em Neocaesarea e também aqueles em Gangra e, além disso,  aqueles em Antioquia, na Síria: Aqueles também em Laodiceia na Frígia e da mesma sorte os 150 que se reuniram nesta cidade real protegida pelos céus: e os 200 que se reuniram pela primeira vez na metrópole de Efésios, e 630 santos e benditos Padres em Calcedônia. Da mesma forma os de Sardica, e aqueles de Cartago: aqueles também que mais uma vez reunidos nesta cidade real protegida pelo céus, sob o seu bispo Nectarius e Arcebispo Teófilo de Alexandria.”(TRULLO, 692).


Novamente, a continuidade da aceitação de um mesmo cânone bíblico em outro Concílio. 

Niceia II (Ecumênico – 787 d.C) 

Niceia II foi o sétimo Concílio Ecumênico da Igreja. Foi realizado em 787 d.C e contou com a participação de 350 bispos, de toda a Igreja, que combateram a heresia iconoclasta[6].

Dentre os cânones desse Concílio, temos a seguinte declaração:

Aqueles que adotam esta heresia não só enchem de insultos a arte representacional, mas também rejeitam todas as formas de reverência e fazem paródias com daqueles que vivem vidas piedosas e santas, cumprindo assim a seu respeito próprio o que diz as Escrituras: ‘Para o pecador a piedade é uma abominação.’ (Eclesiástico 1, 25)” (Cânon XVI).

Novamente, um Concílio Ecumênico, em um cânone, cita Eclesiástico como “Escritura”. Um sínodo dessa magnitude é balizador para mostrar a comum aceitação dos livros deuterocanônicos por toda a Igreja.

Também esse Concílio Solene confirmou os Concílios de Cartago, no seu cânone primeiro:

Vendo estas coisas estão, portanto, sendo, assim bem testificadas a nós, regozijamo-nos sobre eles como ele que tem achado grande despojo, e inculca em nosso seio com alegria os cânones divinos, retendo todos os preceitos dos mesmos, completos e sem mudança, se eles foram definidos pelos trompetes sagrados do Espírito, pelos Apóstolos de renome, pelos seis concílios ecumênicos, ou por concílios reunidos localmente para promulgar os decretos dos referidos Concílios Ecumênicos, ou pelos nossos santos Padres. Pois todos estes, foram iluminados pelo mesmo Espírito, definido coisas como eram convenientes. De Acordo com eles, a quem eles colocaram sob anátema; nós também anatematizamos;. aqueles a quem eles depuseram, também depomos; aqueles a quem eles excomungaram, nós também excomungamos; e aqueles a quem eles entregaram ao castigo, nós sujeitamos à mesma pena.” (Cânone I).
Incluídos nesses “concílios reunidos localmente”, aqui referidos, está o Concílio de Cartago, de 419, que reafirmou o cânon bíblico de 397.  Embora o nome do Concílio não esteja explicito nos cânones oficiais de Niceia II, a correspondência a ele é percebida pela frase “ou por concílios reunidos localmente para promulgar os decretos dos referidos Concílios Ecumênicos”, pois foi isso que Cartago IV fez. Além de confirmar os 18 Concílios locais da Igreja da África, também promulgou o Concílio de Niceia. Sobre isso, novamente Johnson tem a dizer:


“No ano de 418-19, todos os cânones anteriormente feitos em dezesseis concílios realizados em Cartago, um em Milevis, um de Hipona, que foram aprovadas neles, foram lidos, e receberam uma nova sanção de um grande número de bispos, então reunidos em um sínodo em Cartago. […]   E embora nem todos foram feitos originalmente de uma só vez, mas eles foram todos confirmados por um sínodo de bispos africanos, que, depois de terem recitado o Credo e os vinte cânones do Concílio de Niceia, prosseguiram em fazer novos cânones, e reforçar os antigos.”

Cartago IV é um Concílio regional que promulgou os cânones de um Concílio Ecumênico, portanto, é ratificado e autorizado pelo II Concílio de Niceia. 

