INTRODUÇÃO
Muitos protestantes modernos costumam tentar se utilizar de alguns versículos bíblicos para dizerem que Jesus teve irmãos, filhos de Maria, tais como: Mt 1,25; 12,48; 13,55-56; Lc 8,19; Jo 2,12; 7,3; At 1,14; Gl 1,19 e 1Cor 9,5. Pois bem: será que é esta a ideia que sempre se teve na Igreja, ao serem lidos tais versículos? Podemos adiantar: não. Não conhecemos Padres da Igreja, ou algum cristão que tenha permanecido na ortodoxia durante, pelo menos, os dezesseis primeiros séculos, e que tenha feito tal interpretação destes versículos.
Sobre a leitura patrística dos versículos elencados acima, é assunto para outra matéria, pois o que iremos tratar aqui é o pensamento de um dos mais destacados “reformadores” protestantes: João Calvino.
É interessante notar a posição de Calvino, que mesmo sendo inimigo ferrenho da Igreja romana, tinha a mesma ideia dela: a de que é um erro afirmar, a partir das Escrituras, que Maria teve outros filhos além de Jesus. Alguns protestantes podem tentar reclamar: “mas ele foi influenciado pela doutrina católica, tinha saído do ‘romanismo’”. Convidamos a estes, então, que leiam as “cortesias” e “elogios” tecidos e dirigidos por Calvino, à Igreja romana, em seus escritos: dificilmente um homem tão crítico deixaria se influenciar num ponto desse, pelo “romanismo” que ele tanto critica em suas páginas.
Logo abaixo, então, iremos expor os comentários de João Calvino aos versículos mais utilizados pelos protestantes modernos para tentar alegar que Maria teve outros filhos, e indicar que esta “crença” é novidade desconhecida pelos próprios “reformadores” protestantes.
MATEUS 1,25
“(…) “E não a conheceu” Esta passagem proporcionou o pretexto para grandes perturbações, que foram introduzidas na Igreja, em um período anterior, por Helvídio. A inferência que ele dá a isso era, de que Maria permaneceu virgem não mais do que até seu primeiro parto, e que depois ela teve outros filhos com seu marido. Jerônimo, por outro lado, sinceramente e copiosamente defendeu a virgindade perpétua de Maria. Ficamos satisfeitos com isso, que nenhuma outra justa e bem fundamentada inferência pode ser extraída destas palavras do evangelista, como o que ocorreu após o nascimento de Cristo. Ele é chamado de primogênito; mas é para o único propósito de nos informar que ele nasceu de uma virgem. Diz-se que José não a conheceu até que deu à luz ao seu filho primogênito; mas isto é limitado aquele próprio tempo. O que aconteceu depois, o historiador não nos informa. Tal é bem conhecido por ter sido a prática dos escritores inspirados. Certamente, ninguém nunca vai levantar uma questão sobre este assunto, a não ser por curiosidade; e ninguém vai manter obstinadamente o argumento, com exceção de um carinho extremo para a disputa.” (Comentário a Mateus 1,25)
MATEUS 13,55-56
“(…) A palavra “irmãos”, que mencionamos anteriormente, é empregada de acordo com o idioma hebraico, para denotar algum parente qualquer, então, portanto, Helvídio mostrou ignorância excessiva ao concluir que Maria deve ter tido muitos filhos, porque algumas vezes são mencionados “irmãos” de Cristo. (…)” (Comentário a Mateus 13,55-56)
MATEUS 12,48
“(…)Ele [Jesus] reconhece os seus discípulos e todos os fieis na mesma categoria honrosa, como se fossem seus parentes mais próximos, ou melhor, Ele colocou-os no mesmo espaço que sua mãe e irmãos. Agora, esta declaração está intimamente ligada com a função de Cristo. (…)” (Comentário a Mateus 12,48)
LUCAS 8,19
“(…) E sua mãe e seus irmãos vieram a Ele. Há uma aparente discrepância aqui entre Lucas e outros dois Evangelistas; para estes, de acordo com a estrutura de suas narrativas, eles retratam a mãe e os primos de Cristo como tendo vindo enquanto Ele estava discursando sobre o espírito impuro, enquanto ele se refere a um momento diferente, e menciona apenas a exclamação da mulher, que nós explicamos agora há pouco. (…)” (Comentário a Lucas 8,19)
JOÃO 2,12
“(…) E seus irmãos. A razão pela qual os irmãos de Cristo o acompanhavam, não pode ser determinada com certeza, a não ser, talvez, que tivessem a intenção de ir junto com Ele a Jerusalém. A palavra “irmãos”, como é bem sabido, é empregada na língua hebraica para denotar primos e outros parentes. (…)” (Comentário a João 2,12)
