Segunda-feira, Dezembro 30, 2024

Magistério Eclesiástico sobre a liberdade religiosa [1970]


O estudo que segue é do Pe. Miguel Nicolau, autor em 1955 da “Sacrae theologiae summa”. Este estudo teológico é referenciado pelo Cardeal Ratzinger em 1986 nas Respostas às dúbias apresentadas por Dom Lefebvre sobre a liberdade religiosa.

 

Magistério Eclesiástico sobre a liberdade religiosa

Conciliação harmônica de seus ensinamentos


 

A Declaração do Vaticano II sobre a liberdade religiosa afirma que “deixa íntegra a doutrina católica tradicional acerca da obrigação moral, tanto dos indivíduos como das sociedades, em relação a religião verdadeira e da única Igreja de Cristo” (núm. 1, c.). Também afirma, no mesmo lugar, que “o Sagrado Concílio pretende desenvolver a doutrina dos Sumos Pontífices mais recentes acerca dos direitos invioláveis da pessoa humana e acerca da ordenação jurídica da sociedade” (n. 1, c). Em suma, como se diz pouco antes no mesmo número, “o Concílio Vaticano investiga a tradição e a doutrina da Igreja, das quais tira coisas novas, sempre conformes com as antigas” (n. 1, a).

Por estas razões e afirmações da Declaração conciliar não será alheio deste comentário se expomos a doutrina do Magistério eclesiástico, isto é, dos Sumos Pontífices e do concílio, acerca da liberdade religiosa e acerca dos direitos da pessoa humana. Porém, na impossibilidade de referir estas doutrinas em toda a amplitude histórica de vinte séculos de cristianismo, nos limitaremos aos últimos períodos, mais transcendentais, cujos ensinamentos explícitos podem parecer que tem relação mais direta com a Declaração do Vaticano II. Estudaremos o magistério pontifício sobre este particular desde Gregório XVI (1831-1846) até Pio XII (1939-1958) e João XXIII (1958-1963), passando por Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903), S. Pio X (1903-1914) e Pio XI (1922-1939). Sobre Bento XV (1914-1922), recorrendo os volumes de Acta Apostolicae Sedis, correspondentes a seu Pontificado, não temos achado documentos de seu magistério que diretamente se refiram ao tema que agora nos ocupa. Terminaremos com algumas indicações acerca do conteúdo da Declaração promulgada pelo Vaticano II, para mostrar o ponto de vista e o objeto da Declaração conciliar, os quais não contradizem os ensinamentos anteriores.

Como a expressão liberdade religiosa pode alcançar e, de fato, alcança, um significado polivalente, queremos recordar desde o princípio diversas significações que podem se atribuir a este termo, que nós tomamos com a necessária amplitude em nosso estudo histórico, para acentuar, ao final dele, o sentido preciso e característico de “imunidade de coação externa” no exercício da religião, que lhe atribuiu a Declaração do Vaticano II

Entre os diferentes significados que podem se referir à liberdade religiosa, um é:

1) o da liberdade interna do ato de fé, o qual o ato, por sua própria natureza intrínseca, é ato livre e não pode ser forçado externamente nem vale impô-lo pela coação. Desta liberdade exigida pelo ato de fé católica, fala a Declaração no núm. 10.

2) Liberdade religiosa pôde significar o pretendido direito, que alguns atribuíram a não praticar nenhuma religião, ou de praticá-la segundo a cada uma lhe pareça, ou o queira. Esta liberdade, assim entendida, seria o indiferentismo religioso, desde o grau absoluto que despreza toda classe de religião como algo inútil ou pernicioso, até o indiferentismo universal que olha a todas as religiões como algo útil e legítimo, quaisquer que sejam elas; e o indiferentismo particular que admite como válidas todas as religiões dentro de um setor particular, como é o setor das religiões cristãs.

3) O liberalismo que acentua a independência do homem em relação a toda a lei divina, pôde atribuir ao homem o direito de professar a religião que deseja, proclamando assim sua liberdade religiosa.

4) Liberdade religiosa pôde também entender-se como o exercício livre da religião, segundo o que cada um pareça em sua consciência moral.

Este exercício da religião pôde se conceber tanto como um estrito e objeto direito naqueles que estão na verdade da religião, e quanto uma tolerância a respeito dos que professam falsos princípios religiosos; bem como um direito estrito e universal em todos, estejam na verdade ou no erro, quando procedem segundo sua boa fé e as exigência de sua consciência.

5) Por último, liberdade religiosa pode se entender como mera imunidade de coação externa no exercício da religião, de forma que nem se imponha a alguém violentamente uma fé e religião que não seja a que por seu próprio juízo livremente admite, nem lhe seja impedido o exercício externo e público de sua religião, sempre que se mantenha nos justos limites. Este último é, como é sabido, o sentido que alcança a “liberdade religiosa”, na Declaração que nos ocupa.

Ao investigar e expor a doutrina dos Sumos Pontífices sobre a liberdade religiosa, entendida nesse múltiplo sentido, prescindiremos pelo momento da liberdade do ato de fé, porque nos parece uma doutrina clara e evidente. Em relação aos demais sentidos de “liberdade religiosa” vamos expor a doutrina pontifícia a medida que nos seja apresentada cronologicamente, sem classificar ou distribuir a priori segundo esquemas preconcebidos os documentos que estudamos. Desejaríamos evitar a impressão de proceder com prejuízos e com categorias prévias, que turbariam a sinceridade da investigação. O que não faremos será prescindir conscientemente daqueles documentos necessários para a história íntegra que pretendemos. Não faz história científica quando se calam os documentos que contradizem a própria tese [1].

Não gostaríamos tampouco interpretar os documentos distantes de nós, em grande parte do século passado, com as categorias mentais que hoje nos preocupam. Desejamos que os documentos falem por si mesmos, e não gostaríamos de fazer história “dirigida”.

Para que os documentos falem por si mesmos, devemos propor (enquanto o espaço o permita) os documentos íntegros, ao menos em suas afirmações substanciais; não meros fragmentos, desligados de seu contexto. Assim o leitor poderá formar o juízo por si mesmo. Queremos dizer o contexto do documento que estudarmos. Mas convirá sempre que tenhamos muito presente o contexto histórico, isto é, as circunstâncias históricas que deram origem a um escrito ou ensinamento pontifício, para poder situá-lo em seu devido ambiente e significado, em ordem a uma justa interpretação.

 

I. MAGISTÉRIO ECLESIÁSTICO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA


  

No pontificado de Gregório XVI (1831-1846)

Os princípios do indiferentismo religioso acabavam de ser combatidos pelo celebérrimo escritor Felicidad Roberto de Lamennais (1782-1854) com seu livro Essai sur l’indifférence (1817), que obteve êxito colossal [2]. Lamennais escreveu também em favor do tradicionalismo. Mas as doutrinas que apareceram no L’Avenir, revista que havia fundado em 1830, juntamente com Montalembert e Lacordaire, mediante as quais doutrinas propugnava a plena separação da Igreja e do Estado, com objetivo de defender a liberdade da Igreja, enquanto ao mesmo tempo rebaixava a razão humana, deram ocasião a encíclica de Gregório XVI Mirari vos (15 de agosto de 1832).

Este documento de Gregório XVI, ao qual se remeterão os Pontífices posteriores, desempenha um papel importante em toda esta história. Em sua encíclica Gregório XVI condena os princípios do indiferentismo, com uma expressão enérgica, repetida depois a famosa já na literatura eclesiástica do século passado: “Desta fonte absurda e fétida do indiferentismo flui aquela sentença errônea, ou melhor delírio [deliramentum]: que há que se afirmar e reivindicar para cada um a liberdade de consciência” (D 1613)[3]. Pelo contexto deste documento se vê que o Papa condena a indiferença religiosa, isto é, aquela liberdade de consciência ou liberdade religiosa que espalhara como doutrina danosa e afirma que “com qualquer profissão de fé se pode alcançar a salvação da alma, se os costumes se acomodam à norma da moralidade” (ibid. D 1613). É fácil reconhecer que esta liberdade religiosa, assim entendida, não reconhece os direitos que Deus tem para impor aos homens uma determinada maneira de honrar-lhe e servir-lhe, fora da qual Ele não se agrada.

“A este erro pestilentíssimo – continua Gregório XVI na mesma encíclica – prepara o caminho aquela plena e imoderada liberdade de opinião, que avança amplamente para ruína do sagrado e do civil, enquanto alguns afirmam com grande falta de vergonha que alguma vantagem provem dela para a religião. Mas “que pior morte para alma que a liberdade do erro?” – dizia S.  Augustinho – [4] (D 1614). Como se vê, Gregório XVI reprova a liberdade de opinião, entendida como licença e catarata de erros, que infectam os domínios da inteligência, a qual vive e goza com a verdade.

Em relação as relações da Igreja com o Estado, queremos notar outras palavras da mesma encíclica que expressam o desejo de uma concórdia entre ambas potestades, não o de uma separação. É um pensamento que depois encontraremos em documentos pontifícios posteriores. “Tampouco poderíamos assegurar – disse – prósperos acontecimentos à religião e ao Estado, se o fizéssemos pelos desejos daqueles que desejam que a Igreja se separe do Reino, e se rompa a mútua concórdia do mesmo com o sacerdócio. Porque consta – acrescenta – que é sobremaneira temida pelos que amam a mais descarada liberdade aquela concórdia que sempre foi fausta e saudável ao sagrado e ao civil” (D 1615).

 

No pontificado de Pio IX (1846-1878)

 

Abundam neste pontificado as condenações aos erros do século, que eram (entre outros) o indiferentismo religioso e o naturalismo.

O indiferentismo o achamos condenado nas diferentes formas que em que se pode apresentar. Na alocução Singulari cura (9 de dezembro de 1854) Pio IX lamenta que haja católicos que “pensem poder esperar bem acerca da salvação eterna daquelas que de modo algum estão na verdadeira Igreja de Cristo” (1646). Tem que se rechaçar a opinião “de que em qualquer religião se pode achar o caminho da salvação eterna” (D 1646). “Porque é de fé que ninguém pode salvar-se, fora da Igreja Apostólica Romana; esta é a única arca da salvação, e quem não tiver entrado nela, perecerá com o dilúvio” (D 1647). Mas o Papa ensina também como certo – e convém que o façamos notar – que “aqueles que tenham ignorância invencível da verdadeira religião, não são réus de culpa por isso diante Deus” (D 1647). A solução de como Deus é justo e misericordioso ao mesmo tempo, e de quais são os planos divinos, iremos conhecer na vida futura (ibid.).

Deixando de lado a carta deste Pontífice Gravissimas inter (11 de dezembro de 1862) sobre a falsa filosofia, que quer escapar da vigilância do Magistério (D 1666-1676), outros escritos da época relativos ao indiferentismo religiosa, que agora nos ocupamos, são a encíclica Quanto conficiamur moerore (10 de agosto de 1863) (D 1677-1678) e a carta do Santo Ofício aos Bispos da Inglaterra (16 de setembro de 1864) sobre a unidade da Igreja e contra a teoria dos três ramos (D 1685-1687).

Contudo, não podemos silenciar, como a mais importante para nossa história, a encíclica Quanta cura (8 de dezembro de 1864). Nela encontramos algumas passagens sobre o naturalismo, o indiferentismo e a liberdade de consciência que devemos recolher e transcrever:

“Sabeis muito bem, Veneráveis Irmãos, que em nosso tempo há não poucos que, aplicando à sociedade civil o ímpio e absurdo princípio chamado de naturalismo, atrevem-se a ensinar “que a perfeição dos governos e o progresso civil exigem imperiosamente que a sociedade humana se constitua e se governe sem preocupar-se em nada com a religião, como se esta não existisse, ou, pelo menos, sem fazer distinção nenhuma entre a verdadeira religião e as falsas”. E, contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, não duvidam em afirmar que “a melhor forma de governo é aquela em que não se reconheça ao poder civil a obrigação de castigar, mediante determinadas penas, os violadores da religião católica, senão quando a paz pública o exija”. E com esta idéia do governo social, absolutamente falsa, não hesitam em consagrar aquela opinião errônea, em extremo perniciosa à Igreja católica e à saúde das almas, chamada por Gregório XVI, Nosso Predecessor, de feliz memória., loucura [5], isto é, que “a liberdade de consciências e de cultos é um direito próprio de cada homem, que todo Estado bem constituído deve proclamar e garantir como lei fundamental, e que os cidadãos têm direito à plena liberdade de manifestar suas idéias com a máxima publicidade – seja de palavra, seja por escrito, seja de outro modo qualquer -, sem que autoridade civil nem eclesiástica alguma possam reprimir em nenhuma forma”. Ao sustentar afirmação tão temerária, não pensam nem consideram que com isso pregam a liberdade de perdição [6], e que, se se dá plena liberdade para a disputa dos homens, nunca faltará quem se atreva a resistir à Verdade, e a confiar na loquacidade da sabedoria humana [al. mundana]; Nosso Senhor Jesus Cristo mesmo ensina como a fé e a prudência cristã hão de evitar esta vaidade tão danosa” [7] (D 1689 – 1690).

Estas palavras de Pio IX são, desde logo, uma condenação do naturalismo, que menciona expressamente, e também daquele laicismo que pretende “que a sociedade humana se constitua e governe sem ter em conta para nada a religião, como se esta não existisse, ou pelo menos, sem fazer distinção alguma entre a verdadeira e as falsas religiões”. Já se vê, além disso, por estas últimas palavras, a reprovação do indiferentismo em matéria de religião. Também reprova aquela concepção da sociedade, separada da Igreja, em que o governo não favorece e não protege os direitos da religião católica, “a não ser quanto a paz pública o exija”.

A liberdade de consciência e a liberdade de cultos, que tenham por base este naturalismo, laicismo ou indiferentismo, merecem igualmente a condenação do Papa. Considera-as liberdades de perdição. Por se referir ao “delírio”, de que havia falado Gregório XVI, podemos supor com fundamento que considera estas liberdades como tendo por base o indiferentismo religioso condenado por seu predecessor. Da mesma forma reprova a liberdade de expressar publicamente as ideias, de palavra ou por escrito ou de qualquer outra forma. Estas liberdades ficam incluídas sob o termo augustiano de liberdades de perdição. Censura, portanto, nelas os excessos que pode provocar o seu uso incontrolado dos meios de expressão e comunicação social. Não está em sua mente expor o uso destas liberdades enquanto consequência da dignidade da pessoa humana, que tem direito a expressão de seu pensamento honesto. O Papa Pio IX parece reprovar aqui os excessos de um uso desmedido, fora dos limites exigidos pelos direitos de Deus e pelos da sociedade.

Na mesma encíclica Pio IX lamenta a perseguição de que são objeto as famílias religiosas (D 1692), com a qual defende a liberdade de se associar para praticar os conselhos evangélicos; igualmente o direito e a liberdade que tem os cidadãos e a Igreja para dar esmolas e praticar obas de beneficência e caridade cristã (D 1693);  reivindica, por último, que “em determinados dias se proíbam as obras servis por razão do culto divino” (1693).

No Syllabus se recolheram – como é sabido – as proposições já formuladas e condenadas em diversos documentos relativos aos erros da época. O Syllabus é uma verdadeira coleção ou catálogo dos principais erros dos séculos passado, infectos de racionalismo, naturalismo e indiferentismo. A maioria destas proposições resumem o indiferentismo do século.

A proposição 3 deste Syllabus  (D 1703) [8], sacada da alocução Maxima quidem (D 1862), resume os princípios racionalistas e quer sacudir  o julgo e submissão de todo homem, e, portanto, também a razão humana devida a Deus.

A proposição 4 (D 1704) contém também os louvados excessos da razão humana [9], e foi condenada por idêntico racionalismo.

A proposição 15 poderia parecer a primeira leitura que condena uma atitude de liberdade religiosa e de maneira de conhecer e abraçar a verdadeira religião, que hoje se reconhece legítima: “Todo homem é livre para abraçar e professar a religião que cada um, levado pela luz da razão, pensar ser verdadeira” (D 1715). A liberdade que aqui pareceria se condenar é a liberdade de que goza cada homem e indivíduo para professar a religião que, segundo sua razão, conheça ser racional e verdadeira. Nada mais legítimo. E parece estar plenamente de acordo com as tendências e afirmações de hoje em relação à liberdade religiosa. Contudo, como já escrevemos em outra ocasião [10], pelo lugar em que está agrupada a presente proposição (entre as proposições 15-18, relativas ao indiferentismo religioso: D 1715-1718), cremos que esta proposição, sacada da alocução Maxima quidem (1862) e da condenação Multiplices inter (1851), é condenada o indiferentismo religioso que está em sua base; como se esta liberdade do homem não devesse estar submetida às normas ditadas pelo Criador e manifestadas pela Igreja.