Constantinopla IV (Ecumênico – 869 d.C) 

Este foi o oitavo Concílio Ecumênico da Igreja, aberto em 5 de Outubro de 869, na Catedral de Santa Sofia, sob a presidência dos legados de Adriano II (Papa). Esse Concílio condenou o patriarca Fócio de Constantinopla. Após o cisma de 1054 d.C, parte da Igreja Oriental negou a validade Ecumênica desse Concílio. Arbitrariamente retiraram a condenação e o declararam Santo, apesar do próprio Concílio declarar-se universal em seus cânones. Seja como for, em seu cânone de número 10, declara:

“Como a Escritura divina claramente proclama: ‘Não encontre falhas antes de investigar, compreenda primeiro e depois encontre a falha’ (Eclesiástico 11, 7) e nossa lei julga uma pessoa sem antes dar-lhe uma audiência e entender o que ele fez? Por conseguinte, este santo Sínodo Universal justamente e apropriadamente declara e estabelece que nenhum leigo, monge ou clérigo deve separar-se da comunhão com o seu próprio patriarca antes de uma cuidadosa investigação e julgamento no sínodo, mesmo se ele alega que sabe de algum crime perpetrado por seu patriarca, e ele não deve recusar-se a incluir o nome de seu patriarca durante os mistérios ou ofícios divinos.” (Cânon X).

Eclesiástico, novamente, é citado como “Escritura divina” por mais um concílio Ecumênico. Para promulgar um cânone, esse livro é consultado e um cânone só pode ser promulgado por livros que são das Escrituras e tem autoridade para confirmar doutrina. 

Outra vez, aqui temos a confirmação de que o cânon bíblico da Igreja no século IX já estava bem definido.

Laterano IV (Ecumênico – 1215 d.C) 

Este Concílio foi realizado em 1215, em Latrão, sob o pontificado do Papa Inocêncio III. Teve a presença de setenta e um patriarcas e metropolitas, incluindo os patriarcas de Constantinopla e de Jerusalém, quatrocentos e doze bispos, novecentos abades e priores. Os Patriarcas de Antioquia e de Alexandria foram representados por delegados. O objetivo deste sínodo foi definir pontos de disciplina, medidas para serem tomadas contra os hereges, e, finalmente, as condições da próxima cruzada para a libertação e socorro à terra santa, que estava sendo atacada por muçulmanos.


 “Judeus convertidos não podem manter os seus antigos ritos .Certas pessoas que vieram voluntariamente às águas sagradas do batismo, como nós aprendemos, não totalmente despidos da pessoa velha, a fim de vestir a nova e mais perfeita. Pois, em consonância remanescente de seu antigo rito, eles perturbam o decoro da religião cristã por essa mistura. Como está escrito: ‘Maldito aquele que entra na terra através de dois caminhos’ (Eclesiástico 2, 12) e uma peça que é tecida de linho e lã não deve ser vestida, nós, portanto, decretamos que essas pessoas devem ser totalmente proibidas pelos prelados das Igrejas da observação seu antigo rito…” (Seção 70).


Novamente, outro Concílio Ecumênico, anterior a Trento, identifica a passagem do livro do Eclesiástico como Escritura, usando o termo “está escrito”. 

Viena (Ecumênico, 1311 – 1312 d.C) 

Concílio reunido pelo Papa Clemente V reunido em Vienna na França em 1 de outrubro de 1310, através da Bula “Regnans in Coelis” escrita 12 agosto de 1308. Este sínodo tinha o objetivo de fazer provisão em relação à Ordem dos Cavaleiros Templários, tanto os membros individuais quanto as suas terras, e em relação a outras coisas, em referência à fé católica, a Terra Santa, e para a melhoria da Igreja e das pessoas eclesiásticas.

Na sua sessão de Número 14 temos a expressa referência a eclesiástico:

Que nada impróprio ou corrompido encontre seu caminho para o campo do Senhor, ou seja, a ordem sagrada dos monges negros, ou qualquer coisa se transforme em uma colheita desastrosa, mas, sim, que as flores da honra e integridade possam produzir muitos frutos (Sir. 24, 17 (23)), nós decretamos da seguinte maneira.” (Sessão 14)


Eclesiástico é citado como prova da necessidade de integridade para estabelecer as bases bíblicas para o decreto que se segue. Sua veracidade bíblica é assumida pelos Padres conciliares.

