[O cardeal Michael Browne (1887- 1971) foi um religioso irlandês e mestre geral da Ordem dos Pregadores. Foi feito cardeal pelo Papa São João XXIII. Durante o Concílio Vaticano II fez parte do grupo Coetus Internationalis Patrum. Este era um grupo tradicional que reagia às pretensões progressistas de Padres e peritos conciliares. Monsenhor Marcel Lefebvre fez parte deste grupo, inclusive. Na imagem da Introdução à direita do leitor aparece o frei Michael Browne visitando o Convento de Queluz em 10 de Março de 1962]
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Em.mo P. Card. MICHAEL BROWNE.
Em.mos Presidente e Moderadores, veneráveis Padres,
Aquilo que estou para dizer se refere ao nosso esquema quase unicamente sobre o aspecto da doutrina teológica.
Sabemos que hoje a maioria dos Estados não são católicos, são acatólicos ou de religião mista[1]. Reconheço também que nas Constituições dos Estados, mesmo nos Estados católicos, deve-se levar em conta o bem comum de toda a família humana, a razão pela qual os governantes dos Estados devem legislar deve ser determinada pelo bem comum, levando em conta a prudência de governar.
Não quero dizer nada que minimamente atinja os nossos amados irmãos separados. Confio certamente na retidão deles pela qual desejam que, com toda a sinceridade, eu dê meu parecer somente sobre o aspecto doutrinal.
A doutrina dos Pontífices Romanos a respeito da liberdade religiosa nunca impôs a fé a quem não a preferia, mas levava em conta, principalmente, três coisas: a) que num Estado, sobretudo católico, a fé que tem o povo seja prudentemente cuidada; b) para que no Estado Católico, a autoridade pública católica igualmente se mantendo, justa, e benigna para com os súditos não católicos promova a religião católica, através de um acordo amigável com a Igreja; c) para que num Estado de religião mista, a autoridade pública também se mantenha justa e benigna com a Igreja.
O nosso esquema nos seus elementos mais essenciais pode-se resumir assim:
1. A liberdade religiosa aqui se põe como direito natural, tanto dos indivíduos como das comunidades, para se ter um direito civil na sociedade, isto é, de professar a religião, não só enquanto se entende esta religião como simples culto do verdadeiro Deus, mas, sobretudo, enquanto se entende como qualquer forma de culto divino, admitindo-se que venha de uma consciência sincera própria e aprovada e mesmo para que ela seja ensinada verbalmente e por escrito dentro de certos limites…[2]
2. Esse direito natural aqui se põe como fundado proximamente na dignidade da pessoa humana…[3]
3. O poder civil quanto a ordenação temporal aqui se mostra incompetente sobre esse direito, a não ser, na medida na qual em relação ao mesmo, está relacionado ao ordenamento temporal…[4]
4. Os limites ou condições entre as quais a liberdade, assim compreendida, pode ser exercida são, segundo o esquema, para que por ela (a) não se perturbe a ordem pública; (b) não seja violada a moralidade pública; (c) nem se ofendam os direitos de outros…[5]
Agora[6], quanto ao fundamento próximo aduzido, isto é, a dignidade da pessoa humana, pode-se dizer, certamente, muitas coisas. Quanto ao presente note-se a máxima dignidade da pessoa humana consiste na sua elevação à ordem sobrenatural pela fé e pelas virtudes que se estabelecem pela fé. Esta dignidade exige que a fé seja prudentemente preservada, e que as religiões que não se fundam na fé sobrenatural, não lhes seja permitido que prejudiquem a fé. Sim, nada se faça que os que professam essas religiões sejam diminuídos, mas com toda[7] a caridade e benignidade sejam verdadeiramente tratados, e as suas opiniões segundo o ditame de toda[8] caridade devem ser sustentados, contudo, não há igualdade entre aqueles direitos e os direitos da fé. Não é aceitável, portanto, parece, que se conceda iguais direitos aquelas opiniões de divulgar com pregação pública[9] no Estado católico ou pela difusão de seus livros.
Quanto ao fundamento mais remoto que se põe, isto é, que o poder da autoridade civil se restringe as coisas temporais e por isso não se estende aquelas coisas que dizem respeito à religião, digo[10]: isto em parte é verdadeiro e em parte não é verdadeiro.
Certamente, pela sua qualidade natural, o poder civil está ordenado a busca do bem temporal comum, contudo com fim da virtude intelectual e moral, inclusive a religião. Os homens, contudo, que governam o Estado, assim como os cidadãos que são governados, podem com as razões da credibilidade e pela graça de Deus, descobrir a verdadeira fé e abraça-la, e, se o Estado é constituído de católicos, os governantes devem governa-los levando em consideração a verdadeira fé que professam, e na qual consiste o seu verdadeiro bem.
Quanto as condições, ou limites da liberdade religiosa trazido pelo esquema, observo:
a) Sobre a primeira nada tenho a dizer;
b) Mas da segunda pode-se perguntar: se a difusão pública de outra religião num Estado católico seja, ou não, uma violação da moralidade pública? Parece que seja sim: Uma ofensa a fé católica pela difusão de outra religião, sem dúvida, isto se refere a moralidade pública num Estado católico;
c) Sobre a terceira também pode-se perguntar: a difusão pública de outra religião num país católico ofende ou não ofende os direitos de outros? Assim parece que ofenda esses direitos. Os católicos têm direito que sua religião não se exponha a algum perigo tanto quanto a si mesmo, quanto a de seus filhos.
Eu acrescento: Deus também tem direito que a religião instituída por Ele e abraçada por um povo cristão de determinado Estado católico[11] seja prudentemente protegido de perigos.
Considerada todas essas coisas, parece-me que o esquema ainda deve ser corrigido segundo essas coisas que dizemos.
Aliás, julgo humildemente que a questão da liberdade religiosa hoje assim se poderia propor, e talvez se devesse propor, isto é[12], “com que razão hoje se devem comportar quanto a liberdade religiosa os governantes que são cidadãos da religião católica, visando o verdadeiro bem comum do respectivo Estado, levando em conta também a religião dos outros em especial de toda a família humana?”. Terminei.
[1] Agnosco.
[2] (cf. pag. 6, linn. 5-8; pag. 11, linn. 21-15; pag. 12, linn 4-7; pag. 16, linn. 1-4; pag. 17, linn. 15-24).
[3] (cf. pag. 5, linn. 15-18; pag. 6, linn. 6-8; pag. 7, linn. 11-14; pag. 13, linn. 1-5).
[4] (cf. pag. 6, linn. 10-15; pag. 8, lin. 30; pag. 9, lin. 13).
[5] (cf. pag. 8, linn. 7-8; ib. lin. 25; pag. 10, linn. 5-13).
[6] deest.
[7] deest
[8] deest
[9] deest
[10] deest
[11] deest
[12] deest
FONTE
ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II, volumen IV periodus quarta, Pars I, Sessio publica VI, Congregationes Generales CXXVIII-CXXXII, 1976, pp. 403-405.
PARA CITAR
BROWNE, Card. Michael. Intervenção do Cardeal Michael Browne sobre o esquema da Liberdade Religiosa no Concílio Vaticano II. Disponível em <http://www.apologistascatolicos.com.br/index.php/vaticano-ii/libedade-religiosa/999-intervencao-do-cardeal-michael-browne-sobre-o-esquema-da-liberdade-religiosa-no-concilio-vaticano-ii> Desde 12/11/2017. Tradutor: CDJ.