Retamente se assinalou na proposição 39 (D 1739) um decidido empenho da Igreja em combater o estatismo onipotente, que afirma que “o Estado na sociedade, por ser fonte e origem de todos os direitos, goza de certo direito não circunscrito por limites alguns” [11]; Segundo esta teoria o direito de praticar a religião derivaria do Estado todo-poderoso e a ele estaria submetido. Não é a primeira vez que a Igreja no curso da história reivindicou para seus cristãos o direito a prescindir o Estado para o legítimo exercício da religião católica. Esta insistência do magistério pontifício em reclamar a liberdade religiosa do indivíduo a encontraremos também mais adiante, sobretudo de frente aos estados “totalitários” de nosso século. Aqui, todavia não se matiza esta liberdade com as razões da dignidade da pessoa.

Se poderá encontrar no Syllabus algumas proposições reprovadas, cuja condenação poderá surpreender a muitos de nossos dias, quando está no ambiente o critério de máxima liberdade religiosa. Mas não é necessário atribuir a estas proposições um valor e sentido de universalidade local e temporal, como se tivessem se dito válidas para todos os tempos e lugares. Nos referimos, em primeiro lugar à proposição 77: “Já não convém em nossa época que a religião católica seja tida como a única religião do Estado, excluindo quaisquer outros cultos” (D 1777). Se compreende que hoje em dia estranhará a muitos que se haja condenado tal proposição que formula a maneira de pensar de não poucos católicos de nossos dias, que crêem conveniente para sua nação a igualdade jurídica de todas as religiões diante do Estado. Como não tratamos neste momento de discutir, o que hoje é mais conveniente e em que nações poderia ter cabido plenamente o que então condenou o Magistério, nos contentaremos com dizer que as circunstâncias históricas que Pio IX teve presentes, podem haver variado hoje, e que não se deve transladar sem mais a todos os tempos e nações o que não parece provir de princípios doutrinais universais e absolutos, mas de normas práticas de conveniência. O que nos interessa neste momento em que escrevemos a história, é notar que esta proposição, tomada da alocução Nemo vestrum (1855), implica a uma atitude do Magistério no tempo em que se pronunciou (1855), e no que foi recolhida no Syllabus (1864); a saber, que o Magistério acreditava ser nocivo para a religião naquelas circunstâncias o que se ensinara e difundira sobre a não confenssionalidade do Estado.

O mesmo diremos a respeito da proposição 78, que segue imediatamente, e hoje pode surpreender: “Por isto é louvável que em algumas regiões de nome católica se previu pela lei que aos imigrantes lhes seja lícito ter o público exercício do próprio culto” (D 1778). Não é deste momento discutir a validez dessa proposição para as circunstâncias do mundo de hoje “em algumas regiões de nome católico”. As normas de conveniência temporal, podem variar com o tempo. O que interessa agora, é deixar a constância histórica desta condenação, tomada da alocução Acerbissimum (1852), que insiste na proteção que o poder público deve para com a verdadeira religião.

Como eco das liberdades de opinião e de imprensa, proveniente da postural liberal e indiferentista, podemos também apresentar a proposição 79, penúltima do Syllabus: “É falso que a liberdade civil de qualquer culto, assim como o pleno poder concedido a todos de manifestar aberta e publicamente quaisquer opiniões e pensamentos conduza a corromper mais facilmente os costumes e espírito dos povos e a propagar a peste do indiferentismo” (D 1775).

Hoje muitos subscreveriam o que então se condenava, e teriam por verdadeiro que a liberdade civil de qualquer culto e o pleno poder concedido a todos de manifestar aberta e publicamente suas opiniões religiosas, não conduz a corromper os costumes dos povos… Notemos, contudo, que a proposição condenada tem um caráter universal, posto que fala qualquer culto e de manifestar quaisquer opiniões e pensamentos, sem ter em conta os limites devidos que hoje exigem a Declaração conciliar e todos aqueles católicos que propunha a liberdade de culto e a liberdade de expressão religiosa. Ademais, a condenação pode revestir um caráter de inconveniência temporal, por razão das circunstâncias da época, enquanto que a atual liberdade religiosa que hoje se propõe, poderia ser pensada por alguns (nós não somos destes) com norma prática e pragmática (utilitária e conveniente) para as atuais circunstâncias do mundo de hoje. Nós diremos – em resumo – que a condenação 79 nos parece ser devida a universalidade de suas afirmações e que é eco das atitudes liberal e indiferentista.

De Pio IX encontramos também suas declarações sobre a dupla potestade, espiritual e temporal que existe sobre a terra [12] e sobre a liberdade da Igreja [13], que provém e anunciam as encíclicas de Leão XIII sobre estes temas.

 

No pontificado de Leão XIII (1878-1903)

 

Neste pontificado, além de continuar os erros do indiferentismo e naturalismo ou racionalismo, que haviam marcado os tempos anteriores, adquirem particular ressonância o laicismo e o liberalismo. Por isto as grandes encíclicas de Leão XIII atendem de modo particular a estes dois grandes temas: as relações da Igreja e do Estado, que são as relações da sociedade eclesiástica com a sociedade civil; e o tema da legítima e verdadeira liberdade do cristão e cidadão.

A encíclica Diuturnum illud (29 de junho de 1881) anuncia os grandes temas da Immortale Dei e da Libertas, praestantissimum. Segundo Leão XIII, “a Igreja reconhece e declara que o que é pertencente as coisas civis está na potestade e suprema autoridade daqueles governantes [civis]; no que pertence ao mesmo tempo a potestade religiosa e civil, quer a Igreja que haja concórdia entre uma e outra potestade, a fim de evitar contendas funestas para ambas as partes” [14]

Sustenta o liberalismo que, enquanto a liberdade nas sociedades civis públicas, não há razão para que a sociedade renda culto a Deus ou queira que lhe seja rendido publicamente: que convém que nenhum culto seja anteposto a outro, mas que todos devem ser considerados de igual direito, independentemente que o povo se professe católico. Para que todas estas coisas sejam exatas, teria que ser verdade ou que não existem obrigações da sociedade civil a respeito de Deus, ou que se pode infligir impunemente: e ambas coisas são abertamente falsas”[15]

E, ainda mais, se estende o Papa neste mesmo argumento que convirá citar mais largamente para claridade da doutrina:

Porque não pode se por em dúvida que por vontade de Deus se formou a sociedade entre os homens, seja considerando suas partes, seja sua forma, que é a autoridade; seja a causa dela, seja a abundância de todas as grandes utilidades que produz o homem. É Deus quem criou ao homem para a sociedade e o colocou em uma agrupação de semelhantes, para que encontrasse na associação o que sua natureza desejasse e que ele não pode conseguir por si mesmo. Portanto a sociedade civil, por isso que é sociedade, tem que reconhecer a Deus como a seu Pai e autor, e tem que reverenciar seu poder e domínio e dar-lhe culto. Proíbe, portanto, a justiça, proíbe a razão, que a sociedade seja atéia ou, o que equivaleria ao ateísmo, que a sociedade se comporte igualmente em relação as diferentes religiões, como dizem, ou que a cada uma delas seja-lhes dado indistintamente os mesmos direitos. E posto que é preciso que na sociedade se professe uma única religião, é preciso professar a que unicamente é verdadeira, e que sem dificuldade, sobretudo nas sociedades católicas, é assim reconhecida, já que aparecem nela distinguida notas de verdade. Portanto, os que administram a coisa pública, conservem esta religião, protegendo-a, se quiserem com prudência e utilidade, como devem, olhar pelo comum dos cidadãos” [16].

Anos mais tarde, a este propósito das relações Igreja-Estado, que agora tratamos, Leão XIII recordará na carta aos Arcebispos e Bispos dos Estados Unidos da América (Longingua oceani, 6 de janeiro de 1895) que, enquanto a liberdade que ali se concedem as leis pudessem ser vantajosas, “contudo, é preciso evitar o erro de que alguém pense se seguir disso que há que pedir para a América o exemplo para o melhor estado da Igreja ou que, falando em geral, é lícito ou convém ter separadas e dissociadas a maneira americana as coisas civis e as sagradas. Porque o que se conserva incólume entre vós a causa católica – disse-lhes -, o que cresce com novos aumentos, isto há que atribuí-lo à fecundidade que possui a Igreja; a qual, se nada se opõem, se não há impedimento, se manifesta espontaneamente e se desenvolve; mas, contudo, produziria frutos muito mais abundantes, se além da liberdade, gozasse do favor das leis e do patrocínio do poder público” [17].

Mas é na encíclica Inmortale Dei (1º de novembro de 1885) onde Leão XIII se ocupa com maior propósito da constituição cristã da sociedade, e marca com grande precisão os limites do poder civil e do poder religioso, do poder temporal e do poder espiritual. Não é que pensemos que nesta encíclica Leão XIII abrira o caminho para a justa autonomia da cidade terrena, porque esta autonomia e ainda independência estavam no ambiente da sociedade terrena e das nações da época, isto é, dos Estados que se tomavam tal autonomia e independência e ainda pretendiam subjugar a Igreja. O alcance histórico desta encíclica de Leão XIII é o que da exata formulação sábia e prudente, à luz dos grandes princípios católicos, dos fins e limites das duas potestades sociais.

Nesta encíclica volta a se reprovar o indiferentismo religioso, condenado antes por Gregório XVI, e com os mesmos pensamentos deste; e volta a se afirmar, também com palavras de Gregório XVI, a conveniência da união entre ambas potestades:

Essas doutrinas, que a razão humana reprova e têm uma influência tão considerável sobre a marcha das coisas públicas, os Pontífices romanos, Nossos predecessores, na plena consciência daquilo que deles reclamava o múnus apostólico, jamais sofreram fossem impunemente emitidas. Assim foi que, na sua Carta Encíclica “Mirari vos”, de 15 de agosto de 1832, Gregório XVI, com grande autoridade doutrinal, repeliu o que se avançava desde então, insto é, que em matéria de religião não há escolha a fazer: que não tem outro juiz se não a própria consciência e pode, além disso, publicar o que pensa e tramar revoluções no Estado. A respeito da separação da Igreja do Estado, exprime-se nestes termos esse Pontífice: “Não podemos esperar para a Igreja e para o Estado resultados melhores das tendências dos que pretendem separar a Igreja do Estado e romper a concórdia mútua entre o sacerdócio e o império. É que, com efeito, os fautores de uma liberdade desenfreada temem essa concórdia, que sempre foi tão propícia e salutar aos interesses religiosos e civis”. Não de outra maneira, Pio IX notou, segundo se ofereceu a oportunidade, muitas daquelas opiniões falsas que haviam particularmente começar a ganhar força, e posteriormente mandou reduzi-las a um índice, a fim de que, em meio de grande dilúvio de erros, tivessem os católicos diante dos olhos o que sem tropeço haviam de seguir” [18] (D 1867).

Como se pôde ler, Leão XIII condena naquele caso o indiferentismo religioso que já antes Gregório XVI havia condenado, e que se atribui direitos soberanos para abalar o direito de Deus para prescrever uma religião ao homem; tampouco admite como norma ideal a separação da Igreja e do Estado. A frase que temos sublinhado: não tem outro juiz se não a própria consciência fica reprovada no sentido em que já o estava por Gregório XVI, a quem se aludiu. Parece inegável com a proposição 3 do Syllabus (D 1703), que antes temos mencionado e quer expressar a independência total da razão humana. Por isso convém distinguir esta proposição condenada, de sabor racionalista e liberal, daquela outra que hoje costuma ser usada, e encontramos na Pacem im terris de João XXIII: que o homem tem direito de professar a religião pública e privadamente segundo a reta norma de sua consciência [19]. A razão humana, de onde  procede o ditame da consciência, deve reconhecer todavia hoje a Deus como juiz, de quem provém a obrigação moral, e Ele é quem julgará a retitude da consciência.

Outro ponto importante que alcança particular relevo na doutrina de Leão XIII é a doutrina sobre a tolerância. Em sua encíclica Immortale Dei, este Papa não pode admitir e condena que as religiões tenham iguais direitos, já que não se pode igualar o verdadeiro com o falso; mas se admite a tolerância das falsas “para alcançar um grande bem ou evitar um mal importante”. Ouçamos suas palavras:

Na verdade, se é certo que a Igreja julga não ser lícito que as diversas formas de culto divino gozem do mesmo direito que a verdadeira religião; contudo, não por esse motivo condena aqueles governantes que para alcançar algum bem maior ou evitar um mal importante, toleram por uso e costume que aquelas diversas formas tenham lugar no Estado” (D 1874).

No tema da tolerância voltará a se ocupar o pensamento de Leão XIII na encíclica Libertas praestantissimum (20 de junho de 1888). Nela admite certa tolerância com os tempos: “Muitos não aprovam – disse – a separação do religioso e o civil; mas julgam que deve alcançar que a Igreja se adapte à época e se dobre e acomode ao que no governo dos povos exige a prudência moderna” (D 1931). Examinando este parecer prossegue Leão XIII: “Honesta sentença, se se entende de certa equidade que pode ser compatível com a verdade e a justiça; isto é, que averiguada a esperança de algum bem maior, se mostre a Igreja indulgente e conceda aos tempos o que, salva a santidade de seu dever, lhes pode conceder. Mas outra coisa é se se trata de coisas e doutrinas que, contra todo direito, introduzam mudanças de costumes e um juízo enganoso…” (D 1931).

O tema da tolerância se juntou no magistério deste Papa com o tema da liberdade. A Immortale Dei já ensinava eloquentemente a verdadeira liberdade cristã, não a liberdade da licença e para os vícios. Dizia assim Leão XIII: “Por semelhante maneira não pode tampouco a Igreja sem aprovar aquela liberdade que engendra desprezo das leis santíssimas de Deus e pretende eximir da devida obediência à potestade legítima. Na realidade, é antes licença do que liberdade, e com toda razão é por Santo Agostinho chamada liberdade de perdição e pelo bem-aventurado Pedro capa de malícia [1 Ped 2, 17]; sendo oposta à razão, essa pretensa liberdade é uma verdadeira escravidão., pois o que comete pecado, escravo é do pecado [Jo 8, 34]. Pelo contrário, liberdade verdadeira e desejável é a que, na ordem individual, não deixa o homem escravo nem dos erros, nem das paixões, que são os seus piores tiranos; se ao público, dirige sabiamente aos cidadãos, lhes procura facilidade de aumentar amplamente suas fortunas e defende ao Estado de toda alheia ingerência” (D 1876).

Inimigo da confusão de conceitos, Leão XIII prossegue na encíclica precisando e apontando de que liberdade quer falar [20]. Mas sobretudo dedicou a encíclica Libertas praestantissimum (20 de junho de 1888) a este tema da liberdade, que estava na moda naquele século. Quer distinguir antes das falsas liberdades a verdadeira liberdade.

Nesta encíclica Leão XIII rechaça “a liberdade de pensar, escrever, e ao mesmo tempo a promíscua liberdade de cultos, como se fossem de outros tantos direitos que a natureza houvesse dado ao homem” (D 1932).

Considerando as razões aduzidas por Leão XIII para negar a legitimidade daquelas liberdades, se vê o sentido porque as nega, isto é, pela hipótese e base racionalista, indiferentista e laicista em que se movem os defensores daquelas liberdades e pelo sentido não religioso em que as entendem.

Leão XIII, contudo, enquanto não admite estas liberdades no sentido racionalista e indiferentista que está em sua base, e não aceita que sejam algo derivado da dignidade humana (porque as entende como más e assim as considera), não obstante as tolera. E por isto acrescenta na mesma passagem: “Segue-se de modo semelhantes que estes gêneros da liberdade podem certamente, se existem justas causas, ser toleradas, mas com moderação limitada, a fim de que não degenerem em desenfreio e insolência” (D 1932).

Na mesma encíclica se expressa da seguinte maneira a propósito da injusta opressão por parte do poder público: “Quando o poder é opressor ou sufocante a ponto de manter a sociedade (civitatem) sob a pressão de violência injusta ou de constranger a Igreja a carecer da devida liberdade, é lícito buscar outra maneira de proceder na coisa pública, no qual seja concedido agir com liberdade. Porque então não se busca aquela liberdade imoderada e viciosa, mas se busca algum alívio por causa da salvação de todos; e isto se faz unicamente para que, onde se dá licença para o mal, ali não se impeça o poder proceder honestamente” (D 1933). Contra a tirania do Estado, o Papa sabe levantar sua voz em defesa da justa liberdade e da liberdade eclesiástica. Leão XIII não condena o uso destas liberdades somente pelo laicismo dos Estados, como alguma vez foi dito ou insinuado. Se assim fosse, se deveria distinguir entre a liberdade ilegítima, por basear-se neste laicismo, e a liberdade legítima.