Também na sessão 38 os padres deste concílio Ecumênico utilizam Eclesiástico duas vezes, para se referirem ao Messias e suas palavras:

“‘Eu saí do paraíso, eu disse: vou regar meu jardim de plantas’. (Eclesiástico 24, 31) Assim fala o cultivador celeste, que é realmente a fonte da sabedoria, a Palavra de Deus, gerada pelo Pai desde a eternidade, (Eclesiástico 1,5) ainda remanescente no Pai”. (Sessão 38)

Naturalmente mais um concílio ecumênico utiliza um livro deuterocanônico, inclusive se referindo a ele como as palavras de Deus.  

Florença (Ecumênico – 1440 d.C) 

Este concílio teve inicio em Basileia em 25 de Julho de 1431, porém foi transferido para Ferrara em 1438, e finalmente foi transferido para Florença por conta do perigo de peste negra em Ferrara. Dentre os objetivos deste Concílio estava a conciliação da Igreja Ortodoxa com Roma. Estavam presentes cerca de 120 católicos e 31 ortodoxos.

Em sua redação final, o Concílio promulgou a Bula Cantate Domino, que traz o seguinte Cânon Bíblico:

Decretum pro laçobitis
(ex Bulla « Cantate Domino », 4 Fev. 1441)

O Sacrossanto concílio professa que um e o mesmo Deus é o autor do Antigo e Novo Testamento, isto é, da Lei, dos profetas e do Evangelho, pois os Santos de ambos os Testamentos falaram sob a inspiração do mesmo Espírito Santo. Este Concílio Aceita e venera os Seus livros que vêm indicados pelos títulos seguintes: O Pentateuco de Moisés, isto é, Genesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio; Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis[7], 2 dos Paralipômenos[8], Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester, Jó, o Saltério de Davi[9], as Parábolas (Provérbios), Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, Baruc, Ezequiel, Daniel, os Doze Profetas menores (isto é, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias) e dois livros dos Macabeus. Quatro Evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas e João; quatorze epístolas de Paulo, uma aos Romanos, duas aos Coríntios, uma aos Gálatas, uma aos Efésios, uma aos Filipenses, uma aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, duas a Timóteo, uma a Tito, uma a Filemon, uma aos Hebreus; duas epístolas de Pedro, três de João, uma de Tiago, uma de Judas, os Atos dos Apóstolos e o Apocalipse de João”. (SAINT LIBERÈ, 2008).

 Assim, desde 1000 anos antes de Trento, em Cartago, até 100 antes dele, em Florença, a Igreja conservou um mesmo Cânon Bíblico.

Sens (Regional, + 1528 d.C) 

Concílio que teve inicio em 1527 e terminou em 9 de Outubro de 1528, foi convocado pelo Papa Clemente VII para combater a heresia protestante, recém surgida na Europa, sob a presidência do Cardeal Antônio Prato, arcebispo de Sens. Esse tentou resolver questões disciplinares surgidas a partir do protestantismo, muito embora na época por questões políticas, sociais e logísticas, não pode ser elevado à categoria de Ecumênico, pois não haviam condições para tal, o que só foi possível em 1545 com o concílio de Trento.

Este concílio reafirma a fé milenar da Igreja declarando que quem não aceita os decretos do III concílio de Cartago e os decretos de Gelásio e Inocêncio, fossem tratados como cismáticos e heréticos:

Como resultado, aquele que não segue a prescrição e a autoridade da Igreja na lista de livros das Escrituras Canonicas e recusa o santo Terceiro Concílio de Cartago, os decretos de Inocêncio e de Gelásio e, em seguida, rejeita o catálogo de livros estabelecidos a partir dos santos padres, ou ele, ao explicar as Escrituras, não é ‘cordeiro de seu redio e ouve os cuidados dos pastores’ (Cântico dos Cânticos 1,7), mas descobre-se ‘as cisternas rachadas que não podem conter água’ (Jeremias 2, 13), e despreza as pegadas dos Padres Ortodoxos, para seguir seu próprio julgamento privado, deve ser repelido em sua grande arrogância como os cismáticos – apoiantes e instigatores de toda heresia.” (Concílio de Sens – Decreto IV, 54).

A acusação de que o concílio de Trento teria adicionado livros a bíblia, mais uma vez não consegue se sustentar diante deste fato.