JOÃO 7,3
“(…) ‘Disseram-lhe, pois, seus irmãos’. Sobre a palavra “irmãos”, os hebreus incluem todos os primos e outros parentes, qualquer que seja o grau de afinidade. (…)” (Comentário a João 7,3)
ATOS 1,14
“(…) Ele [Lucas] contou a mãe de Jesus com outras mulheres, a qual, a propósito, é dito que João a manteve em sua própria casa. Mas, como eu já disse antes, eles se encontraram todos juntos agora por apenas pouco tempo para que isso não seja colocado em dúvida, mas depois seriam separados uns dos outros. É sabido que, entre os hebreus, todos os parentes são compreendidos sob a palavra “irmãos” (…)” (Comentário aos Atos dos Apóstolos 1,14)
GÁLATAS 1,19
“(…) Exceto Tiago. Quem este Tiago era, merece investigação. Quase todos os antigos estão de acordo de que ele era um dos discípulos, cujo apelido era “Oblias” e “o Justo”, e que presidiu a Igreja de Jerusalém. No entanto, outros pensam que ele era filho de José por outra esposa, e outros (o que é mais provável), que ele era primo de Cristo da parte de sua mãe. Mas como ele está mencionado entre os apóstolos, eu não possuo esta opinião. Nem há qualquer firmeza na defesa feita por Jerônimo, que a palavra “apóstolo” as vezes é aplicada para outros além dos doze; no assunto em questão, é a dignidade mais alta do apostolado, e logo veremos que ele foi considerado um dos pilares (Gal 2,9). Parece-me, portanto, muito mais provável, que a pessoa de quem ele está falando é o filho de Alfeu. (…)” (Comentário aos Gálatas 1,19)
1 CORÍNTIOS 9,5
“(…) Como também os outros apóstolos. Além da permissão do Senhor, ele menciona a prática comum de outros. E com o objetivo de trazer de forma mais completa a renúncia a seu direito, ele procede passo a passo. Por primeiro, ele antecipa os apóstolos, e então acrescenta: “Não, até mesmo os irmãos do Senhor, também eles, fazem uso disso sem hesitação – mais ainda, mesmo o próprio Pedro, a quem o primeiro lugar é designado pelo consentimento de todos, permite-se a mesma liberdade. Por irmãos do Senhor, ele está se referindo a João e Tiago, que eram considerados pilares, como ele mesmo diz em outro lugar (Gálatas 2,9). E, conforme o que é habitual nas Escrituras, ele dá o nome de “irmãos” àqueles que estavam ligados a Ele por relacionamento. (…)” (Comentário à primeira carta aos coríntios 9,5)
CONCLUSÃO
Conforme fora anunciado na introdução, Calvino jamais leu versículo algum das Escrituras chegando à conclusão de que Jesus teve irmãos, filhos de Maria. Ele permaneceu, neste âmbito, ao lado da ortodoxia católica: junto de Jerônimo e da companhia de outros de 16 séculos antes dele, desenvolvendo em suas arguições um raciocínio similar ao que foi defendido por nós aqui: concluindo que o “Tiago” de Gálatas 1,19 é filho de Alfeu (passando longe de chamar de “terceiro” ou “quarto” Tiago que aparece no Novo Testamento, como alegam alguns protestantes modernos), ou concluindo que, por vezes, a utilização da palavra “irmãos” nas Escrituras (Lc 8,19; Jo 2,12; At 1,14; Mt 13,55-56 etc.) se refere a primos ou parentes num contexto hebraico, e que até mesmo não é possível concluir que Mt 1,25 tem a pretensão de inferir sobre um futuro, concluindo apenas aquilo que o versículo está querendo afirmar: a concepção virginal de Maria, chamando de “perturbações introduzidas na Igreja” e “ignorância excessiva” as tentativas de afirmar que Maria teve outros filhos.
Fica patente que a “crença” de que Jesus teve irmãos de sangue, não passa de novidade até mesmo para a “ortodoxia protestante”, e que esta maneira de ler as Escrituras nunca esteve em harmonia com a ortodoxia e o depósito da fé.
Calvino, por fim, não negou a virgindade perpétua de Maria:
“(…) Em uma palavra, a maior felicidade e glória da Virgem santa consiste em ela ser um membro de seu filho, a fim de que o Pai celeste a conte no número das novas criaturas (…)” (João Calvino – Harmonia dos Evangelhos, vol. 2, p. 51)
PARA CITAR
OLIVEIRA, Lucas. Jesus teve irmãos? Uma resposta de João Calvino. Disponível em: <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/apologetica/protestantismo/787-jesus-teve-irmaos-uma-resposta-de-joao-calvino> Desde: 08/04/2015.