Como se pode ver nas doutrinas expostas de Leão XIII,  a razão do bem comum e do bem social é o que faz frear o uso daquelas liberdades; com o qual preanuncia a atitude daqueles, os de hoje, que, reconhecendo estas liberdades como postulados exigidos pela natureza, admitem que tais direitos não são ilimitados, mas que devem ser restringidas segundo as exigências do bem comum.

De fato Leão XIII fala de tolerância no uso desses gêneros de liberdade, e é porque se situa na hipótese (que era realidade) de um abuso no exercício destas liberdades. Com efeito, não pode se dizer que há um direito verdadeiro e objeto quando se trata de fazer o mal ou de difundir o erro. Ainda mais, se tolera então esse livre exercício do mal ou da difusão do erro; nunca se realizará com verdadeiro direito, que sempre tem por objeto o bem e por fundamento a verdade. Leão XIII se situa na ordem objetiva do direito, que é parte da ordem objetiva da moralidade, e por isto não reconhece como autênticos direitos os que têm por base de suas pretendidas liberdades o erro ou o mal. Não fala de um direito subjetivo ou alegado, por razão de uma consciência formada equivocada enquanto reta, como falará João XXIII. Nem fala de um direito meramente civil ou na ordem da convivência social (enquanto baseado na dignidade objetiva da pessoa humana) de que falarão os textos do Vaticano II, na Declaração sobre a liberdade religiosa, em ordem a não coagir externamente os atos religiosos nem a reprimi-los coativamente em suas manifestações externas, sempre que se mantenham os devidos limites.

O insistir no ponto de vista em que situa Leão XIII com todo o Magistério anterior e posterior à Libertas até Pio XII inclusive, que é um ponto de vista objeto e de ordem objetiva da moralidade; enquanto João XXIII teve muito presente o ponto de vista subjetivo da consciência reta, mas equivocada; e o Vaticano II quis expressar um direito objetivo, sim, e autêntico, mas de objeto limitado a ordem civil de convivência para não ser coagido nem impedido nas manifestações religiosas e tudo isso dentro dos limites convenientes; este insistir nos diferentes pontos de vista, com todas as matizações que levam implicadas, cremos que é a chave para harmonizar a doutrina do Magistério nas diferentes etapas da História, e teremos ocasião de insistir nisso mais adiante.

Leão XIII, quando fala da liberdade e defenda a liberdade ou as liberdades autênticas, entende a liberdade cristã, a liberdade dos filhos de Deus, não os excessos ou abusos, singulares ou coletivos, provenientes da faculdade livre do homem.

Leia-se umas palavras da Immortale Dei, que diretamente e ex profeso falam da liberdade de consciência e se verá como a entende o grande Pontífice:

Se exalta também em grande medida a que se chama liberdade de consciência; a qual, se se entende de modo que a cada um seja igualmente permitido a seu arbítrio honrar a Deus ou não honrá-lo, já fica rechaçada pelos argumentos antes expostos. Mas podem também se tomar no sentido de que seja permitido ao homem na sociedade, segundo a obrigação de sua consciência, seguir a vontade de Deus e cumprir seus mandatos, sem que nada o impeça. Esta verdadeira liberdade, esta digna liberdade para os filhos de Deus, que protege honestíssimamente a dignidade da pessoa humana, é superior a toda força e injustiça; é a liberdade que sempre foi desejada pela Igreja e lhe foi particularmente querida. A liberdade deste gênero a reivindica constantemente os Apóstolos para si, com seus escritos a confirmaram os apologistas, com seu sangue a consagraram os mártires no número intenso. E com razão: porque esta liberdade cristã é testemunho do poder supremo e justíssimo de Deus sobre os homens, e por sua vez, da capital e máxima obrigação dos homens para com Deus. Não tem nada de comum o espírito sedioso e desobediente…” [21].

Esta liberdade de consciência, de que fala Leão XIII, é a que sempre foi desejada pela Igreja; é, ao fim e ao cabo, a liberdade com que Cristo nos livrou, a liberdade cristã, a liberdade dos filhos de Deus.

Com as outras liberdades, que tem diante da vista, as pretendidas liberdades do racionalismo ou indiferentismo em todos seus graus, do liberalismo, e outras liberdades como as liberdades modernas de pensar, escrever, ensinar, liberdade de cultos ou de consciência… enquanto que se baseiam nas doutrinas falsas anteriores e não são compotíveis com a autêntica liberdade cristão: para essas liberdades, Leão XIII só admite a tolerância.

 

No pontificado de São Pio X (1903-1914)

 

Não temos achado neste pontificado ensinamentos repetidos e persistentes que de um modo direto se refiram à liberdade das consciências. Mas sim a liberdade religiosa, enquanto é direito à associação comunitária e as manifestações religiosas em comum para a prática dos conselhos de Jesus Cristo. Esta defesa da liberdade de associação religiosa vai unida a desaprovação do laicismo da sociedade e do Estado. O pontificado de São Pio XI se assinalou pelas lutas sustentadas contra o laicismo imperante na república francesa, com todas as escolas de expulsão de religiosos, aos quais não se concedia o direito de viver e atuar em comunidade. A Santa Sé não cessou de reclamar contra este estado de coisas, isto é, contra o laicismo estatal que atentava contra a liberdade dos religiosos e os direitos da Igreja.

“Reprovamos e condenamos – dizia São Pio X na encíclica Vehementer nos (11 de fevereiro de 1906) – a lei sancionada que separa a Igreja da República francesa… porque com a maior injúria ultraja a Deus, de quem solenemente renega, ao declarar por princípio a República isenta de todo culto religioso” (D 1995). O Pontífice continua dando outras razões pelas quais reprova aquela lei. Aqui convém notar a oposição do Papa a laicidade e não confenssionalidade da nação, como princípio.

De parecida maneira se condena esta laicidade na Pascendi (8 de setembro de 1907): “O Estado – dizia o Papa expondo as doutrinas modernistas – conseqüentemente se há de separar da Igreja; o mesmo que o católico do cidadão. Portanto, qualquer católico, por ser também cidadão, tem o direito e o dever de levar a cabo o que julgue conveniente à autoridade do Estado, desprezando a autoridade da Igreja, sem ter para nada em conta seus desejos, conselhos e mandatos, e sem fazer caso algum de suas repreensões” (D 2092).

Não é raro, no Pontificado de São Pio X, que o laicismo inimigo da Igreja venha reprovado de diferentes maneiras, por se opor aos direitos de Deus, aos direitos da Igreja e aos direitos dos indivíduos.

 

No pontificado de Pio XI

 

Passamos diretamente ao estudo deste pontificado porque já dizemos na introdução que nos tempos de Bento XV (1914-1922) não é fácil achar documentos do Magistério que se refiram diretamente ao tema da liberdade religiosa que nos ocupamos.

Durante o reinando de Pio XI tiveram particular auge as tiranias de alguns estados contra as liberdades dos indivíduos e, em concreto, contra a liberdade para o exercício da religião. Nos referimos particularmente aos estados “totalitários” e a outros em que se desencadeou, como no México e Rússia, a perseguição religiosa. As doutrinas de Pio XI, que depois continuará Pio XII com traço poderoso, significam o luminoso ponto de partida na defesa da liberdade religiosa como corolário da dignidade da pessoa humana. Leão XIII havia defendido diretamente uma liberdade religiosa, entendida como liberdade cristão dos filhos de Deus; a qual, sem dúvida, implica uma grande dignidade da pessoa humana. Mas o acento na exaltação desta dignidade contra os abusos estatais cremos que se há de buscar a partir de Pio XI.

De Pio XI, o Papa que instituiu a festa de Jesus Cristo Rei das sociedades, é a insistência singular em condenar o laicismo da sociedade e dos Estados.

Na encíclica Maximam gravissimamque (18 de janeiro de 1924) sobre as associações diocesanas na França, Pio XI repete o ideal “de plena e perfeita liberdade, que por direito divino lhe é devida e necessária” à Igreja na França, o mesmo que em qualquer outro lugar [22], concedendo que se pode fazer a experiência de certas associações diocesanas segundo determinados estatutos [23]. Isto, contudo, não significa que Pio XI deixe de condenar a “laicidade” que condenou São Pio X. “Porque tudo aquele que condenou Pio X – disse – também Nós o condenamos; e sempre que na chamada “laicidade” há um sentido e propósito inimigo e contrário de Deus e da religião, alheio de Deus e da religião, reprovamos e abertamente declaramos que há de ser reprovado a mesma “laicidade”” [24].

O sentido da condenação do laicismo por São Pio X e Pio XI é patente em suas próprias palavras. Trata-se daquele laicismo em que “há um sentido e propósito inimigo e contrário de Deus e da religião”.  Pio XI voltou a insistir nestes pensamentos. Ao se cumprir os 75 anos da “La Cività Cattolica”, Pio XI falava (31 de julho de 1924) aos redatores da revista, já que desde o princípio dela defenderam os direitos da fé e da Sé Apostólica e “rechaçaram aquele vírus doutrina que o chamado liberalismo havia injetado nas veias das coisas públicas e da sociedade, movimento aquela separação entre a Igreja e o Estado, que todavia dura miseravelmente e que atraiu aos povos os maiores males” [25].

A encíclica de Pio XI Quas primas (11 de dezembro de 1925, sobre a nova festividade litúrgica de Jesus Cristo Rei, dá ocasião ao Pontífice para falar outra vez do laicismo, ao qual chama de peste de nosso tempo [26]. Disse que não amadureceu em um dia, e descreveu a maneira como se propagou; negou-se o império universal de Cristo, o direito da Igreja de ensinar, a dar leis e a reger os povos, para conduzi-los à eterna felicidade. “Pouco a pouco se equiparou – continua – a religião de Cristo com as falsas e, com total falta de vergonha, a botou no mesmo gênero…” [27]. E assim prossegue descrevendo um laicismo, cuja natureza é inimiga da religião católica e perniciosa para a Igreja. “Não faltaram sociedades que pensaram que poderiam passar sem Deus e que sua religião estava posta na impiedade e no descuido de Deus” [28]. É claro que o laicismo, entendido de modo tão extremo, não merecia se não a reprovação do Papa.

O mesmo Pio XI no Discurso pronunciado no Consistório de 14 de dezembro de 1925 disse que há liberdades que a Igreja defende e há outras licenças e perturbações, induzidas pelos erros do liberalismo, que reprova [29]. Quanto ao regime de separação da Igreja e do Estado, decretado então pela República do Chile, Pio XI afirma que “… não concorda plenamente nem com a doutrina da Igreja nem com a natureza da sociedade dos homens ou civil, ilustrada à luz da fé católica [30], enquanto o Papa espera que, pela maneira amigável de se levar a separação a cabo, não impeça que a Igreja continuar sua obra benéfica. É o eco, que continua, de repetidas doutrinas pontifícias nos séculos anteriores que sempre optaram por uma mútua inteligência e concórdia entre os poderes da Igreja e do Estado que tem que atuar sobre os próprios cidadãos.

Na encíclica Dilectissima nobis (3 de junho de 1933), sobre a situação da Igreja na Espanha, Pio XI reprova terminantemente o laicismo dos legisladores, os quais decretam “que a sociedade civil [civitas] não tem nenhuma religião própria, e que confirmam e aprovam que a Constituição espanhola iniquamente sancionou sobre a separação da Igreja e  Estado… Não queremos expor largamente – continua, quão distantes estão da verdade os que tem por lícita em si mesma e aprovam esta separação; sobretudo, se se trata de uma nação cujos cidadãos quase todos se gloriam de ser católicos. Porque esta nefasta separação [nefasta seiunctio], se considerarmos atentamente – como resultou mais de uma vez, dada ocasião, e em particular pela encíclica Quas primas – se segue necessariamente das ideias dos laicistas que pretendem se apartar a si mesmos e a sociedade humana de Deus e, portanto, da Igreja…” [31]. E prossegue expondo os males deste laicismo, em particular na educação da juventude, nas associações religiosas, etc. Dessas leis laicas, de fato perseguidoras da Igreja, diz que “são contrárias aos direitos de qualquer cidadão, sobretudo dos cristãos” [32].

Mais adiante, na Carta ao Cardeal Schuster (28 de agosto de 1934) Pio XI voltará a chamar o laicismo “terrível praga de nosso séculos” [33]; e pouco antes, ao Cardeal Patriarca de Lisboa (10 de novembro de 1933), tratando sobre a Ação Católica em Portugal, havia falado das necessidades dos tempos, “tão postas em detrimento por obra letal dos laicistas” [34].

Foram abundantes as referências ao laicismo dos Estados durante o Pontificado de Pio XI. Tampouco faltam numerosas referências ao tema da liberdade.

No Consistório de 20 de dezembro de 1926 desejava Pio XI que todos se unissem, entre outras coisas, “na defesa dos direitos divinos da Igreja…, e de todas as sagradas liberdades que são o fundamento da sociedade civil… e assim, pela propagação da sã doutrina religiosa e moral… manifestem a genuína noção da múltipla liberdade, de que temos falado, e excitem seu desejo mais agudo no povo, de modo que os cidadãos, com plena consciência de seu direito, por fim as exijam e reivindiquem” [35].

Perguntamos como entende Pio XI estas liberdades.

Na Mortalium animos (6 de janeiro de 1928), sobre a unidade da Igreja, não se mostra muito favorável com a tolerância das religiões falsas [36]. Algo mais tarde terá ocasião de precisar seu pensamento:

Ao Cardeal Gasparri, em carta de 20 de maio de 1929, com motivo das discussões com o Estado italiano depois da aprovação do pacto lateranense, Pio XI se manifesta contrário à “absoluta liberdade de consciência”, que “equivaleria a dizer que a criatura não está submetida ao Criador”. “Se quer se dizer que a consciência escapa aos poderes do Estado; se se pretende reconhecer, como se reconhece, que no fato da consciência é competente a Igreja e somente ela em força do mandato divino, vem por isso mesmo reconhecido que, no Estado católico, a liberdade de consciência e de discussão devem se entender e praticar segundo a doutrina católica e a lei católica…” [37].

Cremos que será constante esta maneira de entender a liberdade religiosa e tônica dominante nos discursos de Pio XI sobre este problema.

Uma exceção poderia se ver na Carta ao Vigário de Roma, de 2 de fevereiro de 1930. Nela, contra a pressão e tirania do governo russo de então, Pio XI declarava que havia proposto aos governos representados na Conferência de Genova, que “proclamassem conjuntamente como condição prévia a qualquer reconhecimento do governo soviético, o respeito das consciências, a liberdade de cultos e dos bens da Igreja” [28]

Aqui Pio XI fala da liberdade de cultos e das consciências em geral e indistintamente, não só para os católicos e para a religião verdadeira. Mas se advertirá o pressuposto universal em que fala, e o ponto de vista em que se coloca, que é de uma sociedade de Estados, pluriconfessional. Em tal hipótese poderá ser indicado, segundo Pio XI, ater-se a um respeito geral das consciências.

Mas com dificuldade admitia esta liberdade geral de cultos, onde havia razões para favorecer o culto verdadeiro. Porque no Consistório de 30 de junho de 1930, Pio XI se lamentava de que em Roma se dera favor pelas autoridades civis a cultos não católicos, que somente poderiam ser “admitidos” ou “tolerados” [39].

Quando os conflitos com o Estado italiano, que pretendia constranger as atividades da Ação Católica, o intrépido Papa Ratti escreveu a encíclica Non abbiamo bisogno (29 de junho de 1931) a todos os bispos do mundo. Entre outras coisas reivindica nela os direitos sacrossantos das almas a procurar o maior bem espiritual no magistério da Igreja e a comunicar aos demais os tesouros da redenção mediante a colaboração ao apostolado hierárquico. Escreve neste contexto: “É em consideração deste duplo direito das almas que Nós dávamos testemunhos alegres e orgulhosos de combater a boa batalha pela liberdade das consciências; não já pela liberdade da consciência, maneira de dizer equívoca e muito frequentemente usada com abuso para significar a absoluta independência da consciência, coisa absurda na alma criada e redimida por Deus” [40].

Pelo equívoco da expressão, não agradava a Pio XI a fórmula liberdade de consciência e porque se abusou dela para significar ou supor a absoluta independência da consciência, como se na realidade não estivesse atada e submetida pelas normas do Legislador supremo.