Trento (Ecumênico – 1546 d.C) 

O Concílio de Trento é o décimo nono Concílio Ecumênico da Igreja, começou em 13 de Dezembro de 1545, e encerrou em 4 de Dezembro de 1563. Seu objetivo principal foi a determinação definitiva das doutrinas da Igreja no combate às heresias protestantes; Outro objetivo também era a execução de uma reforma profunda da vida interior da Igreja, removendo alguns abusos que se tinham desenvolvido dentro dela. (ENCICLOPÉDIA CATÓLICA, 1907)

“… para que nenhuma dúvida possa surgir na mente de qualquer um, sobre quais são os livros que são recebidos por este Sínodo. Eles estão definidos como aqui abaixo:

Do Antigo Testamento: os cinco livros de Moisés, a saber, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio, Josué, Juízes, Rute, quatro livros dos Reis, dois dos Paralipômenos, o primeiro livro de Esdras, e o segundo que é  intitulado Neemias; Tobias, Judite, Ester, Jó, o Saltério de Davi, composto de cento e cinquenta salmos, os Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria, Eclesiástico, Isaías, Jeremias, com Baruc, Ezequiel, Daniel, os doze profetas menores, a saber, Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias, Malaquias, dois livros dos Macabeus, o primeiro e o segundo.

Do Novo Testamento: os quatro Evangelhos, segundo Mateus, Marcos, Lucas e João; Atos dos Apóstolos, escrito por Lucas Evangelista; catorze epístolas de Paulo, o apóstolo: (uma) aos Romanos, duas aos Coríntios, (uma) aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, duas aos Tessalonicenses, duas a Timóteo, (uma) a Tito, a Filemon e aos Hebreus; duas de Pedro, o apóstolo; três de João o apóstolo; uma do apóstolo Tiago; uma de Judas o apóstolo e o Apocalipse de João, o apóstolo.

Mas, se alguém não receber, como sagrados e canônicos, os referidos livros inteiros com todas as suas partes, como são costumeiramente lidos na Igreja Católica, e como eles estão contidos na antiga edição da Vulgata Latina, e consciente e deliberadamente desprezar as antigas tradições; seja anátema.” (Enquiridium Biblicum, 2008).

Aqui, vemos a ordenação para venerar todas as Escrituras citadas. Em nenhum momento, Trento menciona acréscimo de algo às Escrituras. A Ata diz que “todos” esses livros já eram aceitos e lidos pela Igreja, assim como “era de costume” serem lidos desde a edição antiga da Vulgata latina.

Resumindo: a própria Ata do Concílio de Trento afirma não estar incluindo livro algum no cânon bíblico; muito pelo contrario, estava reafirmando a canonicidade de todos os livros contidos na antiga Vulgata latina, preservando, assim, a mesma fé dos Concílios anteriores.

Conclusão

Depois de todas as citações dos Padres que unanimemente se referem aos deuterocanônicos como Escritura, temos um registro contínuo dos Concílios Ecumênicos e Regionais citando esses livros como Escrituras até o momento da “Reforma”. Assim, a confirmação da lista dos Concílios de Cartago e de Hipona (os quais asseguram os deuterocanônicos como Escrituras), nos séculos IV e V, é mantida e assegurada pelos Concílios  Ecumênicos que os citam da mesma forma. Qualquer suposição de que Trento foi o primeiro Concílio Ecumênico a afirmar a inspiração desses livros, é desmentida pelo fato de que numerosos Concílios anteriores a esse, ao longo dos vários séculos, referem-se a eles como inspirados e todos assumiram serem eles parte integrante das Escrituras divinamente inspiradas.

[1] Teólogo e Canonista italiano do século XVIII
[2] Eclesiásticos, Provérbios, Cânticos, Eclesiastes, Sabedoria
[3] Baruc, Jeremias e Lamentações
[4] Esdras e Neemias
[5] Palavra “trullo” (do grego) é o plural de “trulli”, que significa “cúpula”, portanto, “concílio in Trullo”, significa “concílio nas cúpulas”.
[6] Heresias que atacava o uso das sagradas imagens e ícones.
[7] I e II Samuel; I e II Reis
[8] I e II Crônicas
[9] Salmos

PARA CITAR

RODRIGUES, Rafael. O cânon bíblico dos Concílios. Disponível em <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/deuterocanonicos/956-o-canon-biblico-dos-concilios>. Desde 25/03/2017.

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