Mas este texto de Pio XI não favorece a liberdade de consciências de uma maneira absoluta e universal, porque o Papa a defende expressamente “em consideração deste duplo direito das almas” de procurar o maior bem espiritual no Magistério da Igreja e de colaborar com o apostolado hierárquico.

Pio XI, pelas lutas que teve que sustentar contra os estados totalitários, assim como saiu em defesa dos direitos da Igreja, também defendeu os direitos da pessoa humana. Contra o nazismo alemão apelou aos direitos naturais do indivíduo humano.

“O homem crente – escreveu na encíclica Mit brennender Sorge (14 de março de 1937) – tem um direito inalienável, a professar sua fé e a vivê-la na maneira que esta lhe é própria. Leis que oprimem a profissão e a atuação desta fé, ou que dificultam, estão em contradição com um direito natural” [41].

Quem é esse homem crente que tem tais direitos?

Esta frase, tirada de seu contexto, pode fazer pensar que Pio XI estima que qualquer crente, qualquer que seja a religião que professa, seja falsa, seja verdadeira, seja arbitrária ou razoável, pode professar e viver sua fé com absoluta liberdade, e isto como direito natural. Não faltou quem interpretou com valor universal [42].

Mas, como já escrevemos em outra ocasião [43], não pensamos que seja tão evidente este valor universal da palavra crente neste lugar. Pelo contrário. O contexto antecedente quer estabelecer a realidade do direito natural, que se deve reconhecer, e Pio XI quer refutar o que implica o traço nefasto de seu tempo, de querer separar mais e mais da verdadeira fé em Deus e dos mandamentos divinos revelados, tanto a doutrina moral, quanto o fundamento do direito e de sua administração [44]. Só por isso duvidaríamos que Pio XI pretenda falar de crente de qualquer religião, e qualquer que seja a natureza ou arbitrariedade de sua crença. Pio XI fala no caso do reto exercício do direito natural. Pio XI fala de um crente que procede segundo as retas normas da moralidade.

A razão mais clara para duvidar do valor universal que alguém atribuiu à palavra crente neste lugar, é o contexto conseguinte. Porque Pio XI fala, em seguida, de outro direito natural primeiro e originário, que tem os padres “para determinar a educação dos filhos que Deus lhes concedeu, no espírito da verdadeira fé e em conformidade com os princípios e preceitos desta fé” [45]. Seria muito estranho que aqui Pio XI limitasse e precisasse que se deve entender no espírito e segundo os princípios e preceitos da verdadeira fé; e que no parágrafo imediatamente anterior tivesse reconhecido a qualquer crente o direito natural de professar e atuar qualquer que seja sua fé, e prescindindo de se é a verdadeira ou si é puramente arbitrária.

Por isso nos inclinamos a pensar, pelo contexto antecedente e que segue, que aqui Pio XI fala do crente na hipótese do que segue a verdadeira fé. Parece, além disso, mais conforme esta interpretação com o pensamento de Pio XI que já conhecemos.

Esse texto de Pio XI acerca do homem crente, ao que se alude com um cf. (confer) na nota 3 da Declaração conciliar sobre a liberdade religiosa, pode ilustrar, e ilustra sem dúvida, o direito que há em qualquer pessoa humana, que procede retamente e segundo as normas da moralidade, para o exercício livre da religião. Na mesma nota 3 da Declaração conciliar se acrescenta outra referência ou alusão a um texto de Leão XIII, igualmente com um cf. (confer; que na prática conciliar se costumou reservar para textos mais ilustrativos que direta e taxativamente probatórios). Neste texto de Leão XIII, nos é já conhecido, é a encíclica Libertas sobre a verdadeira liberdade dos filhos de Deus, que em parte pode também se aplicar no consórcio civil aos que seguem as normas da verdadeira moralidade.

 

O RESUMO DO PONTIFICADO DE PIO XI


 

Faremos com as seguintes conclusões:

O Papa Ratti continua a mesma linha de seu antecessores ao rechaçar o laicismo ou separação da Igreja e do Estado como fórmula para alterar as relações entre os poderes soberanos. Chamou o laicismo de peste de nosso tempo e nefasta a esta separação.

Pio XI defendeu contra a perseguição dos católicos no México, contra o regime russo-soviético, contra o regime nazista e contra o arbitrário fascismo italiano, a liberdade da Igreja e a liberdade dos indivíduos católicos. Os textos que reivindicam esta liberdade de consciência dos indivíduos, examinados dentro do contexto literal e no contexto do ambiente do Autor e da época, se entendem de uma liberdade para o exercício da religião verdadeira segundo as normas de uma reta moralidade.

Mas quando Pio XI propõe que a Sociedade de nações apresente ao Estado soviético uma fórmula ou regime de liberdade de consciência ou de cultos, então sim (na hipótese de uma Sociedade pluriconfessional) a liberdade de cultos e de consciência obtém um significado e alcance verdadeiramente universal para todas as religiões. Porque o contexto história e a própria matéria de que se trata exigem este valor universal de liberdades de cultos.

 

No pontificado de Pio XII (1939-1958).

 

Este pontificado é especialmente copioso em asserções da dignidade da pessoa humana. E da liberdade que lhe corresponde em ordens diversas; mas sobretudo no campo religioso. A luta contra o crescente nazismo alemão e contra o regime fascista é um dos sinais do pontificado de Pio XII em seu início. Por isso o tema da liberdade é caro aos discursos do Papa, bem consciente, como o estava Pio XII, do perigo totalitarista que ameaçava sufocar os direitos pessoais.

Quando em 1º de julho de 1941, com ocasião da encíclica de Leão XIII Rerum novarum, promulgada fazia já 50 anos, o Papa Pio XII falava pela rádio do uso dos bens materiais e do trabalho, não deixou de dar clara doutrina sobre os deveres do Estado e sobre os direitos da pessoa humana. Recordando a função própria do Estado escrevia: “tutelar o campo intangível dos direitos da pessoa humana e fazer-lhe factível o cumprimento de seus deveres, deve ser o ofício essencial de todo poder público. Não é isto, por ventura, o que leva consigo o significado genuíno do bem comum que o Estado está chamado a promover?”[46]. A continuação explica em que consiste o bem comum, que “não importa um poder tão extenso sobre os membros da comunidade, que em virtude dele se conceda à autoridade pública diminuir o desenvolvimento da ação individual antes descrita (se refere ao direito dos bens materiais, base “para elevar-se ao cumprimento dos deveres morais” e “para conseguir o fim religioso e moral que Deus tem indicado a todos os homens”), tão pouco o decidir diretamente sobre o começo ou (excluído o caso de pena legítima) sobre o final da vida humana, nem para determinar ao próprio caráter a maneira de seu movimento físico, espiritual, religioso e moral, em contraste com os deveres e direitos pessoais do homem…” [47].

É fácil ver nas palavras anteriores como Pio XII previne contra os abusos dos Estados de regime totalitário. É o defensor dos direitos da pessoa, daqueles direitos, autênticos e objetivos, que ajudam ao homem, como se diz no contexto. “para elevar-se ao cumprimento dos deveres morais” e “para conseguir o fim religioso e moral que Deus tem indicado a todos os homens”. Já se vê o pensamento de Pio XII acerca de como se entendem estes direitos da pessoa.

Em outra mensagem de rádio ao mundo, na véspera de Natal (24 dezembro 1942), voltava a insistir o Papa Pacelli sobre a paz das nações. E passagem deste discurso que descreve “a dignidade e direitos da pessoa humana”: esta paz devia se fundar no respeito aos direitos verdadeiros. E, com este propósito, há uma célebre

“Aquele que quiser que a estrela da paz desponte e paire sobre a sociedade, concorra de sua parte para devolver à pessoa humana a dignidade que Deus lhe concedeu desde o princípio; oponha-se… à inconsistência econômica, social, política, intelectual e moral, que há entre os homens; a sua falta de sólidos princípios e de fortes convicções…; favoreça, com todos os meios lícitos, em todos os campos da vida formas sociais nas quais seja possível e esteja garantida uma plena responsabilidade pessoal, tanto de ordem terrena, como de eterno; sustente o respeito e a atuação prática nos seguintes direitos fundamentais da pessoa: o direito a manter e desenvolver a vida corporal, intelectual e moral, e particularmente o direito a uma formação e educação religiosa; o direito ao culto a Deus, privado e público, compreendida na ação caritativa religiosa; o direito ao matrimônio… O direito à livre eleição de estado, e portanto também do estado sacerdotal e religioso [48].

Qual é este direito de culto a Deus, privado e público, compreendida na ação caritativa religiosa? Refere-se ao exercício de qualquer religião? Ou se refere ao exercício da religião verdadeira ou, ao menos, o exercício da religião natural, que é verdadeira? Não podemos afirmar tão decididamente como alguém o tem feito, que aqui Pio XII se refere ao exercício de qualquer religião[49]. Porque no contexto que temos transcrito se poderá ver suficientemente a mente de Pio XII sobre essa matéria; e sobretudo em outras passagens, que logo estudaremos, se reconhecerá neste Papa uma mentalidade categórica e clara nesta matéria, para pensar que Pio XII se refere aos direitos ao culto fundados na verdade e para o bem, não na falsidade ou para o mal.

Por isso os direitos ao exercício religioso, que proclama Pio XII, e que se referem à dignidade da pessoa humana, são direitos que se fundam na verdade e na ordem objetiva da moralidade, são verdadeiros e autênticos direitos, não meramente supostos, para o culto a Deus dentro da verdade da religião natural ou da verdadeira religião positiva.

Se o tema da dignidade da pessoa humana ressoou não raras vezes no discurso de Pio XII, também o tema da liberdade encontra neles largo eco e ressonância.

Na mensagem de rádio do ano 1941, pronunciado na vigília de Natal, encontramos pensamentos sobre a liberdade das nações e das minorias dentro da nova ordem que deverá se instaurar[50]. O Papa insiste na liberdade da Igreja; ainda que admita e deseja a colaboração do Estado, para abrir as portas e aplainar o caminho nas grandes obras que à Igreja estão encomendadas. Pio XII escreve, sem dúvida, de acordo com o sinal e fórmula antiga da colaboração entre ambos os poderes:

“Aquele que tem fé em Cristo, em sua divindade, em sua lei, em sua obra de amor e de fraternidade entre os homens, levará elementos particularmente preciosos da reconstrução social; e, com maior razão, mais levarão os homens do Estado, se, se mostrarem prontos a abrir amplamente as portas e aplainar o caminho da Igreja de Cristo, a fim de que livre e sem tropeços, com suas energias sobrenaturais postas ao serviço do entendimento os povos e da paz, possa cooperar com seu zelo e com seu amor ao trabalho imenso de curar as feridas da guerra” [51].

E prossegue, lamentando a falta da liberdade, que negam à Igreja, enquanto favorecem a seus adversários:

“Por isso nos é inexplicável como em algumas regiões, disposições múltiplas fecham o caminho a mensagem da fé cristã, enquanto concedem amplo e livre espaço a uma propaganda que a combate” [52].

Como se tem observado, a liberdade que Pio XII deseja para a mensagem da fé cristã, não é a mesma liberdade que se concede à propaganda contrária. Não é equivalente uma e outra liberdade.

E enquanto a atividade própria do Estado enfatizava este Papa, em uma Alocução à Ação Católica italiana (20 setembro, 1942) que o Estado deve “procurar o bem comum na ordem temporal em harmonia, bem se compreende, com as exigências da ordem eterna e sobrenatural” [53], insistindo dessa maneira nas permanentes e essenciais relações da sociedade e do Estado para com seu Deus.

As mensagens de Natal, que eram mensagens de paz, eram propícias para os temas de ordem, da dignidade da pessoa e da liberdade dentro da ordem.

“Em um povo digno de tal nome – dizia em 24 de dezembro de 1944 – o cidadão sente em si mesmo a consciência de sua personalidade, de seus deveres e de seus direitos, da própria liberdade, unida ao respeito à liberdade e à dignidade dos demais” [54].

O motivo desta autêntica liberdade resulta no mesmo discurso mais abaixo. A liberdade da Igreja vai unida à genuína liberdade do homem.

As lutas que a Igreja, constrangida pelo abuso da força, tem tido que sustentar pela defesa da liberdade recebida de Deus, foram ao mesmo tempo, lutas pela verdadeira liberdade do homem”[55].

Como Leão XIII, assim Pio XII tem em vista a verdadeira liberdade da criatura de Deus.

Só em Deus o homem é livre – dizia em uma mensagem (4 de setembro de 1949) ao povo suíço  –. Se o homem se separa de Deus, fica imediatamente a mercê dos enganosos regimes totalitários” [56].

Seria fácil perseguir e propor com insistência estas mensagens para a verdadeira liberdade dos filhos de Deus que propõe Pio XII. O problema da liberdade de consciência abunda em sues discursos. Mas estes direitos de liberdade autêntica são para os que professam a verdade.

Em 29 de julho de 1950 desejava Pio XII, em uma Carta encíclica, que “todas as nações gozem da devida liberdade; e que essa devida liberdade a concedam à religião santíssima e a todos os seus cidadãos, segundo pedem os direitos divinos e humanos” [57].

A palavra frequente em Pio XII quando se trata dos não católicos é a tolerância. E Pio XII é quem desenvolveu com clara doutrina (logo o veremos) este princípio da tolerância com o erro e o mal, formulado já antes por Leão XII.

À Rota Romana dizia o Papa em 6 de outubro de 1946: “Sempre os mais frequentes contatos e a promiscuidade das diversas confissões religiosas dentro dos confins de um mesmo povo tem levado os tribunais civis a seguir o princípio da “tolerância” e da “liberdade de consciência”. E mais, há uma tolerância política, civil e social a respeito dos seguidores de outras confissões, que em tais circunstâncias é também para os católicos um dever moral” [58].

Ainda não são palavras diretamente de Pio XII, corresponde contudo ao período de seu pontificado uma Instrução aos Ordinários do Brasil (7 de março de 1950) acerca da reta formação dos clérigos. Podem ajudar para conhecer a mentalidade da Santa Sé, nesta época em que historiamos, sobre a liberdade religiosa, as descrições que encontramos nesse documento sobre o liberalismo e sobre os perigos que ameaçam e a maneira de superá-los:

O liberalismo nega que a Igreja, em razão de seu nobilíssimo fim e de sua divina missão, tenha uma natural supremacia a respeito do Estado. Admite e estimula a separação entre os dois poderes. Nega à Igreja Católica o poder indireto sobre as matérias mistas. Afirma que o Estado deve se mostrar indiferente em matéria religiosa no que respeita todos os fiéis; que se deve conceber a mesma liberdade à e ao erro; que à Igreja não lhe cabem privilégios e favores ou direitos maiores do que são concedidos às demais confissões religiosas, nem sequer nos países católicos… Mas se deve ter presente, hoje como no passado, que, onde as circunstâncias o aconselharem, se poderá usar de tolerância para com as falsas religiões e com as falsas doutrinas; mas que, onde tais circunstâncias não se verifiquem, devem  ser mantidos os direitos da verdade e os homens devem ser preservados do erro. O cristão que fala diversamente, trai sua fé, dá força ao indiferentismo e priva a seus concidadãos do benefício que lhes oferece o culto e o amor da verdade” [59].

A leitura atenta deste documento, na passagem transcrita, oferece a maneira como entendiam a liberdade religiosa os órgãos da Cúria romana no tempo de Pio XII. Nele se fala – recorrendo inversamente as palavras que temos enfatizado – de direitos da verdade, de tolerância em relação as falsas doutrinas, que à Igreja lhe cabem privilégios e direitos maiores, que não se deve conceber a mesma liberdade à verdade e ao erro, da concordância entre os dois poderes…

Ainda podemos conhecer melhor o pensamento de Pio XII sobre a verdadeira liberdade segundo a entendia na ordem objetiva das relações morais. Trata-se de um discurso brilhante (23 de junho de 1951) a um embaixador extraordinário da Inglaterra:

A liberdade, como base das relações humanas normais, não pode ser entendida como uma liberdade sem rédeas… Não, a liberdade é algo totalmente diferente. É o templo da ordem moral, levantado sobre linhas harmoniosas; é o conjunto dos direitos e deveres dos indivíduos e da família…, dos direitos e deveres de uma nação ou Estado e da família de nações e Estados. Estes direitos e deveres estão medidos cuidadosamente e compensados pelas exigências da dignidade da pessoa humana e da família, por um lado, e pelas exigências do bem comum por outro” [60].

Estas últimas palavras de Pio XII expressão com muita precisão que classe de liberdade e quanta liberdade é a que se deve conceder no consórcio social. Os direitos desta liberdade tem sua frente na dignidade da pessoa humana; e nisto Pio XII pronuncia a Declaração conciliar que funda o direito ao livre exercício civil da religião na dignidade da pessoa humana. Por outro lado – segundo as palavras de Pio XII – os limites e o contrapeso de toda liberdade de ordem social são dados pelas exigências do bem comum; como também o reconhecerá a Declaração sobre a liberdade religiosa [61].

Para que esta liberdade autêntica e genuína pudesse existir e progredir, Pio XII via e considerava algumas condições da atmosfera cristã, que ajudavam nesse progresso e o garantiam na nação. Descrevia assim essa liberdade em outra mensagem pelo rádio em 24 de dezembro de 1953: “… aquela liberdade que juntamente com a consciência do próprio direito e respeito sobre a liberdade, a dignidade e o direito dos outros, e é consciente da própria responsabilidade para o bem geral. Naturalmente –prossegue- essa genuína democracia não pode viver e prosperar senão na atmosfera do respeito para com Deus, e da observância de seus mandamentos, não menos que da solidariedade ou fraternidade cristã” [62].

Mas, ao propósito que estudamos, há um discurso muito célebre entre todos os de Pio XII, que tem tido particular ressonância. Aqueles que quiseram prescindi-lo, por não ser conveniente para as suas teses, não foram capazes de contornar os acentos claros e precisos com que este Papa expressou aqui seu pensamento. Referimo-nos ao famoso discurso que começa Ci riesce, de 6 de dezembro de 1953, aos juristas italianos. Pio XII afronta completamente o problema já candente “uma das questões que se apresentam em uma comunidade de povos, quer dizer, sobre a convivência prática das comunidades católicas com as acatólicas” [63].

De maneira claríssima formulou seu pensamento com a fórmula da tolerância, não da liberdade, no que toca às relações sociais entre o poder estatal e as comunidades religiosas de cultos não verdadeiros. Disse que “nenhuma autoridade humana, nenhum Estado, nenhuma comunidade de Estados, qualquer que seja seu caráter religioso, podem dar um mandato positivo ou uma positiva autorização para ensinar ou fazer o que seria contrário à verdade religiosa ou ao bem moral. Um mandato ou uma autorização desta classe não teria força obrigatória e seria ineficaz. Nenhuma autoridade poderia dar-lhe, porque é contra a natureza obrigar o espírito e a vontade do homem ao erro e ao mal, ou a considerar um e outro como indiferentes. Nem sequer Deus poderia dar tal mandato positivo, ou uma tal autorização positiva, porque estaria em contradição com sua absoluta veracidade e santidade” [64]. Outra coisa seria perguntar –acrescentar- se “o não impedir, ou seja, o tolerar, está permitido em alguma circunstância, e por isso não seja sempre um dever a positiva repreensão” [65].

As razões com que Pio XII propõe aqui o princípio da tolerância parecem se inspirar em São Tomás, quando pergunta em um artigo da Suma “se tem de tolerar o rito dos infiéis” [66]. O Angélico conclui que assim como Deus, ainda sendo bom e onipotente, permite muitos males que poderia impedir, assim também no governo humano os governantes toleram com razão alguns males. E Pio XII conclui também que “o dever de reprimir os desvios morais e religiosos não podem ser, por tanto, uma última norma de ação. Deve estar subordinado a normas mais elevadas e mais gerais, das quais em alguma circunstância, e ainda talvez mostre como a melhor solução não impedir o erro, para promover um bem maior” [67]. O leitor advertirá nestas últimas palavras o eco da doutrina de Leão XIII, que na Immortale Dei admitia a tolerância, “para alcançar um grande bem, ou evitar um mal importante” (1874).

Pio XII, no mesmo discurso, para contestar à pergunta sobre “a atitude do jurista, do homem político e do Estado soberano católico, a respeito de uma fórmula de tolerância religiosa e moral…para ser tomada em consideração pela Comunidade dos Estados”, propõe dois princípios:

“Primeiro: o que não corresponde à verdade e à norma moral, não tem objetivamente nenhum direito, nem na existência, nem na propaganda, nem na ação” [68].

Este princípio formula de modo claro e estrito o que tem sido sempre farol luminoso para orientar a ação da Igreja. Este princípio segue a linha tradicional no pensamento dos Papas anteriores, Gregório XVI, São Pio X, Pio XI. Com o mal e com o erro se pode ter tolerância; mas nunca pode ser objeto de um direito, nem para que exista nem para que seja propagado.

Alguns têm discutido esse princípio dizendo que a verdade e o bem são antes abstratos, e que é o ser concreto e pessoal o que é sujeito de direitos, não os seres abstratos. É verdade que Pio XII fala aqui em abstrato e universal: “o que não responde à verdade e à norma moral não tem objetivamente nenhum direito…”, não está sujeito ao direito. Mas é fácil reconhecer a maneira comum com que falamos, utilizando o abstrato pelo concreto; e é fácil entender o sentido dessa expressão que, falando de direitos e não-direitos, se refere de seus aos indivíduos. É maneira habitual de falar, atribuindo à forma (erro, mal) o que em rigor esteja no sujeito dessa forma.

Queremos notar também uma palavra que usa aqui Pio XII, porque acreditamos ser a chave para interpretar seu pensamento, e para distingui-lo com precisão de outro pensamento de João XXIII que poderia parecer antagônico. Há dito Pio XII: “o que não corresponde à verdade e à norma moral não tem objetivamente nenhum direito”. Pio XII aqui, como em outras passagens, tem se situado na ordem objetiva dos direitos, não na ordem dos direitos subjetivos, por razão de uma consciência subjetiva; não na ordem dos direitos alegados ou putativos, senão na ordem dos direitos realmente existentes. Não se trata, por conseguinte, a questão, que se tratará em tempos de João XXIII, mas sim na ordem subjetiva, quer dizer, pela apreciação subjetiva dos indivíduos, se pode falar de um direito por razão de um erro subjetivo de indivíduo na formação de sua consciência.

Outro princípio que a continuação enuncia Pio XII é o da tolerância a respeito do erro e do mal, que não tem direito nem da existência, nem da propaganda, nem da ação.

“Segundo – disse – : o não impedimento por meio de leis estatais e de disposições e de disposições coercivas podem, não obstante, estar justificado no interesse de um bem superior e mais vasto” [69].

Como se vê, Pio XII, fala como os Papas anteriores, de tolerância do erro e do mal; não fala de liberdade ou de direito do indivíduo para o erro ou o mal. Para esse não existe objetivamente nenhum direito.

Assentados estes princípios, Pio XII passa ao estudo da questão de realizado e como deverá formar seu juízo para a oportuna tolerância ou o governo oportuno e estadista católico [70].

Mais adiante, em um Discurso ao x Congresso Internacional de Ciências históricas (7 de setembro de 1955) Pio XII se referiu à liberdade das convicções religiosas, falando dos elevados interesses espirituais e morais que a Igreja defendia na luta das investiduras. Desta Igreja se dizia que “desde os Apóstolos até nossos dias seus esforços para permanecer independente do poder civil, sempre tem se mirado a salvaguardar a liberdade das convicções religiosas” [71].

O empenho constante da Igreja para salvaguardar as convicções religiosas se refere sem dúvida, a julga pela história, à tenacidade permanente da Igreja para defender e expressar as convicções religiosas próprias, que são as verdadeiras convicções religiosas. Para estas tem salvaguardado a liberdade, assim como para aquelas da religião natural que possam estar incluídas em outras religiões.

Por outra parte o Papa neste mesmo Discurso se faz eco de uma dificuldade: “Que não se objete que a Igreja menospreza as convicções pessoais dos que não pensam como ela. A Igreja considerava e considera o abandono voluntário da verdadeira fé como uma falta… Aos acatólicos, a Igreja aplica o princípio, repetido no Código de Direito Canônico: “Que ninguém seja forçado a abraçar contra a sua vontade a fé católica”[72], e estima que as convicções deles constituam um motivo, ainda que não sempre o principal[73], de tolerância.  Temos falado já desta matéria em nossa Alocução de 6 de dezembro de 1953 aos juristas católicos da Itália” [74].

Pio XII – como acabamos de observar -, segue falando de tolerância em 1955, a respeito das convicções religiosas dos acatólicos. De novo em 1955 se remete aos princípios expressados com toda claridade em 1953. Por isso acreditamos que a expressão de que a Igreja salvaguarda a liberdade das convicções religiosas, se refere às convicções dos católicos. Para estas requer a liberdade e o direito, não para qualquer convicção; porque outras se toleram somente.

Tão pouco podia falta em um discurso a um Congresso de ciências históricas, uma alusão, ao menos, à colaboração frequentíssima da Igreja e do Estado no transcurso das etapas diversas da história, “das quais colaborarão com plena compreensão na educação das mesmas pessoas…”[75]

 

CONCLUSÃO


 

Pio XII, cujo pontificado começou sob o sinal da opressão guerreira e do regime totalitário de alguns Estados, têm defendido ininterruptamente em seus Discursos a liberdade da Igreja, a liberdade dos povos, a liberdade da pessoa humana e seus direitos.

Os legítimos direitos da pessoa humana, sobretudo no que concerne à religião, tem sido objeto de suas alocuções. Em Pio XII se manifesta já potente a linha do Magistério na defesa da dignidade pessoal. A liberdade religiosa que tem a pessoa humana é entendida nos escritos, e alocuções deste Papa como a autêntica e verdadeira liberdade dos que professam a verdade e rendem culto ao Deus verdadeiro. A liberdade que defende Pio XII é a dos que tem verdadeiro e objetivo direito a isso, dentro da ordem objetiva dos direitos e das relações morais.

Para os que professam o erro, enquanto que o professam, Pio XII fala de tolerância, não de liberdade.

 

No pontificado de João XXIII (1958-1963)

 

O tema da liberdade, como em Pio XII, também foi predileto e abundante nos discursos de João XXIII. Era, contudo, um dos “sinais dos tempos”. Quando pela primeira vez se dirigiu como Papa à Basílica de São Paulo extra muros (25 de janeiro de 1959), o dia que anunciou publicamente o futuro Concílio ecumênico, pensou em seu discurso os frutos da unidade perfeita provenientes da fé e de pôr em prática a doutrina evangélica. Dizia: “o primeiro fruto desta unidade é, de fato, não só o apreço, mas também o reto uso e gozo da liberdade, dom preciosíssimo do Criador e Redentor dos homens. E isto é tão verdadeiro, que tudo que desvia sobre este ponto da liberdade na história dos povos se verifica de fato em contradição, as vezes mais ou menos velada, a vezes poderosamente audaz, com os princípios evangélicos” [76]. Acrescenta pouco depois a dor que lhe causa ver “o sacrifício imposto a muitos da liberdade, ora seja de pensamento, ora de atividade cívica e social, e, com especial empenho [accanimento], de profissão da própria fé religiosa” [77].

A profissão da própria fé religiosa parece ter aqui um sentido amplo e geral, da fé religiosa indistintamente, pela maneira vaga e geral com que se enuncia; ainda é de supor (para estar de acordo com toda tradição anterior) que a dor que lhe causa a supressão da liberdade de professar a fé se refere a autêntica e verdadeira religião.

Notemos aqui como o Papa aponta a liberdade como dom do Criador e também do Redentor dos homens. É a liberdade para o bem, com a qual Cristo nos libertou.

A liberdade como dom de Deus e como algo que está onde reside o espírito de Deus, volta a ser objeto dos encômios de  João XXIII ao se dirigir aos governantes da República de São Marino [78].

Em um discurso na basílica de São Pedro, a véspera da festa (28 de junho de 1959), ponderava o preço grande “da liberdade individual e coletiva, para quantos reconhecem o fim transcendental da vida humana”, enquanto recordava com dor os sacrifícios e as limitações impostas por alguns a esta liberdade, sacrifícios extremos impostos a almas generosas e inocentes, “postas com violência em condição de não poder exercer estes primeiros direitos e valores da humanidade e da cultura” [79].

Ad Petri cathedram foi a primeira encíclica deste Papa (29 de junho de 1959) e nela não faltou o pensamento sobre a liberdade. Dizia, então:         “Esta unidade de intenções que, segundo dissemos, é indispensável também para o aumento da prosperidade de todos os povos, só poderá ser restaurada quando, pacificados os ânimos e salvaguardados os direitos de cada um, brilhar em toda a parte a liberdade devida aos cidadãos, às nações, aos Estados e à Igreja.”[80].

O pensamento de João XXIII sobre a liberdade de imprensa não foi outro que o dos Papas do século passado, quando falou (8 de dezembro de 1959) sobre esta liberdade aos jurisconsultos italianos católicos, que se haviam reunido para sua décima Assembléia. O Papa ao lamentar a licença imoderada de alguns editores, insistiu que aquela autêntica liberdade não pode estar em oposição com as leis morais imutáveis, postas por Deus.

“A liberdade de imprensa – dizia – deve enquadrar-se e se disciplinar pela observância das prescrições positivas. E como não é lícito ao cidadão livre – pelo fato de proclamar-se livre – ofender violentamente e fazer dano a liberdade, os bens, a vida de seu próximo; assim não pode ser lícito à imprensa – com o pretexto que deve ser livre – atentar cotidianamente e sistematicamente a saúde religiosa e moral da humanidade” [81]. Esta liberdade tem seus limites obrigatórios [82].

Há também uma radiomensagem de João XXIII, pronunciada em um mês justo (11 de setembro de 1962) antes de se inaugurar o Concílio Vaticano II, em qual discurso encontrarmos os seguintes notáveis conceitos sobre a liberdade:

“Um dos direitos fundamentais, ao qual a Igreja não pode renunciar, é o da liberdade religiosa, que não é somente liberdade de culto. Esta liberdade a Igreja reivindica e a ensina, e por ela continua sofrendo em muitos países penas angustiosas. A Igreja não pode renunciar esta liberdade, porque é conatural com o serviço que tem obrigação de cumprir… [Este serviço] é elemento essencial e insubstituível  do desígnio da providência, para encaminhar ao homem pelo caminho da verdade. Verdade e liberdade são as pedras do edifício sobre a qual se levanta a civilização humana” [83].

Mas sobretudo foi na encíclica Pacem in terris (11 de abril de 1963) onde o pensamento da liberdade, e da liberdade religiosa do homem, ficou formulado de uma maneira mais categórica. João XXIII havia recorrido frequentemente ao tema da liberdade em seus discursos, e em os poucos anos de seu pontificado podemos já recolher diversos textos sobre este pensamento. Não podia faltar nesta encíclica tão característica de seu pontificado, muito própria de quem havia vivido entre os homens com espírito de compreensão e de bondade, ansioso sempre da paz. É interessante recordar agora as próprias palavras do Papa em seu contexto.

“Pertence igualmente aos direitos da pessoa a liberdade de prestar culto a Deus de acordo com os retos ditames da própria consciência, e de professar a religião, privada e publicamente. Com efeito, claramente ensina Lactâncio, “fomos criados com a finalidade do prestarmos justas e devidas honras a Deus, que nos criou; de só a ele conhecermos e seguirmos. Por este vínculo de piedade nos unimos e ligamos a Deus, donde deriva o próprio nome de religião”. Sobre o mesmo assunto nosso predecessor de imortal memória Leão XIII assim se expressa: “Esta verdadeira e digna liberdade dos filhos de Deus que mantém alta a dignidade da pessoa humana é superior a toda violência e infúria, e sempre esteve nos mais ardentes desejos da Igreja. Foi esta que constantemente reivindicaram os apóstolos, sancionaram nos seus escritos os apologetas, consagraram pelo próprio sangue um sem número de mártires” [85].

As primeiras palavras desta passagem transcrita foi objeto de duas interpretações diversas. Que quer dizer João XXIII, quando diz que o homem tem direito para dar culto a Deus “segundo a reta norma de sua consciência e professar a religião pública e privadamente”? Que significa ad rectam conscientiae suae normam?

É preciso reconhecer a bivalência desta expressão, prevista – segundo cremos – no exame prévio deste documento antes de sua publicação.

São muitos os que interpretam “a reta norma da consciência” como a consciência bem formada, isto é, a consciência verdadeira, a consciência daqueles que estão na verdade religiosa [86]. E assim, a liberdade religiosa, que aqui se afirma como direito do homem, é um direito dos que honram a Deus e professam a religião com uma consciência que se acomoda à verdade; isto é, é um direito dos católicos ou dos não católicos enquanto que seu modo de honrar a Deus e professar a religião se acomode à religião natural ou à verdade revelada que em parte possui.

Recordaremos os argumentos que temos estimado mais válidos em favor desta opinião [87].

1º.) A reta norma da consciência é a norma que se adéqua à verdade. Dela, e como coisa ordinária, se a consciência julga retamente, julga com verdade. Se a consciência ditam dimana com erro, ou é consciência errônea, de ordinário é porque não julga retamente.

2º.) O contexto em que estão estas palavras e as autoridades de Lactancio e de Leão XIII, que se aduzem para confirmá-las, supõem em Lactancio que a religião natural, cuja obrigação temos, é verdadeira religião segundo a reta razão; e Leão XIII fala da liberdade religiosa dos filhos de Deus, a qual a Igreja sempre reivindicou. Se referem, por conseguinte, ao exercício da verdadeira religião, como direito do homem.

3º.) Leão XIII e os Papas anteriores a João XXIII falaram constantemente da liberdade religiosa se referindo à verdadeira religião católica. Quando se trata do erro falaram de tolerância. É de crer que o pensamento de João XXIII, enquanto não se prove o contrário, segue a continuidade do pensamento de seus predecessores.

Cremos que estas são razões de grande força; e, se não tivéssemos mais que o texto oficial da encíclica, bastariam para resolver esta discussão.

Outros, contudo, sem negar este sentido legítimo das palavras de João XXIII, antes admitindo-lo, ampliaram e estenderam o sentido deste direito afirmando para o homem; ampliaram a interpretação de um modo universal, admitindo um direito a honrar a Deus e a professar a religião privada e publicamente segundo a norma da própria consciência, formada com sinceridade e boa fé, ainda que fosse errônea [88].

Recordaremos também as razões principais que se podem alegar em favor desta opinião [89].

1º.) A reta norma da consciência é a norma da consciência reta. E tanto com maior razão se admite esta interpretação, quanto que neste sentido se diz estava redigido no original italiano da encíclica. Ora, a consciência reta não é necessariamente, em linguagem hoje comum, uma consciência objetivamente verdadeira; pode ser errônea. Logo a reta norma da consciência não exclui que esta seja errônea, se o é de boa fé.

2º.) João XXIII, nesta passagem, tenta ar normas para a convivência social e paz social; e esta convivência exige que se reconheça os direitos de todos os demais, ainda aqueles que tem uma base subjetiva no erro, como é quando se trata de uma consciência invencivelmente errônea e que deve ser seguida pelo indivíduo.

3º.) Não poucas pessoas qualificadas e cercadas pelo ambiente romano onde saiu a encíclica, entenderam estas palavras de João XXIII em um sentido universal de liberdade religiosa para as pessoas de boa fé, e alegaram essas palavras em defesa desta opinião de liberdade em geral, dentro do bem comum e ordem moral [90].

Por isso dificilmente retiraremos à idéia de que na Pacem in terris, ainda que seja usada uma expressão ambígua, quis também assinalar o direito a professar a religião falsa, se procede por imperativo de boa fé, que há na consciência reta, mas errônea.

De fato, este é o sentido que nos pareceu prevalecer em muitos discursos e pareceres ao se discutir no Concílio os temas concernentes à liberdade religiosa.

Convém, contudo,  que examinemos detidamente o sentido desta doutrina e o alcance que lhe possa ser atribuído.

Comparação com o magistério anterior

Esta doutrina de João XXIII, se é entendido em um sentido universal aplicável a toda religião e com direito ao culto público de uma religião falsa, no que tenha de falsa, parece doutrina nova, comparada com o Magistério dos Papas anteriores. Se é entendido como um direito universal de todo homem a praticar o culto e a religião segundo a própria consciência, ainda que esta seja falsa, parece chocar com aqueles ensinamentos até Pio XI, inclusive, que afirmam que o erro, isto é, as pessoas que erram não tem nenhum direito a um culto errôneo nem a difundi-lo ou propagá-lo. Os Pontífices  falaram de uma tolerância com o erro, isto é, com as pessoas que erram, mas não de um direito a este exercício errôneo.

Contudo, se é certo que João XXIII pretendeu ensinar aqui um direito ao exercício da própria religião, qualquer que seja, contanto que seja segundo a norma da consciência reta, ainda que equivocada: esta doutrina poderia parecer nova comparada com a que até agora havia ressonado no Magistério pontifício; mas não seria nova na Teologia católica.

Porque a Teologia católica e a Ética natural ensinaram sempre a obrigação e, portanto, o direito a proceder segundo a consciência reta. Porque, quem procede em boa fé e busca a verdade com sincera vontade usando aqueles meios que estão a seu alcance, se, contudo, apesar desta diligência, permanece em um erro invencível, sem que possa sair dele pelos próprios meios, é claro que procede com reta consciência; e, como tem o dever de proceder segundo ela tem também o direito a segui-la. Já São Paulo no capítulo 14 aos Romanos e na 1ª carta aos de Corinto.

Este direito a seguir a consciência reta, mas equivocada, supõe, por conseguinte, na ordem individual pessoal um erro invencível, a boa fé e a diligência para se livrar do erro. Este direito não se encontra evidentemente na ordem dos direitos objetivos dos que estão na verdade, ou seja, tem consciência não só reta, mas além disso verdadeira. O direito da consciência reta, mas equivocada, pertence a ordem dos direitos alegados ou subjetivos, enquanto que sua base não é a ordem moral objetiva, mas a certeza subjetiva.

Na ordem social, isto é, na proteção havia fora da própria religião ou da própria opinião, o próprio João XXIII marcava alguns limites, que convém recordar, a propósito da manifestação pública da própria opinião. Dizia que “o homem por direito natural exige poder investigar livremente a verdade e, guardando a ordem moral e o bem comum de todos, pode declarar e divulgar sua opinião…” [92].

Estes limites marcados pela ordem moral e o bem comum limitam evidentemente as manifestações e profissões públicas de algumas religiões falsas ou de consciências equivocadas. Por exemplo, não se poderá alegar razoavelmente e justamente um direito à poligamia, porque uma consciência informada por sua religião (mórmons) a autorize. Não se alegará um direito ao aborto, porque uma consciência subjetiva o permita. Não se tolerarão sacrifícios humanos nem prostituição “sagrada”, porque consciências equivocadas por uma religião subjetivas as proponham. Não se permitirá pela sociedade que morra sem defesa um filho de uma família, porque os pais achem, segundo sua convicção religiosa, que não devem utilizar os serviços médicos.

Nestes e semelhantes casos a ordem moral e o bem comum limitam e impedem o uso de um alegado direito subjetivo de quem alegar que procede segundo sua consciência. A encíclica de João XXIII Pacem in terris, ao afirmar um direito de todo homem ao culto de Deus e a profissão privada e pública da religião evidentemente que não quer proclamar um direito ao exercício de toda aberração religiosa.

Se poderá perguntar como deve se entender a ordem moral e o bem comum, para ver até que ponto poderia se permitir o exercício de cultos religiosos falsos, no que tem de falsos. É claro que a ordem moral se pode entender em toda sua amplitude, e então abrca também, na hipótese real de um Deus revelador, os deveres naturais e positivos do homem a respeito de Deus que lhe comunicou em seu Filho Jesus Cristo. Até que ponto esta ordem moral, entendida em toda sua amplitude, limitaria o direito subjetivo e alegado dos que professam um falso culto ou falsa religião…?

A estes pormenores não descem a encíclica Pacem in terris nem outros documentos do tempo de João XXIII.

 

Em resumo:

 

1. A liberdade para o erro e o mal não se admite nos pontificados que acabamos de estudar, até Pio XII inclusive. Só se toleram. João XXIII entendeu também o direito à liberdade de imprensa como um direito que deve se enquadrar e praticar dentro da lei moral.

2. Na doutrina de Leão XIII, e sobretudo desde Pio XII em diante, é freqüente nos documentos pontifícios falar da dignidade da pessoa e de seus direitos, nominalmente o direito à liberdade para o exercício da religião. Mas o contexto desses ensinamentos indica que se proclama e defende um direito e liberdade para o exercício da religião verdadeira.

3. João XXIII ensinou na encíclica Pacem in terris o direito de honrar a Deus “segundo a reta norma da consciência” e de professar privada e publicamente a religião. É uma fórmula que se interpretou diversamente: para alguns só se afirmar o direito ao exercício da religião verdadeira ou de religiões falsas no que tenham de verdadeiras; para outros, ensinou-se também o direito ao exercício da própria religião, sempre que se proceda em boa fé, segundo uma consciência reta e sincera, ainda que equivocada.

Esta última interpretação supõe a admissão de um direito de ordem subjetiva, alegado e putativo, por se fundar em uma certeza subjetiva da consciência reta, mas equivocada.

4. Os documentos pontifícios desde Gregório XVI até Pio XII, sem exceção, ao falar das relações entre a Igreja e o Estado, louvavam a concórdia e mútua inteligência entre ambos poderes.

 

O Concílio Vaticano II

 

Propomos a doutrina do Vaticano II sobre a liberdade religiosa para compará-la depois com a dos Papas anteriores. Mas unicamente atendemos agora a alguns pontos principais que são necessários para a comparação e harmonização com os ensinamentos precedentes. Porque não pretendemos neste lugar propor e esgotar o Comentário que deve ser objeto de mais amplo espaço.

A Declaração conciliar sobre a liberdade religiosa se apresentou envolvida desde o princípio em diversos equívocos e ambigüidades que dificultavam e faziam muito trabalhosa a inteligência e a concórdia das diversas tendências. O próprio Relator da Comissão, Mons. De Smedt, teve que apresentar múltiplas relações ante o Concílio e lamentar seu número (foram 7); existia a dificuldade em chegar a um acordo que satisfizesse. A dificuldade cremos que teria sido vencida mais desde o princípio e, admitindo na Comissão peritos de outras tendência, se tivesse iniciado um diálogo franco e simples que permitira entender e ter presente o ponto de vista de cada partido e o razoável que havia em seus pensamentos e propósitos. Não podemos seguir agora passo a passo o caminho de postura e a evolução que se foi operando na maneira de propor o tema da liberdade religiosa e nos fundamentos que se foram aduzindo [93].

 

Que entende por liberdade religiosa?

 

Para o pensamento do Vaticano II é capital ter diante dos olhos como entende a liberdade religiosa e o direito à liberdade religiosa.

O que não entende

Por liberdade religiosa e por direito a esta liberdade não entende o direito a professar qualquer religião. Afirma, contudo, no primeiro número, que o caminho para que os homens se salvem é Cristo e que a única verdadeira religião está na Igreja católica e apostólica, e que todos os homens tem a obrigação de buscar a verdade, sobretudo nestas coisas que se referem a Deus e a sua Igreja, e devem abraçar e seguir a verdade depois de conhecê-la (n. 1, b).

O Concílio insistiu em que cada homem tem a obrigação (e o direito) de buscar a verdade na questão religiosa para se formar prudentemente com os meios adequados uma consciência reta e verdadeira acerca da religião (n. 3, a). Os ditames da lei divina o homem os conhece mediante sua consciência, a qual tem obrigação de seguir (n. 3, b).

O Concílio tampouco quis variar em nada a doutrina tradicional católica acerca das obrigações dos homens e das sociedades (notemos esta última palavra) em relação a verdadeira religião e da única Igreja de Cristo (n. 1, c). São afirmações conciliares que contradizem qualquer classe de indiferentismo religioso e o laicismo da sociedade.

O que entende

Ao falar da liberdade religiosa o Concílio entende a “imunidade de coação na sociedade civil” (n. 1. c), e diz que esta liberdade religiosa “consiste em que todos os homens devem estar isentos de coação por parte dos indivíduos e das agrupações sociais e de qualquer poder humano, de maneira que no religioso ninguém seja forçado a proceder contra sua consciência, nem impedido de proceder segundo ela privada e publicamente, ora sozinho, ora associado a outros, dentro dos devidos limites” (n. 2, a) [94].

Proposta assim a questão é claro que todo católico, retamente instruído, não pretende coagir ou violentar a outros para que abrace a fé católica ou para que realize pela força os atos e as manifestações do culto católico. Porque o ato de fé é um ato livre do homem (como ensina mais adiante no n. 10 da Declaração) e todo ato religioso, se vai acompanhado do ato interior, é um ato livre por sua própria natureza, e seria desvirtuá-lo pretender forçá-lo pela violência.

Também será fácil que os católicos admitam que não se deve impedir pela força o exercício privado da religião, realizado segundo a própria consciência, posto que a reta consciência é fundamento da obrigação. Também será fácil que os católicos admitam que não se deve impedir pela força o exercício público da religião, como proteção externa e co-natural do exercício privado, se é procedido segundo a consciência e dentro dos devidos limites. A dificuldade poderá estar em assinalar quais são estes devidos limites, dos quais falamos mais abaixo.

O fundamento principal da liberdade religiosa

O fundamento que propõe o Concílio para essa liberdade religiosa, assim entendida, como não coação, é a dignidade da pessoa humana (n. 2, a). Por razão desta dignidade pessoal, os homens têm uso da razão, vontade livre e responsabilidade própria; por isso cada um deles tem obrigação de buscar a verdade religiosa e de ordenar sua vida segundo as exigências desta verdade (n. 2, b). Por isto, além da liberdade psicológica, que os livram da coação interna, necessitam estar livre de coação e exigem esta imunidade de coação ou de violência externa (ibid).

O fundamento, por conseguinte, que pôs o Concílio para esta imunidade de coação externa no exercício religioso, prescindindo agora das mudanças e evoluções que teve desde o primeiro esquema proposto até chegar ao último, não está em uma disposição subjetiva da pessoa, como seria porque sua reta consciência lhe exigiria proceder desta maneira, mas o fundamento firmado na própria natureza da pessoa (ibid) [95]. Para que o ato religioso existe como deve existir, é preciso que seja livre e que não seja coagido pela força. A tendência de hoje na humanidade adulta é também a proceder segundo a própria e livre determinação e responsabilidade (n. 1, a).

Este direito a não ser coagido no religioso, evidentemente que o dá Deus para seguir a verdade e fazer o bem, mas se alguém não utiliza retamente sua liberdade para o bem e a verdade, seria dele responsável diante Deus, mas não por isso perderia o direito a não ser coagido no exercício religioso (posto que este exercício tem que ser livre); nem deveria ser impedido no que é conseqüência de suas livres e responsáveis determinações, contanto que se guarde a devida ordem pública (n. 2, b).

Em outras palavras: o indivíduo humano tem direito a proceder na religião de uma maneira livre e responsável. Tem, portanto, direito que se respeite sua responsabilidade e a área de sua responsabilidade, em privado e em público, enquanto não se violem o bem comum e os direitos dos demais. Não tem certamente direito para fazer o mal ou a seguir o erro; mas tem direito a não ser impedido de tomar decisões responsáveis. Diremos com um exemplo. Se o excesso do tabaco faz dano a saúde de um indivíduo e lhe prejudica física e moralmente, não tem direito ao que é moralmente mal. Mas tem direito que outros e que o Estado não lhe impeça o exercício de sua própria responsabilidade e iniciativa, enquanto não se prejudiquem os direitos de outros e o bem comum. Passando ao terreno religioso, o indivíduo e as comunidades tem direito ao exercício da religião verdadeira, e para isso tem direito a não ser coagidos no que deve ser livre pela própria natureza do ato religioso. Tem também direito, não a exercer um culto falso, mas sim de não ser impedido em sua livre e responsável opção religiosa, ainda no caso em que se equivoquem, inculpável ou culpavelmente; tudo isso, bem entendido, enquanto não se comprometam os direitos dos demais, a ordem pública e o bem comum. A questão mais difícil é a dos devidos limites com os quais se possa admitir ou tolerar o livre exercício da religião.

 

Os devidos limites

O exercício externo e público da religião, mesmo que se exerça em sociedade, está submetido a limites de caráter social.

O Concílio assinalou os limites a que está submetido o direito da liberdade religiosa. “No uso de todas as liberdades – disse – se há de observar o princípio da responsabilidade pessoal e social: no exercício de seus direitos cada um dos homens e dos grupos sociais estão obrigados pela lei moral a ter em conta os direitos dos demais e seus deveres a respeito dos demais e igualmente o bem comum de todos. Com todos se há de proceder segundo justiça e humanidade” (n. 7),

Que entende o Concílio por “ordem pública”, que limita o exercício da religião (n. 2, b; 3. D; 4, b)? Declara no n. 7, c:

A proteção que a potestade civil tem que prestar contra os abusos que poderiam se introduzir sob o pretexto da liberdade religiosa, “não deve se fazer de modo arbitrário ou favorecendo unicamente a uma parte, mas segundo normas jurídicas, conformes com a ordem moral objetiva, exigidas pela eficaz tutela dos direitos em favor de todos os cidadãos e para o pacífico harmonia entre eles; exigidas também pelo cuidado suficiente da honesta paz pública, que é a ordenada convivência na verdadeira justiça; exigidas, além disso, pela devida custódia da pública moralidade. Todas essas coisas constituem a parte fundamental do bem comum e estão incluídas sob o conceito de ordem pública” (n. 7, c). Também pertence ao bem comum da sociedade, a igualdade jurídica dos cidadãos (n. 6, d).

O conceito de “ordem pública”, implica, por conseguinte, segundo o Concílio uma “pública moralidade”, que se deve guardar; implica, além disso, uma “honesta paz pública”, “convivência ordenada na verdade justiça”; implica igualmente “normas jurídicas, conformes com a ordem moral objetiva”. Não é pouco o que aqui se inclui sob os conceitos de “ordem pública” e de “bem comum”. Não é pouco o que limita o arbitrário exercício público da religião, para que ninguém alegue um direito a não ser impedido no que contraria a pública moralidade. Por outra parte, o Concílio reconhece o perigo de que não poucos “com pretexto de liberdade rechaçam toda sujeição e pouco estimem a devida obediência” (n. 8. a).

Enquanto as sociedades ou comunidades o Concílio lhes reconhece, dentro dos limites das justas exigências da ordem pública (que antes descrevemos), uma imunidade para dar culto a Deus e se reger em seu regime interno e se administrar segundo suas próprias normas (n. 4, b, c).

Também lhes reconhece o direito a imunidade, para que não seja-lhe impedido ensinar publicamente e dar testemunho de sua doutrina (n. 4, d). Com o qual – segundo declaração expressa e oficial da Comissão – “o texto do esquema não reconhece o direito a ensinar publicamente o falso, mas que afirma um direito a imunidade de coação. Em outras palavras, o objeto do direito é a imunidade de coação, que não se pode dizer um direito meramente civil” [96]. A este respeito, com toda intenção se puseram as palavras restritivas ao princípio do número 4: “com tal de não violar as justas exigências da ordem pública (n. 4, b) [97]. E já sabemos como entende o Concílio esta “ordem pública” (cf. n. 7, c). Por outra parte o Concílio expressamente considera como “abuso do direito próprio e lesão ao direitos dos demais” o proselitismo que implica coação ou persuasão desonesta  ou menos reta, sobretudo tratando-se de pessoas rudes e necessitadas (n. 4, d) [98].

Relações da Igreja e a sociedade civil.

No tocante as relações da Igreja com a sociedade civil, o Concílio Vaticano II deixou intacta a doutrina tradicional “acerca da obrigação moral das sociedades a respeito da verdadeira religião e da única Igreja de Cristo” (n. 1, c).

Estas obrigações das sociedades civis perfeitas se manifestam mediante  seu órgão jurídico, que é o Estado.

O poder público excederá os limites de sua competência “se presumo dirigir ou impedir os atos religiosos” (n. 3, e) [99]; mas diz expressamente o Concílio que, ainda que o fim do poder público é procurar o bem comum temporal, “deve reconhecer a vida religiosa de seus súditos e favorecê-la” (n. 3, e). O Concílio, já se vê por estas palavras, que se opõe a um laicismo absoluto ou a uma não religiosidade absoluta por parte da sociedade e por parte do poder público temporal. Mais adiante propõe de modo concreto algumas exigências que podem se reclamar do poder temporal em ordem à tutela dos direitos invioláveis do homem: “o poder civil – disse –  deve assegurar eficazmente, por meio de leis justas e outros meios convenientes, a tutela da liberdade religiosa de todos os cidadãos, e proporcionar condições favoráveis ao desenvolvimento da vida religiosa, de modo que os cidadãos possam realmente exercitar os seus direitos e cumprir os seus deveres, e a própria sociedade beneficie dos bens da justiça e da paz que derivam da fidelidade dos homens a Deus e à Sua santa vontade” (n. 6, b).

Não se opõe, segundo o Concílio, à liberdade religiosa que a uma determinada religião seja concedido um reconhecimento civil especial no ordenamento jurídico da sociedade, contanto que se reconheça e observe a liberdade religiosa dos demais cidadãos e comunidades (n. 6, c) [100].

Se o poder público não pode violar a liberdade religiosa dos cidadãos, “muito mais faz contra a vontade de Deus e contra os  direitos da pessoa e da família de nações, quando emprega a força de qualquer maneira que seja, para destruir a religião ou para proibi-la seja em todo o gênero humano, seja em alguma região ou em um grupo determinado” (n. 6, e).

 

II. HARMONIZAÇÃO DA DOUTRINA DO MAGISTÉRIO EM SUAS DIFERENTES ETAPAS


 

Para combinar harmonicamente doutrinas do Magistério que podem parecer contrárias ou contraditórias entre si, convém em primeiro lugar: 1) examinar cuidadosamente o sentido das palavras usadas; sentido que pode ser diverso, ainda quando se utilizam o mesmos termos ou parecidos. 2) Deve-se atender ao ponto de vista em que se situou o que descreve uma situação de alguns direitos e obrigações.

1) Quanto ao sentido das palavras que são usadas, o Vaticano II definiu com muita precisão que entende por liberdade religiosa. Não é outra coisa, segundo este Concílio, que a imunidade de coação externa”, de maneira que nem seja alguém forçado externamente aos atos religiosos, nem seja impedido de realizá-lo livremente, dentro dos devidos limites. O direito à “liberdade religiosa”, será, por conseguinte, o direito a “imunidade de coação externa”, assim entendida. Já se vê que esta noção de liberdade religiosa não é a pretendida “liberdade de consciência” ou liberdade religiosa do século do liberalismo. Esta liberdade religiosa do liberalismo, indiferentismo e naturalismo pretendia abalar o jugo respeito de Deus legislador e Autor de uma religião positiva única para todos os homens. Pio IX, Leão XIII, Pio XI, Pio XII… rechaçaram esta liberdade religiosa que pretendia desconhecer os direitos de Deus e as obrigações dos homens para com Deus. Enalteceu – como vimos – outra verdadeira e autêntica “liberdade religiosa”, que é a liberdade para fazer o bem, a liberdade do domínio de si mesmo pra seguir as normas da moralidade, a liberdade dos filhos de Deus… A Pio XI, como também vimos, não agradava, pelo equívoco, a expressão “liberdade de consciência”. Preferia falar de “liberdade das consciências”, que proclama a não coação nem a repreensão no exercício legítimo da religião.

João XXIII falou de uma liberdade para venerar a Deus, segundo a reta norma da consciência, e para professar pública e privadamente a religião. Esta liberdade religiosa conota, ao menos na interpretação de muitos, um matiz subjetivo da consciência e um direito do homem de proceder segundo ela, e a não ser impedido no exercício da religião, dentro dos limites da ordem moral e do bem comum. Segundo seja o conceito de “liberdade religiosa”, que se tenha diante da vista, haverá que ver se comparam-se coisas iguais ou homogêneas, ou no lugar coisas diferentes, expressas com o mesmo termo. Este termo, considerado nas diferentes etapas históricas, não é unívoco, mas análogo.

2) O outro ponto que deve atender para a conciliação das doutrinas do Magistério, é o ponto de vista ou do enfoque em se situam os Pontífices ou o Concílio, segundo seja a finalidade que pretendem.

Os Pontífices do século passado e os deste século até Pio XII ao falar da liberdade e da tolerância religiosas se situavam em um ponto de vista do objetivo, universal e absoluto; em um ponto de vista dos princípios objetivos. Examinaram a ordem objetiva da moralidade e dos direitos de Deus para impor uma religião positiva ao homem e à sociedade; e dentro desta ordem objetiva moral  se viu a existência da religião revelada por Jesus Cristo, que subsiste na Igreja de Cristo. Segundo esta verdade objetiva proclamou-se as obrigações dos indivíduos e das sociedades em relação a religião em geral e em relação a verdadeira Igreja de Cristo em particular. Estes princípios se proclamaram, é verdade, em atenção as circunstâncias históricas dos tempos, em que pululavam os erros liberais, racionalistas e laicistas; mas, por isso mesmo que são princípios ou estão na linha dos princípios, tem valor universal.

O ponto de vista em que se situou João XXIII em seu famoso texto da encíclica Pacem in terris, afirmando para todo homem um direito a venerar a Deus segundo a reta norma de sua consciência e de professar privada e publicamente sua religião, se é certo que atendia à consciência de boa fé e sincera, prescindindo que fosse consciência verdadeira, era um ponto de vista do subjetivo de cada homem, do particular e do hipotético, isto é, na hipótese de uma consciência em boa fé, ainda que errônea. Era um ponto de vista das realidades subjetivas que existe no homem, dos quais também a Moral deve ter em conta enuncia também suas proposições. João XXIII, no caso em que falamos, admitidos por muitos, atendeu a ordem subjetiva da moralidade, isto é, as obrigações e direitos por razão da consciência subjetiva dos indivíduos. Assim pode falar de direitos, ao menos subjetivos e presumível, para o exercício privado e público da religião.

Poderia se pensar que o ponto de vista adotado pelo Vaticano II ao propor a imunidade de coação e de constricção para o ato religioso, é um ponto de vista pragmático, isto é, em ordem a oportunidade da ação, que neste caso seria a conveniência universal da não-coação nem constricção em tudo o que se refere ao exercício privado e público da religião. Poderia se perguntar se o único que pretendeu o Concílio é dar uma norma prática de conduta, atendidas as circunstâncias da sociedade internacional presente, que é pluriconfessional e requer para convivência pacífica, exigida pelo bem comum social, uma mútua tolerância, dentro de certos limites. Neste caso as normas dadas pelo Concílio na Declaração da liberdade religiosa seria de caráter disciplinar, mais do que doutrinal; e a esta maneira de pensar poderia dar sentido ao que lemos no número final da Declaração: “Portanto, para que as relações pacíficas e a concórdia entre o gênero humano fiquem restauradas e confirmadas, se requer que em qualquer lugar da terra se proteja a liberdade religiosa com eficaz tutela jurídica…” (n. 15, d). Durante algum tempo, enquanto se elaborava e discutia o esquema, se pode pensar que a finalidade da Declaração seria disciplinar e pragmática, não precisamente doutrinal; teria por objeto dar normas de conduta para a convivência, ainda que apoiadas em razões doutrinais.

Na Relação de Mons. De Smedt “sobre a Declaração da liberdade religiosa no esquema de decreto sobre o ecumenismo” (a. 1964) o Relator se expressava da seguinte maneira: “Nossa Declaração é pastoral. Qual é a natureza genuína desta Declaração: pastoral ou doutrinal? Ao Secretariado se pediu que preparasse um documento pastoral; e isto é o que temos querido fazer. Mas havia de evitar um duplo perigo: a declaração em um assunto tão difícil e que olha a consciência não pode se limitar a indicar alguns princípios meramente práticos nem pode adotar a forma de uma exposição meramente jurídica. Por esta causa temos exposto brevemente as razões doutrinas nas que parece que há de se apoiar em matéria da liberdade religiosa [101].

E na seguinte Relação (11 de novembro de 1964) ao apresentar o “texto emendado”, dizia o mesmo Mons. De Smedt: “Em nossa Declaração não se trata diretamente a matéria jurídica das relações entre a Igreja e o Estado, nem se intenta examinar o problema teológico acerca do direito e missão da própria Igreja para anuncia o Evangelho; nem se expõe a doutrina moral pela qual deve se conduzir o cristão em relação dos não cristãos e pela qual se exige a virtude moral da tolerância. É claro que estas coisas não são diretamente nosso objeto” [102].

Contudo, apesar de todas essas manifestações, que poderiam fazer crer que a Declaração da liberdade religiosa é de índole primariamente disciplinar ou pastoral e que não exige portanto, que se apurem até o extremo todos os argumentos e razões que oferece, nós cremos que a Declaração, tal como foi se alinhando e aperfeiçoando através das discussões e reelaborações, adota também um matiz doutrinal muito marcado, e que pretende claramente a partir do “textus recognitus” [103] expor e “desenvolver a doutrina dos últimos Sumos Pontífices acerca dos direitos invioláveis da pessoa humana e acerca da ordenação jurídica da sociedade” [104].

Também no número final, e a partir do “texto emendado” (1964) se agregaram as palavras, antes citadas, sobre a finalidade desta Declaração em ordem às pacíficas relações e concórdia entre o gênero humano, que também para eles era necessário, além da tutela jurídica da liberdade religiosa, que “se observem as supremas obrigações e direitos dos homens para levar livremente a vida religiosa na sociedade” [105]. Estas palavras se conservaram, em sua substância, até o esquema definitivo.

A Declaração da liberdade religiosa pretende também, por conseguinte, ensinar alguns direitos objetivos que existe na pessoa humana para que não seja coagida no exercício da religião, nem seja impedida nele, se o faz dentro dos devidos limites da ordem moral e do bem comum.

Do que foi dito até aqui consta abertamente que os diversos pontos de vista em que se pode considerar um problema podem fundamentar diversas e ainda opostas maneiras de falar. A consideração da ordem objetiva e universal dos princípios da religião revelada por Deus, fundamenta direitos objetivos, universais, absolutos e exclusivos da Igreja e dos católicos no exercício e propaganda de sua religião dentro das normas morais universais. A consideração do estado subjetivo das consciências fundamente direitos subjetivos e alegados para atuar interna e externamente, privada e publicamente, dentro dos devidos limites de não violar dos direitos de Deus e dos demais, que vem a ser dentro da lei moral e do bem comum. Estes direitos subjetivos não excluem nem negam as obrigações objetivas dos indivíduos e os direitos dos demais. A consideração das exigências da ordem social e da convivência pacífica fundamenta direitos de ordem social e civil, em ordem a não ser coagidos nem impedidos por ninguém no exercício da religião, se realizam-se dentro da ordem pública e da pública moralidade, isto é, dentro do bem comum.

Trata-se, a nosso ver, não de um direito meramente jurídico ou civil, mas de um verdadeiro direito natural, que tem sua expressão na ordem social e civil, para exigir respeito à própria responsabilidade e imunidade na área desta responsabilidade, sempre que não se violem direitos dos demais e do bem comum. O indivíduo não tem direito a seguir o erro e a fazer o mal; mas tem direito a exigir que os poderes políticos não se intrometam em suas livres determinações, enquanto não se viole a ordem pública e ao bem comum.

Outra maneira de examinar um problema é propô-lo a partir de ângulos diferentes. No caso presente é um problema no qual entram Deus e o homem, e o homem como ser individual e como ser social.

Visto a partir do ângulo de Deus equivale a examiná-lo a partir do ângulo da lei moral absoluta e universal, que é o que fez os Papas anteriores a João XXIII. Esta visão estabelece de uma maneira objetiva e absoluta os direitos de Deus e da Igreja, as obrigações do homem e da sociedade humana, e os direitos de quem está na verdade e busca o bem.

Visto a partir do ângulo do homem se pode examinar o problema desde a consciência humana que procede de boa fé, e completar a visão anterior com o novo aspecto que se oferece dos direitos, que temos chamado alegados e subjetivos, mas reais do homem que procede com sinceridade e diligência. Os limites do verdadeiro bem comum, dos legítimos direitos de quem está na verdade, e a pública moralidade, servem de fronteira ao direito subjetivo de atuar externamente e publicamente a religião professada de boa fé; se examina-se a partir do ângulo dos direitos da consciência.

Mas a partir do ângulo do homem se pode examinar este problema considerando os direitos exigidos por caráter responsável de suas ações, que é dizer pela dignidade da pessoa humana, que exige não ser coagido nas decisões dentro da área que não choca com os direitos dos demais, com a moralidade pública e com o bem comum. Estes direitos procedentes da dignidade da pessoa humana são os que o Vaticano II botou de destaque. Com ele descobriu a muitos um novo ângulo de visão que complementa a doutrina dos Papas anteriores. E este ponto de vista lhe propõe de modo que possa ser facilmente admitido por católicos e não católicos.

Esta nova visão do problema que exige a não-coação no religioso, que é coisa livre e pessoal, será muito fácil de admitir para quem não perdeu de vista o que sempre se afirmou na Igreja: que os atos religiosos são, por sua própria natureza, atos livres e que não devem coagir ou se obter pela força. Querê-los obter pela violência seria tirar sua natureza.

O direito de não ser impedido ou constrangido em um ato religioso privado, mas equivocado, é uma conseqüência e um pressuposto da liberdade do ato religioso. Não tem então o indivíduo direito a tal ação equivocada (porque o direito – como foi dito – é para a verdade e o bem); mas tem direito a não ser impedido no campo de sua responsabilidade e competência, enquanto não choque socialmente com direitos dos demais e se salvaguarde o bem comum.

Como trata de um ato religioso público e ainda comunitário subsiste o próprio direito (de não ser impedido), que é também pressuposto e conseqüência da liberdade do ato religioso, e proteção externa e social da liberdade pessoal. Mas aqui com mais razão subsistem as limitações de que antes foi falado,  por isso mesmo que o ato se faz público e comunitário. Os devidos limites da “justa ordem pública”, que quer dizer – segundo temos visto – publica moralidade, pacífica convivência na verdadeira justiça, e verdadeiro bem comum, são limites que limitarão o livre exercício público dos atos religiosos.

Determinar mais em concreto quando e ainda em que medida se verificam estas circunstâncias e limites; quando haverá verdadeiro direito a uma ação religiosa externa e quando será mais oportuno “tolerá-la” dentro do pragmático… passa o espaço e a intenção concedidas neste trabalho.

 

NOTAS


 

 

[1]. Este era um sério reparo que se fez por muito à “Relação” do capítulo V de Oecumenismo, que então era o esquema “sobre a liberdade religiosa”; esquema apresentado ao Concílio por Mons. De Smedt (19 de novembro de 1963). Pode se ler esta Relatio em francês em “La Documentation Catholique” 61 (1964) 71-81. As conclusões de índole histórica que se expunham nesta Relação exigiam um método histórico suficiente com a apresentação completa e imparcial dos documentos. Posteriormente, nos últimos esquemas, se prescindiu a questão histórica, que se deixava à discussão dos teólogos.

[2]. Cf. H. HOCEDEZ, Histoire de la Théologie au XIX siècle, I, Bruselas, 1949, pp. 84-85.

[3] “Atque ex hoc putidissimo indifferentismi fonte absurda illa flui tac errónea sententia seu potius deliramentum, asserendam ese ac vindicandam cuilibet libertatem conscientiae” (DENZINGER, Enchiridion symbolorum [D] n. 1613).

[4] Epist. 166 (105), 2, 10: ML 33, 400.

[5] Mirari vos (15 de agosto de 1832): D 1613.

[6] S. Augustinho, Epist. 105 (166), 2, 9: ML 33, 399.

[7] S. Leão M., Epist. 164 (133), 2: ML 54, 1149 B. Seguimos, com ligeiras variantes, a tradução de D. Ruiz Bueno, El Magisterio de la Iglesia, Barcelona, 1961.

[8] “Humana ratio, nullo prorsus Dei respectu habito, unicus est veri et falsi, boni et mali arbiter, sibi ipsi est lex et naturalibus suis viribus ad hominum ac populorum bonum curandum sufficit”.

[9] “Omnes religionis veritates ex nativa humanae rationis vi derivant; hinc ratio est princeps norma, qua homo cognitionem omnium cuiuscunque generis veritatum assequi possit ac debeat”.

[10] Historia del magistério pontifício sobre la libertad de consciência: “Orbis catholicus”, abril 1964, pp. 316-317.

[11] “Reipublicare status, utpote omnium iurium origo et fons, iure quodam pollet nullis circumscripto limitibus” (D 1739).

[12]. Na encíclica Etsi multa luctuosa (21 de novembro de 1873): D 1841.

[13]. Na encíclica Quod nunquam (5 de fevereiro de 1875): D 1842.

[14]. Diuturnum illud: D 1858.

[15] “Eadem libertas si consideretur in civitatibus, hoc sane vult, nihil esse quod ullum Deo cultum civitas adhibeat aut adhiberi publice velit: nullum anteferri alteri, sed eequo jure omnes haberi oportere, populi, si populus catholicum profit eatur nomen. nee habita ratione Quas ut recta essent, verum esse opporteret, civilis hominum communitatis officia adversus Deum aut nulla esse, aut impune solvi posse: quod est utrumque aperte falsum.” AAS 20 (1887-88) 604.

[16]. Libertas praestantissimum: AA 20 (1887-88) 604-605.

[17]. AAS 27 (1894-95) 390.

[18]. E Leão XIII cita em nota as proposições 19, 39, 55, 79 do Syllabus: D 1719, 1739, 1755, 1779.

[19]. AAS 55 (1963) 260.

[20]. Tampouco aprova a dualidade do homem público, no sentido de que possa desprender de seu catolicismo na vida pública “… non licere aliam officii formam privatim sequi, aliam publicae, ita scilicet, ut Ecclesiae auctoritas in vita privata observetur, in publica respuatur…” (D 1885).

[21]. “Illa quoque magnopere praedicatur, quam conscientiae libertatem nominant : quae si ita accipiatur, ut suo cuique arbitratu aeque liceat Deum colere, non colere, argumentis quae supra allata sunt, satis convincitur.—Sed potest etiam in hanc sententiam accipi, ut homini ex conscientia ottrcii, Dei voluntatem sequi et iussa facere, nulla re impediente, in civitate liceat. Haec quidem vera, haec digna filiis Dei libertas, quae humanae dignitatem personae honestissime tuetur, est omni vi iniuriaque maior : eademque Ecclesiae semper optata ac praecipue cara. Huius generis libertatem sibi constanter vindicavere Apostoli, sanxere scriptis Apologetae, Martyres ingenti numero sanguine suo consecravere. Et merito quidem propterea quod maximam iustissimamque Dei in homines potestatem, vicissimque hominum adversus Deum princeps maximumque officium, libertas haec christiana testatur. Nihil habet ipsa cum animo seditioso nec obediente commune…” AAS 20 (1887-88) 608-609.

[22]. AAS 16 (1924) 9.

[23]. Ibid.

[24]. Ibid p. 10.

[25]. «… doctrinae virus exploderent, quod liberalismus, quem vpcant, in ipsas rei publicae societatis venas iniecerat, eo commoto inter Ecclesiam et civitatem discidio, quod etmiserrime adhuc permanet et quam maxima populis detrimenta intulit». AAS 16 (1924) 360.

[26]. “Pestem dicimus aetatis nostrae laicismum, quem vocant, eiusdemque errores et nefários conatus”. AAS 18 (1925) 604.

[27]. Ibid. p. 605; D 2197.

[28]. Ibid.

[29]. AAS 17 (1925) 641-642.

[30]. “… nec doctrinae Ecclesiae, nec hominis aut civilis consortii naturae, luce fidei catholicae illustratae, satis congruit” Ibid.

[31]. AAS 25 (1933) 264-265.

[32]. Ibid., p. 272.

[33]. “terterrima nostri saeculi lues”. AAS 26 (1934) 586.

[34]. “tantopere letali laicistarum opera pessumdatae”. AAS 26 (1934) 629.

[35]. AAS 18 (1926) 519.

[36]. AAS 20 (1928) 11-13.

[37]. AAS 21 (1929) 301-302.

[38]. AAS 22 (1930) 89.

[39]. “… si ferri ac pati aliquo pacto poteramus, eos cultus, ad usum quod attinet, ‘admissos’ nuncupari, qui in ipso nationis Statuto, quod vocant, ex praefinita quadam ratione, ‘tolerati’ recte dicuntur…” AAS 22 (1930) 299.

[40] AAS 23 (1931) 301-302.

[41]. “Der gläubige Mensch hat ein unverlierbares Recht, seinen Glauben zu bekennen und in den ihm gemässen Formen zu betätigen. Gesetze, die das Bekenntnis und die Betätitung dieses Glaubens unterdrücken oder erschweren, sehen im Widerspruch mit einem Naturgesetz”. AAS 29 (1937) 160.

[42]. V. gr. Mons. De Smedt em La Documentation Catholique, 61 (1964) 79.

[43]. “Orbis catholicus”, abril de 1964, p. 328.

[44]. “In Verhängnisvollen Zug der Zeit liegt es, wie die Sittenlehre, so auch die Grund-legug des Rechteslebens und der Rechtspflege vom wahrem Gottesglauben und von den geoffenbarten Gottesgeboten, mehr uns mehr abzulösen”. AAS 29 (1937) 159.

[45] “… ein erstes und ursprüngliches Recht, die Erziehung der ihnen von Gott geschenkten Kinder im Geiste des wahren Glaubens und in Uebereinstimmung mit sinen Grundsarzen un Vorschriften zu bestimmen”. AAS 29 (1937) 160.

[46]. AAS 33 (1941) 200.

[47]. Ibid. 48. AAS 35 (1943) 19.

[48]. AAS 35 (1943) 19.

[49]. Parecia ser desta interpretação Mons. De Smedten a Relação antes citada: La Documentation  Catholique  61 (1964) 79.

[50]. AAS 34 (1942) 16-17.

[51]. AAS 34 (1942) 19.

[52]. Ibid.

[53]. AAS 34 (1942) 283-284.

[54]. AAS 37(1945) 14.

[55]. AAS 37(1945) 22.

[56]. AAS 41 (1949) 458.

[57]. AAS 42 (1950) 516.

[58]. AAS 38 (1946) 393.

[59]. AAS 42 (1950) 841.

[60]. «…These rights and duties are carefully measured and balanced by the demands of the dignity of the human person and family on one side, and of the common good on the other». AAS 43 (1951) 552-553.

[61].  A Declaração n. 4, se refere a justa ordem pública (“dummodo iustae exigentiae ordinis publici non violentur”); mas no n. 7, tratando dos limites da liberdade religiosa, atende às exigências do bem comum em toda sua amplitude: “In usu omnium libertatum observandum est principium morale responsabilitatis personalis et socialis: in iuribus suis exercendis singuli homines coetusque sociales lege morali obligantur rationem habere et iurium aliorum et suorum erga alios officiorum et boni omnium communis.”

[62]. AAS 46 (1954).

[63]. AAS 45 (1953).

[64]. Ibid, p.798.

[65]. Ibid.

[66]. Utrum infidelium ritus sint tolerandi: 2. 2, q. 10, a. 11.

[67]. AAS 45 (1953) 799.

[68]. “Primo: cio che non risponde allá verità norma morale, non ha oggettivamente alcun diritto nè al esistenza nè Allá propaganda, nè all’azione”. AAS 45 (1953) 799.

[69].  AAS 45 (1953) 799.

[70].  Ibid, pp. 799-800.

[71].  AAS 47 (1955) 678.

[72].  Canon 1351.

[73].  Porque pode ser secundário o que cada um pensa pessoalmente e sua sinceridade nele.

[74].  AAS 47 (1955) 678-679.

[75].  AAS 47 (1955) 679-680.

[76]. AAS 51 (1959) 72.

[77]. AAS 51 (1959) 73.

[78]. AAS 51 (1959) 423.

[79]. AAS 51 (1959) 479.

[80]. AAS 51 (1959) 505.

[81]. AAS 52 (1960) 47.

[82]. Ibid, p. 48.

[83]. AAS 54 (1962) 682.

[84] Divinae Institutiones, lib. 4, c. 28, 2: ML 6, 535.

[85]. Libertas praestantissimum: Acta Leonis XIII, VIII, PP. 236-238; AAS 20 (1887-88) 608.

Pela importância desta passagem da Pacem in terris, damos também o texto latino: “In hominis iuribus hoc quoque numerandum est, ut et Deum, ad rectam conscientiae suae normam, venerari possit, et religionem privatim publice profiteri. Etenim, quemadmodum praeclare docet Lactantius, «hac condicione gignimur, ut generanti nos Deo iusta et debita obsequia praebeamus, hunc solum noverimus, hunc sequamur. Hoc vinculo pietatis obstricti Deo et religati sumus, unde ipsa religio nomen accepit». Qua de eadem re Decessor Noster imm. mem. Leo XIII haec asseverat: «Haec quidem vera, haec digna filiis Dei libertas…[este texto de Leão XIII temos já transcrito anteriormente na nota 21]” AAS 55 (1963) 260-261.

[86]. V. gr., deste parecer VICTORINO RODRÍGUEZ, La “Pacem in terris” y La libertad religiosa: “La Ciencia Tomista” 90 (1963) 664-685.

[87]. Cf. “Orbis catholicus”, abril 1964, PP. 340-341.

[88]. V. gr. J. M. DÍEZ-ALEGRÍA, La encíclica “Pacem in terris” y los hombres de buena voluntad, em Comentarios civiles a La Pacem in terris”, Madrid, 1963, p. 109; J. RUIZ-GIMÉNEZ, Pacem in terris. Presentación, sinopsis, notas, Madrid, 1964, p. 20.

[89]. Cf. “Orbis catholicus”, abril de 1964, PP. 341-342.

[90]. Por exemplo, Mons. De Smedt, na Relação ao Concílio: La Documentation Catholique 61 1964) 76; e o Cardeal Bea em sua conferência sobre a “Libertad religiosa y transformaciones de La sociedad” a La “Unión de juristas católicos italianos” em Roma, 13 de dezembro de 1963.

[91]. Cf. SANTO TOMÁS, 1. 2, q. 19, a. 5, 6.

[92]. “Homo praeterae iure naturae postulat…, ut libere possit verum inquirere, ET morali ordine communique omnium utilitate servatism opinionem suam declarare, vulgare ET artem qualemcumque colere…” AAS 55 (1963) 260.

[93]. Escreveu ultimamente sobre esta evolução, VICTORINO RODRÍGUEZ, Estudio histórico-doctrinal de La Declaración sobre libertad religiosa Del Concilio Vaticano II: “La Ciencia Tomista” 93 (1966) 93 (1966) 282-315.

[94]. Sobre o que deve se entender  por coação, que a nosso entender deve distinguir-se da pressão psicológica, em ocasiões legítimas, necessária as vezes na educação, cf. F. SEGARRA, La libertad religiosa a La luz Del Vaticano II, Barcelona, 1966, p. 16-18.

[95]. Cf. também J. COURTNEY MURRAY, La Déclaration sur la Liberté religieuse, Nouvelle Revue Théologique” 88 (1966), p. 45-51.

[96]. Schema declarationis de libertate religiosa. Modi a Patribus Conciliaribus propositi, a Secretariatu ad christianorum unitatem fovendam examinati et Textus, Typis polyglottis Vaticanis, 1965, Modi n. 4, modus 16, p. 48.

[97]. Cf. ibid., p. 48-49.

[98]. Cf. ibid., modus 18, p. 49.

[99]. O entendemos na hipótese da ordem atual de uma religião positiva instituída por Deus, a cuja hierarquia deu este poder exclusivo. Não parece que o Concílio teve a intenção de falar de uma maneira absoluta, também na hipótese da religião meramente natural.

[100]. “Si attentis populorum circumstantiis peculiaribus uni communitati religiosae specialis civilis agnitio in iuridica civitatis ordinatione tribuitur, necesse est ut simul omnibus civibus et communitatibus religiosis ius ad libertatem in re religiosa agnoscatur et observetur.” (n. 6, c).

[101]. Relatio super Declarationem de libertate religiosa schematis decreti de oecumenismo, Typis polyglottis Vaticanis 1964, p. 5, lín. 10-17.

[102]. Schema declarationis de libertate religiosa seu de iure personae et communitatum ad libertatem in re religiosa, Typus polyglottis Vaticanis 1964, p. 27, n. 2 (Relatio).

[103]. Distribuído aos Padres durante a 4ª e última etapa conciliar (1965), depois de discutir na Aula, de 15 a 22 de setembro de 1965, o “textus reemendatus”, que em junho de 1965 se enviou aos Padres. É o penúltimo texto que se elaborou, antes do definitivo, que foi o que se apresentou com a “expensio modorum”.

[104]. Schema declarationis de libertate religiosa, Typis polygottis Vaticanis 1965 (Textus recognitus), n. 1, p. 4, lin. 15-18. As mesmas palavras se conservaram no último esquema aprovado, e no mesmo número 1, c.

[105].  “Prinde ut pacificae relationes et concórdia in genere humano instaurentur et firmentur, (omnino) requiritur ut ubique terrarum libertas religiosa efficaci tutela iuridica muniatur et iura ad vitam religiosam libere in societate ducendam observentur”. É o “textus recognitus”. Schema declarationis de libertate religiosa (a. 1964), p. 17-18.

Fonte: “Salmanticensis” volume 17 (1970), páginas 57-109.

PARA CITAR


NICOLAU, Pe. Miguel. Magistério Eclesiástico sobre a liberdade religiosa: conciliação harmônica de seus ensinamentosDisponível em: < http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/concilio-vaticano-ii/liberdade-religiosa/692-magisterio-eclesiastico-sobre-a-liberdade-religiosa-1970-miguel-nicolau >. Desde: 08/06/2014. Tradução: Nelson M. Sarmento.

 

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